José Luís, Sandra, David: Três enólogos do Esporão à conversa

Três enólogos entrevista

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Após 28 anos a liderar a enologia do Esporão, David Baverstock passou a coordenar a Educação e Cultura Vínica da empresa, fazendo também o acompanhamento de mercados externos como “embaixador” da marca. Porém, cubas e barricas não […]

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Após 28 anos a liderar a enologia do Esporão, David Baverstock passou a coordenar a Educação e Cultura Vínica da empresa, fazendo também o acompanhamento de mercados externos como “embaixador” da marca. Porém, cubas e barricas não ficam definitivamente para trás, pois vai continuar a apoiar os responsáveis técnicos Sandra Alves, no Alentejo, e José Luís Moreira da Silva (Quinta do Ameal e Quinta dos Murças). A mudança na vida deste australiano de alma e coração português constituiu o pretexto para uma animada conversa com os três enólogos, onde falámos dos novos desafios que todos têm pela frente.

TEXTO: Luís Lopes

David, em Portugal, começaste por trabalhar em 1982, em vinho do Porto, passaste em 1991 para o vinho Douro e em 1992 chegaste ao Alentejo, e ao Esporão. Conheces bem as duas regiões, portanto. Sabes que vários produtores e enólogos, sobretudo do norte do país, ainda olham para o Alentejo como uma região homogénea, plana, que faz vinhos muito iguais. O que dirias a quem vê o Alentejo dessa forma?

DB – Quem diz isso só pode estar com inveja (risos). No Alentejo conseguimos fazer vinhos com escala, de qualidade superior, e praticamente todos os anos, o que no Douro é mais difícil. E os melhores vinhos do Alentejo competem ao mesmo nível dos melhores vinhos do Douro, numa rivalidade muito saudável entre duas grandes regiões. Mas o Alentejo é muitíssimo mais diverso, em termos de solos, castas e clima, do que algumas pessoas pensam. O que tem Beja a ver com Reguengos? Portalegre, por exemplo, é uma das sub-regiões que vai seguramente dar cartas nos próximos anos…

O José Luís tem feito o seu percurso profissional no Douro, entrou no Esporão em 2015 directamente para a Quinta dos Murças, mas recentemente também “mergulhou” nos Vinhos Verdes, tendo já em 2019 liderado a primeira vindima na Quinta do Ameal. Como é passar de uma região continental para uma região atlântica, do xisto para o granito, das Tourigas para o Loureiro?

JLMS – É uma mudança realmente muito grande. O Douro tem o calor, a secura, é uma região de extremos. Chega-se ao Lima e é tudo verde. Fazer a viagem entre Murças e Ameal, durante as vindimas, é como mudar de mundo. É evidente que em termos de viticultura os desafios são muito diferentes, mas o objectivo acaba por ser o mesmo: produzir vinhos de qualidade que expressem cada uma das quintas. No Douro, a expressão do calor e da concentração, nos Vinhos Verdes a expressão da frescura, da leveza, da exuberância.

Três enólogos entrevista
José Luis Moreira da Silva

Uma vindima é certamente pouco para ficar a perceber o Vale do Lima e o terroir da Quinta do Ameal em particular. Ainda assim, o que mais o surpreendeu pela positiva? E qual o principal desafio a superar no Ameal?

JLMS – O que mais me surpreendeu foi a casta em si, a Loureiro. Estou no Douro habituado a trabalhar com 30 castas e nos Verdes passei a trabalhar só com uma. Mas a Loureiro é tão especial no Ameal e no vale do Lima, está tão bem adaptada ao local, que não apetece ali experimentar outras. Fiquei espantado com a sua plasticidade, capaz de fazer vinhos com perfis muito distintos e, sobretudo, vinhos longevos. Quanto ao grande desafio, para mim, passa por perceber melhor a origem, perceber melhor a casta e perceber até onde é que a podemos “esticar”, o que podemos fazer de diferenciador, como a podemos levar a oferecer uma expressão cada vez mais verdadeira.

 “O que mais me surpreendeu no vale do Lima foi a casta em si, a Loureiro”, José Luis Oliveira e Silva

Tal como David Baverstock, também a Sandra começou no Douro e integrou a equipa do Esporão em 2001. É fácil ou difícil trabalhar com o David? 

SA – Quando cheguei ao Esporão era uma miúda, tinha acabado de sair da Universidade. Foi o David quem me acolheu na equipa, quem me ensinou as principais bases da prova e da enologia, foi ele o meu grande mestre ao longo de 20 anos. E 20 anos é quase metade da minha vida, acho que isso diz tudo… Posso dizer que foi muito fácil trabalhar com ele, é uma pessoa genuína, generosa, que gosta de partilhar o conhecimento. Foi uma sorte ter calhado com alguém com a personalidade dele.

Durante vários anos foi responsável pelos vinhos brancos do Esporão, só mais tarde alargando esse trabalho aos tintos. Há quem diga que fazer um grande branco é mais difícil do que um grande tinto. Está de acordo?

SA – Quando em 2004, ainda com pouco tempo de Esporão, me propuseram ficar com os vinhos brancos, confesso que pensei algo como “ainda agora comecei e já vou ficar com a minha carreira estragada, será muito difícil fazer brancos de topo no Alentejo”. Mas ao mesmo tempo assumi esse objectivo, era algo que tinha de conquistar. Neste momento, diria que é mais natural fazer acontecer um grande tinto no Alentejo do que um grande branco. Só que fazer um branco de primeira linha numa região quente é um desafio aliciante e, quando o alcançamos, como tem acontecido no Esporão, torna-se muito compensador.

Ao contrário do que acontecia quando vieste para Portugal, hoje o enólogo tem uma ligação forte à vinha, conhece em profundidade as suas forças e fraquezas. O Esporão fez uma aposta muito forte no orgânico, no caso do Alentejo com 500 hectares de vinha e mais de 40 castas. Sentes alguma diferença nas uvas que te chegam adega e nos vinhos produzidos em modo orgânico?

DB – Claramente. É uma viticultura completamente diferente. Sem a ajuda dos tratamentos, a película da uva fica mais resistente às pragas e doenças. E, isto pode ser algo empírico, ainda não comprovado com dados concretos, mas desde o primeiro tinto orgânico lançado em 2015 até aos tintos que fazemos agora, sentimos muito maior densidade na cor e nos taninos. De tal forma que temos vindo a alterar o modo como trabalhamos na adega, esmagando menos a uva, fazendo menos remontagens e macerações, separando mais os vinhos de prensa, pois sentimos nas uvas taninos mais sólidos, que não podemos extrair tanto. Isto são análises sensoriais, das provas que fazemos durante fermentações ou na elaboração dos lotes, ainda teremos de trabalhar isto de forma científica, mas tenho ideia de que há uma mudança, para melhor, no perfil dos vinhos.

três enólogos entrevista
David Baverstock

José Luís, a Quinta dos Murças está também em modo orgânico, a Quinta do Ameal já esteve em tempos, mas deixou de estar. Este é um modelo de viticultura certamente mais fácil de implementar no Douro do que no vale do Lima, não é verdade?

JLMS – Não tenho a menor dúvida. No Douro (e no Alentejo), acredito que é possível ter uma agricultura biológica que seja sustentável. Não basta ter a certificação, temos de estar seguros de que as práticas são as melhores para sustentabilidade. E na Quinta dos Murças estamos plenamente convencidos de que estamos no caminho certo, conseguimos produzir uvas boas e sãs com doses de cobre (uma das principais críticas ao biológico) bastante abaixo dos limites legais, alcançando assim o equilíbrio do ecossistema. No Ameal, a pressão é muito maior. Tendo pegado na quinta só no ano passado, o desafio é perceber se as práticas biológicas são uma solução sustentável para a agricultura que queremos fazer. Ainda não temos a resposta para isso. Gostaríamos que fosse possível, mas temos as nossas dúvidas. Este ano, por exemplo, estivemos até meados de Abril sem aplicar fungicida, mas aí a pressão começou a ser tão grande que tivemos de aplicar. Mas não aplicámos qualquer herbicida. Portanto, talvez na região dos Vinhos Verdes tenhamos de encontrar uma solução intermédia. Neste momento, é a produção integrada. Mas gostava de ir mais longe. Veremos se é possível, precisamos de mais tempo para avaliar.

“A viticultura orgânica levou-nos a mudar o modo como trabalhamos na adega”, David Baverstock

David, da experiência que tens no Alentejo, quais as variedades de uva de que mexem mais contigo?

DB – Nos brancos, gosto imenso de Arinto, acho que é uma grande casta portuguesa, com um papel muito importante nos vinhos do Alentejo. Semillon, que é a base de um vinho que foi e é diferenciador no Alentejo (o Private Selection, em 2001). Gosto cada vez mais de Verdelho (ou Verdejo, como quiserem). No campo das tintas, aprecio Aragonez, está um bocado fora de moda, mas em certos anos, com noites mais frescas, dá vinhos excelentes. Estou menos fã da Touriga Nacional na região, acho que já teve ali o seu momento de fama. E continuo a gostar bastante de Syrah, tem tido problemas com doenças de lenho, é verdade, mas é uma grande casta. E em termos de futuro, até por questões ligadas ao aquecimento global, sem dúvida Alicante Bouschet.

Três enólogos entrevista
Sandra Alves

Sandra, partilha da opinião do David ou as suas preferências são outras?

SA – Temos alguns pontos em comum, mas também algumas diferenças. Nos brancos, acredito cada vez mais no trio maravilha do Alentejo: Roupeiro, Arinto e Antão Vaz. Ano após ano, são as castas que respondem melhor às alterações que temos implementado na viticultura e às próprias alterações climáticas. Nos tintos, claramente Aragonez (quando é bom, é muito bom), estou a aprender a gostar de Trincadeira, é uma casta bem interessante, e Touriga Franca, sem dúvida. E aprecio muito o Moreto das nossas vinhas velhas, é diferente de qualquer outra casta.

“Estou no Esporão há 20 anos, estou muito confortável com a responsabilidade”, Sandra Alves

José Luís, a mesma pergunta para o Douro, calculo que casta de Verdes nem vale a pena perguntar…

JLMS – Claro, essa é a resposta mais fácil: Loureiro. No Douro já há algum tempo que não fazemos vinificações estremes de uma casta, o lote é feito na vinha, fazemos co-fermentação, com várias castas a fermentar em conjunto. A ter de escolher uma, seria, de longe, a Touriga Franca, creio que é a casta mais bem adaptada, na vinha e na adega, à região. E também aquela que melhor exprime o que é o Douro. Mas num lote gosto imenso de Tinto Cão e Tinta Francisca (difícil na vinha, mas confere muita frescura e elegância ao vinho). Sendo certo que, no Douro, é o lote das castas que fala sempre mais alto.

Sandra, com a passagem do David para outras funções, a enologia do Esporão no Alentejo está agora nas suas mãos. Sente-se o peso dessa responsabilidade?

SA – Eu estou no Esporão há 20 anos, conheço bem o histórico da casa e tenho muito claro os nossos objectivos, o caminho que vamos percorrer, o nosso futuro. É evidente que há uma responsabilidade, como há em tudo aquilo que fazemos. Mas estou muito confortável com essa responsabilidade. Além de que o nosso trabalho é feito em equipa, apoiamo-nos sempre uns aos outros.

David, uma última questão: não vais ter saudades de uma vindima quase sem tempo para dormir?

DB – Não estou minimamente a pensar deixar de fazer vindimas. Quero fazer (pelo menos!) mais duas vindimas no Esporão e a partir daí vou-me entreter por este mundo do vinho. A vindima vai continuar a estar sempre presente na minha vida.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2020)[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”default”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

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Anselmo Mendes: “Vinho Verde é a grande região de brancos de Portugal”

Anselmo Mendes

Anselmo Mendes é um nome muitíssimo respeitado junto de apreciadores e críticos nacionais e estrangeiros e, talvez mais significativo ainda, entre os seus pares, enquanto produtor e enólogo. Conhecedor profundo do sector do vinho, tem uma visão clara e objectiva sobre as suas múltiplas vertentes, da viticultura à enologia, passando pela economia, identidade regional ou […]

Anselmo Mendes é um nome muitíssimo respeitado junto de apreciadores e críticos nacionais e estrangeiros e, talvez mais significativo ainda, entre os seus pares, enquanto produtor e enólogo. Conhecedor profundo do sector do vinho, tem uma visão clara e objectiva sobre as suas múltiplas vertentes, da viticultura à enologia, passando pela economia, identidade regional ou modelos de sustentabilidade. Falámos de tudo um pouco com o “senhor Alvarinho”, sem esquecer, é claro, o tema que mais mexe com ele: a Quinta da Torre e a região de Monção e Melgaço.

TEXTO Luís Lopes
FOTOS Hugo Pinheiro

AS ORIGENS

Nascido numa família de agricultores, a lavoura, a vinha, o vinho, eram para ti uma inevitabilidade? Alguma vez equacionaste seguir outro caminho?

Por um lado, era inevitável, pois em criança o meu sonho era ser agricultor. Contrariamente aos jovens da minha geração que queriam fugir da agricultura, e para quem trabalhar na construção civil já era ter mais estatuto. O meu fascínio pela forma como as plantas cresciam e se comportavam levou-me a decidir bem cedo rumar a Lisboa para estudar Agronomia.

Realmente, até poderia ter ido para medicina, mas ser agrónomo era o objectivo. E foi em Agronomia que o meu interesse pelos vinhos cresceu e me levou a escolher Agroindústrias e todas as disciplinas opcionais relacionadas com Enologia.

Como era a vinha e o vinho em Monção e Melgaço na segunda metade dos anos 80, quando concluíste a tua formação académica? Nessa altura pensavas em voltar para a origem?

Na segunda metade dos anos 80, a área de vinha da casta Alvarinho não chegava a um terço da actual. Havia muito mais minifúndio e um fraco conhecimento sobre as mais adequadas formas de condução da vinha. O vinho engarrafado com alguma notoriedade estava confinado à Adega Cooperativa de Monção e ao Palácio da Brejoeira que eram, na verdade, as locomotivas da casta Alvarinho. 

Nessa altura tive um convite para trabalhar na sub-região e não aceitei, pois não estava preparado para tal e tinha acabado de entrar para uma empresa, a Sociedade dos Vinhos Borges, onde pensava aprofundar os conhecimentos sobre vinhos.

A tua primeira relação profissional a sério foi intensa e duradoura: dez anos na Borges, assumindo a viticultura e enologia de uma das maiores empresas do sector. Quais os principais ensinamentos que recolheste dessa experiência?

Em primeiro lugar aprendi o que é a cultura de empresa, sua missão e valores. Desenvolvi projectos de vinhas, de adega e mesmo trabalhos científicos e experimentais em colaboração com Universidades. Mas muito importante foi trabalhar em equipa com multidisciplinaridade, onde entravam para além da área técnica, as áreas comercial, marketing,  gestão e financeira.

Conheci grandes profissionais, administradores vindos das mais diversas áreas e também fiz muitos amigos. Costumo dizer que a Borges foi uma grande escola, onde também se aprende aquilo que não se deve fazer.

“Uma vinha sustentável deve ter excelente relação produção/qualidade para que possa também ser sustentável economicamente.”

©Hugo Pinheiro

Para além do trajecto na Borges, enquanto consultor ajudaste a criar, de raiz, projectos vitivinícolas de grande notoriedade, como o da Quinta da Gaivosa, um dos pioneiros do Douro moderno. Que desafios se colocavam a quem, em 1991, queria fazer uma empresa centrada no vinho do Douro numa região quase exclusivamente orientada para o vinho do Porto? 

Os meus três primeiros anos de Borges foram intensos. Estudava e experimentava tudo o que era tecnologias de vinificação e confesso que tinha bases sólidas de Química, Microbiologia, Bioquímica, Fisiologia, etc. Tive a felicidade de frequentar cursos de formação profissional em Bordéus, fiz pós-graduação em Enologia, e na Viticultura bebi durante muitos anos os ensinamentos do Professor Rogério de Castro.

O desafio na Quinta da Gaivosa era fazer ensaios no quase desconhecido, ainda por cima no Baixo Corgo, na época considerado de baixo potencial vínico. Na altura já dominava razoavelmente a utilização do frio e do calor, a extracção selectiva e a utilização de estágio em barricas e isso foi-me muito útil. Na Gaivosa, foram 22 anos a seleccionar parcelas, estudar pontos óptimos de maturação, afinar vinhos pela elegância. Aprendi muito e dei muito de mim e do meu conhecimento. Tenho imenso orgulho em ter ajudado a construir um projecto que foi, e é, marcante para o Douro.

A tua actividade de consultoria levou-te a trabalhar em quase todas as regiões vinícolas de Portugal. Quais foram aquelas que mais te surpreenderam, revelando qualidades que não esperavas? 

Numa primeira fase, final dos anos 80, princípio dos anos 90, o Douro surpreendeu-me pela diversidade, em relação às vinhas velhas, às diferentes altitudes e exposição. Lembro-me bem de conversas com Jorge Dias [ex-professor na UTAD e actual director geral da Gran Cruz] em que dizíamos convictamente que teria de haver uma revolução no Douro DOC, o Douro “não Porto”. Felizmente ela aconteceu e está para durar. No ano de 1998 foi lançado o projecto Lavradores de Feitoria onde participei na execução e no primeiro ano de enologia. Dirk Niepoort mostrou interesse em alguns vinhos destas quintas e a administração ligou-me preocupada porque não sabia o que fazer. Então disse-lhes: isso é muito bom! Convidem-no para accionista. E assim aconteceu.

Na primeira metade dos anos 90, o Dão fez-me pensar. A cada ano era surpreendido, percorria a região com o saudoso Magalhães Coelho [enólogo que apoiou muitos vinhos de quinta no Dão], homem de muita sensibilidade e saber. Alguns vinhos que encontrávamos eram de tal finura e elegância que influenciei a Borges a comprar a Quinta da Aguieira. Mais tarde, em 2004, iniciei uma experiência própria no Dão, em S. João de Areias, e em 2015 apostei na Quinta de Silvares onde os vinhos mostram elevado potencial. Mas isto só não chega e no final de 2019, em conversa com o amigo Luis Abrantes, dono da Quinta da Alameda (onde cheguei a comprar vinhos para a Borges), decidimos fazer uma parceria no sentido de transformar a Alameda numa marca de referência do Dão. Acho que desta vez o Dão vai finalmente assumir uma importância relevante no meu trabalho. 

“Boas vinhas com floresta precária, é um modelo que não garante equilíbrio nem ordenamento paisagístico.”

E que regiões achas que estão ainda longe de expressar todo o potencial que têm guardado?

Sem dúvida alguma, Beira Interior e Trás os Montes. São regiões com muitas vinhas velhas de alta qualidade, intervenção mínima, castas desafiantes e diferenciadoras…têm tudo para dar certo.

Escolhe uma ou duas castas para cada região onde trabalhas ou trabalhaste: Douro, Vinho Verde, Monção e Melgaço, Alentejo, Dão, Beira Interior, Bairrada, Lisboa, Açores.

Douro: Touriga Franca e Tinta Amarela; Vinho Verde: Loureiro e Avesso; Monção e Melgaço: Alvarinho e Alvarelhão; Alentejo: Alicante Bouchet e Arinto; Dão: Touriga Nacional e Encruzado; Beira Interior: Síria e Rufete; Bairrada: Baga e Cercial; Lisboa: Viosinho e Cabernet Sauvignon; Açores (Terceira): Verdelho e Verdelho Roxo.

©Hugo Pinheiro

A VITICULTURA 

Os enólogos da geração anterior à tua raramente sujavam as botas na vinha. Tu tens com a viticultura uma relação muito estreita e até, diria, invulgar, em termos de conhecimento e comprometimento. Dizer que o vinho nasce na vinha é dizer o óbvio, mas, no teu caso, qual o verdadeiro significado dessa expressão? 

O vinho nasce bem na vinha desde que se cumpra um conjunto de requisitos: fazer a escolha certa do terreno; escolher as castas/porta enxerto adaptadas e a densidade adequada às condições de solo e clima; criar condições para eficiente colonização subterrânea e aérea; fazer a gestão do vigor, fertilização e intervenção em verde; trabalhar o arrelvamento e melhoria da estrutura do solo; regular a produção em função do vinho pretendido; avaliar as parcelas e sua diferenciação; fazer a triagem dos cachos na vinha e não na adega. Ou seja, o vinho nasce bem na vinha se dominarmos por inteiro as operações vitícolas e juntarmos um pouco de “feeling”…

A viticultura sustentável está hoje na ordem no dia, recolhendo a atenção de produtores e consumidores, mas muitas vezes colocando no mesmo saco coisas distintas: sustentabilidade, orgânico, biodinâmico, etc. O que é, para ti, uma vinha sustentável e amiga do ambiente?

Desde logo, sustentável é uma vinha que, na sua concepção, tenha no mínimo 10% de matas com árvores de folha persistente e caduca. Uma vinha sustentável terá de seguir um modo de produção que preserve e melhore a estrutura do solo (produção integrada em regiões mais atlânticas e, se for viável, orgânico em clima continental e altitude). Deve ser adoptada rega com o objectivo de uma forte e profunda colonização subterrânea pelas raízes, de modo a poupar água no futuro, dar maior estabilidade à planta e proporcionar frutos de maior equilíbrio e qualidade. 

Uma vinha sustentável deve minimizar o uso de fitofármacos, adoptando a prevenção por métodos integrados de avaliação online dos riscos de doenças. Deve ser utilizado arrelvamento para melhorar a estrutura do solo e fertilização recorrendo a consociação de gramíneas e leguminosas, minimizando o uso de adubos químicos. Os herbicidas devem ser evitados ou limitados a uma pequena faixa na linha. Finalmente, uma vinha sustentável deve atingir excelente relação produção/qualidade para que possa também ser sustentável economicamente. Só faz viticultura sustentável quem dominar o conhecimento agronómico e tenha consciência ecológica, social e económica. 

“Se a sub-região de Baião fizesse parte da região do Douro, hoje seria o terroir de excelência dos brancos durienses…”

No caso concreto do Vinho Verde, como avalias as mudanças ocorridas na viticultura ao longo da última década? Quais os aspectos positivos e negativos? E que modelo defendes para a viticultura do futuro da região? 

Na região dos Vinhos Verdes, a grande maioria das mudanças ocorridas nos últimos 10 anos foram sem dúvida positivas: a área média da vinha aumentou, as castas plantadas estão bem adaptadas, o melhoramento genético destas é evidente e a condução e intervenção em verde melhorou. Um ponto negativo, é o assentar dos tintos da região numa única casta: o Vinhão. 

Defendo os aspectos acima referidos para a sustentabilidade futura da viticultura dos Vinhos Verdes. Mas há um ponto fundamental: a paisagem envolvente das vinhas tem de melhorar. Boas vinhas com floresta precária, é um modelo que não garante equilíbrio nem ordenamento paisagístico. A nossa floresta, a floresta da região Vinhos Verdes, é um desastre!!!

©Hugo Pinheiro

Nas várias regiões onde trabalhas deparas-te com muitas variedades de uva, castas tradicionais, castas portuguesas que vieram de outras regiões e castas internacionais. Em todo o mundo há regiões “fechadas” e regiões “abertas” nesta matéria. Como encaras esta questão? Tens uma posição genérica ou cada caso é um caso?

Em Portugal, o nosso conhecimento das regiões e dos vinhos ainda não atingiu a maturidade. Ainda continuamos à procura do perfil certo. Temos um problema que só o tempo resolverá: aumento do preço médio que permita remunerar bem a fileira do vinho. A partir daí, poderemos serenamente construir perfis de vinho com originalidade baseados na diversidade e adaptabilidade das nossas castas. De uma forma global temos de encontrar para cada região um perfil próprio que seja competitivo internacionalmente pela originalidade. Por vezes, a demasiada diversidade de castas e estilos dentro de cada região torna-nos pouco competitivos. 

Desde há muito que investigas, experimentas e fazes vinho com a casta Alvarelhão. Muitos consumidores ouviram falar nela pela primeira vez através dos teus vinhos. O que é que vês no Alvarelhão?

O Alvarelhão ou Brancelho não é uma casta fácil na vinha ou na adega. Tem tendência ao desavinho e é muito sensível ao míldio e oídio. Na adega, apanha com facilidade aromas redutores. Mas tem atributos muito positivos: um grande equilíbrio ácido, taninos finos e aromas elegantes e distintos. Aceita com classe o estágio em barricas de carvalho francês e envelhece muito bem em garrafa. É uma casta de que gosto mesmo muito.

A uva Alvarinho resolveu viajar, saiu do vale do Minho e está hoje espalhada por todo o Portugal, do Douro ao Algarve. Tu próprio, a tens usado noutras paragens. Que principais diferenças encontras no comportamento da casta em regiões como Bairrada, Lisboa, Alentejo ou até noutras sub-regiões do Vinho Verde, face a Monção e Melgaço?

A casta Alvarinho dá-se muito bem perto do Atlântico da Bairrada e Lisboa. Aí, em solos argilo-calcários perde acidez e ganha salinidade. Os aromas são menos florais e ganham mais tropicalidade. Mas no Alentejo prefiro o Arinto…

Na região dos Vinhos Verdes, a Alvarinho atinge um bom equilíbrio na sub-região de Basto, mas nas sub-regiões mais atlânticas dos Verdes perde corpo e ganha algum desequilíbrio ácido. A virtude em Monção Melgaço é ter clima temperado de influência atlântica moderada e solos com boa retenção da água. Deste modo, os vinhos têm equilíbrio, corpo e mineralidade. Mas os aromas cítricos com florais só aparecem em alguns solos de excelência. 

VALE DO LIMA E OUTROS VALES

Vamos deixar para mais tarde a tua região estrela, Monção e Melgaço, e falemos de uma outra onde também tens apostado bastante, o vale do Lima. É muito diferente do vale do Minho, não é verdade? O que procuras ali?

O Lima difere do Vale do Minho por ter clima temperado de influência atlântica mais evidente. Os solos de origem granítica têm textura franco-arenosa com baixa capacidade de retenção da água. A casta Loureiro está ali muitíssimo bem adaptada, originando vinhos com aromas intensos, florais e cítricos, e uma acidez firme que lhes permite muito boa longevidade. No fundo, é intensidade, elegância, frescura e longevidade o que procuro (e encontro!) nos brancos do Vale do Lima.

Há três décadas já se falava de Alvarinho com respeito, mas o Loureiro só em tempos relativamente recentes ganhou estatuto de casta e vinho de categoria superior. Achas que o Loureiro do Lima poderá vir a ter, globalmente, a qualidade, notoriedade, longevidade, preço, do Alvarinho de Monção e Melgaço?

Estou absolutamente convicto de que o Loureiro tem potencial para lá chegar. Mas o vale do Lima precisa de mais operadores focados na qualidade, precisa de investidores e precisa de tempo, que é o factor mais limitante neste negócio.

“Neste País as medidas são lentas e a agricultura não tem peso para os decisores. Na hora da verdade, abandonam-nos.”

E como vês a ascensão do Avesso?

O Avesso tem pela frente os mesmos desafios do Loureiro, mas precisará de ainda mais tempo para se afirmar como casta e vinho, em Portugal e no mundo. Mas o potencial está todo lá. Se a sub-região de Baião fizesse parte, em termos de denominação de origem, da região do Douro, hoje toda a gente olharia para ela como o terroir de excelência dos brancos durienses…

©Hugo Pinheiro

O PERFIL DOS VINHOS VERDES 

Na região dos Vinhos Verdes coexistem vários estilos de vinho mas, de forma simplista, podíamos arrumá-los em dois perfis: “leve, doce, com gás, barato” e “intenso, frutado, seco, ambicioso”. Dois perfis que são, quase se pode dizer, dois modelos de negócio distintos ainda que possam ser complementares. Qual a melhor forma de gerir/organizar/comunicar uma região com estas características? 

Não é nada fácil gerir tudo isto, é verdade, pois em alguns mercados Vinho Verde é sinónimo de vinho barato. Nos mercados menos maduros, já senti que a região tem um tecto de preço. E a verdade é que nos últimos 30 anos tenho dispensado muito tempo a desconstruir alguns dos preconceitos e dogmas relativos ao Vinho Verde. 

De qualquer forma, a imagem dos Vinhos Verdes tem melhorado muito, e hoje já há a percepção, por parte dos conhecedores, de que é a grande região dos brancos de Portugal. Fazer chegar esta mensagem ao consumidor menos atento é uma questão de tempo e de investimentos de comunicação/marketing bem pensados, direccionados e executados.

São cada vez mais os Verdes de grande qualidade e ambição. No entanto, esse crescimento qualitativo tem sido quase sempre acompanhado pelo crescimento do teor alcoólico, para níveis (13%, 13,5%…) impensáveis há uma década. É inevitável? Ou é possível fazer um grande vinho Verde branco com 11% ou 11,5%?

Eu gosto dos Loureiro perto dos 12% de álcool e os Alvarinho entre os 12,5% a 13%. É possível, sem dúvida, fazer grandes brancos com 11% ou 11,5%, mas abaixo disso, nesta região dos Vinhos Verdes, dificilmente teremos um vinho equilibrado.

E o Verde tinto, que futuro?

Em Monção e Melgaço com viticultura de excelência e as castas Alvarelhão, Pedral e Verdelho Feijão, estou certo de que podemos fazer tintos finos, elegantes e com capacidade de envelhecimento. Na restante região dos Vinhos Verdes, não tenho experiência suficiente de vinhos tintos para poder emitir uma opinião bem fundamentada. Mas parece-me óbvio que o Verde tinto tem de encontrar um rumo e um perfil.

A ENOLOGIA

Como te defines enquanto enólogo?

Como enólogo sou um insatisfeito, ando sempre à procura da perfeição. E a perfeição, para mim, significa exprimir de forma autêntica e séria o chamado “terroir”. 

Em Monção e Melgaço, fazer um Alvarinho de perfil tropical (manga, maracujá) ou de perfil citrino (laranja, tangerina) é questão de viticultura ou enologia?

É viticultura e enologia. No respeitante à viticultura, excesso de vigor imprime tropicalidade, carácter que pode ser reforçado  na adega por alimentação azotada, baixas temperaturas de fermentação e leveduras próprias para este efeito. Confesso que me incomoda o excesso de tropicalidade, porque desvirtua o perfil muito nobre dos brancos Monção Melgaço. 

Este perfil que associa aromas de fruta branca com caroço, cítricos e, em alguns casos, florais, requere bom controle do vigor, regime hídrico que possibilite maturação lenta, bom microclima dos cachos sem exposição solar excessiva.

O ano de colheita é determinante e, em anos frescos sem stress hídrico, os solos franco-arenosos de encosta dão vinhos muito equilibrados com acidez vibrante e uma componente cítrica forte. Os solos sedimentares, ou seja, de zonas de menos altitude com grande capacidade de retenção para a água em anos quentes, dão vinhos frescos e concentrados com grande complexidade aromática. 

Na verdade, a interação viticultura/enologia é fundamental para perceber o potencial de qualidade e definir o perfil do vinho, sem contudo desvirtuar a expressão mais séria e genuína do Terroir.

Foste talvez o primeiro a fermentar Alvarinho em barrica, ainda nos anos 80. Como avalias hoje a relação dos Alvarinho de Monção e Melgaço com a barrica?

É uma relação perfeita que começa na vinha. Necessita de mostos com grande equilíbrio açúcar/ácido/taninos. Para isso, não chega ter a grande parcela, é necessário sobretudo colher os cachos de acordo com o seu posicionamento na videira, fazer mais do que uma vindima na mesma parcela. A escolha da madeira, a sua origem, dimensão, tosta e controlo do oxigénio são determinantes. Para mim, as temperaturas de fermentação jogam um papel decisivo no objetivo final, em que a madeira contribui para o equilíbrio e complexidade do vinho mas não o marca, deixando aromas discretos ou quase imperceptíveis. 

“Monção e Melgaço é terroir que, de uma forma própria e distinta, exprime vinhos brancos de primeira grandeza.”

Maceração pelicular, curtimenta, “orange wines”. O que tens experimentado nesta matéria?

Comecei em 1999 a estudar a curtimenta e em 2001 lancei um vinho Alvarinho de curtimenta total. Foi um fracasso porque pouca gente o entendeu. Foram necessários 15 anos para compreender este tipo de vinho, foi também importante o estudo das parcelas e, de entre estas, os cachos mais adequados. O meu vinho TEMPO é um exemplo disto. Já o Anselmo Mendes Curtimenta Alvarinho foi o aperfeiçoar da extracção selectiva, limitando a quantidade de polifenóis de modo a ter uma curtimenta “civilizada “. Considero que, no caso da casta Alvarinho, que tem uma relação elevada de sólidos/líquido, o estudo da curtimenta ainda está no seu início. 

E vinho “natural”, o que é?

Melhor do que dizer que o vinho é natural ou que se faz vinho natural é dizer como Pasteur: “o vinho é a mais sã das bebidas”. Sã é muito mais do que natural. Hoje, com boa viticultura e intervenção mínima na adega, conseguimos vinhos com teores de sulfitos muito abaixo do máximo autorizado para biológico. Portanto, o sulfuroso não é problema nem define a “naturalidade“ do vinho. O maior problema do vinho é ter uma molécula tóxica, o álcool. Mas sem álcool não há vinho. Por isso, há que beber com moderação para que o vinho continue a ser a mais sã das bebidas.

A ECONOMIA DO VINHO

Sei que uma das tuas preocupações é enquadrar a sustentabilidade económica na noção geral de sustentabilidade da vinha e do vinho. Deverão ser conceitos compatíveis, presumo…

Sem dúvida, altamente compatíveis. E mais do que isso: sem sustentabilidade económica não há sustentabilidade vitícola, ambiental ou outra.

No quadro em que vivemos, com vários canais de distribuição e consumo limitados por via do covid-19, podes elencar, de forma breve, as principais medidas que defendes para a recuperação do sector do vinho? 

Disse e escrevi logo em março as medidas que defendo: regulação da oferta pela via da destilação; apoio com parte a fundo perdido e parte a crédito, com carência de 2 anos, para investimento em capacidade de armazenamento; passar de 15% para 30% a introdução de uma colheita noutra sem esta perder o direito a data. Acresce a isto um compromisso de não baixar drasticamente o preço das uvas aos viticultores, correndo o perigo de perdermos património vitícola. 

Neste País as medidas são lentas e a agricultura não tem peso para os decisores. Os produtores tem sido contribuintes líquidos para a economia nacional e ilíquidos para o prestígio de Portugal. Na hora da verdade, abandonam-nos. Vamos certamente perder competitividade, pois os outros países produtores foram ajudados, não por Bruxelas mas pelos seus governos. Isto não é só falta de dinheiro: é incompetência para perceber quais são os sectores estratégicos para a economia do País. 

PRODUTOR EM MONÇÃO MELGAÇO 

O teu projecto enquanto produtor em Monção e Melgaço começou na vindima de 1998. Como foram esses tempos iniciais?

Tenho saudades desse tempo. Fazer vinho de uma forma completamente artesanal, literalmente metendo a mão na massa, é algo que hoje é quase irrepetível. Talvez agora no centro de experiências do Alvarinho, na Quinta da Torre, possamos reviver e repetir esses momentos. 

Dez anos depois, estavas a construir a nova adega…

Estava a construir uma nova adega e tomava conta da Quinta da Torre como arrendatário, iniciando a reestruturação das vinhas. Nesse mesmo ano, comecei também a reestruturar quintas no Vale do Lima onde hoje temos 70 hectares, dos quais 20 de Alvarinho e 50 de Loureiro. Em Monção e Melgaço estamos nos 50 hectares, com a maior mancha da casta Alvarinho num terroir que, de uma forma própria e distinta, exprime vinhos brancos de excelência. 

©Ricardo Palma Veiga

E por fim, o grande salto, com a compra da Quinta da Torre em 2016. Que importância tem esta propriedade no teu projecto e no futuro da empresa familiar?

A Quinta da Torre nos seus mais de 60 hectares já nos mostrou que pode originar vinhos diferenciados pelos seus distintos solos, ou melhor, texturas de solos. Vai-nos permitir controlar a produção e garantir autonomia para fazer os grandes vinhos. O controlo da viticultura associado a um terroir de excelência dá-nos esperança para encarar o futuro, tendo como objectivo criar vinhos de grande valor acrescentado.

Esta é uma Quinta com uma história que vem do século XIV e ligada desde sempre à produção de vinho. Possui mais de 1 quilómetro de frente de rio, com matas, levadas de água e moinhos. A casa senhorial tem três torres e capela. Toda a quinta faz parte de uma reserva ecológica onde a viticultura que praticamos está certificada de sustentável. 

“Melhor do que dizer que o vinho é natural ou que se faz vinho natural é dizer como Pasteur: ‘o vinho é a mais sã das bebidas’. Sã é muito mais do que natural.”

O que achas que podes conseguir de diferenciador, em termos de vinhos, com a Quinta da Torre?

Hoje, nas provas cegas, distinguimos com relativa facilidade os vinhos da Quinta da Torre de todos os outros que fazemos com uvas Alvarinho oriundas de outras zonas de Monção e Melgaço. Isto diz-nos que a quinta tem uma forte identidade. Os nossos vinhos superiores estão associados a parcelas distintas e estamos a construir um vinho que só sairá para o mercado com um mínimo de quatro anos de estágio. Num futuro próximo, ambicionamos fazer no centro de experiências vinhos de 8 parcelas distintas, para serem apenas vendidos no enoturismo.

ENÓFILO E GASTRÓNOMO

Quais os vinhos (ou tipo de vinhos) que mexem contigo?

Brancos da Borgonha e tintos do Vale do Rhone.

Diz-me três vinhos portugueses de que gostes muito e onde não tenhas qualquer intervenção.

Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa, um tinto do Douro. Quinta das Bágeiras Cercial, um branco da Bairrada. E Mouchão Tonel 3-4, um tinto do Alentejo.

E três vinhos do mundo?

O Chablis de François Raveneau; o Puligny-Montrachet de Domaine Leflaive; e o Côte Rotie Michel Ogier Belle Helene.

Sei que, quando podes, gostas de te agarrar aos tachos e ao fogão. O que gostas mais de cozinhar? E qual o prato preferido que não sabes fazer?

Gosto de cozinhar muitos pratos diferentes, todos eles da cozinha tradicional portuguesa. Por exemplo, nos arrozes, arroz de cabidela, arroz de lampreia (ou não fosse monçanense…) e arroz de pato. Também bacalhau à lagareiro e açorda de bacalhau, camarões al ajillo, robalo no forno. No capítulo das carnes, ensopado de borrego, favas com chouriço e costelas, cabrito assado no forno e carne de porco alentejana.

Quanto a um prato que aprecio muito e não sei fazer como gostaria, é fácil responder: pataniscas de bacalhau. Mas sei fazer o arroz de feijão…

Artigo da edição nº 39, Julho 2020

Entrevista a Francisco Mateus: “O bom e barato não serve o Alentejo”

Francisco Mateus, presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana

Em entrevista à Grandes Escolhas, Francisco Mateus, responsável pelo organismo certificador e coordenador do vinho do Alentejo presenteou-nos com uma visão muito lúcida e sem tabus sobre os temas mais actuais que “mexem” com esta grande região vitivinícola. Do mercado de volume às especialidades, das denominações de origem às castas e às novas plantações, da […]

Em entrevista à Grandes Escolhas, Francisco Mateus, responsável pelo organismo certificador e coordenador do vinho do Alentejo presenteou-nos com uma visão muito lúcida e sem tabus sobre os temas mais actuais que “mexem” com esta grande região vitivinícola. Do mercado de volume às especialidades, das denominações de origem às castas e às novas plantações, da sustentabilidade ao Enoturismo, uma longa conversa com muito motivo de reflexão.

TEXTO Luís Lopes FOTOS Mário Cerdeira

Nascido em 1970, o percurso académico de Francisco Mateus passou pelo bacharelato em Engenharia Agro-Alimentar (ramo vinhos) e licenciatura em Gestão, ambos pelo Instituto Politécnico de Santarém, tendo mais tarde concluído a pós-graduação em Direção de Empresas, pela AESE/IESE Business School da Universidade de Navarra.

Iniciou a sua actividade no sector vitivinícola em 1995, no IVV – Instituto da Vinha e do Vinho, nas áreas do controlo e fiscalização, em Santarém, e posteriormente na gestão de medidas comunitárias de apoio. Ainda no IVV, enquanto director de departamento, integrou a equipa que representou Portugal em Bruxelas na negociação entre estados-membros e Comissão Europeia sobre a reforma da legislação base do sector vitivinícola europeu. Também no IVV, preparou e assegurou a gestão operacional dos dois programas de apoio nacional ao sector do vinho, entre 2009 e 2018. Desde Novembro de 2015 é presidente da direcção da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, com a missão de implementar a estratégia para os Vinhos do Alentejo, potenciando e valorizando a marca “Alentejo” no sector do vinho, a nível nacional e internacional. O Alentejo da vinha e do vinho foi, naturalmente, o tema da nossa conversa.

Grandes Escolhas: O Alentejo continua a ter uma posição absolutamente dominadora no mercado nacional (segundo os últimos dados, cerca de 37% em volume e 40% em valor nos vinhos com certificação regional), mas tem vindo a perder algum peso nos últimos anos. Como avalia a situação actual e sua evolução?
Francisco Mateus: Quando olhamos para a evolução dos números ao longo de um determinado período de tempo, devemos sempre ter em conta o volume de vinho disponibilizado no mercado e o preço a que é vendido. E verificamos que ao longo de 5 ou 6 anos o Alentejo teve boas produções e foi colocando cada vez mais vinho no mercado, mantendo a sua quota em quantidade, mas perdendo alguma coisa em valor. Ou seja, durante anos, o Alentejo “alimentou” o mercado, mas com efeitos ao nível do preço. Acontece que 2016, 2017 e 2018 foram três colheitas sucessivas de quebra de produção na região (algo absolutamente inédito nos últimos 30 anos) e, com menos vinho disponível, os produtores fizeram uma correcção de preço para cima, gerando mais valor. Criou-se assim uma situação em que o mercado nacional cresceu devido ao turismo, há mais vinho a ser consumido, mas o Alentejo tem menos vinho para oferecer, seja internamente, seja na exportação. E também não podemos esquecer que as outras regiões portuguesas também estão a fazer o seu trabalho, não estamos sozinhos no mercado. Tudo isto resulta numa ligeira quebra no volume. Mas é de realçar que o vinho do Alentejo, tendo a enorme quota de mercado que tem, consegue ainda assim ter um preço acima da média, o que é bastante positivo.

Mais de 70% dos vinhos portugueses nos super e hipermercados são vendidos em promoção. Tendo o Alentejo um peso muito grande nas cadeias de retalho, que impacto acha que esta realidade tem, não apenas na valorização do produto, mas também na imagem global do vinho do Alentejo?
As promoções são um facto, e não quero dizer que não tenham aspectos positivos. Mas dou-lhe a minha opinião enquanto consumidor e observador atento do que se passa no mundo do vinho. Julgo que promoções com percentagens de desconto muito elevadas, não são um comportamento leal para com todos os produtores que estão no mesmo mercado. O Alentejo, de facto, é uma região que vende muito vinho em promoção, mesmo apresentando um preço médio entre os mais elevados. E acredito convictamente que o Alentejo tem uma qualidade, notoriedade e procura tais que não justificam tanta promoção. Penso que era preferível vender um pouco menos e ter o vinho ainda mais valorizado. Quero que as pessoas olhem para o Alentejo como uma região de onde vem qualidade e que essa qualidade merece um preço superior. Seja no mercado nacional seja na exportação. É isso que nos vai garantir o futuro.

Ou seja, o rótulo bom e barato não é algo que queira colar aos vinhos do Alentejo…
Decididamente, não. Eu sei que existe, eu sei que vende, não sou contra o bom e barato, mas a nossa opção em termos de mercado não deverá ser por aí.

Apesar do sucesso dos vinhos alentejanos em Portugal, nos mercados de nicho, que valem pouco em volume, mas são muito importantes para construir marca e valor, o Alentejo parece perder terreno comunicacional e espaço de prateleira nas lojas especializadas, onde outras regiões vão crescendo. Como explica isso e o que é preciso fazer para reforçar a notoriedade dos grandes vinhos do Alentejo nos mercados de nicho?
O Alentejo tem um pequeno número de produtores que representam uma grande quantidade do vinho alentejano que vai para o mercado. Nesses mercados de nicho o foco aponta normalmente para os produtores de pequena dimensão, são produtores com esse perfil que constituem a novidade, a coisa de que se fala. Essa é uma razão.
Mas também, porventura, no mercado de nicho, não estaremos a fazer o trabalho que devíamos. Por exemplo, os vinhos de topo do Alentejo são colocados no mercado, normalmente, com alguma idade, o que diz também da sua qualidade e longevidade. Isso merecia ser evidenciado face à concorrência directa. Acredito que tem faltado algum arrojo, alguma inovação, alguma garra por parte do produtor alentejano para mostrar que os seus vinhos merecem estar no topo, nesses mercados especializados, ao lado dos mais cotados.
Por outro lado, a força que o Alentejo tem na grande distribuição leva a que as lojas especializadas sejam porventura menos trabalhadas pelos produtores.
Francisco Mateus, foto de Mário CerdeiraDito de outra forma, não precisam…
Mas não pode ser assim! Temos que ir bater à porta das lojas de nicho, mostrar o nosso produto, comunicar mais e melhor, trazer os compradores à nossa região, impressioná-los com a nossa qualidade e identidade. Temos de potenciar as marcas fortes, mesmo de produtores pequenos. Há todo um trabalho que o Alentejo em tempos fez e que tem de voltar a fazer. Volto a dizer, os produtores das outras regiões não estão parados…

As especialidades (vinhas velhas, castas antigas, talha…), podem contribuir para reforçar a imagem desse Alentejo “de especialidades”, diverso e diferenciador?
Claro! Vou começar pelo vinho de talha. O talha representa um nicho, uma quantidade muito pequena, apenas cerca de 60 mil litros por ano de vinho de talha certificado. Por outro lado, a talha não é um recipiente de fermentação normal, a talha tradicional, que existe em número limitado, é usada para um só vinho, uma vez por ano. Só este facto diz-nos que o vinho de talha será sempre um produto de nicho. Além de que – e isto é uma opinião pessoal – o vinho de talha tem um local e um momento para ser consumido. Não será um vinho que as pessoas vão comprar num supermercado, pela sua raridade, preço e perfil de aroma e sabor. Mas é um vinho para um consumidor exigente e conhecedor, o tal consumidor de nicho.
Quanto à vinha velha, tenho pena de existirem relativamente poucas no Alentejo. A vinha velha foi desaparecendo com as sucessivas reestruturações. Neste momento, segundo os dados de cadastro de que dispomos, numa área total de aproximadamente 22.500 hectares de vinha, existem cerca de 131 ha com mais de 50 anos e 382 ha com mais de 40 anos. No entanto, apesar de não ser grande, é uma área que têm estado mais ou menos estável na última década e estas vinhas mais antigas podem ajudar a reforçar a tal identidade Alentejo de que estava a falar. Sabemos que as vinhas velhas são um património que deve ser preservado e estimado. Mas só pode ser preservado se quem as tem sentir que geram algum valor. Aí há um trabalho que tem de ser feito, até pela própria CVR Alentejana, na exploração comunicacional das nossas vinhas mais antigas. Temos de passar essa imagem para o mercado. E também acho que precisa existir um conjunto de regras que defina, no Alentejo, qual a idade mínima que a vinha deverá ter para se poder usar na rotulagem a designação vinha velha. Isso iria ajudar os produtores a valorizá-las e mantê-las.
No que respeita às castas antigas e mais raras, a mesma coisa. Outro dia bebi um vinho de Tinta Carvalha (uma casta de que dispomos de pouco mais de 4 hectares no Alentejo) de um equilíbrio extraordinário. Nas brancas temos o Perrum, por exemplo, uma casta antiga, com características muito próprias. Tudo isso ajuda a construir uma imagem diferenciadora.

Passando ao mercado de exportação, o Alentejo representa cerca de 20% dos vinhos portugueses com denominação de origem ou indicação geográfica. Como avalia a evolução da exportação ao longo dos últimos anos?
Há um indicador económico muito positivo: a variação de crescimento das exportações é maior do que a variação da certificação. Isto significa que, a cada ano, estamos a exportar um pouco mais entre o volume de vinho disponibilizado no mercado. E, sobretudo, temos aumentado os preços na exportação.
Em termos de mercados propriamente ditos, temos uma grande fatia das nossas exportações em quatro países de fora da União Europeia: Brasil, EUA, Angola e Suíça. Têm sido bons mercados para o Alentejo (a Suíça, em particular, valoriza bem os nossos vinhos) mas sabemos que as oscilações da situação política e económica no Brasil e em Angola têm reflexos no comércio internacional. Depois temos a Polónia, com bons níveis de crescimento, mas a preços inferiores ao que ambicionamos, a França e Benelux, a Rússia, também a crescer, a China, que é um mercado interessante.
Os vinhos do Alentejo chegam a mais de 100 países, há muito por explorar noutros mercados e, de alguma forma, promover a diversificação e evitar a concentração nos quatro mercados que acima referi. Mas isso não é fácil, é preciso fazer escolhas, a capacidade de investimento e de recursos humanos é limitada, sobretudo nas pequenas empresas. Muitas empresas do Alentejo têm pequena dimensão. Num total de cerca de 300 produtores, 13 empresas representam mais de 60% da produção; e mais de metade dos produtores representam menos de 4% do volume de produção. O Alentejo do vinho não é todo formado por grandes empresas, como alguns erradamente acreditam.

O sistema DOC Alentejo assenta em 8 sub-regiões. No entanto, tirando algum movimento que se sente em torno de Vidigueira ou Portalegre, há poucos produtores e consumidores a valorizarem a identidade da sub-região ou a colocá-la nos rótulos. Porquê?
Para lhe responder teria que avaliar região a região. É verdade, em Portalegre há maior utilização do nome da sub-região. Portalegre está a ganhar notoriedade, até porque a maioria das empresas que vieram de fora para o Alentejo elegeram Portalegre como destino. Mas vejo também produtores de Borba e Vidigueira a procurarem comunicar a sua identidade. Há muito vinho de Reguengos a ser comunicado enquanto tal. Já em Moura há poucos produtores, e por isso a sub-região tem pouca visibilidade. O mesmo se passa em Granja-Amareleja. Diria que, porventura, as sub-regiões que utilizam menos o nome na rotulagem serão Évora e Redondo. Mas isso tem a ver com o modelo de negócio e opções de cada um. Para muitos é mais interessante optar exclusivamente pela denominação Alentejo em vez de adicionar o nome da mais pequena unidade geográfica. E outros ainda, podendo utilizar a designação DOC Alentejo, preferem o Regional Alentejano, até por uma questão de flexibilidade, sobretudo nas marcas de maior volume. Por exemplo, se um produtor precisar de comprar vinho ao vizinho e o vizinho só tiver vinho Regional, ficará naturalmente limitado se a sua marca estiver sob a DOC Alentejo.

Uma DOC tem de ter regras e um grau de exigência maior que um IG…
É evidente. Por definição uma Denominação de Origem é algo de conservador. É impensável estar a mexer nas regras de uma DO em cada sete ou dez anos. Podemos fazer ligeiros ajustes ou adaptar as regras à evolução natural das coisas. Mas não podemos recriar uma DO, sob pena de perdermos a identidade. As regras existem para serem aplicadas.

O Alentejo litoral é algo recente no mundo do vinho e o consumidor praticamente não o conhece. No entanto, pode vir a assumir um papel importante no futuro, até num contexto de alterações climáticas. Como vê o investimento de alguns produtores nesta parte menos notória do Alentejo?
Penso que o Alentejo litoral pode vir a tornar-se, no futuro, um daqueles casos que eventualmente justificarão uma alteração às regras da Denominação de Origem. As características especiais que tem, os solos, a influência marítima tão presente, a própria tipologia das castas que estão ali plantadas, tudo isso pode vir a configurar uma nova sub-região. Mas mais importante do que eu achar que pode acontecer, é os produtores que lá estão quererem que aconteça. Se os produtores acham que estão bem assim, porque havemos de estar a mexer nisso?
Penso que essas vinhas litorais são mais um bom exemplo do arrojo e da inovação dos produtores do Alentejo. Os vinhos, nomeadamente os brancos, diferenciam-se claramente dos outros que são produzidos na região e enriquecem a oferta e a diversidade do Alentejo. O investimento que decidiram ali fazer está a dar excelentes resultados e a mostrar um Alentejo diferente, um Alentejo que há 15 anos não existia. Na verdade, há muito Alentejo, é uma região grande e ainda com zonas por explorar.

Francisco Mateus foto de Mário Cerdeira

Em todas as denominações de origem europeias as castas desempenham um papel fundamental na definição da identidade regional. Uma região é dinâmica, mas, como já referiu, o estatuto de Denominação de Origem pressupõe um certo conservadorismo. Uma das últimas alterações que se fizeram na região, abriu a possibilidade de vender como DOC Alentejo um vinho 100% Syrah ou 100% Touriga Nacional, por exemplo. A designação Regional Alentejano para essas castas “não tradicionais” era insuficiente para os objectivos dos produtores?
As alterações que são feitas à legislação resultam sempre de compromissos. Isto quer dizer que nem sempre se consegue aquilo que se ambiciona, consegue-se aquilo em que é possível gerar acordo. A questão das castas é típica deste tipo de “negociações”, digamos assim, nuns casos consegue-se consenso, noutros não.
Em 1988, na primeira legislação para os vinhos do Alentejo, as castas, os lotes, e muitas outras regras eram diferenciados de sub-região para sub-região. Era tudo muito complexo, para a CVR e para os produtores. Na alteração mais profunda que se fez, em 2010, entendeu-se que isso deveria ser simplificado e as regras para as DOC Alentejo serem iguais nas várias sub-regiões. E houve castas que ficaram numa lista das que devem representar, em conjunto ou isoladamente, 75% do lote, e outras que não podem representar mais de 25% do lote.
Acontece que hoje temos mais informação do que tínhamos nessa data. Importaria talvez olhar para o terreno, ver o que existe, o que está cadastrado, com que resultados em termos de vinhos. Interrogo-me se, hoje em dia, se justifica ainda termos essa situação dos 75/25 generalizada a todas as sub-regiões. Se calhar justificava-se um outro modelo. Por exemplo, dizíamos aos produtores que, quem está dentro de uma sub-região, pode usar o nome da sub-região associado ao DOC Alentejo em determinadas condições; deixa de o poder usar se optar por esta ou aquela casta e aí só usa o nome DOC Alentejo; e se entender colocar lá mais umas outras castas, é livre de o fazer, mas o vinho terá de ser Regional Alentejano. Isso tornaria a regra mais fácil e, sobretudo, colocava a decisão nas mãos do produtor. O produtor, conhece as regras, sabe o que pode ou não pode fazer: se decidir num determinado sentido sabe o que pode comunicar no rótulo. A decisão é sua.

No fundo, é assim que funcionam as mais importantes DO europeias…
Sem dúvida. Não podemos esquecer que as regiões não são imutáveis, há inovação, há mudança. E é bom que de quando em vez apareçam umas castas novas. Nós, no ano passado, introduzimos mais uma meia dúzia de castas no Regional Alentejano… É para isso que serve a Indicação Geográfica por oposição à mais conservadora Denominação de Origem.

A área de vinha do Alentejo teve um enorme crescimento desde a demarcação em 1989. Acha que a região não deve ir muito além dos cerca de 22.500 hectares cadastrados até Agosto de 2019?
Em 30 anos do Alentejo mais recente, o que vemos é que a área de vinha cresceu muito até 2003, estagnou alguma coisa até 2013/2014 e, desde então, tem vindo a crescer. Houve um entendimento por parte dos representantes dos agentes económicos regionais de que o Alentejo deveria fazer crescer a sua área de vinha. Assim, referente a autorizações já atribuídas e com possibilidade de plantação até 2022, permitiu-se um aumento de 3.700 hectares, ou seja, uma variação de 17,9% face a 2014. Tem havido, portanto, uma abertura para plantar novas vinhas. Mas entendo que agora a região tem de olhar muito bem para aquilo que tem, avaliar o potencial de crescimento que existe em termos de autorizações já atribuídas, e pensar na produção e no mercado.

Ou seja, na relação entre a oferta e a procura e o seu reflexo no preço…
Exactamente. De forma muito simples, vejo a coisa assim: estamos a permitir que se aumente a área vitícola para mais 3.700 hectares; isso significa que poderemos aumentar, no mínimo, 15 milhões de litros em produção. Ou seja, em 2023 o Alentejo poderá estar a produzir mais 15 milhões de litros do que 2014. E isto se, até lá, não forem dadas novas autorizações! Há que pensar nas adegas que têm de vinificar e armazenar esse acréscimo e no mercado que vai ter de o receber. Vamos colocar este vinho no mercado para o vender ou para gerar valor que ajude a pagar a instalação da vinha?
Já iniciámos este debate no Conselho Geral da CVR Alentejana, estamos a avaliar a informação e a reflectir sobre o futuro próximo da plantação de vinhas no Alentejo. Em tempos decidimos crescer, acredito que agora é tempo de abrandar, ou mesmo parar, para avaliar os dados disponíveis, fazer um balanço e tomar decisões.

O Alentejo foi a primeira região portuguesa a assumir uma preocupação colectiva e institucional com a sustentabilidade. Para além da compensação mais evidente, que é ter um Alentejo do vinho mais sadio e sustentável, acha que é possível fazer reflectir no mercado (em termos de notoriedade e valor) esse investimento ambiental?
Antes de tudo, acredito convictamente que a viticultura sustentável e a produção sustentável de vinho podem ser o trampolim do Alentejo para os próximos anos, um verdadeiro factor diferenciador da região face às suas congéneres.
Quanto à sua questão: a produção sustentável é valorizada pelo consumidor? Pelo menos em duas geografias, os mercados nórdicos e os Estados Unidos da América, temos visto que sim. Mas a verdade é que, globalmente, é algo que o consumidor normal, o consumidor médio, não valoriza. Comunicar uma vitivinicultura sustentável não é fácil. Primeiro porque as pessoas (mesmo os jornalistas) olham para a palavra sustentabilidade e associam-na à questão climática ou económica. Depois, o que é isso de vinho sustentável? O vinho não é sustentável, a forma como foi produzido sim.
Quando o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo foi lançado, em 2014, apresentámo-lo a vários concursos, com sucesso. Muito em breve vamos receber o prémio de Inovação em Meio Rural atribuído pela Comissão Europeia. O nosso programa não é uma coisa académica, é algo que está no terreno, aplicado pelas empresas. Mas como comunicar tudo isto?
Sabemos que o consumidor valoriza uma certificação. Para o ano vamos ter, atribuída por entidades independentes, a certificação de viticultura sustentável e de produção sustentável de vinho. Vamos passar a ter algo concreto, auditável e verificável, que pode ser apresentado ao importador ou ao consumidor final. Porque o que temos até agora é o trabalho efectivo no terreno, coordenado pelo João Barroso de forma incansável, mobilizando os produtores da região no sentido de introduzirem práticas e modelos sustentáveis. A vitivinicultura sustentável é hoje uma realidade no Alentejo, mas é preciso que isso seja levado até ao consumidor através de uma certificação, um selo.

Isso leva tempo…
É verdade. Napa Valley , nos EUA, anda nisto há 20 ou 30 anos e há pouco li uma notícia que referia que 99% da área de vinha está certificada como sustentável. Mas o mercado americano está muito atento a isto e eles são muito bons a comunicar. Nós temos de olhar para os bons exemplos e levar isto até ao consumidor. Mas tenho consciência de que é muito difícil passar esta mensagem no mercado nacional no sentido de criar valor. Hoje em dia, a esmagadora maioria do consumidor português dá muito mais atenção à qualidade e ao preço do que ao modelo de produção do vinho. Isso pouco lhe diz.

Embora os chamados millennials e mais ainda os membros da geração Z, ou geração digital, comecem a pensar de forma diferente…
Ora aí está! Esta geração pesquisa tudo pela internet, está muito mais atenta a tudo o que a rodeia, há uma fatia de consumidores que vai querer saber como os bens que consomem foram produzidos. E quando isso acontecer os vinhos do Alentejo estarão na linha da frente.

A rega é, no Alentejo, um factor de qualidade, não apenas de produção. Mas a disponibilidade de água é limitada. Por outro lado, há quem defenda energicamente que sustentabilidade e rega são incompatíveis. Como gerir a escassez?
Eu não tenho qualquer tabu relativamente à rega da vinha. No entanto, regar intensamente com objectivo de aumentar a produção, não é sustentável, pelo consumo da água e pelo ciclo de vida curto que essa vinha terá. Já a rega optimizada é benéfica. Mas a realidade é que temos um problema de acesso à água no Alentejo. Existe um Alqueva, com uma massa de água gigantesca, mas o Alqueva está longe de Évora e de muitas outras zonas. Há produtores de Reguengos, ali ao lado do Alqueva, e que não têm água. Para além do acesso, há o modelo. A rega de precisão é o caminho que temos de seguir. Não digo “devemos”, digo “temos”. Temos de dar à vinha apenas a água que ela necessita para conseguir viver. No fundo, reproduzir as condições de um ano climático normal. Sem água não há vida. Temos obrigação de dar água à vinha quando não chove. Mas para dar água é preciso tê-la. Acredito que é essencial que consigamos reter a maior quantidade possível de água da chuva, sem colocar em causa, naturalmente, a corrente dos rios e ribeiras. Nestes últimos cinco anos, no Alentejo, tem caído menos água e, quando cai, cai em períodos curtos com enorme intensidade. Se nós entrarmos num período continuado de seca extrema, como tem acontecido na África do Sul ou na Austrália, temos de estar preparados. E isso significa usar bem a água que temos e não desperdiçar a água da chuva.

Uma grande parte do Alentejo vitivinícola é mecanizável, mas não apenas as máquinas dependem de pessoas como também nem tudo se resolve com máquina. Como avalia a carência de mão de obra agrícola e o seu impacto no futuro?
Para isso só tenho uma palavra: dramático. Infelizmente não acontece só na agricultura e vitivinicultura, os outros sectores (a hotelaria, por exemplo), também são afectados pela escassez de mão de obra. Ou não há pessoas para trabalhar ou as que existem não estão disponíveis para aquele trabalho. Para o sector do vinho, tudo isto é um desafio. Quando hoje se instala uma vinha já se prevê o nível máximo de mecanização, não apenas a vindima mas também a poda e outras tarefas. Isto pode derivar numa espécie de “robotização” do sector do vinho (com a conotação negativa junto do consumidor que daí advém), mas eu entendo perfeitamente, se fosse produtor faria a mesma coisa. Se não consigo encontrar pessoas para trabalhar, tenho de mecanizar.

Antigamente dizia-se que a vinha contribuía para fixar populações. Mas cada vez mais a mão de obra vitícola é mão de obra imigrante, os naturais continuam a ir embora…
Há dois factores que para isso contribuem. Por um lado, as vias de comunicação são muito melhores. Posso morar na cidade, em Évora, e trabalhar em qualquer parte do Alentejo. Por outro, o trabalho agrícola não é visto como sendo aliciante. Isto pode ter a ver, como é óbvio, com o nível salarial, mas em muitos outros sectores de actividade os salários não são melhores.
Uma das grandes preocupações da CCDR do Alentejo é a questão demográfica. O Alentejo está a ficar velho e a ficar sem gente. É uma área muito grande do território nacional, uma área onde a agricultura é muito importante e uma área onde há empregabilidade. Mas há muito pouca vontade de ir trabalhar na agricultura. Isto merece uma reflexão dos potenciais empregadores e dos potenciais empregados. No meio de tudo isto, há boas notícias. A Universidade de Évora abriu agora um curso de enologia e, pelo que ouvi dizer, esgotou as vagas. Ainda há pessoas a quererem trabalhar nesta área. E a academia está atenta ao que se passa à sua volta. Este curso em concreto reflecte a dinâmica do sector e questões como eficiência energética e enoturismo são temas curriculares.

Francisco Mateus. Foto de Mário Cerdeira

É precisamente de Enoturismo que queria falar, para terminarmos a entrevista. Uma Rota do Vinho funciona como elemento agregador e multiplicador? Ou na realidade, no terreno, o Enoturismo é cada um por si, uns amadores, outros profissionais, uns fechados ao fim de semana outros abertos todo o ano?
É um pouco tudo isso. Falando do caso concreto do Alentejo, temos enoturismos excelentes, temos enoturismos com boas condições e com pouco movimento e temos enoturismos onde não vai ninguém. E depois temos a Rota do Vinho do Alentejo. A sala da Rota, localizada no centro turístico de Évora, procura ser um elemento agregador, um espaço onde se mostra o Alentejo do vinho. Mas nós sabemos que é muito difícil levar os produtores a trabalhar em rede, em conjunto. Seria importante que se criassem grupos de três ou quatro produtores, com características diferenciadas: um tem vinhos de talha, outro uma adega moderna, outro ainda uma vinha antiga, todos com vinhos bem distintos. É evidente que existem no Alentejo produtores que não precisam de nada disto, até pelo grande número de turistas que recebem. Mas muitos outros não acolhem quase ninguém. Porquê? Porque não têm condições? Porque não publicitam? Porque têm a porta fechada ao fim de semana? Porque dizem que é só por marcação, mas, quando se procura marcar, o telefone toca e ninguém atende?
Naturalmente, quando na Rota do Vinho alguém pede sugestões de visitas ou marcações, as pessoas responsáveis contactam aqueles produtores que respondem aos mails e telefonemas, aqueles que sabemos que dão resposta com uma oferta enoturística de qualidade. É muito mau para a imagem do turismo do Alentejo quando alguém vai de carro, levado pelo GPS até um produtor que surge nos guias de Enoturismo, e depois chega lá, toca à porta, buzina, e mais tarde aparece alguém a dizer “o senhor engenheiro não está cá”. Isso é muito mau. Sinceramente, preferia que esses produtores não estivessem na Rota. Portanto, e resumindo a resposta à sua questão, no Enoturismo do Alentejo há elevados níveis de profissionalismo e elevados níveis de amadorismo.

Edição n.º32, Dezembro 2019

Adrian Bridge: “Vale a pena proteger o ambiente. Afinal, esta é a nossa casa”

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text] Ao longo da última década e meia Adrian Bridge tem vindo a revolucionar completamente o grupo de vinho do Porto “Taylor Fonseca”. Inovação no produto e na forma de o comunicar, aposta forte na hotelaria, na […]

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

Ao longo da última década e meia Adrian Bridge tem vindo a revolucionar completamente o grupo de vinho do Porto “Taylor Fonseca”. Inovação no produto e na forma de o comunicar, aposta forte na hotelaria, na cultura, na gastronomia são a sua imagem de marca. Mais recentemente, a criação do Porto Protocol revelou ao mundo a sua preocupação com a sustentabilidade ambiental. Acredita que o sector do vinho pode liderar a luta contra as alterações climáticas e explica-nos porquê.

TEXTO Luís Lopes
FOTOS Anabela Trindade

Adrian Bridge teve o primeiro contacto com o sector do vinho do Porto em 1982, quando conheceu a sua esposa Natasha, a filha mais velha de Alistair Robertson, presidente do grupo The Fladgate Partnership, detentor das marcas Taylor’s e Fonseca, entre outras. Após quase uma década ligado à carreira militar e à gestão financeira, Adrian veio com Natasha para o Porto, onde fixou residência e começou a trabalhar na empresa.  Em 2000 assumiu o cargo de Director Geral do grupo, tendo promovido a aquisição de outras casas do sector como a Croft e a Delaforce, e reorganizado toda a estrutura empresarial. De então para cá, o crescimento tem sido constante, assente em grandes investimentos em vinhas e adegas, renovação de marcas clássicas e criação de novos produtos (como o Croft Pink ou os chamados “super tawnies” –  velhos, grandiosos e caros), estreando novas formas de comunicar e promover o vinho do Porto. O ano de 2010 marcou o início de uma nova era no grupo: a hotelaria de luxo, com a inauguração do The Yeatman em Vila Nova de Gaia, a que se seguiu mais tarde a aquisição e reformulação do Vintage House, no Pinhão e Infante de Sagres, no Porto. Em fase adiantada de construção está o World of Wine, um grandioso complexo cultural, gastronómico e comercial situado ao lado da Taylor’s, em Gaia.

Adrian Bridge é igualmente líder e mentor do Porto Protocol, uma iniciativa global para mitigar as alterações climáticas, nascida na sequência das conferências Climate Change Leadership promovidas pela Taylor’s. Aos 56 anos, adepto e praticante de montanhismo, esqui, fotografia e aguarelas tem uma relação íntima com a natureza, e a preservação do ambiente, a biodiversidade e a sustentabilidade estão no centro das suas preocupações. Ao nível pessoal, mas também profissional. Porque, como nos diz, “Sentimos o efeito directo das alterações climáticas no nosso negócio. E temos de fazer alguma coisa”.

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O que é que o motivou a avançar para o desafio de organizar anualmente a conferência Climate Change Leadership?

A nossa empresa está profundamente envolvida com o tema há mais de 20 anos, preocupada com a diversidade e a sustentabilidade ambiental. Em 1998, por exemplo, lançámos um vinho do Porto elaborado com uvas orgânicas, um primeiro indício das nossas preocupações nessa área. De então para cá avançámos muitíssimo em práticas sustentáveis nas nossas vinhas, adegas e empresas. Mas a verdade é que nada se consegue sozinho. O clima nas nossas quintas não é diferente do clima nas quintas dos vizinhos. A partir de 2015 temos vindo a sentir de forma cada vez mais acentuada os efeitos das alterações climáticas e achámos que tínhamos de fazer alguma coisa para chamar a atenção para este problema. Pessoalmente, penso que o sector do vinho tem uma grande capacidade de liderar a luta global para contrariar e minimizar os efeitos das alterações climáticas. O projecto Climate Change Leadership é o resultado de tudo isso.

[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”30″][vc_column_text]Onde é que o sector do vinho faz a diferença?

Essencialmente, em quatro aspectos. Em primeiro lugar, a vinha e o vinho estão presentes em muitos locais remotos do mundo onde constituem a única actividade económica relevante. Nós, enquanto sector do vinho, protegemos esses ambientes e evitamos a sua desertificação. Depois, uma enorme parte da economia da vinha e do vinho assenta em empresas familiares, é um negócio geracional baseado em muito do que avós e pais fizeram. E aquilo que hoje fazemos é feito a pensar nos nossos filhos e netos, a quem queremos deixar um futuro melhor.  Em terceiro lugar, o vinho é praticamente o único produto agrícola que é vendido com marcas. Nós comemos três ou quatro refeições por dia e, na esmagadora maioria dos casos, não temos qualquer ideia de onde veio aquilo que comemos. Com o vinho isso não acontece. Há uma origem, uma marca responsável, podemos falar directamente com quem o produziu e até visitar o local de produção. Finalmente, o mundo do vinho tem uma grande capacidade de comunicar directamente com o consumidor. E isso é uma enorme vantagem quando sabemos que o consumidor está cada vez mais preocupado com as alterações climáticas e com o ambiente.

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Acha que a comunicação do vinho com o consumidor tem sido a mais correcta e eficaz?

Não, mas tudo isso pode mudar. O marketing dos vinhos está demasiado focado em fornecer ao consumidor informações que não lhe interessam, por exemplo, como o vinho foi fermentado, quantos meses esteve nas barricas, onde e quando fez a maloláctica… Mas se eu der informação relevante, por exemplo, se eu disser ao consumidor que para produzir este vinho utilizámos dois litros de água e para fazer aquele foram utilizados dez litros, ele vai certamente optar pelo que tem menos impacto nos recursos naturais. Há cada vez mais consumidores a optar por vinhos orgânicos porque pensam que o orgânico é melhor para o ambiente, o que nem sequer é necessariamente verdade. O orgânico é bom para muitas coisas, mas a pegada de carbono da viticultura orgânica é mais pesada do que a da viticultura convencional. Na Fladgate, mais do que uma viticultura orgânica, nós praticamos uma viticultura sustentável.

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Em resumo, acredita que sector do vinho pode liderar o processo global de mudança para práticas mais sustentáveis…

Sem dúvida. As alterações climáticas têm um efeito visível no nosso negócio, o sector do vinho tem a capacidade de mobilizar as preocupações e atenções em torno deste assunto e podemos liderar porque somos uma indústria que abarca o mundo inteiro interagindo muito directamente com os consumidores e a população.

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O que espera do Porto Protocol?

Ghandi disse algo como, “o que quer que faças, provavelmente não será muito notado, mas é importante que o faças”. Cada contribuição isolada conta pouco, mas se todos fizermos alguma coisa, isso já terá um impacto grande. De forma simplificada, o Porto Protocol é, em primeiro lugar, um compromisso entre os seus subscritores, oriundos de vários sectores de actividade, para adoptar práticas sustentáveis. Em segundo lugar, o Porto Protocol implica partilhar. Os produtores de vinho têm a mesma planta, que plantam um pouco por todo o mundo. Muitos destes produtores estão bastante avançados em práticas sustentáveis e em mecanismos de defesa das suas vinhas contra as alterações climáticas. Não há tempo nem necessidade de reinventar a roda. Há soluções mais do que testadas, colocadas em prática com sucesso. Partilhar informação é absolutamente fundamental, não apenas na área da vinha e do vinho mas também noutros sectores. Um dos parceiros do Porto Protocol é a Toyota, por exemplo, mas está também a Amorim, da indústria da cortiça, e diversos parceiros da área da logística.

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Ter sido a Taylor’s a dar o primeiro passo é importante para credibilizar o projecto?

Nós fizemo-lo, em primeiro lugar, porque nos preocupamos. E depois, porque temos 327 anos e isso dá-nos credibilidade para falar sobre o que vai acontecer daqui a 20 ou 50 anos. Há também outra razão: o Porto não faz concorrência às grandes marcas de vinho no mundo. A Taylor’s é uma marca bem conhecida e prestigiada, mas é um nicho. E assim as grandes empresas de vinho do mundo não terão problemas em associar-se a um projecto iniciado por nós.

Mas é importante que fique claro: eu não estou a promover a Taylor’s. Eu estou a promover soluções para os problemas existentes. Mas é evidente que, dentro no nosso grupo, entre acionistas e colaboradores, há orgulho por termos assumido esta pasta. Numa empresa com 327 anos o lucro é importante, precisamos dele, mas não é tudo. Precisamos sobretudo de proteger as pessoas, o território, o vale do Douro, a cidade do Porto que é a nossa casa há mais de três séculos. E vale a pena proteger o ambiente em que vivemos. Esta é a nossa casa.

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Como podemos, em conjunto, direcionar consumidores e produtores numa via mais sustentável?

Dou-lhe um exemplo. Há muitos produtores a engarrafar vinhos em garrafas pesadas, de 900 gramas ou 1 quilo, porque muitos consumidores associam as garrafas pesadas a vinhos de maior qualidade. Mas nós sabemos que não há qualquer relação entre o peso da garrafa e a qualidade do vinho. Se nós comunicarmos isto claramente e chamarmos a atenção ao consumidor de que garrafas pesadas não ajudam ninguém dentro da rede logística, de que garrafas pesadas deixam uma maior pegada ambiental, o consumidor vai acabar por preferir vinhos em garrafas leves. Eles querem vinho, não vidro. E se o consumidor rejeitar garrafas pesadas, os produtores vão adoptar outro comportamento.

Nunca devemos esquecer que o consumidor reage rápido. Só há dois ou três anos é que se começou a falar do plástico a sério. Hoje em dia é uma preocupação generalizada do consumidor e as empresas são obrigadas a encontrar soluções diferentes.

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A Fladgate tem investido bastante (e com sucesso, diga-se) no sector hoteleiro. Em que medida é que o negócio de viagens e hotelaria está ciente da necessidade de implementar soluções que vão ao encontro da sustentabilidade ambiental?

Efectivamente, trata-se de um sector com peso importante nesta área. Existe a nível mundial um grande debate sobre a pegada de carbono gerada pelo tráfego aéreo. Mas a verdade é que as pessoas vão continuar a viajar. Não é menos verdade que a optimização de gestão e a evolução tecnológica fazem com que as pessoas viagem, hoje em dia, em aviões cheios e em aviões modernos, bem mais eficientes em termos de consumo. Mas os viajantes quando chegam ao hotel também têm a expectativa que o hotel respeite o ambiente. No caso do Yeatman, por exemplo, todo o aquecimento de águas é feito através de painéis solares. A água oferecida ao cliente, para beber, é recolhida na rede pública, filtrada, refrigerada e gaseificada por nós. As águas utilizadas nos banhos são captadas em minas existentes debaixo do hotel. E depois dos banhos, as águas são tratadas e reutilizadas nos sanitários e na rega dos jardins. Estima-se que, diariamente, no mundo inteiro, há um bilião de pessoas que utiliza água bebível na descarga das sanitas; e mais de dois biliões de pessoas não têm água potável para beber. Esta é, infelizmente, uma realidade e, portanto, o uso racional da água é muito importante para nós.

Mas existem outras vertentes onde a hotelaria pode fazer muito mais e melhor. A forma como se utiliza energia é crucial. Porque é que um cliente precisa chegar ao quarto e ter a televisão ligada? Em alguns hotéis de luxo, por vezes, um cliente sai para jantar, desliga a electricidade, mas quando volta, quatro horas depois ,está tudo ligado de novo porque entretanto um camareiro passou no quarto. Não tem lógica, quando um simples cartão pode ligar à entrada e desligar à saída… O tratamento de lixos é outra vertente importante. No Yeatman, por exemplo, possuímos uma máquina de compostagem do lixo da cozinha. Mas, como disse, há ainda muito para melhorar na hotelaria e nos restaurantes do ponto de vista ambiental.

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Permita-me uma transição temática para o Vinho do Porto, no fundo, a razão da existência desta casa. Dir-se-ia que os tempos não vão a favor do Porto: é um vinho doce e com teor alcoólico elevado, ao arrepio dos padrões de consumo…

Mas é muito bom!

[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”30″][vc_column_text]

Estamos de acordo. Mas o que é possível fazer para tornar o Porto mais atractivo para os novos consumidores?

A nossa empresa, que está muito focada nas categorias especiais (os Porto de nível superior) tem o seu negócio em crescimento. Lento, é certo, mas a crescer. O que é preciso? Sobretudo, inovação. Inovação de produtos, de “packaging”, de qualidade. O consumidor é exigente e tem acesso a muita informação, pelo que devemos conhecer bem o que ele pretende, o que bebe, quando e como bebe. Muitas vezes, o problema não está no consumidor, mas na rede de distribuição. Basta que alguém diga que não quer um determinado vinho na sua rede de 500 supermercados para que milhões de pessoas fiquem sem acesso a esse produto. Não porque não o queiram, mas porque não está lá.

É verdade que o Porto tem 20 graus de álcool, mas o gin tem 40 graus e fez um enorme trabalho de regeneração de toda a categoria. O álcool não é o problema. Os australianos fazem muitos Shiraz com 15 e 15,5%. Não há assim tanta diferença para o Porto. Quanto ao ser doce, há muita gente que diz que não quer doce, mas gosta de doce. Temos é que saber quando e como servir o Porto. Não faz sentido sugerir um Porto LBV para acompanhar uma picanha, há vinhos de mesa que cumprem melhor esse papel. Mas se sugerirmos esse mesmo LBV com um brownie de chocolate, então temos um casamento perfeito.

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O renascer do interesse pela mixologia, pelos cocktails, pode ajudar o negócio do Vinho do Porto?

É óbvio. Os mixologistas têm uma mente aberta, estão acostumados a experimentar coisas novas. O Croft Pink , por exemplo, pode deixar desconfiado um sommelier, porque não o estudou na escola, mas é bastante atractivo para um mixologista que pode utilizá-lo como base para desenvolver a sua criatividade. Há um restaurante chamado Little Big’s em Houston, Texas, que faz um granizado com o rosé. Nós fazemos agora um granizado com o ruby Fonseca Bin27.

O vinho do Porto tem orgulho nas suas tradições e beneficia delas, mas devemos incentivar a inovação e, sobretudo, a acessibilidade ao vinho do Porto, deixando de lado a ideia de que este vinho só se bebe com fato escuro ou sentado à lareira. Ou, pior ainda, quando temos cabelos brancos. Nós precisamos relaxar! Não estou aqui para fazer regras, mas sim para fazer um bom produto e deixar que as pessoas o integrem na sua vida.

Não há uma forma certa e errada de beber Porto. Nem um local certo ou errado. Abrimos recentemente um winebar Taylor’s em Lisboa. Porquê só oferecer Porto ao turista na cidade do Porto ou no norte do País? Vinho do Porto é Portugal!

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Orlando Lourenço: “Na Murganheira somos tão exigentes quanto as melhores casas de Champagne”

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Os espumantes portugueses devem-lhe bastante, para não dizer quase tudo. Foi muito por “culpa” de Orlando Lourenço e da Murganheira que as bolhas vínicas ganharam estatuto de coisa séria junto dos consumidores, criando-se o embrião de uma […]

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Os espumantes portugueses devem-lhe bastante, para não dizer quase tudo. Foi muito por “culpa” de Orlando Lourenço e da Murganheira que as bolhas vínicas ganharam estatuto de coisa séria junto dos consumidores, criando-se o embrião de uma cultura de espumante capaz de apreciar este vinho fora dos momentos festivos. Foi com o seu talento e mestria que os espumantes foram pela primeira vez colocados num patamar de qualidade e preço ao nível dos melhores brancos e tintos nacionais. Aos 69 anos mantém-se absolutamente fiel à escola champanhesa, continuando a inovar e a produzir excelência.

TEXTO Luís Lopes
FOTOS Anabela Trindade

Nascido em 1950 numa quinta em Lamego, Orlando Lourenço cresceu rodeado de vinhas e cedo acompanhou o bulício das vindimas. O seu pai já produzia vinhos base para espumante sob supervisão da Raposeira, a quem eram vendidos a granel, numa relação semelhante à que as casas de vinho do Por¬to tinham com os “seus” lavradores. Sua mãe, operária na Raposeira, onde tinha vários familiares, deixou a empresa em 1949 para casar. O mundo do vinho e dos espumantes esteve assim, desde sempre, bem embrenhado na vida de Orlando Lourenço. Mas não pode dizer-se que estivesse destinado a fazer deste mundo o seu mundo.
Em 1972, a cumprir o serviço militar em Angola, veio de férias à sua terra, aproveitou para trabalhar nas vindimas e conheceu o empresário têxtil Acácio da Fonseca Laranjo, dono da Murganheira que havia fundado em 1947. Uma conversa casual levou o jovem furriel Orlando a oferecer-se para colocar em contacto Acácio Laranjo com a manutenção militar em Angola. A Murganheira começou a vender para lá e, reconhecido, o empresário prometeu-lhe emprego e uma pequena quota quando regressasse a casa. Entretanto veio a revolução de Abril de 1974, as empresas de Acácio Laranjo entraram em colapso e Orlando Lourenço decidiu fazer-se à estrada, cursar o magistério primá¬rio e tornar-se professor, actividade que exerceu durante 16 anos e que lhe valeu o carinhoso tratamento de “professor Orlando” para o resto da vida. Entretanto, nas propriedades familiares, continuou a fazer vinho do Porto para vender às casas exportadoras de Gaia.
Mas o destino voltou a bater-lhe à porta em 1985. A família de Acácio Laranjo, entretanto falecido, propôs-lhe a aquisição da Murganheira, então uma pequena empresa que atravessava vários problemas. Dois anos de avaliação e de angariação de recursos financeiros culminaram com a efectivação da compra em 1987. Seguiram-se três anos de estu¬do com o professor Georges Hardy, na Estação Enológica de Champagne, que chegou a vir fazer duas vindimas consecutivas na Murganheira. Em 2002, surgiu a oportunidade de comprar a Raposeira à Pernod Ricard, que queria desfazer-se das unidades de produção em Portugal. O resto é uma história feita de muito trabalho, viagens, estudo, talento e dedicação. E o menino que se fez homem a ver fazer espumante, acabou por se tornar no incontestado grande mestre dos espumantes de Portugal. Vamos ouvi-lo na primeira pessoa.[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40472″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]No processo de elaboração de um espumante, qual é no seu entender o aspecto mais determinante para a qualidade e perfil do produto final?
É a prensagem, claramente. Repare, das 6 ou 12 toneladas de uva que enchem as nossas prensas, fazemos cinco tipos de vinho. É essa a mais pura escola champanhesa, o fracionamento do mosto consoante a prensagem. A “premiere pièce”, resultante da lavagem das uvas, da retirada de poeiras e eventuais produtos fitossanitários, não é utilizada para espumante, são cerca de 400 ou 500 litros. Muitos pensam que o primeiro mosto que escorre da prensa é o chamado “tête de cuvée” mas isso é completamente errado. Esse primeiro mosto, analiticamente, é uma desgraça. Os “cuvées” só aparecem depois de descartar¬mos a “premiere pièce”. Temos primeiro o “tête de cuvée” e depois a segunda “cuvée”. Os “cuvées” representam um terço do mosto, o de melhor qualidade, utilizado para fazer os espumantes brutos. Depois, com o início da pressão na prensa, vem o “taille”, que é uma fração bastante grande do mosto (acima de um terço), com mais teor alcoólico, pH mais alto e menos acidez que os “cuvées”, e que é aproveitado para fazer os meio-secos. Finalmente, o “rebêche”, resultado da maior pressão da prensa. No final, juntamos a “premiere pièce” ao “rebêche” e vendemos esse vinho a granel, algumas centenas de milhares de litros por ano. Portanto, apenas uma parte do mosto de cada prensa é utilizado para os nossos espumantes e, no caso dos brutos, por vezes menos de um terço.

Isso faz toda a diferença na qualidade do vinho base…
Sem dúvida. Quando visito algum produtor que faz ou pretende fazer espumante, a primeira coisa que vou ver são as prensas. Só depois vejo a cave. Eu explico sempre isto: a prensagem é essencial, as mesmas uvas fazem cinco vinhos diferentes. A qualidade média do Champagne seria muito melhor se a região tivesse um mercado forte de “meio-seco” e “doce” e pudesse encaminhar para esses vinhos uma grande parte do mosto menos nobre. Como o mercado de “não bruto” representa para Champagne menos de 2%, o resultado é que esses vinhos base menos interessantes entram todos nos espumantes não datados. Os “cuvées” são utilizados sobretudo para os “millesimé”, os vinhos datados.[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40474″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][vc_column_text]Que características deve ter um bom vinho base para espumante? E o que é para si um grande espumante?
Uma boa base, depois da primeira fermentação, deve ter todo carácter da casta no aroma e uma boca um pouco neutra, de forma a revelar todo o seu potencial com a segunda fermentação. O vinho base deve ter aromas expressivos, mas finos, sem exuberâncias, e uma maior neutralidade de sabor.
Já um grande espumante define-se pelo corpo e pela elegância. No meio disso está a acidez. Procuramos chegar a um corpo cheio, que possa casar com a acidez e a elegância.

Essa procura de um vinho mais estruturado, encorpado, não poderá conduzir por vezes a teores alcoólicos elevados e menor acidez e frescura?
Se nós queremos espumantes com muito estágio, como é o perfil dos Murganheira, temos de ter uma sólida estrutura no vinho. Em Champagne o teor alcoólico “oficial” anda pelos 12,5% mas há uma margem autorizada de mais 0,8%. O que significa que os grandes Champagne tem sempre mais de 13% de álcool mesmo que não o indiquem. Nós andamos por aí, 13% ou 13,5%, mas em alguns anos atingimos 14%, porque a acidez era de tal forma elevada que necessitávamos de mais maturação. Aqui conseguimos boas maturações e vinhos encorpados com 9 g/l de acidez total e pH abaixo de 3. Champagne bem gostaria de ter estas condições naquele terroir…[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Quais são as suas castas preferidas para espumantizar?
Começando pelas tintas, gosto muito da Touriga Nacional, espumantizada em branco, acho que resulta de forma fantástica. Aprecio bastante, também, o Pinot Noir e a Touriga Franca. A Tinta Roriz é mais caprichosa, mas em alguns anos comporta-se muito bem. Já vi bons resultados de Alvarelhão e gostei igualmente de alguns Baga, não todos, mas entre eles há vinhos excelentes.
Nas castas brancas destaco o Chardonnay. O problema é que temos vários Chardonnay em Portugal, e dependendo do viveirista que fornece as plantas, obtêm-se resultados bem distintos. Na obtenção de um grande vinho base de Chardonnay o terroir é absolutamente fundamental, não resulta bem em todo o lado. Temos em estágio algumas experiências interessantíssimas com Sauvignon Blanc, vinhos cheios de frescura e elegância. Das variedades tradicionais da região evidencia-se a Malvasia Fina e o Gouveio. Já experimentámos o Rabi-gato, que é uma casta ácida, o que em si mesmo é bom, mas depois falta-lhe a estrutura…

Há quem diga que, em Portugal, por muito bons espumantes que façamos com as castas nacionais, o Chardonnay e o Pinot Noir são sempre imbatíveis. O que pensa disso?
Globalmente, estou de acordo. São castas difíceis de trabalhar no clima português, de uvas pequenas, que amadurecem com muita rapidez e exigem muita atenção para não as deixar passar do ponto ideal. Mas depois oferecem uma finesse, uma elegância, classe e qualidade extrema ao vinho.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”30″][divider line_type=”No Line” custom_height=”30″][image_with_animation image_url=”40477″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Existe um estilo Raposeira e um estilo Murganheira? Como é que os define?
Sem dúvida que existem dois estilos distintos nestas casas. A Murganheira assume um estilo 100% champanhês, em todo o processo de produção, desde a viticultura à espumantização, passando pela elaboração do vinho base. A grande diferença entre a Murganheira e as boas casas de Champagne está, obviamente, no terroir, que origina perfis de vinho diferentes. De resto, somos tão exigentes quanto as melhores casas de Champagne.
Quando cheguei à Raposeira foi preciso fazer uma revolução qualitativa. Decidi implementar as mesmas técnicas usadas na Murganheira, nomeadamente o fracionamento do mosto e a exclusão do “rebêche”. Mas enquanto na Murganheira vinificamos 42 castas separadas na Raposeira isso não é possível, separamos apenas o Pinot, o Chardonnay, as Tourigas Nacional e Franca, o resto é vinificado em conjunto. Também no que respeita ao estágio, na Raposeira os espumantes passam menos tempo sobre as leveduras da segunda fermentação. Isso induz um estilo que poderia classificar como mais “português”, recuperando aquilo que era tradição na Raposeira que eu conheci nos anos 60 e 70. O objectivo da Raposeira é oferecer ao apreciador uma excelente relação qualidade-preço, é assumir a marca como o grande espumante natural de Portugal.

Quais são as regiões que identifica como tendo especial potencial para produzir espumantes de qualidade?
Estou na minha região, e acredito que Távora-Varosa, atendendo às castas, à altitude média da vinha, exposição solar, solo, é uma região de excelência para espumantes. Mas não tenho dúvidas que na Beira Interior, Douro e Trás-os-Montes, desde que as vinhas estejam acima dos 450 metros, se podem fazer muito bons espumantes. A Bairrada não está a essa altitude, mas tem castas perfeitamente adequadas ao clima mais atlântico que ali se sente, sendo por isso obviamente uma região predestinada para espumantes de qualidade.
No Alentejo é bem mais difícil. Fiz espumantes na Tapada do Chaves e ali era preciso vindimar no início de Agosto para conseguir álcool e acidez adequados. Mas as uvas precisam que o Verão passe por elas, e naquela região, colhidas com 11% ou 11,5% graus, não mostram o que é preciso para fazer um grande espumante. No equilíbrio entre álcool, corpo, fruta, acidez, há alguma coisa que falta, sobretudo ao nível do pH.[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40479″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][vc_column_text]Como avalia a cultura de espumante em Portugal? Acredita que a maioria dos consumidores de espumante sabem a diferença, por exemplo, entre o método clássico e a cuba fechada?
Grande parte não sabe, efectivamente. Mas também lhe digo que uma casa como a Murganheira tem muitos milhares de clientes fiéis, que sabem e valorizam o que fazemos. Há muito mais gente a saber de espumante do que possamos pensar. A construção de uma cultura de espumante em Portugal deve-se, quanto a mim, a dois factores. Um, sem falsas modéstias, acredito que esteja no trabalho que tem sido feito pela Murganheira. E o outro, no trabalho feito por si (e pelos seus colaboradores) enquanto jornalista e formador desde há três décadas.

Obrigado, pela parte que me cabe, mas não sei se será bem assim…
Não tenha dúvidas disso. Em 1989/1990 ninguém sabia o que era espumante, acredite. Só se bebia meio-seco e doce e apenas nas festas e aniversários. Poucos apreciavam um espumante como aperitivo ou acompanhando uma refeição, era um produto sazonal, vendia-se na Páscoa e no Natal. Não há qualquer comparação com o merca¬do e a cultura de espumante que temos hoje.[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40486″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][vc_column_text]Mas o crescimento do mercado de espumante também tem efeitos perversos. Como vê o facto de encontrarmos no mercado espumantes método clássico vendidos a 3 euros?
Vejo isso com grande apreensão, quer enquanto produtor quer enquanto presidente da Comissão Vitivinícola de Távora-Varosa. A nossa região não está a praticar esses preços. E não percebo como é que alguém pode praticá-los e ganhar dinheiro. Provavelmente, paga-se um preço miserável aos fornecedores de uva; provavelmente, são excedentes de vinhos brancos comuns que funcionam como vinho base; provavelmente, 70% do que é vendido como método clássico (entendido como segunda fermentação na garrafa, com leveduras livres) na verdade, não o é, são vinhos feitos com leveduras imobilizadas.
As leveduras imobilizadas são uma grande descoberta, facilitam muito os processos e permitem fazer espumante por todo o lado, mas por alguma razão estão proibidas em Champagne. O espumante que resulta deste método nada tem a ver com o espumante originado pelo contacto e estágio prolongado com as leveduras livres. E eu conheço bem os resultados das leveduras imobilizadas porque a empresa que as desenvolveu e comercializou pediu-nos, logo no início, colaboração para as testar e fizemo-lo ao longo de vários anos. Os resultados dos testes nunca nos convenceram, o espumante feito com leveduras imobilizadas ficava muito longe do nível de qualidade do verdadeiro método clássico, sobretudo para espumantes com estágio prolongado. E para fazer um espumante de meia dúzia de meses, então mais vale fazer em cuba fechada, é mais barato, mais eficiente e o resultado qualitativo é idêntico ao obtido com as leveduras imobilizadas. A cuba fechada, ao menos, não engana ninguém e até tem um nome bonito, Charmat…[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Acha que a distinção, na rotulagem/embalagem, entre método clássico com leveduras livres e espumante com leveduras imobilizadas deveria ser evidente?
Claro que sim! E posso desde já anunciar-lhe, em primeira mão, que esta casa vai promover, em conjunto com outras que queiram aderir, a criação de uma entidade privada que possa certificar o método clássico em toda a sua pureza. Não quer dizer que os espumantes baratos que por aí andam sejam maus produtos, nada disso. Mas são gato por lebre. Vamos fazer tudo para criar um nome e uma entidade certificadora que ofereça uma garantia de genuinidade, uma garantia de que o vinho é feito pelo método clássico verdadeiro.
Leveduras livres e remuagem constituem o método de Champagne, o genuíno método clássico. Se a legislação é omissa neste aspecto, se o Instituto da Vinha e do Vinho não se quer meter no assunto, então teremos que ser nós, os produtores, a defender, promover e certificar o método clássico em toda a sua pureza. E a garantir que o consumidor sabe o que está a comprar e a beber.

A fermentação com leveduras livres e o estágio prolongado estão interligados. A Murganheira tem-se salientado pelo estágio singularmente prolongado que faz aos seus espumantes. O tempo que o vinho leva sobre as leveduras que importância assume no resultado final?[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”20″][image_with_animation image_url=”40481″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]O estágio prolongado permite-nos fazer uma coisa fantástica: selecionar para os espumantes brutos o melhor vinho base possível. Os vinhos base para um espumante jovem são distintos daqueles que escolhemos para um espumante que vai ficar guardado em cave ao longo de muitos anos. Depois, o repouso sobre as leveduras livres afina o vinho de uma forma absolutamente única, a todos os níveis, bolha, aroma, sabor, equilíbrio. E o estágio prolongado faz, efectivamente, parte intrínseca do estilo Murganheira, da nossa identidade enquanto casa produtora.

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]De entre os grandes espumantes que já fez ao longo da sua vida, qual foi aquele que mais o surpreendeu pela positiva, aquele que mais excedeu as suas expectativas?
O Murganheira L’Esprit de la Maison, que agora colocámos no mercado, em garrafa magnum, e que resulta de um lote de Pinot Noir, Pinot Meunier e Pinot Blanc. Este é o de 2011, mas fizemos também nas vindimas seguintes e o resultado é fantástico. E temos aí outras coisas muito interessantes, com três ou quatro anos de estágio, mas que só vão ver a luz do dia daqui a sete ou oito anos.
Mas gosto especialmente do nosso Assemblage, integralmente feito com castas portuguesas, brancas e tintas, vendido com 10 ou 12 anos de idade e que evidencia toda a nobreza do nosso terroir e do estilo Murganheira.

Como é que se sente ao introduzir uma determinada inovação numa vindima (em termos de castas, lotes, vinificação, etc.) e saber que os resultados desse esforço criativo só vão ser colocados à apreciação do mercado daí a 10 ou 12 anos?
Eu não sou precipitado. Como sabe eu cheguei de muito baixo ao espumante e tive algum sucesso muito novo. E nunca me envaideci com isso. Tenho sido muito pressionado por compradores no sentido de vender espumantes mais jovens. Está fora de questão. Se eu já não estiver cá para recolher os louros, estarão os meus filhos e a minha nora (a enóloga Marta Lourenço) e estarão apreciadores que irão beber esses espumantes e críticos e jornalistas que irão escrever sobre eles. Os meus netos ainda são muito pequeninos. Têm tempo de amanhã usufruir de tudo isso. Eu não fiz mais do que a minha obrigação.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

Dirk Niepoort: “Gosto de vinhos que mostrem de onde vieram”

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Dirk Niepoort é uma das mais mediáticas personalidades do vinho português e a sua figura, com os desgrenhados caracóis, o colete sem mangas, os “crocs”, é conhecida de quase todos os enófilos. No entanto, Dirk é muito […]

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Dirk Niepoort é uma das mais mediáticas personalidades do vinho português e a sua figura, com os desgrenhados caracóis, o colete sem mangas, os “crocs”, é conhecida de quase todos os enófilos. No entanto, Dirk é muito mais do que a sua imagem de marca. É alguém que revolucionou uma empresa familiar, antecipou modas e tendências, acolheu e impulsionou dezenas de pequenos produtores, ajudou a transformar uma região. Mas o que pensa realmente Dirk Niepoort, sobre a vinha, o vinho, o Douro, Portugal? Fomos perguntar.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” equal_height=”yes” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom” shape_type=””][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]TEXTO: Luís Lopes
FOTOS: Anabela Trindade[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_column_text]Aos 54 anos, Dirk Niepoort já fez muita coisa, mas continua um espírito inquieto. Numa entrevista em que passa em revista o passado, analisa o presente e perspectiva o futuro, deixemos que seja ele a definir o seu estilo, a confrontar as suas opções e a explicar as suas ambições: “A minha forma de aprender é fazer. Quanto mais vinhos fizer mais aprendo.”[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Foi recentemente notícia, junto dos profissionais e dos enófilos mais atentos, a tua aquisição de todas as participações familiares da Niepoort. O que significou para ti este passo?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]A Niepoort vivia uma situação complicada, mas semelhante à que ocorre em muitas empresas familiares: duas pessoas (no caso eu e a minha irmã Verena) com igual peso e responsabilidade ao nível da gestão, mas formas muito diferentes de ver o negócio e as estratégias e caminhos a seguir. Até podemos ambos ter razão, mas não eramos compatíveis e a situação não era saudável para a empresa. Um de nós teria de sair para deixar o outro seguir o seu caminho. Assim, negociámos, chegámos a um entendimento e acabei por seu eu a comprar a empresa. [/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”29357″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”Foram momentos difíceis…” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]É verdade. Ao longo da minha vida, a minha prioridade sempre foi a Niepoort. Trabalhar na e para a Niepoort era tudo, esquecendo muitas vezes a minha família, apenas pela satisfação pessoal de estar aqui. A dada altura, porém, fiz um reset, e comecei a dar a prioridade à família, à minha mulher e aos meus filhos, e ao futuro deles e com eles. E percebi que a empresa não era tudo e que, se não me entendia (em termos de gestão empresarial) com a minha irmã, seria pouco provável que os meus filhos e os seus primos se entendessem. Não podia deixar aos meus filhos um foco de problemas. Podia ter sido a minha irmã a comprar e eu iria fazer outras coisas, mas a separação era inevitável. Afinal fui eu que comprei as participações dos meus pais e da minha irmã e agora estou livre para fazer o que quero, quando quero e como quero. E com o apoio da óptima equipa que temos na Niepoort, posso consolidar a empresa para a entregar saudável às próximas gerações.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”A empresa e o sector mudaram muito desde 1990. Na altura, a Niepoort era Vinho do Porto e alguma aguardente. Desde então, o Douro DOC entrou em quase todas as empresas de Porto, mas na Niepoort de forma particularmente radical. Hoje em dia o Porto representa apenas 30% do negócio da firma. O que te levou a trilhar esse caminho? ” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Eu gosto de sonhar e pensar não a dois meses ou dois anos, mas a vinte anos. Mas não sou um visionário, isto foi algo que aconteceu naturalmente. E há uma estória curiosa por trás disso. Em 1987, quando estava a completar a aprendizagem na Califórnia e a voltar para Portugal, uma pessoa amiga perguntou-me se eu ia fazer vinho no Douro. E eu disse que não, o meu objectivo era fazer Vinho do Porto. “Mas vais fazer vinho tinto?”, insistiu. Não sei se dá, posso experimentar, respondi. “E que estilo de vinho vais fazer?” Bom, o meu primeiro vinho vai ser um monstro. Mas, se calhar, daqui a vinte anos farei vinhos elegantes. “E porque não fazes desde logo vinhos elegantes?” Porque a minha escola é a californiana e eu gosto de vinhos pesados, poderosos, com extração e barrica evidente. Mas ouço dizer que há vinhos franceses muito bonitos e elegantes, tenho de conhecê-los, ver se gosto e, se for o caso, aprender a fazer vinhos assim. E foi isto que aconteceu. Quando cheguei a Portugal era uma folha em branco, não sabia de vinho de mesa nem de Vinho do Porto. Precisei de aprender.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Mas já tinhas bem enraizada uma cultura de Vinho do Porto…” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]É verdade, mas nós eramos negociantes, não produtores. Eu não tinha acesso directo à vinha, somente à sala de provas, onde aprendi muito com o Zezé Nogueira, nosso grande provador. No entanto, sempre tive um grande fascínio pelo Douro região, pelo Douro vinha, e quando voltei, em 1987, o meu pai, Rolf, comprou a Quinta de Nápoles. Um ano depois, comprámos a Quinta do Carril. O foco continuava a ser o Vinho do Porto, claro. Curiosamente, não fiquei nada contente, no início, com a compra da Quinta de Nápoles, porque achava que não era o ideal para Porto. Contrariado, fiz lá duas vezes Vinho do Porto, com maus resultados, até nos convencermos todos que a quinta não dava para o pretendido. E, desta forma, fui quase “obrigado” a fazer vinho Douro das uvas de Nápoles. E ainda bem! Foi assim que tudo começou, como que por acaso. Não sei se isto é uma “aldrabice mental” que conto para mim próprio…[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Acho que é…” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text](risos) A verdade é que a partir daí comecei a inventar com o que tinha à mão. Na altura, a Niepoort era uma pequena empresa que não tinha dívidas, mas também não tinha dinheiro, não havia grandes lucros. Eu entrei numa empresa que tinha um bom nome na praça junto dos especialistas, mas eramos uns ilustres desconhecidos para o consumidor. A pouco e pouco fui fazendo experiências com o vinho não fortificado e as coisas começaram naturalmente a crescer e a ganhar peso.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”29373″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”O que é que na altura te atraía para o vinho do Douro?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]No Vinho do Porto não é preciso fazer revoluções, é mais uma questão de evolução. No Porto, a gente “sabe” quais são as vinhas ideais, a gente “sabe” como se faz o vinho, existe um conhecimento transmitido de geração para geração, as mudanças que podemos fazer são detalhes, nada mais. O vinho de mesa do Douro implicava começar do zero, uma revolução total, e esse desafio fascinava-me. Por exemplo, procurava as vinhas altas, mas não sabia porquê. Apenas em 2004, quando fiz o meu primeiro vinho na Áustria, percebi que as vinhas altas faziam sentido. Depois fui descobrindo as vinhas viradas a norte e muitas outras coisas que eram determinantes naquilo que eu queria fazer.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”E, a pouco e pouco, foram nascendo muitas marcas…” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]As pessoas dizem que eu faço vinhos a mais, e não tenho dúvida de que é verdade. Mas há que perceber que na Niepoort existem alguns vinhos (Redoma, Batuta, Charme, e o Porto, claro) que são a base de tudo, o coração da empresa. Os outros vejo-os como satélites, que são fundamentais para experimentar, para aprender, para melhorar, para acertar detalhes. O Diálogo, por exemplo, foi um vinho que começou como um “satélite” e depois se tornou algo de muito importante.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Em resumo, e para responder à tua questão inicial, a Niepoort de hoje nada tem a ver com a Niepoort de há 30 anos, mas isso não se ficou a dever a uma estratégia pensada e executada. Foi a paixão pelo vinho e pelo Douro que fez com que eu seguisse esse rumo.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Douro e Porto são dois produtos com origem da mesma região, diferentes, mas complementares. Como achas que deveria ser o caminho de um e de outro?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Um dos problemas do sector do Vinho do Porto são as casas quererem “democratizar” este vinho como forma de desenvolver o negócio. Democratizar é importante em tudo, mas aqui a democratização transforma-se em banalização. Eu gostava mais de ver o Porto como um produto “snob” e antiquado, elitista se quisermos, mas não banalizado, do que aquilo em que se está a tornar, quando se inventam formas para tentar levar as pessoas a beber um Porto barato em qualquer momento.
O futuro do Vinho do Porto é indissociável do futuro do Douro vinho e do Douro região. A meu ver, deveríamos reduzir a quantidade de Vinho do Porto, deixar a excessiva dependência que temos de Porto barato para supermercados, apostar mais nas categorias superiores (como é o caso dos Colheita), aumentar a qualidade geral e, consequentemente, o preço dos vinhos. O Porto deveria ser encarado como algo de especial, raro, desejável, que não é para todos nem para todos os dias.
[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”E que papel estaria reservado para os vinhos Douro?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Um papel essencial. Porto e Douro são duas faces da mesma região. Se produzirmos menos Porto, mas melhor e mais caro, podemos focar-nos em criar marcas fortes de brancos e tintos durienses. O Douro região precisa de diversas marcas de 300 ou 400 mil garrafas, de vinhos com personalidade e carácter regional, que possam ser vendidos em qualquer parte do mundo. Até em supermercados, claro, mas sem ser baratinhos, até porque os custos de produção na região não o permitem! Vendendo melhor estes vinhos, pode-se pagar melhor ao lavrador e compensá-lo do que irá perder ao vender menos uvas para Porto.
Paralelamente, a região deveria apostar em “vinhos de garagem” para mostrar ao mundo que conseguimos fazer no Douro vinhos tão bons como em Bordéus, Borgonha ou qualquer outra região de topo.
Se fizermos tudo isto e, ao mesmo tempo, implementarmos e generalizarmos no Douro um turismo de qualidade, o futuro da região, das empresas e dos lavradores está garantido. Agora, se continuarmos a baixar preço no Vinho do Porto, o negócio deixará de ser sustentável e toda a região fica a perder. É por isso que acho um disparate dizer-se que o Porto está a subsidiar o vinho do Douro. Se o sector não arrepiar caminho na forma como encara o Vinho do Porto, vai ser o vinho do Douro a ter de subsidiar o Porto para assegurar a sua sobrevivência.
[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”O Douro Superior tem vindo a assumir uma importância crescente, tanto para os vinhos Douro como para os vinhos do Porto. Mas há 30 anos, falava-se com algum desdém do Baixo Corgo e do Douro Superior, apontando-se o centro do vale, o Cima Corgo, como a zona de eleição. Como encaras as três sub-regiões e o seu potencial para Porto e Douro?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]O Cima Corgo, para mim, continua a ser a zona de eleição. Quanto ao Douro Superior… Sei que alguns produtores vão ficar chateados com o que eu vou dizer mas, a meu ver, se o objectivo for fazer vinhos excepcionais (fortificados ou não) o Douro Superior não faz sentido. Haverá uma ou outra excepção, uma ou outra vinha velha nas zonas altas da Mêda, ou o Vale da Teja, por exemplo. Mas, globalmente, o Douro Superior poderá ser bom para fazer grandes volumes, com vinhas modernas de produções acima da média, mas não grandes vinhos.
Já o Baixo Corgo tem um potencial enormíssimo para vinhos Douro, potencial que não está ser devidamente aproveitado pelos produtores. Devia haver muito mais grandes vinhos oriundos do Baixo Corgo, porque o terroir para isso está todo lá. No entanto, não acredito no Baixo Corgo para vinhos do Porto de excelência. Não quer dizer que não exista uma vinha ou outra capaz de originar um grande Porto, mas, regra geral, a sub-região não atinge a complexidade e o equilíbrio que encontramos no Cima Corgo.
No entanto, nós não temos um Douro, temos 40 Douros, com diferenças de altitude e exposição solar, enorme riqueza de castas, é a região mais complexa do mundo. As generalizações podem ser injustas. O Douro tem o melhor fortificado do mundo, já faz grandes tintos e hoje estou convencido que tem um potencial enorme para vinhos brancos. Não há muitas regiões no mundo com três tipos de vinho fantásticos.
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”Começaste no Vinho do Porto, depois vieram os vinhos do Douro, mais recentemente os investimentos na Bairrada e no Dão. O que procuras fora do universo duriense?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Eu gosto muito do nosso país. Portugal, por diversas razões, políticas e geográficas, ficou parado no tempo em determinada altura. O que é uma desvantagem em muitos aspectos mas pode significar também que preservámos coisas que outros mudaram ou perderam. É um país pequeno, mas com uma diversidade louca. Só no norte do país temos quatro ou cinco importantes regiões de vinho que são vizinhas mas nada têm a ver umas com as outras.
Sempre que fiz qualquer coisa fora do Douro aprendi a conhecer melhor o Douro. A Bairrada aconteceu porque tinha mesmo de acontecer. Sempre gostei muito da Bairrada. Enquanto distribuidor de vinhos vendi vinhos da Bairrada, enquanto produtor fiz diversas experiências na região a partir de vinhas e adegas de produtores amigos. Um dia, a Filipa Pato pediu-me conselho na produção de um vinho fortificado dela e quando a visitei e vi a vinha fiquei maravilhado e pedi-lhe que me deixasse fazer um vinho tinto. As coisas começaram assim e depois apareceu a oportunidade de comprar a Quinta de Baixo, onde eu posso realizar os meus sonhos de fazer vinhos diferentes num terroir diferente.
[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”29375″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”Quando te ouço caracterizar um vinho de que gostas quase sempre usas a palavra “finura”. O que é para ti um bom vinho?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Finura, é verdade. E o Nick Delaforce usa uma palavra também muito expressiva que é “drinkability”, vinhos que apetece beber. Outras palavras importantes para mim são “equilíbrio” ou “harmonia”. Eu gosto de vinhos que tenham um perfil que revele a sua origem. Não gosto de vinhos frutados mas gosto de frescura (são duas coisas diferentes), o que implica uma boa acidez natural. Para mim, é também muito importante que sejam vinhos que envelheçam bem, que mostrem a sua idade.
No fundo, gosto de vinhos que respeitem o terroir. Acho que o ser humano, o enólogo, é muito importante, mas acho que deve intervir menos, deve aceitar mais a Natureza e o que a uva lhe dá.
[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Os vinhos que concebes apontam para um perfil definido. Existe um estilo Dirk Niepoort, independentemente da região, da casta, do terroir?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Sinceramente, acho que sim. Muitas pessoas me têm confirmado isso, frequentemente, sem saberem que vinhos estão a provar. Mas percebem o fio condutor, percebem o perfil na ligação que existe entre vinhos diferentes de regiões ou países diferentes. [/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Como definirias esse estilo?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Uma vez alguém me disse que eu marcava muito os vinhos com meu estilo. Fiquei um bocado irritado, confesso, e respondi aquilo que acredito: que na Niepoort o que fazemos, acima de tudo, é respeitar o sítio. E dentro do sítio, temos a nossa interpretação. Não acho que o Douro tenha de ser muito encorpado e alcoólico, nem que o Bairrada tenha de ter muita cor, muito tanino e muita acidez. A minha interpretação do Douro ou da Bairrada não é essa. Por isso, e respondendo à questão, o estilo Niepoort tem três requisitos: vinhos que respeitam o sítio; vinhos com pouca maquilhagem, que apetece beber; e vinhos equilibrados e frescos, com boa acidez. [/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Sempre tiveste um apreço muito especial pelas vinhas velhas e pelos vinhos daí resultantes. Onde é que a vinha velha faz mais diferença?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Sempre gostei de vinhas velhas, quase de forma obsessiva, ao ponto de rejeitar as vinhas mais novas apenas por serem novas. É claro que uma vinha nova num sítio bom, é melhor que uma vinha velha num sítio mau. Mas as vinhas velhas, ou vinhas tradicionais com as castas misturadas, se quisermos, fazem, na verdade, uma diferença enorme. Até no perfil da maturação.
Olhemos para uma vinha moderna, ou seja, feita por engenheiros, segundo os livros, com canópia grande, produzindo muito e uvas com álcool elevado. Se a compararmos com uma vinha tradicional, vemos que a moderna produz primeiro o álcool e depois a maturação fenólica, enquanto nas vinhas velhas acontece o contrário. Ou seja, com vinhas velhas eu consigo vinhos equilibrados com muito menos álcool. Por isso, não tenho problemas em vindimar com 11 graus, porque as uvas estão maduras. Enquanto outros têm de esperar muito tempo pela maturação das uvas e quando vindimam já estão com 16 graus.
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”29376″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”O teu interesse pela biodinâmica está intimamente ligado à vinha tradicional?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Sem dúvida. Os lavadores durienses de mais idade, que nos vendem as suas uvas das vinhas tradicionais, já faziam biodinâmica sem o saberem, regulavam todos os seus trabalhos pela lua, só que não o diziam, tinham vergonha disso. Se lhes perguntarmos quando vão engarrafar o vinho que fazem para consumo em casa, eles indicam o dia concreto. E se não engarrafam antes não é por falta de tempo, é por não ser um dia adequado. O que fazem com o vinho, fazem com a vinha. Por isso, na verdade, mais importante do que a idade da vinha é a forma como ela foi plantada e como é tratada. Os antigos não tiravam tudo da terra; eles devolviam à terra. Hoje, tira-se tudo da terra e depois colocamos químicos para compensar.
Se conseguirmos juntar os modernos equipamentos vitícolas e o conhecimento científico de que dispomos, ao conhecimento empírico que as pessoas mais antigas conservam, faremos vinhas e vinhos muito melhores. Não podemos é continuar a plantar as novas vinhas seguindo regras cegas que não têm em conta as alterações climáticas, a qualidade e o respeito pelo terroir.
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”Achas que essa tendência se vem agravando? É que, cada vez são mais as empresas portuguesas, grandes e pequenas, que assumem estar a recuperar práticas vitícolas tradicionais e sustentáveis…” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Infelizmente, é mais conversa do que outra coisa. Há mais preocupação em falar disso do que em fazer. Mas reconheço que começa a haver algumas pessoas que estão a fazer viticultura orgânica e biodinâmica por paixão, por preocupação ambiental e por acreditarem que a química não é tudo.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Falas de respeito pelo terroir. O que é para ti o terroir, para além da clássica definição francesa? Por exemplo, existe um terroir Douro, ou a palavra só pode ser aplicada a determinadas vinhas ou parcelas?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]A meu ver, o terroir começa por ser o sítio. E esse sítio pode ser uma região inteira, como Chablis, por exemplo, que apesar de ter vários terroirs tem um reconhecível traço comum. Mas é muito mais do que isso.
A vinha alimenta-se da água e dos minerais que estão na terra. Isso transfere-se para a uva. Dessa uva fazemos vinhos. Se não colocarmos mais nada no vinho, nem sequer leveduras, o que vai espelhar o terroir são os desvios causados pela falta ou excesso de elementos no mosto, desvios que vão criar erros de percurso (coisa que irrita os enólogos, que logo pensam em corrigir) na fermentação. Eu quero esses erros, quero que as coisas aconteçam. E são esses erros e desvios que vão evidenciar o carácter desse vinho particular nesse ano particular. Há coisas que são super específicas de uma vinha, mas também outras que são de uma região. O importante é os vinhos dizerem claramente de onde vêm. A enologia moderna acaba por apagar essa impressão digital ao querer corrigir tudo.
[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”És geralmente considerado um dos grandes embaixadores do Douro e dos vinhos de Portugal no mundo. Que hipóteses temos nos mercados de exportação?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Está a acontecer aquilo que eu pensava que ia acontecer, só que levou mais tempo do que previa. Acho que, finalmente, o mundo começa a fartar-se de Cabernet e Chardonnay. O consumidor está a tornar-se um bocadinho mais sofisticado e a aborrecer-se com a simplicidade. E aí é que entra Portugal. O país passou uma fase de modernização cega, copiando aquilo que os outros faziam, estragando a sua identidade. Mas, felizmente, isso está a passar. Portugal é pequeno e não vai ganhar pela quantidade, mas sim pela qualidade e, principalmente, pela individualidade. Não copiar os outros, fazer diferente e correr o mundo a convencer os importadores da mais-valia dessa diferença, dá muito trabalho, mas é o único caminho viável. O consumidor fartou-se da banalização e nós temos as vinhas velhas, temos as castas, temos muita individualidade. Só temos que fazer bem, aproveitar a onda, e vincar a nossa diferença.
É por isso que precisamos de mais vinhos com volume, bem feitos e com alguma personalidade. Também não é preciso exagerar, não é preciso fazer vinho com 1 grama de acidez volátil só porque é diferente. Não é isso que eu defendo. Defendo os vinhos bem feitos e que mostrem o sítio de onde vieram.
[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Aos 54 anos já fizeste muita coisa no mundo do vinho. Olhando para trás, o que é que farias diferente? ” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Haverá muitas coisas que poderia ter feito diferente, mas estou feliz com o que foi feito. Por vezes, pequenos erros colocam-nos num caminho muito melhor do que o inicial. Gosto da grande maioria das coisas que fiz e sou um optimista por natureza. Acho que, se soubermos o que queremos, faremos sempre mais e melhor.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” equal_height=”yes” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom” shape_type=””][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”E o que é que te falta fazer?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Eu disse há algum tempo que daqui a duas décadas, 50% da facturação da Niepoort seria chá. Quase toda a gente achou que eu não estava bom da cabeça. Talvez tenha exagerado com os 50%, mas continuo a acreditar que, um dia, o chá vai ser muito importante para esta empresa. Penso que o sector do vinho, a nível mundial, vai passar por muitas dificuldades, vamos ter restrições políticas cada vez maiores, em alguns países o vinho vai começar a ser tratado como uma droga ou, no mínimo, como algo negativo para a saúde e para a sociedade. Talvez não aconteça na minha geração, mas acredito que a próxima geração de produtores de vinho terá dificuldades acrescidas. [/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Procuras, portanto, produtos alternativos…” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Por um lado, sim, mas, mais uma vez, tal como quando apostei no vinho do Douro numa época em que a Niepoort era Porto, não estou agora a apostar no chá por ter uma orientação estratégica estudada e planeada. Tem a ver com paixão e paixão antiga, pois sempre me interessei por chá. Há 30 anos tinha o sonho de importar chá verde para a Europa. Nessa altura ninguém sabia o que era isso. Fui à China, procurei fazer negócio, mas fui cedo demais, era um país muito fechado, difícil, estive em locais onde ninguém tinha visto um europeu. Não consegui fazer negócio e desisti.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”29374″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Felizmente, a minha mulher, Nina, também gosta muito de chá e, em conjunto, resolvemos reactivar esse sonho. Trouxemos algumas plantas, que colocámos no jardim em Fornelo, Vila do Conde, onde já temos 1 hectare plantado. Em biodinâmica, claro. Fizemos já algumas experiências e vamos aprendendo, tal como aconteceu com o vinho. Neste ano de 2018 vamos fazer a nossa primeira colheita, e esperamos obter perto de 50kg. Entretanto fizemos já um chá, a partir de folhas trazidas da China, chá esse que envelhecemos em quatro barricas de vinho do Porto. Estamos muito entusiasmados e acreditamos muito neste projecto.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”A família é muito importante para ti, a Niepoort é uma empresa familiar, os teus três filhos contactam com o mundo do vinho desde que nasceram. O que esperas deles?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Não espero nada, quero que eles façam o que lhes apetecer, não pretendo influenciar. Sempre lhes disse para não pensarem que ambiciono vê-los a trabalhar na Niepoort. Eles que decidam o que querem fazer na vida e quando estiverem seguros do que querem, eu cá estarei para tentar ajudá-los a atingir esse objectivo, seja ele qual for.
Ficarei obviamente muito contente se um ou mais de entre eles decidir seguir este caminho, mas acima de tudo quero que eles sejam felizes naquilo que escolherem.

 

Edição Nº17, Setembro 2018

[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]