À CONVERSA COM: EDUARDO CHADWICK – Do Chile para o mundo

Eduardo Chadwick

Já esteve em Portugal? Estive uma vez, faz agora cerca 21 anos, quando visitei o Douro a convite do Dirk Niepoort e dos Douro Boys. É uma região maravilhosa. Não poderia ser mais diferente de Chile… Sim, no Chile trabalhamos com poucas variedades e, no Douro, pelo que soube, há uma imensidão de castas diferentes. […]

Já esteve em Portugal?
Estive uma vez, faz agora cerca 21 anos, quando visitei o Douro a convite do Dirk Niepoort e dos Douro Boys. É uma região maravilhosa.

Não poderia ser mais diferente de Chile…
Sim, no Chile trabalhamos com poucas variedades e, no Douro, pelo que soube, há uma imensidão de castas diferentes. No meu país começámos por trabalhar os vinhos por casta, mas actualmente estamos a trabalhar mais na mistura de castas, nos blends. Actualmente os nossos melhores vinhos são lote de várias castas: Don Maximiliano é um lote bordalês, Seña é uma mistura bordalesa com Carmenère. Esta nova tendência começou há cerca de 20 anos. Continuamos essencialmente a plantar as cepas em pé-franco.

Nos novos perfis de vinhos, crê que a “moda Parker” já faz parte do passado?
A verdade é que algumas empresas ainda estão a fazer vinho com esse estilo, sobretudo as que têm nos Estados Unidos e China os seus principais mercados. O nosso estilo sempre foi o oposto de Parker. Sempre quisemos apostar na elegância e finesse, indo ao encontro do gosto inglês, que sempre foi o nosso principal mercado.

Havia então uma espécie de barreira entre o “estilo Parker” e o gosto inglês…
Sim, nós chegámos a ter uma associação no Chile com a família Mondavi (Califórnia), de que nasceu o vinho Seña. Mas após os problemas que a família teve na Califórnia, resolvemos recomprar a parte deles. Houve, assim, uma ligação ao mercado americano, mas hoje o nosso foco é o mercado inglês.

Nos vinhos chilenos, além da Carmenère que faz um pouco figura de casta-bandeira, que outras variedades melhor representam os vinhos do Chile?
Creio que o Cabernet Sauvignon é a mais representativa e a primeira na exportação. No Chile temos zonas bem distintas, a que chamamos vales, mas ainda não são regiões demarcadas com regras próprias como há na Europa. Ainda precisamos discriminar melhor dentro de cada vale, mas falta consenso entre produtores e instituições. É um desafio que temos ainda pela frente. E há algumas dificuldades, porque muitas empresas têm vinho com uvas que vêm de zonas muito diferentes, e isso choca com a noção de região demarcada. Mas estamos a apostar nos vinhos “single estate” exactamente à procura dos micro terroirs. Também temos Merlot e Syrah, mas esta é difícil de vender. A Malbec está a crescer um pouco.

E nos brancos?
A nossa casta-rainha é a Sauvignon Blanc e, em seguida, a Chardonnay. Depois há um pouco de Viognier, Chenin Blanc, Pinot Gris, Verdejo também um pouco. Alvarinho? Creio que não…

Qual a melhor maneira de introduzir vinhos do Novo Mundo no mercado europeu tão tradicional?
Começámos no Reino Unido, que não produzia… Bem, agora já produz (risos…), e também em outras zonas não produtoras, como Escandinávia e Holanda, com vinhos de boa qualidade e baixo preço. Mas o nosso foco são os vinhos de gama alta e mercados como Suíça e até Portugal que está no TOP 5 europeu.

Além dos clássicos Alma Viva, Clos Apalta e Don Melchor, há actualmente algum outro vinho-ícone no Chile?
Diria que Seña está perto desse grupo. Aliás, foi lançado primeiro que esses, nos anos 90. No entanto o prestígio desses vinhos continua.

Nota: a Grandes Escolhas viajou a convite da Wine + Partners. Os vinhos Chadwick são importados para Portugal pela Luxury Drinks

(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)

Luísa Amorim: “O primeiro passo para ter enoturismo é abrir a porta”

Luísa Amorim

Como é que a família Amorim entrou no vinho? Foi em 1999, com a compra da Burmester, que detinha a Quinta Nova. Já havia a vontade de entrar no vinho, estando nós na cortiça, em concreto no vinho do Porto e Douro, porque já se percebia que era uma região de futuro. Sempre se respeitou […]

Como é que a família Amorim entrou no vinho?

Foi em 1999, com a compra da Burmester, que detinha a Quinta Nova. Já havia a vontade de entrar no vinho, estando nós na cortiça, em concreto no vinho do Porto e Douro, porque já se percebia que era uma região de futuro. Sempre se respeitou e gostou muito do vinho do Porto nesta família, mas rapidamente se percebeu que o mercado, em dinâmica, não estava tão aberto ao vinho do Porto como estava ao vinho DOC Douro. Por isso, houve uma aposta cada vez maior no vinho do Douro.

Onde estava a Luísa nessa altura?

Nos Estados Unidos, a estudar Marketing. Mas acabei por entrar para a Burmester em 2000, para fazer reorganização internacional dos canais de distribuição e marketing. Entretanto, fiz ainda outras coisas no grupo Amorim, e mais tarde, em 2005, decidimos vender a Burmester e ficar com a Quinta Nova, incluindo os stocks de Vintage da quinta.

Foram pioneiros do enoturismo “à séria” no Douro. O que vos fez investir nessa componente do vinho, numa altura em que pouco se falava disso?

O nosso projecto de enoturismo começou precisamente em 2005. Foi vender e nascer. Tive oportunidade de fazer um grande tour pelo Mundo, porque comecei a trabalhar muito nova, com 21 anos. Conheci muita gente do sector do vinho e visitei muitas adegas lá fora. Depois de visitar algumas vezes os Estados Unidos, reparei que claramente havia um movimento muito forte, sobretudo em Napa Valley, mas também em Stellenbosch, na África do Sul. Olhava também muito para o modelo das caves de vinho do Porto. Neste campo, tenho de fazer justiça ao George Sandeman, que viveu muitos anos nos EUA e trouxe um conceito de sucesso para as caves em Gaia. Eu, por exemplo, aprendi muito a trabalhar no mundo do vinho do Porto, ainda nos tempos da Burmester, porque há uma coisa que as empresas de vinho do Porto têm como ninguém, que é o estilo da casa.
No grupo Amorim, sempre recebemos muitos clientes e eu cresci até a receber clientes em casa. Por tudo isto, e não só, começámos então a desenvolver na Quinta Nova o conceito de turismo rural, com hotel, e todo o enoturismo, na verdade, as experiências.

Luísa Amorim
Mas nessa altura não havia ainda muita gente a ir ao Douro…

Pois não, era dificílimo. Foi uma aposta um bocado cega, passavam-se dias e dias sem ninguém vir aqui. Começámos com uma estagiária de turismo, uma senhora que fazia a comida e uma pequeníssima equipa de limpeza, tudo pessoas de cá. Todos os anos crescíamos um bocadinho. Hoje temos mais de 40 funcionários só no enoturismo, e podemos dizer, com muito gosto, que somos uma escola. Mas o primeiro passo para ter enoturismo é abrir a porta, e foi o que nós fizemos. Tínhamos a porta aberta sempre, sete dias por semana. Isto foi uma das nossas mais valias, porque nessa altura as outras quintas fechavam quase todas ao fim-de-semana. Eu tinha amigos que me perguntavam, “gostava de ir ao Douro, o que posso fazer aí?”, e eu tinha imensa dificuldade, tinha de falar com os donos de empresas de vinho que conhecia e pedir para fazerem um programa especial. Também não havia empresas de barcos. E não dava para fazer parcerias, porque se tínhamos vinhos eramos concorrentes de outros produtores, se tínhamos hotel eramos concorrentes de outros hotéis e de restaurantes. Com o tempo, começámos a entrar em guias internacionais, nalguns clubes de enoturismo da altura, os distribuidores também iam falando lá fora, recebemos alguns jornalistas, por isso a palavra passou. Entretanto, quando a Ryanair abriu no Porto, a cidade explodiu e consequentemente o Douro. Mas só há uns 5 ou 6 anos é que as grandes empresas de vinho do Porto apostam à séria no Douro e a região começa a ser vista como um destino turístico. Notou-se quando as pessoas começaram a passar mais do que uma noite no Douro, por haver já mais coisas para fazer e sítios para ir. E o enoturismo é um sucesso garantido, porque é um tipo de turismo muito descontraído e que ajuda a descomprimir. Quem é que não gosta de comer e beber?

 

Não me desafio nada com coisas já feitas. O que me move é fazer, é a parte de que eu mais gosto, desenvolver, criar.

 

Mas ainda falta muita infra-estrutura ao Douro…

Falta imenso alojamento, restauração e oferta cultural. Falta muita coisa. Um turista pode ter muita capacidade económica, mas se passar quatro dias a visitar quintas, às vezes mais do que uma num dia, e a provar vinhos, cansa-se. No entanto, também há bastantes turistas que vêm para não fazer nada… apenas para se sentar com um copo de vinho e descansar. E embora tenhamos uma oferta grande de experiências, também incentivamos essa parte, e é por isso que muitos dos nossos clientes dizem que aqui se sentem em casa. No fundo, é pensarmos no que nós próprios queremos quando somos hóspedes ou clientes.

Quem é a Luísa Amorim, a pessoa fora do trabalho?

Sou uma pessoa de família, extremamente ligada às minhas filhas e ao meu marido. Sou uma pessoa de trabalho, gosto imenso de trabalhar. Sou extremamente criativa, estou sempre a “inventar” e a criar novos projectos. Sou de portugalidade, adoro Portugal e de viajar dentro do país e fora dele. Gosto de me sentar numa esplanada e observar as pessoas e o seu comportamento, de perceber as tendências e como as pessoas estão a evoluir no Mundo.

Como se equilibra uma vida profissional tão exigente e consumidora de tempo, com a pessoal?

Há uma frase que é fundamental para isso, que é “ter os pés na terra”, em vários sentidos. E isto é válido para o que é de mais e para o menos. Equilibra-nos. E eu gosto mais de pôr os pés na relva do que na areia, sinto que a energia fica muito mais tempo comigo. Não é fácil equilibrar tudo, mas temos de fazer por isso e por sermos felizes. A felicidade não é como uma árvore de onde simplesmente caem frutos. E temos de agradecer, darmos graças pelo que temos, e perceber que as adversidades vão sempre existir, mas que nos tornam mais fortes. A vida é um caminho de pequenas conquistas… Não está escrito em lado nenhum o que vamos sentir em determinadas fases marcantes da vida: os nossos pais envelhecem, os nossos filhos saem de casa, alguns amigos vão deixando de cá estar. E é nestes momentos que nos temos de reequilibrar. Tudo isto nos coloca em perspectiva.

Já mencionou algumas vezes a relação próxima que tem com as suas filhas adolescentes. Como é essa relação?

Sou, acima de tudo, muito amiga das minhas filhas. Sempre tentei dar-lhes mundo, desde pequenas que viajam, e formá-las para um Mundo difícil, que não é tão fácil como foi o meu. Não acredito que os filhos se conquistam com a materialidade, pelo contrário, acho que temos de lhes dar experiências e temos de os formar para serem mais rijos, trabalharem o sacrifício e a disciplina. Porque nada na vida se consegue sem esforço, e faço-as perceber que isto tanto é válido para mim como para elas. Hoje, a sociedade está um bocadinho “em falta”, e para termos sucesso e sermos felizes, temos de ser muito resilientes. Tento passar-lhes isso porque eu sou, e é fundamental na formação. Mas passo também alegria, métodos para resolver momentos da vida, e muito carinho, que é fundamental. Por vezes não é o tempo que se dá, mas a qualidade do tempo que se dá. Temos de estar lá quando os filhos mais precisam, e estar atentos e ter abertura para virem ter connosco em qualquer adversidade, porque é isto que mexe com a segurança e a auto-estima deles.

O projecto alentejano Aldeia de Cima é ainda mais pessoal, seu e do seu marido Francisco. Liga-se talvez a essa necessidade de “pé na relva” e na terra…

O Alentejo tem uma coisa que é a imensidão. Uma pessoa passa dois dias no Alentejo e fica lavada mentalmente. É lá que temos uma casa nossa, onde recebemos amigos. É um escape para mim, muito importante.

Luísa Amorim

De onde vem essa ligação ao Alentejo, e porquê ali, na serra do Mendro?

A Herdade Aldeia de Cima era do meu pai, e eu sempre fui para o Alentejo em miúda, nas férias e não só. Ele tinha várias propriedades ali, mas esta foi onde plantou mais sobreiros. Sempre adorei os alentejanos e a cozinha alentejana. Quando chegaram os confinamentos do Covid, foi para lá que fomos, e tivemos mais tempo para absorver a cultura alentejana. O Alentejo tem uma identidade muito própria, extremamente forte. É uma região onde as mulheres têm um papel muito, muito importante. A mulher é um símbolo alentejano.
Todo este envolvimento teve também a ver com a fase em que o meu pai estava, no final da sua vida. Eu pensava muito, e às vezes falava com ele sobre isso, que quando fosse mais velha, mais para a altura da reforma, faria uma vinha no Alentejo. Mas a pensar que seria mesmo muito mais tarde. Acabei por querer fazer mais cedo. Mas com que dimensão? O Alentejo já tem tanta coisa, onde é que nós nos vamos encaixar? Quais as castas que iriamos usar? Obviamente que fomos para as locais e tradicionais, nunca uso castas “estrangeiras” nos meus projectos. E sabia que não queria usar Touriga Nacional, porque embora seja uma excelente casta, mascara as outras e iguala os lotes. Mas encarei este projecto muito como “se der, dá, se não der, paciência, tentei”. Acabou por dar, e fiz pequenino, como eu queria, para usufruir.

 

Todos temos o nosso papel, e todos os modelos de negócio são válidos, desde que dêem dinheiro. Se não, não são bons negócios.

 

Porquê fazer a vinha em patamares no Alentejo?

Como estamos ali na Serra do Mendro, com aquela altitude, e tivemos de escolher os pedaços de terra onde não havia sobreiros, naquele sítio foi o que se adequou mais. Pouco terreno ali era plano. O meu marido perguntava-me, “mas onde é que tu vais plantar vinha?!”, e eu respondia-lhe, “eu acho que dá… um bocadinho aqui, outro ali…” [risos].

A Taboadella, no Dão, representou um grande desafio para si e para a equipa técnica, sair da zona de conforto e ir de encontro ao desconhecido. Porquê o Dão?

Nós e as nossas equipas sempre visitámos outras regiões vitivinícolas, e houve um dia, em 2008, que fomos ao Dão. Houve duas ou três coisas que me saltaram à vista: uma, foi o Alfrocheiro, que me encantou imenso. Outra, foi o preço baixo dos vinhos. E a terceira, o potencial da região, ali estava tudo por fazer. A região estava adormecida. E eu tenho de dizer: eu acho que anda toda a gente distraída em relação ao Dão. Não entendo a falta de investimento na região. Lá fora, todos a conhecem, os vinhos são fabulosos, brancos e tintos. Sustentável por natureza, porque produz bem, e na Taboadella não temos um pingo de rega. Mais mão-de-obra do que nas outras. Há licenças para plantar e muitas pequenas parcelas que podem produzir vinhos fabulosos, por vezes em sítios que ninguém imagina. Está rodeada por cinco montanhas. Está a menos de hora e meia do Porto. Por tudo isto, eu não compreendo a falta de investimento no Dão.

É isso que a move? Estar tudo por fazer?

Sim. Não me desafio nada com coisas já feitas. O que me move é fazer, é a parte de que eu mais gosto, desenvolver, criar. E aquela quinta, onde agora é a Taboadella, estava quase em hasta pública quando a fomos ver. Quando lá chegámos, adorámos o que vimos. Estava a precisar de muita coisa, mas era forte, tinha uma energia… E havia lá umas cubas de inox, com vinho tinto. Provámo-lo e pensámos, “se isto está assim, com estas condições… com melhores…”, e foi isto que nos fez, na verdade, comprar a quinta. E desde o início que soubemos que o nosso projecto seria para um segmento superior, de aposta no Encruzado e na Touriga Nacional, claro, mas também de fazer vinhos com outras não tão utilizadas, até porque, sobretudo no que toca ao Encruzado, o encepamento desta casta não é infinito, por isso achamos importante fazer vinhos com outras castas do Dão. Por isso também replantámos uma parte da quinta, sobretudo para termos mais brancos, acima de tudo, Encruzado.
Talvez o maior desafio no Dão seja vender os topos de gama. Há poucos produtores a produzi-los de forma consistente, como noutras regiões. E eu volto a dizer: estão todos distraídos. Andam todos a olhar para outras coisas, que são importantes, mas o Dão, no futuro, tem todas as condições para ser importantíssima em Portugal. Quem não gosta de vinhos do Dão? Mesmo lá fora, outros produtores de grandes regiões, todos os adoram.

 

 Talvez o maior desafio no Dão seja vender os topos de gama. Há poucos produtores a produzi-los de forma consistente, como noutras regiões.

 

Como foi ser um “estrangeiro” no Dão, com ambições de criar um projecto vitivinícola desta envergadura?

Correu muito bem, fomos acarinhados por todos, mas também porque entrámos com respeito, e com um bom propósito, que era o de investir na região. Depois, sempre estivemos abertos a receber as pessoas do Dão e elas perceberam isso. Não fizemos nada de diferente na íntegra, porque também acreditamos no trabalho que está a ser feito nos vinhos da região. O que fizemos de diferente foi introduzir mais métodos de vinificação e tecnologia, para nós o cimento era obrigatório. percebemos que os vinhos do Dão não precisam de muita madeira, e é uma pena quando têm demasiada. E criámos um portefólio com bastantes vinhos, e isso foi logo um grande desafio. De repente chegámos ao mercado com 8 vinhos do Dão, e isso pode ter chocado um bocado.
Nós temos de pensar que ao fazermos um projecto, ele tem de viver o local. Temos de ter a identidade. Temos de estudar, ir as raízes, a história, falar com as pessoas da região e de perto, para nos inspirarmos. Não é só inspirar no estético, no belo, mas também nas pessoas e no vinho. Tem de haver uma inspiração, uma matriz. Uma gama tem de respirar uma quinta. Por isso é que os nossos projectos são muito diferentes uns dos outros.

Os projectos vitivinícolas com “assinatura” Luísa Amorim têm todos um standard de qualidade muito alto, desde a viticultura às garrafas, passando pelo no turismo, pela adega e até pela própria arquitectura e decoração dos espaços. Esta exigência vem de onde?

Vem da cultura da minha família, do que nos foi incutido a todos, e da sorte de eu gostar muito de fazer desta forma. Nós, para nos metermos num projecto, numa nova quinta, tem de ser bom. porque “mais ou menos” não é linguagem para nós. Temos de acreditar no que vemos. Eu não sei trabalhar por trabalhar. Mas é tão válido um trabalho de baixo preço como de alto preço, são duas especialidades diferentes. E eu não sei trabalhar no baixo preço, não sei mesmo. A minha especialidade é trabalhar este conceito premium, pelo desafio, sobretudo. Eu não sou especialista em negociação de preço, mas sim na criatividade, na inovação, no contexto. Todos temos o nosso papel, e todos os modelos de negócio são válidos, desde que dêem dinheiro. Se não, não são bons negócios.

Luísa Amorim

A pior coisa que se pode fazer é adormecer no sucesso. Quando não se sente necessidade de evoluir, está o caldo entornado...

 

A Luísa fundou a IPSS Bagos d’Ouro. O que deu origem a esse “chamamento” social ligado à região?

Quem mais me cativou para fundar a Bagos d’Ouro foi o meu marido. Ele via que eu poderia fazer alguma coisa neste sentido, no Douro, pelo que eu via aqui na região e conversava em casa. Um dia decidi avançar, e o meu amigo Padre Amadeu aceitou fazê-lo comigo. Decidimos trabalhar com crianças, porque serão elas o futuro da região. Começámos pequenos, com garrafas Quinta Nova solidárias e jantares solidários. Quando consegui juntar fundos suficientes, contratámos duas pessoas, especialistas na parte técnica social. A partir daí, fomos crescendo, já são 13 anos e é um trabalho muito bonito, maravilhoso. Precisamos sempre de juntar fundos, porque temos zero dependência do Estado. É uma Associação que presta contas, mas à sociedade, e a mais ninguém. Mas é assustador ao mesmo tempo, porque agora não podemos falhar, somos responsáveis por muitos jovens e crianças, e não as podemos desiludir.
Temos o sonho de fazer algo no Alentejo, não exactamente a mesma coisa, mas algo que achamos que ainda falta na região. Mas ainda vai demorar…

Ao longo de todos destes 23 anos no mundo do vinho, fazem-se muitos amigos?

Acho que sim, houve muita gente que me deu a mão, e que tem a minha mão. É um mundo de mais amigos do que inimigos. Sobretudo porque todos sabemos que é um trabalho difícil, onde o sucesso é difícil de alcançar. Sabemos que temos de nos proteger uns aos outros, no que toca às relações governamentais, comerciais, humanas… temos de ser abertos no know-how e na passagem dele. Se não partilharmos, não crescemos. O mundo do vinho está sempre a evoluir: a garrafa é a mesma, mas o vinho não é o mesmo. A gastronomia está sempre a mudar. Se o que se come muda, o que se bebe também. Parece mentira, mas há 30 anos era difícil encontrar uma bolonhesa em Portugal. Comia-se massa, sim, mas não era à bolonhesa. Há muito menos anos do que isso, qual era o português que comia sushi? Todos nós evoluímos, e o mundo do vinho tem isso, estamos sempre a ser desafiados e incentivados a melhorar. Uma pessoa acaba de engarrafar um vinho, e já está a pensar que no próximo fará diferente. A pior coisa que se pode fazer é adormecer no sucesso. Quando não se sente necessidade de evoluir, está o caldo entornado…

 

Enquanto acharem que uma empresa pode produzir de tudo, do baixo ao alto, a região não vai crescer em preço.

 

O que é que ainda falta fazer, a nível profissional? Qual o próximo passo? Expandir o negócio do vinho para mais regiões?

Não gosto muito desta pergunta, até porque eu sou uma pessoa que, apesar de gostar muito de criar e de fazer, não pensa muito no futuro. Porque por vezes aparecem coisas de que não estávamos à espera, ou não temos oportunidade de fazer aquelas que pensámos fazer. Se me perguntarem o que falta fazer no que já tenho, aqui na Quinta Nova falta muita coisa. Por ser a nossa mais antiga, está no ponto de rebuçado para refazer. O estatuto e a marca que tem, também o exige.

E na região do Douro, o que falta?

Falta imenso. Temos um preço médio muito baixo, temos de o subir, é um preço-médio irreal. É urgente fazê-lo. Acho que é preciso as empresas perceberem que, no mercado, ou têm uma oferta, ou outra. Porque enquanto acharem que uma empresa pode produzir de tudo, do baixo ao alto, a região não vai crescer em preço. Porque o cliente vai querer sempre o preço mais barato. Temos de assumir se somos de nicho ou não. E acho que é por isso que o Douro não se assume mais, internacionalmente. Porque não se organiza, temos de querer mais, reformular as adegas, e dizer “não, eu isto não faço”.
Mesmo as pessoas que no Douro já estão orientadas no mercado, orientadas com a sua marca, com as suas contas confortáveis, têm de estar disponíveis para investir novamente. O investimento no Douro ainda não acabou… de todo. Há a ideia de que “Portugal tem tão bons vinhos, nem precisa de exportação”. Portugal tem bons vinhos, como todo o mundo tem. Desculpem-me, sou portuguesa e amo o meu país, mas não nos chega ter bons vinhos. Qualquer pessoa com vontade e um bom pedaço de terra, faz vinho. Mas falta mais do que isso. Porque fazer um grande vinho, sem investimento, só se faz uma vez. Nós não podemos pensar o vinho como pensávamos há 20 anos atrás, nem a vinificação, nem a parte comercial. Produtores novos surgem todos os dias, temos de ser mais aguerridos. Reforço que não podemos abdicar do preço. É muito duro, é difícil. Mas é um caminho que temos de definir. O produtor de nicho não pode estar em todos os canais, como o produtor de massas. Em Itália, na Toscânia, o “Super Toscano” foi um fenómeno que demorou 40 anos a construir. O Douro merecia algo assim, algo que nos levasse a mais notoriedade no mercado externo.

 

Luísa Amorim

 

Gostava que me perguntassem, que perguntassem aos produtores de vinho do Douro, o que acham que o vinho do Porto poderia fazer para vender mais, e vice-versa.

 

Porto ou Douro, ou ambos?

Há até quem ache que a região deveria ser só para o vinho do Porto, o que é totalmente errado. As uvas para vinho DOC Douro têm vindo a subir o preço, e o mercado pede-o tanto, que provavelmente haverá um problema de matéria-prima no futuro. E tirando aqueles vinhos do Porto muito envelhecidos, os preços não são assim tão diferentes… os topos de gama do Douro estão a 150 e 250 euros. Quantos Porto Vintage estão a estes preços à primeira? A DOC Douro, apesar de não comercializar vinhos velhos, como tawnies velhos e colheitas antigas, tem um preço médio apenas 13,5% abaixo do vinho do Porto.
Na verdade, para mim o Douro é duas regiões, a de vinho do Porto e a de vinho DOC Douro. Sou produtora de vinho do Douro e tenho de dizer que não faço mais vinho do Porto porque não vendo. O Douro tem de separar bem as coisas, homogeneizar a legislação para um lado e para o outro. Fala-se muito de um lado, mas não se fala do outro. E eu quero dizer aqui que nas grandes notícias sobre a estratégia para a região, são sempre os grandes senhores do vinho do Porto, e ninguém do vinho Douro fala. Porque não há voz, não há instituições, não há isto e não há aquilo. Não se pode negar que os vinhos Douro são estruturantes para a região.
Dizem que o Douro tem muita vinha. Isso é mentira. Se pegarmos na produção de vinho do Douro e de vinho do Porto, como dois sectores, vemos que afinal não é tanto. Na verdade, a vinha disponível para cada tipo de produto é de cerca de 20 mil ha. E quantidade de vinha que tem vindo a ser abandonada, e a que está cadastrada, mas abandonada…
Não há uma voz igualitária, nem os dois são ouvidos da mesma maneira. Não se está a tentar consertar o melhor caminho entre os dois lados. Ninguém pergunta a um produtor de vinho do Douro o que pensa da região, ou que estratégias é que se poderiam tomar. Isto é um assunto que me preocupa muito. Gostava que me perguntassem, que perguntassem aos produtores de vinho do Douro, o que acham que o vinho do Porto poderia fazer para vender mais, e vice-versa.

Se lhe perguntassem isso, qual seria a resposta?

Uma das minhas “teimosias”, é que não deveria haver stock mínimo de vinho do Porto. Hoje, uma pessoa jovem tem de pensar duas, três, quatro, oito vezes, antes de produzir vinho do Porto. E não se produz mais vinho do Porto por causa destas coisas. Não tenho nada contra a lei do terço, tenho contra não haver liberdade. Se fizermos as contas a 75 mil litros de vinho parado… as pipas, o armazém, o líquido parado. Mas alguém tem dinheiro para isto? É um luxo arábico. Algum jovem vai ser burro ao ponto de se meter nisto? E já falei várias vezes para o sector, “vocês não vêem o que estão a fazer, a matar o sector do vinho do Porto?”. Daqui a 15 anos vai-se precisar de mais enólogos de vinho do Porto, e as empresas vão ver-se aflitas para os arranjar… Ter este peso, de que é um sector super-estruturado e super-legislado, que não se pode mudar, não vai ser bom para ninguém. Tem de haver mais gente a fazer e vender vinho do Porto porque, mesmo com 2 séculos de história, este perde quota nos últimos 20 anos para o DOC Douro, que não pára de crescer. Segundo o Ranking de 2022, a região do Douro tinha 535 empresas a comercializar DOC Douro e apenas 133 empresas a comercializar Porto. Mas é interessante que, apesar de tudo, haja jovens empresas com vontade de oferecer ao mercado vinho do Porto, mesmo não sendo fácil de vender.
Por isso, acho que temos de ser livres, não acho que faça sentido ter de pedir uma licença para vinho do Porto e outra para vinho do Douro. Eu tenho de ser livre para das minhas uvas fazer um produto ou o outro. Mas, quem tem a vinha abandonada no Douro, não pode nem deve ter licenças. A fiscalização deve estar aqui, a intervir. Os vinhos do Douro são os que têm dado notoriedade ao nome “Douro”. Em 20 anos, já fizemos o mais difícil. Mas onde nos queremos posicionar? E o que temos de fazer para isso? Também não podemos estar mais 20 anos neste cenário, temos de progredir. Mas não estamos todos a remar para o mesmo lado. Se queremos apanhar o próximo comboio, o vinho do Porto e o vinho do Douro têm de estar juntos, de mãos dadas.

 

Luísa Amorim

Se queremos apanhar o próximo comboio, o vinho do Porto e o vinho do Douro têm de estar juntos, de mãos dadas.

 

Um conselho para os jovens empreendedores, que queiram fazer vida profissional no mundo do vinho.

Estudar bem o mercado. Não chega ser criativo. Temos de ser humildes, respeitar o que já lá está, e perceber onde nos podemos diferenciar. Se quero entrar, tenho de acrescentar. Depois, ter capacidade de trabalho, e dar muita importância à área comercial e ao marketing, fazer o mercado. Para vender um vinho, tenho de vender um contexto. E atenção às adegas! Aconselho a não fazer logo uma adega de início ou, a fazer, uma mais pequena e simples. Por último, nunca desistir. O mundo do vinho demora muitos anos, talvez dez, no mínimo, e vinte para ter sucesso…

 

(Artigo publicado na edição de Julho de 2023)

Entrevista: António e Martim Guedes

António Martim Guedes

“Uma empresa com 150 anos tem de ser sustentável”  Texto: Luís Lopes   Fotos: Anabela Trindade Se é verdade que, no mundo dos negócios, raras são as empresas familiares que sobrevivem à terceira geração, o sector do vinho pode ser considerado uma raridade. A quinta geração da Aveleda, liderada pelos primos António e Martim Guedes, tem […]

“Uma empresa com 150 anos tem de ser sustentável”

 Texto: Luís Lopes   Fotos: Anabela Trindade

Se é verdade que, no mundo dos negócios, raras são as empresas familiares que sobrevivem à terceira geração, o sector do vinho pode ser considerado uma raridade. A quinta geração da Aveleda, liderada pelos primos António e Martim Guedes, tem levado ainda mais longe o trabalho dos seus antecessores, crescendo em todos os parâmetros. Um dos segredos está em pensar a longo prazo, no negócio e em tudo o que o rodeia. Para que a empresa, fundada em 1870, “possa cá estar mais 150 anos.”

António Azevedo Guedes e Martim Andersen Guedes dirigem a Aveleda enquanto co-CEO’s. Ainda que bem distintos na maneira de ser e no percurso académico e profissional, afinam pelo mesmo diapasão no que toca a estratégia e aos objectivos. Nessa quase mágica complementaridade está um dos segredos que têm permitido, com criatividade, espírito de inovação e investimento, mas também muita segurança e contenção, continuar a desenvolver uma empresa já de si extremamente sólida e rentável mas que, como tantas outras desta dimensão, está sujeita a imponderáveis conjunturais dos mercados ou constrangimentos estruturais das regiões vinícolas onde opera.

Martim, 45 anos de idade, especializou-se em gestão e coordena a área financeira, marketing, vendas, recursos humanos; António, 46, herdou de seu pai António Guedes, recentemente falecido, a paixão pelas coisas da terra, estudou viticultura e enologia e é o responsável por toda a área de produção da empresa. Empresa que fechou o ano de 2022 com 45 milhões de euros de facturação (há 10 anos facturava 25 milhões…) e tem no seu plano estratégico alcançar 53 milhões em 2025.

70% do que a Aveleda produz é destinado a exportação (75 países, EUA, Alemanha e Brasil à cabeça), com os Vinhos Verdes a representarem 78% do negócio. Nas marcas, pontifica o incontornável Casal Garcia, com 69% do total.

O crescimento recente da empresa tem também sido alicerçado em aquisições – Quinta Vale D. Maria, no Douro, ou Vila Alvor, no Algarve – mas também em grandes investimentos em vinha. Ao contrário do que muitos consumidores possam pensar, esta é uma empresa produtora: só na região dos Vinhos Verdes possui 450 hectares (objectivo: 600 ha) em 6 distintos pólos vitícolas, a que se somam mais 75 hectares no Douro, 18 na Bairrada (Quinta da Aguieira) e 30 no Algarve. Este é um breve retrato de uma Aveleda que aprofundámos em animada conversa com António e Martim Guedes.

António Martim Guedes
Martim e António Guedes são a quinta geração familiar à frente dos destinos da Aveleda.

Com uma facturação que quase duplicou numa década (45 milhões em 2022), a Aveleda tem também fama de ser a empresa portuguesa de vinhos mais rentável. A que se deve esse sucesso?

AG: Antes de mais, nós herdámos, e isso ajuda muito: os nossos pais deixaram-nos uma empresa que, no início da década de 2000, era já altamente rentável. Herdámos esse histórico mas também herdámos o “mindset”, ou seja, foi-nos ensinado que o negócio tinha de ser rentável porque, caso contrário, seria muito difícil gerar dinheiro para investir no desenvolvimento do próprio negócio.

MG: Sempre nos focámos muito nas nossas marcas e na sua valorização. Evitámos, por exemplo, o negócio das marcas exclusivas ou marcas próprias dos supermercados. É um modelo que a curto prazo sabe bem, mas que a longo prazo acaba por destruir valor. Isto também contribuiu muito para que a empresa e os seus colaboradores estejam focados no que interessa.

No futuro, queremos passar para 30 a 40% de autossuficiência em uva. Isso implica ter 600 hectares de vinha própria na região dos Vinhos Verdes, ou seja, vamos plantar mais 150 hectares.

É grande verdade que herdaram marcas fortes e uma empresa rentável. Mas acrescentaram valor (e num contexto concorrencial bem mais difícil…) o que nem sempre acontece nestas empresas familiares do vinho, quando há uma mudança geracional…

AG: A Aveleda em 2000 tinha duas ou três marcas, o portefólio era muito pequeno, era uma empresa orientada para poucas marcas, grandes volumes e elevada rentabilidade. Procurámos manter essa disciplina, essa cultura interna de foco na nossa marca, embora hoje tenhamos muito mais referências por marca. Mas continuamos a ter a marca mãe (Casal Garcia) muito forte, o que nos permite fazer os investimentos necessários ao desenvolvimento de negócio.

Vou colocar a pergunta de forma muito simples: onde é que se gasta o dinheiro? Quais os focos de investimento estratégico: viticultura, equipamento, enoturismo, marketing?

AG: Vai variando muito. O último quadro de investimento estratégico, até 2020, sem prejuízo do investimento nas marcas, que tem sempre de existir, foi sobretudo muito estrutural, nomeadamente vinha, adegas, aquisições de marcas e empresas. Passou muito pelo lado, se quiser, patrimonial.  Nos próximos anos vamos claramente baixar o nível de investimento em aquisições e sabemos que, no que a vinha respeita, 70% do esforço de investimento planeado já está feito. Daqui para a frente o nosso investimento será mais na capacitação, embora tenhamos já optimizado muito esta vertente: produzimos mais 50 e tal por cento com os mesmos equipamentos. Mas há um limite para essa optimização. Por isso, agora, para podermos crescer no volume teremos de investir no sentido de acompanhar esse crescimento. Se crescermos mais 2 milhões de litros nas vendas, precisamos de mais 2 milhões de litros de capacidade em cubas…

MG: Desde que chegámos à empresa passámos por três ciclos, ou planos estratégicos, muito distintos. De 2010 a 2014 foi um plano muito virado para a eficiência. Não houve grande crescimento em vendas, mas melhorámos muito rácios de eficiência e rentabilidade através do controlo de custos. O plano 2015-2020 foi o contrário, virado para a expansão: triplicámos a área de vinha, comprámos duas quintas no Douro e uma no Algarve, passámos de 22 para 81 produtos, de 14 milhões para 20 milhões de garrafas. Um plano de crescimento “agressivo” se assim se pode chamar. O plano 2021-2025 visa dar solidez ao trajecto mais recente. O objectivo é continuar a crescer, sim, mas não com mais produtos, antes consolidando o que existe. Os investimentos acompanham essa estratégia e vão ser canalizados sobretudo para os equipamentos de produção, não para aumentos de área de vinha ou entrada em novas regiões.

Ainda assim, a Aveleda aproxima-se já dos 600 hectares de vinha em produção, 450 dos quais na região dos Vinhos Verdes. Numa região onde o preço da uva é, digamos, modesto, tamanho investimento em vinha só se entende pela dificuldade em obter a matéria-prima certa. E isso leva-me à questão: como avaliam a viticultura dos Vinhos Verdes e o seu futuro a médio e longo prazo?

AG: Nós fazemos um tratamento estatístico da informação que recebemos, pelos nossos meios ou através da CVR dos Vinhos Verdes. Visitamos com frequência os viticultores que nos entregam uva e conhecemos os problemas que enfrentam. Conhecemos, portanto, a realidade no terreno e confrontamos essa realidade com a estatística. A partir daí, é fácil perceber várias coisas. Sabemos que a região tem vindo a perder área de vinha ano após ano, e de forma significativa. Olhamos para a média de idades dos nossos fornecedores e vemos que é muito elevada. A dimensão da parcela por viticultor é baixíssima, menos de um hectare. Esta é uma viticultura “caseira”, em que os proprietários fazem tudo. Como não gastam na plantação da vinha pois têm os apoios financeiros, e são eles que tratam das videiras, conseguem ter alguma rentabilidade. Mas no dia em que desaparecerem, os filhos, que já vivem em Lisboa, Porto, ou outra cidade, não vão querer continuar com o “hobby” dos pais. Porque há também aqui um elemento cultural, de paixão pelo campo, pela vinha, pela horta, um apego às raízes que os seus filhos dificilmente terão. Eles vão ao supermercado comprar o que precisam, não vão querer trabalhar no campo para obter o produto. Todos juntos, estes viticultores já bastante envelhecidos representam uma enorme área de vinha que se vai perder muito rapidamente. A estatística confirma isto: em cada ano, na região, perdemos 2% de área de vinha; e perdemos, por falecimento, 3% das pessoas.

Portanto, estávamos obrigados a fazer alguma coisa. Mas não nos limitámos a plantar vinhas. Fortalecemos as parcerias que temos com os nossos fornecedores de uva, a quem damos apoio técnico e incentivamos a serem mais rentáveis e competitivos. Sabemos que vamos ter menos viticultores, mas procuramos que ampliem a sua área de vinha e que, sobretudo, que sejam mais profissionais, que encarem a viticultura como um negócio e não uma actividade exercida apenas por paixão e amor à terra. Hoje, para entrar no CPA (Clube de Produtores Aveleda), é preciso ter, no mínimo, 5 hectares. Mas a maioria tem muito mais do que isso, vários com 50 hectares. Acreditamos que 10 hectares é o mínimo para poder exercer uma viticultura profissional e rentável.

Na Aveleda sabíamos também que temos uma excessiva dependência de compra de uva. O CPA funciona bem, mas não é suficiente para suportar o crescimento de 50% nas nossas vendas de Verdes, onde se inserem também aqui os rosés (só o Casal Garcia rosé já vale 1,6 milhões de litros). Sentimos que a pressão sobre a matéria-prima era cada vez maior, até porque a região dos Vinhos Verdes, como um todo, também cresceu nas vendas. Estamos com 10 a 15% de auto-suficiência e queremos, no futuro, e se tudo correr bem, passar para 30 a 40%, no máximo. Isso implica ter, a médio prazo, 600 hectares de vinha própria na região dos Vinhos Verdes, ou seja, vamos plantar mais 150 hectares.

Um dos grandes problemas da região assenta na criação de valor, ainda as marcas mais cotadas nos Verdes de volume não tenham um preço tão baixo assim quando comparado com congéneres de outras regiões. Mas a verdade é que o Verde é muitas vezes associado a produto mais barato. Como inverter a situação?

MG: Esse “comboio” de criação de valor já está a andar, e bem. Cada vez mais temos dois segmentos: um Vinho Verde “clássico”, correspondendo a um perfil bem definido no mercado com, é verdade, uma percepção de preço barato; e um Verde “premium”, ou “superior”, como lhe queiramos chamar, que começou com o Alvarinho mas que hoje já abarca outras castas. Este movimento em torno do Verde mais ambicioso já ganhou alguma força e, naturalmente, na Aveleda queremos ser parte activa. Daí investirmos muito nas nossas gamas premium, com os Aveleda Solos, Aveleda Parcelas, Manoel Pedro Guedes. Nada disto existia há quatro anos e hoje são produtos importantes no nosso portefólio. Significa que acreditamos vivamente na criação de valor no Vinho Verde. Os Verdes podem ser grandes vinhos brancos, é a natureza desta região. Como referi, este é um comboio em andamento, mas a começar o seu percurso, está mais perto da estação de partida do que da estação de chegada.

Os Verdes têm vindo a perder área de vinha ano após ano, e de forma significativa. Estes viticultores, já bastante envelhecidos, representam uma enorme área de vinha que se vai perder muito rapidamente.

Uma das grandes apostas da empresa, no ciclo que agora terminou, foi a diversificação, não apenas de produtos mas também através de aquisição, no Algarve e no Douro. Como avaliam os resultados obtidos em cada um destes projectos?

MG: São projectos muito diferentes. Curiosamente, o que deu mais rápido retorno foi o Algarve. Hoje já podemos dizer que foi uma aposta vencedora e em muito pouco tempo, sobretudo se pensarmos que comprámos em 2019 e apanhámos com os “anos covid”, particularmente maus no Algarve turístico. O Douro é um filme completamente distinto, apostámos numa marca de elevadíssimo prestígio como é Vale D. Maria. A primeira etapa foi fazer a transição dessa marca consagrada para o universo Aveleda, e o processo correu muitíssimo bem, consolidando a notoriedade e a percepção de qualidade dos vinhos super premium Vale D. Maria. A segunda etapa vai ser fazer crescer a marca global no segmento mais abaixo, para volumes maiores, com o apoio das vinhas do Douro Superior, no vale do Sabor.

António Martim Guedes
As antigas garrafas espelham a longa história da Aveleda.

A Aveleda tem ambição de, até 2025, facturar 2 milhões em enoturismo. É uma área em franco crescimento, ainda que sem grande expressão nos Vinhos Verdes, ou pelo menos não comparável a outras regiões. Como pensam desenvolver este segmento?

MG: Esta é uma área em que gostávamos de ter mais concorrência nos Vinhos Verdes, de forma a podermos estabelecer um cluster, como existe no Douro. Mas acreditamos que há futuro no enoturismo nesta região. A procura tem sido enorme, o ano de 2022 ficou acima de todas as expectativas, tivemos de recusar muitas visitas por falta de capacidade. O que queremos fazer no polo de Penafiel, onde estamos sedeados, é dar um carácter mais premium à oferta, torná-la mais segmentada. Há espaço para isso, podemos proporcionar experiências diferenciadoras a grupos mais exigentes. O Algarve e o Douro estão a começar e assentam em estratégias distintas. No Algarve queremos ser os primeiros a apostar a sério no “enoturismo algarvio”, algo que hoje praticamente não existe. Estamos a trabalhar para poder receber 50 a 100 mil pessoas por ano. No Douro é o oposto. Queremos dar uma superior dignidade à Quinta Vale D. Maria, aproveitando um edifício que hoje está em ruínas. Será um enoturismo com outro nível de exclusividade, para grupos de 20 ou 30 pessoas, uma experiência personalizada numa marca mais premium.

Alvarinho, Loureiro, Avesso são as variedades de que se fala. Mas o leque de castas autorizadas ou recomendadas é bem maior. Faz sentido recuperar castas antigas, como Cainho, ou apostar noutras transversais, como Fernão Pires?

AG: Faz todo o sentido. O percurso da Trajadura é um bom exemplo. A Aveleda apostou muito na Trajadura porque, com a viticultura dos anos 80, os Vinhos Verdes eram em geral demasiado ácidos e com muito pouco grau. A Trajadura era o oposto, tinha graduações superiores e baixa acidez, embora com problemas na parte aromática e na tendência oxidativa. Mas foi importante naquela época e momento. Só que muita coisa evoluiu e a Trajadura, com os problemas que tem (a produção média também não é brilhante) deixou de cumprir o objectivo. Na Aveleda procurámos uma casta que pudesse ser semelhante à Trajadura na parte ácida, mas com uma componente aromática mais expressiva e maior consistência na produção. Encontrámos tudo isso no Fernão Pires, casta que se tornou um sucesso nas nossas vinhas. É muito importante explorar castas novas, ir fazendo ensaios na vinha e na adega. Há quatro anos trouxemos varas do campo ampelográfico da EVAG (Estação Vitivinícola Amândio Galhano) e reenxertámos uma das nossas vinhas. Algumas das castas são “meias galegas” como o que chamamos Branco Legítimo e que é o Cainho. Todos os anos vamos avaliando a produção, a maturação, a acidez, etc. É importante experimentar. Claramente, existe espaço para ter mais castas na região, que mais não seja para não perdermos esse património genético. Quem sabe, um dia, vamos precisar dessa diversidade para fazer vinhos distintos.

Dos projectos noutras regiões, o que deu mais rápido retorno foi o Algarve. Foi uma aposta vencedora, sobretudo se pensarmos que comprámos em 2019 e apanhámos com os “anos covid” no Algarve turístico.

A uva Alvarinho cria no consumidor a percepção de qualidade associada a valor. Para a Aveleda a menção Vinho Verde Alvarinho na rotulagem dos vossos vinhos é suficiente ou pensam investir na sub-região de Monção e Melgaço?

AG: Pergunta provocadora… (risos). A nossa estratégia não passa por investir em Monção e Melgaço. Nos últimos anos plantámos 80 ou 90 hectares de Alvarinho em diversos tipos de solos e climas. Entendemos por isso que temos muito por onde nos entreter. Estamos seguros de que a casta Alvarinho tem condições para ter um comportamento exemplar no resto da região dos Vinhos Verdes, não apenas em Monção e Melgaço. É uma uva de enorme plasticidade e adaptabilidade, talvez melhor na parte atlântica do que na parte mais interior da região, mas mesmo assim nas nossas vinhas de xisto, na zona mais interior, tem uma performance fantástica.

Acreditam que o Loureiro pode vir a ter a mesma notoriedade e percepção de valor dos vinhos de Alvarinho?

AG: Sem dúvida que sim, mas vai demorar. O facto é que são duas belíssimas castas, em todos os aspectos. O Loureiro um pouco mais plástico, porque consegue produtividades maiores e, portanto, pode entrar em todos os segmentos, desde os bases até aos topos de gama. O Alvarinho, não sendo superior enquanto casta, como tem produtividade bem mais baixa obriga a atirar os preços mais para cima. O Loureiro vai ter de fazer o seu caminho nos vinhos de topo. Vai levar algum tempo até as pessoas perceberem que com Loureiro podemos fazer um bom vinho a 5 euros e, com trabalho diferenciado na vinha e na adega, também um grande vinho, com carácter e potencial de longevidade, a 30 ou 40 euros.

A motivação não foi trabalhar para o “rótulo” de sustentabilidade. Foi uma questão de consciência e de racionalidade financeira. Não só ganhámos dinheiro com isso, como faz sentido.

A Aveleda está em regiões muito distintas em termos de clima: Vinho Verde, Douro, Bairrada, Algarve. Como têm sentido a evolução (ou alteração, como preferirem) do clima nestas regiões? E o que pensam fazer para reduzir o impacto dos anos mais difíceis?

 AG: Primeiro, olhar para trás. As pessoas esquecem-se facilmente do histórico, esquecem-se de onde viemos. É que o clima vai tendo os seus humores. Tivemos uma década de 40 muito boa, depois tivemos um período frio nos anos 60, 70 e parte dos 80. Depois começou de novo a aquecer. O clima vai tendo as suas oscilações. O que é factor humano, ou o que é factor dinâmico do planeta, não consigo dizer. Não sei se estamos numa fase contínua de aquecimento global ou se estamos numa destas curvas de aquecimento e arrefecimento. Mas olhar para o passado permite olhar para o futuro com alguma serenidade e perceber que já alguém cá esteve antes de nós e com o mesmo problema. No tempo de Jesus Cristo fazia-se vinho em Inglaterra. Em parte dos anos 70 de 1600 não se colheu um único cacho no Château Latour, devido ao frio. Entre 1300 e 1600 houve uma pequena era glaciar na Europa. E agora estamos num período de aquecimento. Temos de trabalhar com esta perspectiva.

É evidente que nós temos muitas ideias do ponto de vista técnico e eco-fisiológico da planta. Adoptamos medidas de curto prazo como, simplesmente, aplicar caulino nas folhas (fomos pioneiros na região a fazê-lo) ou colocar rede de ensombramento. Tudo isto tem o seu custo, claro. Portanto, no curto prazo, temos soluções para minimizar os efeitos do progressivo aquecimento do globo, e a médio e longo prazo temos de perceber onde vamos plantar as próximas vinhas e com que castas. Não podemos pôr os ovos todos no mesmo cesto. Na vinha de Cabração, por exemplo, as primeiras parcelas foram plantadas a 80-100 metros de altitude; agora vamos iniciar uma segunda fase, com plantações a 350-450 metros. Em Felgueiras temos uma vinha a 100 metros de altitude e outra a 400, separadas por meio quilómetro. Isto dá-nos flexibilidade, não apenas face à evolução do clima mas também à irregularidade dos anos de colheita.

No Algarve temos vinhas plantadas a 2 km do mar. Há pouca pluviosidade, é certo, mas temos barragens e Monchique ali ao lado, onde há água. Ali não temos soluções de médio/longo prazo, a não ser passar a vinha para Sagres…

O amor pela Natureza que existe na nossa família faz com que se ganhe uma sensibilidade acrescida. Em tempos, fazíamos as coisas por intuição, porque achávamos que “é assim que deve ser”. Depois, o tempo e a ciência vieram dar-nos razão.

E no Douro?

AG: O Douro, é um desafio. Temos um colete de forças que são os regulamentos e a resistência a novas plantações, o que torna a região muito estática. A vinha do Douro foi montada para fazer Porto, com alto grau e muita concentração. Com o DOC Douro a crescer tanto, faz sentido queremos fazer tudo no mesmo sítio? Não seria melhor pensar numa estratégia de futuro, mantendo as vinhas para Porto em cotas mais baixas e passar as vinhas destinadas a Douro para cotas altas e com rega sempre que possível? Esta é uma questão de fundo que merecia maior atenção. As ideias existem, mas se queremos plantar vinha nova num local adequado, não há autorizações. Quando muito, com sorte, podemos encontrar uma boa vinha de altitude, que compramos. Assim, em termos de estratégia a longo prazo para o Douro, estamos manietados pelas regras e pelas mentalidades. No Douro discute-se muito, mas pouco se faz.

António Martim Guedes
As velhas aguardentes são um produto clássico da casa.

Como é que a empresa encara o cada vez mais premente tema da sustentabilidade, seja económica, social ou vitivinícola?

MG: Esse é, na verdade, um tema do dia. Como empresa “low profile” que somos, sentimos sempre que fazemos muito mais do que aquilo que é comunicado. Mas a verdade é que fazemos mais do que a nossa parte. Fazemos a medição rigorosa da pegada de carbono, por exemplo. Para além dos nossos emblemáticos jardins, onde existe enorme biodiversidade, há muito que plantamos 2000 árvores em cada ano. Estudamos e pesquisamos no sentido de trabalhar não contra a Natureza mas com a Natureza.

AG: Há muito que a sustentabilidade faz parte da maneira de estar da Aveleda, mesmo quando o próprio conceito não existia. Uma empresa com 150 anos tem de ser sustentável. A rentabilidade da Aveleda não acontece por acaso. Nós não queremos usar mais recursos para produzir um litro de vinho do que aqueles que são absolutamente necessários. Existe muito a tendência de fazer como sempre se fez, pelo hábito e pelo conforto. Nós questionamos tudo, procuramos sempre fazer mais com menos. Se pudermos melhorar o equilíbrio, vamos fazê-lo. Dá mais trabalho? Sem dúvida, mas é o nosso dever moral.

O meu pai tinha a paixão pela beleza das coisas. Sempre que plantava uma vinha, plantava árvores nas bordas, fazia muros. Hoje sabemos que os muros trazem enorme biodiversidade à vinha, escondem-se lá lagartos, insectos. E as árvores trazem sombra. Aquilo que, no tempo dos nossos pais era intuitivo, hoje é um modelo de sustentabilidade. É este amor pela Natureza que existe na nossa família que faz com que se ganhe uma sensibilidade acrescida. Em tempos, fazíamos as coisas por intuição, porque achávamos que “é assim que deve ser”. Depois, o tempo e a ciência vieram dar-nos razão. E, afinal, quando reduzimos drasticamente, seja a intervenção química, seja a energia, estamos também a falar de poupança. Em 2012 implementámos um plano de racionalização energética que levou a enormes poupanças. Hoje, é quase obrigatório montar painéis fotovoltaicos, por exemplo. Mas nós já os temos desde há mais de uma década. Se posso isolar as cubas, para gastar menos energia, porque não fazê-lo? Se em vez de usar pellets ou gás posso usar restos de matéria orgânica para fazer o aquecimento das águas utilizadas nas linhas de enchimento, porque não fazê-lo? A motivação não foi trabalhar para o “rótulo” de sustentabilidade. Foi uma questão de consciência e de racionalidade financeira. Não só ganhámos dinheiro com isso, como faz sentido. Significa que a sustentabilidade, se for bem feita, dá retorno.

Nós pensamos a longo prazo. Para isso, não podemos pensar só no nosso negócio, mas também no que está à nossa volta. A região dos Vinhos Verdes pagou muito mal as uvas no início dos anos 2000 e na década seguinte não tinha uvas suficientes. Depois houve que plantar à pressa. Pensar a sustentabilidade, pensar o bem de todos, pensar toda a cadeia de negócio, é fundamental para que o negócio e a empresa possam cá estar daqui a mais 150 anos.

(Artigo publicado na Edição de Fevereiro de 2023)

David Guimaraens é conhecido no Douro, em jeito de brincadeira, como o “Ayatollah do vinho do Porto”, mas também é o homem que se emocionou quando viu os trabalhadores da vindima entrar no lagar, pela primeira vez depois do início da pandemia. Nasceu no Porto, a 13 de Outubro de 1965, e representa a sexta geração de uma família inglesa dedicada exclusivamente a este negócio, sendo hoje director técnico, enólogo e master blender do grupo The Fladgate Partnership (Taylor’s, Croft, Fonseca Guimaraens, Krohn…). Uma conversa sobre o ano vitivinícola de 2022 acabou por desaguar em temas mais fracturantes e controversos, como a sustentabilidade social e económica da região, e David terminou a denunciar os calcanhares de Aquiles do Douro.

 Texto: Mariana Lopes   Fotos: The Fladgate Partnership

Numa visita por algumas das propriedades durienses do grupo The Fladgate Partnership — que resultou, em edição anterior, numa peça sobre as inovações tecnológicas da empresa — acabámos sentados com David Guimaraens, na Quinta da Roêda, a conversar sobre “o estado da nação”. Primeiro, o clima, as vinhas e a vindima de 2022, num ano que, para quem produz vinho no Douro, segundo o enólogo, não foi dos melhores. Estávamos em finais de Setembro.

David Guimaraens“As vinhas estão acastanhadas, com ar cansado”, começou por dizer. “Normalmente, no fim da vindima estão mais verdes, mas este ano castigou-as e ficou marcado por falta de chuva, com um Inverno muito seco. Aqui, na Roêda, choveram 75 milímetros, o que é muito pouco face aos normais 300. Em Março, ainda vieram 70 milímetros que foram importantes, mas de modo geral, todo o ano foi muito seco. Paralelamente, tivemos várias vagas de calor. Usualmente, temos no Douro a ‘queima de São João’, no final de Junho, altura em que o tempo muda radicalmente. Este ano tivemos aquilo a que chamámos ‘queima de Santo António’, porque o calor forte veio no início de Junho. Daqui para a frente, houve muitos dias acima dos 40ºC, e Julho foi dos mais quentes que registámos. Por cima dos solos com pouquíssima água, estas vagas de calor só vieram agravar tudo”, explicou, com a calma e boa disposição que já lhe é característica.

Esta declaração levou à pergunta óbvia que, traduzida “para miúdos”, não é mais do que “isso significa que os vinhos vão ser maus?”, ao que David respondeu: “Não. O que foi extraordinário, foi que, quando eu vim de férias em meados de Agosto, esperava encontrar as uvas numa desgraça total. Mas, como elas nasceram já com sede, criaram uma resistência extraordinária. Bagos pequenos, como é característico, mas nenhuma uva passa, ao contrário de 2017. Tivemos sim, aquilo que acontece quando está muito calor, que é os ácidos muito, muito baixos. Mas isso não é tão dramático no vinho do Porto. Porque um dos segredos deste tipo de vinho é que a aguardente vem equilibrar tudo. Nos vinhos não fortificados, não há aguardente para equilibrar. Não fosse esta uma região de vinho do Porto…”, afirmou, cautelosamente, já a abrir caminho para um tema que lhe diz muito. Assim, nas propriedades da Fladgate iniciou-se a vindima de 2022, pelas vinhas que estavam, como diz David Guimaraens, pela “hora da morte”, em zonas mais quentes.

Mas como se lida com uma situação destas, quais os mecanismos? Para David, não há dúvidas: “Uma das riquezas do Douro é exactamente o que temos aqui, uma viticultura de montanha, com três grandes factores para trabalhar. As sub-regiões, desde o Baixo Corgo que é menos árido, ao Douro Superior, que é mais, sendo que nos anos secos a primeira aguenta melhor esta aridez; depois, a altitude, quanto maior é, menos temperatura e maior pluviosidade; e a orientação, ou exposição solar, porque dentro da mesma quinta, as vinhas têm exposições diferentes. Tudo isto, conjugado com as grandes castas que temos no Douro, é um puzzle que podemos fazer a nosso favor. Em anos extremos como este, para o lado da aridez, haverá bastantes variações de quinta para quinta, e de produtor para produtor, no resultado dos vinhos”, desenvolveu o director técnico. Portanto, antes da vindima, o ano estava desanimador, assumimos. Ao que David replicou, seguro de si: “Os vinhos do início da vindima eram pouco entusiasmantes. Se não se deve dizer isto, e dizer que é tudo mágico? Alguns preferem, mas eu não”.

Mais tarde, houve dois episódios de chuva no Douro. “Aqui na Roêda, tivemos 5 milímetros no dia 6 de Setembro — um primeiro borrifo bom para aliviar — e depois, a 13 e 14 de Setembro, vieram 30 milímetros. Num ano ‘normal’, isto seria muito, mas os solos estavam tão sequiosos que absorveram tudo, e funcionou como uma rega. Eu sou a favor de rega, mas somente de rega pluvial, que é a da chuva. Esta água veio ajudar as uvas a refinar, e incentivar as vinhas a terminar a sua maturação”, adiantou David Guimaraens, que acabou por tornar o cenário mais animador: “O ano de 2022 é o ano do rio Pinhão. Nós temos muita área de vinha no vale do Pinhão, que sofreu no início da vindima pelo que já falámos, mas acabou por haver uvas fabulosas. Fizemos, nesta zona, muitos investimentos nos últimos tempos, com compra de propriedades, por exemplo. Este é, na verdade, o centro do Douro, e tem muitas quintas, também de outros produtores, que sempre foram extraordinárias”, admitiu.

Quanto ao comportamento das castas, o enólogo desvendou que as que melhor se aguentaram no início conturbado da vindima foram a Tinta Roriz e a Touriga Nacional. A Touriga Francesa também mereceu destaque pela positiva, mas demorou mais tempo a amadurecer e a libertar a cor. Uma das que mais sofreram este ano foi, a título de exemplo, a Tinta Amarela. “Mas no vinho do Porto esta é outra vantagem, dá-se menos ênfase à casta e mais ao local, porque, e é aquilo que já se faz no Douro desde sempre, usam-se várias castas, que se complementam”, sublinhou David. “Os viticultores que têm andado a investir menos na vinha, e que as têm com menos vigor, são os mais afectados, porque estas vinhas se ressentem muito mais, e também por isto há tanta variação por local. Naturalmente que, quanto mais velha a vinha, mais resiste. Eu costumo comparar uma videira velha a um homem velho: já não produz tanto, mas o que produz é com mais sabedoria…”.

David Guimaraens

Um problema de estrutura

Perante a exposição de David Guimaraens sobre o ano vitivinícola de 2022, e os pontos mais gerais em que tocou sobre o clima, impôs-se a questão das alterações climáticas. O enólogo retorquiu com veemência: “As alterações climáticas são desculpa para muita incompetência. Neste momento, está-se a pôr debaixo das alterações climáticas muitas asneiras que têm sido feitas. Não digo, com isto, que elas não existam, pelo contrário, são muito reais. Mas por exemplo, a região do Douro tinha, antigamente, uma viticultura assente no field blend (mistura das castas) e em densidade de plantação, onde cada unidade produzia pouco, mas a soma das unidades produzia quantidade satisfatória. Além disso, o porta enxerto utilizado era o Rupestris, que é menos produtivo mas muito resistente à secura. O lote de castas que utilizávamos era também muito maior do que o que ficou depois do ‘afunilamento’ das décadas de 70/80. E quando veio a obsessão, que ainda temos hoje, a obsessão triste da mecanização, alterou-se o equilíbrio. A mecanização é uma necessidade, mas se a estamos a utilizar para baixar os custos, não estamos a ir pelo caminho certo. A nossa obsessão deve ser criar valor. A mecanização é uma evolução natural para se ir fazendo. A região está há 50 anos obcecada pela mecanização, e andamos aqui todos a chorar porque vendemos o vinho do Porto e os vinhos DOC Douro baratos, e vendemos mais barato do que regiões planas com 3 vezes mais produção. E isto leva-nos, naturalmente, ao problema da mão-de-obra”. Por esta altura da conversa, David Guimaraens, embora sempre sorridente, começava a agravar a voz, e sabíamos que o desabafo não tardava. “Nós só temos problema de mão-de-obra porque não temos dinheiro para a pagar. Os portugueses não emigram para França por gostarem de foie gras. Vão embora porque ganham mais dinheiro fora. No sector, temos visões muito deturpadas das coisas. E depois vem-se com chavões, a falar das alterações climáticas, para justificar tudo e permitir tudo. Elas são problemáticas, sobretudo ao nível dos acontecimentos extremos. Podemos dizer que o ano vitícola de 2022 foi efeito das alterações climáticas, mas se é para assumir, então, que vai ser sempre assim daqui para a frente, mais vale fechar as portas e ir embora. Temos de aprender a viver com elas. É uma chatice, há-que sermos criativos, mas já o fomos noutros momentos. Aliás, num determinado ano menos bom, em vez de ser a Quinta da Roêda a fazer um grande Vintage, será a quinta de outro produtor. Acredito vivamente que o Douro pode ser um exemplo, a nível mundial, na reacção às alterações climáticas, pela experiência que temos aqui. Podemos reconsiderar as nossas vinhas de preferência, consoante as condições. Não estou de acordo, por exemplo, que a forma de reagir seja regar a vinha”, referiu David. Mas este tema da rega daria outro almoço…

A controvérsia

No seguimento das dicas que David nos foi dando sobre as vantagens da produção de vinho do Porto, tendo em conta as adversidades climáticas, tivemos de perguntar… “é contra a existência da DOC Douro?”. O enólogo respondeu com murros na mesa: “Não, não e não. Não tem nada que ver com ser contra ou a favor. A minha visão é simples, um Vintage é engarrafado quando temos um conjunto perfeito de vinhos que reflectem um ano e um lugar, mas quando os vinhos não são perfeitos, lidamos com isso através do envelhecimento em cascos de carvalho. Estes estilos de vinho do Porto são ambos fabulosos, e são uma grande forma de nos adaptarmos às condições do nosso clima, porque somos uma região de clima mais extremado por natureza, que amadurece as uvas para álcool mais elevado. No vinho do Porto, isso não é um problema, porque adicionamos aguardente no processo. Para os produtores de DOC Douro, só não é um problema porque fazem ‘vinho do Porto para diabéticos’, que é o que eu costumo chamar, em tom de brincadeira, aos vinhos ‘de mesa’ [não-fortificados] com muito álcool e sem açúcar”, riu-se.

E foi aqui que, no semblante de David Guimaraens, o vento mudou de direcção. “O vinho do Porto é um grande exemplo de sustentabilidade, e alguns vinhos do Douro também. Mas o grande tema que eu quero trazer para a mesa vai colocar-me em apuros, e quando falo nele todos se zangam: desafio os portugueses com sentido de moralidade a denunciar que esta região é uma vergonha. Estamos numa região extraordinária, e nunca se vendeu tanto vinho do Porto de qualidade como se vende hoje. Basta olhar para o número de projectos novos de famílias ligadas ao Douro, que hoje produzem vinhos do Porto de qualidade. Falo de Vieira de Sousa, Domingos Alves de Sousa, Wine&Soul, e muitos outros. Se não estamos a vender tanto volume, é porque o consumidor bebe menos mas bebe melhor. Não vamos confundir o vinho do Porto com um estilo de vinho que está condenado à morte, mas sim que se tem de adaptar ao mercado. O vinho DOC Douro é um grande vinho, que está a ganhar cada vez mais nome pelo Mundo fora, e é muito importante para a região a longo prazo. Está a dar muito dinheiro. O turismo, por sua vez, tem trazido muita riqueza, com os centros de visita, alojamentos, programas de enoturismo… mas quem sustenta isto tudo, e toda esta paisagem, está nas ruas da amargura: é o viticultor”, confessou, finalmente. “É muito triste, porque a razão é sermos todos uma cambada de incompetentes. Empresas de vinho do Porto, empresas de DOC Douro, Estado e viticultores. O viticultor do Douro, que produz e vende ao quilo, está a falir, porque o sector é imoral. Estou farto de assistir a isto. Este ano, mais um viticultor “meu” vendeu as vinhas por não ter viabilidade económica. Uma das razões pelas quais não temos pessoas, é ser difícil o trabalho da vinha e não dar dinheiro. Esta vergonha está por denunciar: nós temos vinhas, e estas vinhas e o Douro têm um conjunto de regras que foram desenhadas quando a região só tinha uma Denominação de Origem (D.O.), que era Porto. Há 20 e poucos anos atrás, nasceu uma segunda D.O., Douro. Eu falo mal dos vinhos DOC Douro não pela qualidade — até porque quem os faz são meus amigos, de quem gosto muito — mas não tivemos a competência, ou interesse, em alterar as regras. Cerca de três quartos das videiras da região, hoje (as que têm licença para produzir Porto) podem originar duas D.O., Porto e Douro, independentemente se têm ‘benefício’ ou não. Numa videira com 4 cachos, dois podem originar vinho do Douro, e os outros dois, Porto. O vinho do Porto paga €1,50 por quilo, e o do Douro paga €0,60”, disse, visivelmente zangado, enquanto batia com os punhos na mesa. E continuou. “Esta é a realidade. Duas D.O., dois preços diferentes. E a maior mentira, que ninguém reconhece, é esta: nunca uma vinha é vindimada primeiro para vinho do Porto e depois, uma segunda vez, para DOC Douro. Nós alimentamos uma mentira no Douro, porque não temos capacidade colectiva de actualizar as regras para reflectir a nova realidade. É imoral e, acima de tudo, uma mentira. É imoral porque eu vou a uma vinha, e pelas uvas até à cota de produção pago €1,50 por quilo, e a DOC Douro compra as outras, já a pagar bem, a €0,60 ou €0,70, abaixo do custo de produção. Isto só existe porque, para o vinho do Porto, há uma cota de produção, que é o chamado ‘benefício’, que limita a oferta e a procura, tudo o resto, e como a região é excedentária em produção, é mercado livre”, esmiuçou David. “Temos duas regras, para duas D.O., na mesma videira. Mas que grande mentira! E a incompetência de todos está no seguinte: nós, empresas de vinho do Porto, ou não nos entendemos para mudar as regras, ou juntamo-nos aos outros e passamos a fazer DOC Douro e tiramos partido dela. Os viticultores não se conseguem organizar para exigir alteração. O Estado, também não muda nada, não está ‘nem aí’. E às empresas de DOC Douro não lhes interessa, porque estão a comprar matéria-prima barata. Isto é uma tragédia, é muito errado”. Ao proferir estas palavras, estava à vista de todos que David se preocupa realmente com o problema, e os seus olhos pediam por alguém se se juntasse à causa. “Sozinho, não consigo mudar nada…”.

David GuimaraensA possível solução

“Como se pode solucionar o problema?”, questionámos. David tinha a resposta na ponta da língua: “Eu só peço uma simples alteração: todos terem de optar, parcela a parcela, se fazem vinho do Porto ou Douro. Se fizerem Porto, têm o ‘benefício’, e só as uvas que sobram é que vão para não-fortificado. Se fizerem Douro, não podem receber ‘benefício’. Assim, obrigamos a região a ser honesta, porque quando vindimamos, sabemos bem que uvas vão para uma D.O. ou para outra. Agora, esta incompetência colectiva está a levar à destruição da actividade de viticultor, que é o que eu digo há vários anos. Por tudo isto, eu apelo ao boicote do vinho DOC Douro, até a região mudar as regras!” lança, revoltado. “Vamos ser honestos, decentes… Está na hora de reconhecer que as regras estão desactualizadas e que estamos a fazer o viticultor, que vive de vender uva ao quilo, definhar. Não culpo nem aponto o dedo a um ou outro, porque não é assim que se resolvem as coisas. Eu afirmo que o sistema está mal, e que todos nós sabemos que está mal, um sistema em que uns enriquecem erradamente e outros empobrecem cada vez mais”, atirou David Guimaraens. “Esta é a razão principal pela qual o David não faz vinhos DOC Douro?”. “É”. “E se as regras mudassem e ficassem mais justas, ponderaria fazer?”. Sim”.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2023)

Entrevista: Daniel Niepoort

entrevista daniel niepoort

“É importante adaptarmo-nos aos tempos, sem radicalismos” Nascido em 1992, Daniel Niepoort é hoje responsável de enologia na empresa com o seu apelido, depois de ter trabalhado em vários países do Mundo. Poderia carregar o peso de ser filho de Dirk Niepoort, mas a verdade é que o jovem de 30 anos se preocupa mais […]

“É importante adaptarmo-nos aos tempos, sem radicalismos”

Nascido em 1992, Daniel Niepoort é hoje responsável de enologia na empresa com o seu apelido, depois de ter trabalhado em vários países do Mundo. Poderia carregar o peso de ser filho de Dirk Niepoort, mas a verdade é que o jovem de 30 anos se preocupa mais com as uvas, com o que tem no seu copo e com que a empresa coloca no copo do consumidor. Apareceu, para a nossa conversa, descontraído, como já o conhecemos e queremos, e acompanhado pela sua cadela. São inseparáveis. Sobre a Niepoort e o Douro, tem as suas convicções, e não deixa nada por dizer.

Texto: Mariana Lopes      Fotos: Niepoort

Quem é Daniel Niepoort?

Gosto de vinhos e estou a fazê-los. Nasci em Portugal, no entanto, não sou um clássico português: a minha mãe é da Suíça e o lado do meu pai é holandês e alemão. Uma grande mistura, mas o meu coração é português. Estive até aos 4 ou 5 anos cá, e depois do divórcio dos meus pais, fui com a minha mãe para a Suíça. Fiz lá a escola e a tropa, depois fiz um curso técnico de 3 anos, em Viticultura e Enologia, na Universidade de Strickhof. No curso, alternavam-se as aulas com os estágios académicos, e este foi o meu primeiro contacto com a área, sem ser através do meu pai. Com o meu pai, o contacto com o vinho era diferente, e foi bom poder ter as duas perspectivas…

entrevista daniel niepoort
Daniel com o pai Dirk Niepoort.

Sempre acompanhaste o teu pai nestas “andanças”, enquanto filho e curioso do vinho?

Quem conhece o meu pai sabe que a vida dele sempre foi a Niepoort. Quando eu era criança, nunca tinha as férias convencionais, de ir à praia e etc. Estava com ele a fazer lotes, jantares, viagens de vinho, visitas a produtores. Hoje é igual, porque trabalho na Niepoort e ele, além de meu pai, é o meu patrão, e acima de tudo, muito meu amigo. Mesmo durante os tempos que passei na Suíça, recorria muito ao meu pai, e felizmente os meus pais sempre se deram bem depois do divórcio, nunca foi difícil para mim.

O curso foi determinante para a tua vida profissional?

O curso técnico foi muito importante para aprender as bases, mas é um pouco frustrante o facto de, na escola, ser muito à base do “isto faz-se desta maneira, e pronto”. Do outro lado tinha o meu pai a dizer “mas eu faço assado”, e eu replicava isso na escola. Nesta altura, o meu pai não me ajudou nada com o curso, eu tinha mesmo de pesquisar e aprender por mim. Perguntava-lhe, triste, “‘Papi’, porque não me ajudas com isto?”, e ele respondia “tens de fazer as tuas coisas, por ti”. Escolhi depois alguns sítios na Suíça para estagiar, ainda durante o curso, e na maioria foi um desastre. Ligava ao meu pai a dizer o que tinha acontecido, e ele replicava “ainda bem, é assim que aprendes, a fazer”.

Acabei o curso, ainda fiz uma vindima na Suíça, e depois quis ir estagiar profissionalmente para alguns sítios, e o meu pai ajudou-me a ir para essas empresas, com contactos e nomes. Ele queria que eu saísse e não fosse logo para a Niepoort. Fui, então, para vários países: França, África do Sul, Austrália, Argentina, Espanha, Itália… ver como se fazia vinho em todo o lado. Ele sempre me disse, e também ao meu irmão, que também trabalha connosco: “Vocês têm de encontrar o vosso caminho, e se não gostarem de fazer vinho, não têm de fazer. Se quiserem, não digo que não”. Aqui, eu tive a minha fase “será que eu gosto mesmo de vinho, ou estou influenciado?, mas a decisão que tomei foi a melhor.

Foi, então, depois dos estágios profissionais que vieste para a Niepoort?

Ainda não. A seguir, fui para a Alemanha, região de Mosel, onde conseguia, pelo facto da vindima ser tarde, fazer vindima também em Portugal e França. Acabei por ser sócio do projecto alemão e fiquei lá 5 anos. Depois é que vim para Portugal, e já cá estou há 3 anos. Na verdade, não tinha muita vontade, não pelo país, mas porque ainda não queria assumir a responsabilidade de um projecto de tanto peso como a Niepoort. Além disso, a empresa estava a atravessar uma fase conturbada, com “guerras internas e familiares”. Eu não queria ter nada que ver com isso. Só que, para ser sincero, adorava a Niepoort, os vinhos do Porto… tive um clique, percebi que tinha de vir, e o meu pai aceitou.

entrevista daniel niepoort

Como foi, nessa altura, ingressar na Niepoort? O que fazias?

Comecei por tentar perceber o que era exactamente o trabalho do meu pai. E depois percebi que é difícil, e que requer trabalhar para uma coisa cujo resultado só dez anos depois. Uma das melhores coisas foi… as pessoas. Mas aprendi que também podem ser a pior. Nós, funcionários, crescemos na empresa. Há alguns que estão na Niepoort quase há 50 anos. São os trabalhadores que fazem a empresa, talvez por isso, ou pelo meu lado suíço [ri-se], não sou obcecado pela componente familiar da coisa. Para mim é mais importante a Família Niepoort. Somos todos Niepoort. Na altura, o meu pai disse-me que eu tinha um lugar na empresa. Perguntei-lhe “a fazer o quê?”, e ele respondeu-me “não sei, vens e logo se vê”. Na verdade, ele sempre teve esta filosofia de contratar as pessoas pelo seu carácter, e não tanto pelo currículo. Quando chegavam à Niepoort, faziam a função à qual se adaptavam melhor. Andei a fazer muitas coisas diferentes, no início. Entretanto, começou a pandemia de Covid-19, e isso, para mim, foi óptimo. Nunca tinha passado tanto tempo com o meu pai, desde que entrei na empresa, e aprendi muito durante essa fase.

E qual é a tua função actual na empresa?

A minha função é perceber o meu pai [ri-se]. Oficialmente, sou responsável de enologia. Mas é um “team work”, e eu trabalho ao lado do Luís Pedro [Cândido da Silva, enólogo na Niepoort]. Gosto muito de fazer o que faço. Mal cheguei, o meu pai abrandou um pouco e confiou mim, porque sabia que eu já tinha bons conhecimentos e que, de qualquer das formas, estava lá o Luís Pedro, que é muito bom enólogo. A empresa girava muito à volta do meu pai, e porque tinha de ser assim. Um dos meus trabalhos agora, de forma faseada, é “desfocar” a Niepoort do meu pai, sendo que isso não significa que vou focá-la em mim. Vou lá estar, no meu lugar, mas sem ser uma repetição dele. Tenho sorte por, em muitos aspectos, estar sintonizado com o meu pai, na filosofia e nas ideias.

O que queres para a Niepoort e para os vinhos Niepoort? Que conceito?

Continuar o que estamos a fazer, e melhorar. Não só fazer vinho, mas fazer algo pela região. Neste momento fazemos viticultura biológica e/ou biodinâmica em todas as nossas propriedades, a 100%, e eu gosto disso. Mas também compramos muita uva, que não é de produção bio, e não escondemos isso. Talvez pareça que faria mais sentido, ao invés disto, termos mais quintas em biológico, mas sem mão-de-obra teríamos, por exemplo, de mecanizar tudo, e não é esse o biológico que eu quero. Assim, temos quase 250 viticultores, que nos trazem as uvas, e isso é como um field blend. Se calhar, não fazem tudo como nós faríamos, mas em compensação, fazem algumas coisas melhores do que nós. Têm vinhas velhas em sítios especiais, por exemplo, que dão melhores uvas que algumas das nossas. E depois, como eu já disse, são pessoas. E eu adoro pessoas. Alguns só produzem para a Niepoort.

Quais os desafios e dificuldades que encontras agora, no teu trabalho?

Estão a perder-se vinhas e viticultores, e depois há as mudanças do clima e a necessidade de ter cada vez mais tecnologia. Não podemos fugir disto, mas temos de encontrar um equilíbrio. Além disso, é preciso mudarmos a maneira de pensar. Cada vez mais, o ser humano pensa só em si e as empresas querem crescer e ser muito grandes sem pensar num “todo”. Não podemos focar-nos apenas em cêntimos, custos, e “não podemos fazer isto e aquilo”, Já nem quero falar em sustentabilidade, por ser um termo tão usado para fazer marketing. Mas é um tema que me preocupa muito. O Douro, sem as oliveiras, amendoeiras, medronhos e todas as outras culturas, seria monocultura de vinho, e isso não seria bom. Se calcularmos os custos de fazer azeite das oliveiras tradicionais, não vale a pena fazê-lo. Mas se, em vez disso, pensarmos que é um produto que não precisa de tratamento, é apanhar e prensar, e que é tão utilizado na gastronomia portuguesa, culturalmente vale a pena produzi-lo. Os suíços não sabem quantos quilos de azeitona é necessário para gerar um litro de azeite. Mas eu, como sou, em parte, português, sei. E estou convicto de que vale a pena. Quero também trabalhar mais com animais na vinha, entre outras coisas.

entrevista Daniel Niepoort

Como é que propões que se tente solucionar a perda de vinhas no Douro e o facto de muitos viticultores não terem sucessão que pegue nelas?

Ainda não sei, mas tenho várias ideias. Primeiro, motivá-los, comprando toda a sua uva, quer seja de uma vinha mais nova ou mais velha. Já fazemos isto com muitos deles. Depois, mostrar-lhes que nós percebemos o que custa trabalhar na vinha. Também pagamos as uvas ao quilo, apesar de perdermos com isso. E nós, produtores de vinho, temos de cultivar mais a relação com as pessoas que produzem e nos entregam uva. Para mim isso surge fácil, porque eu sou “um gajo do campo”. Sou, infelizmente, “obrigado” a viver em Vila Nova de Gaia, na cidade, onde está a empresa.

Ao longo das últimas décadas, a própria Niepoort foi mudando, por exemplo, nos perfis de alguns vinhos. Como vez essas mudanças?

É importante adaptarmo-nos aos tempos, sermos flexíveis, sem radicalismos. Hoje posso estar a fazer um vinho com 10% de teor alcoólico, e amanhã um com 14%. Quando eu estava na tropa, e simulávamos situações, o meu patrão dizia-me “don’t fall in love with your plan” [não te apaixones pelo teu plano]. Porque não há só uma maneira de fazer as coisas. É muito isto.

Nós não fazemos os vinhos pelas modas. Pelo contrário, acho até que criámos algumas. No fim do dia, agimos consoante o que faz sentido para nós. E Portugal, com tanta diversidade de castas e terroirs, é um sonho para experimentar. O meu pai passou por tempos duros, houve alturas em que toda a gente queria arrancar as vinhas velhas. Hoje, as pessoas dão tudo para ter uma. Tudo muda, e nós também.

Podes afirmar, hoje, que fazes o vinho de que gostas?

Sim, sem dúvida. Sei que vou fazer coisas que agradam a umas pessoas e a outras não. Na escola, diziam-me que se devia fazer vinho para o consumidor. Mas qual deles? Há tantos… Por isso, nós fazemos os vinhos de que gostamos, e vamos encontrar as pessoas que também gostam deles. No entanto, não há ditaduras na Niepoort. Se alguém me sugere, ou ao meu pai, que devíamos fazer uma coisa de maneira diferente, nós dizemos tantas vezes “não”, como “sim”.

Quando era mais novo e ingénuo, dizia ao meu pai: “Porque é que fazes tanto vinho? Podias fazer menos e vender mais caro”. Hoje, penso de forma diferente. Tenho muito orgulho no nosso Diálogo, do qual produzimos 1,5 milhões de garrafas. É um vinho fantástico, e nem toda a gente tem possibilidade de comprar vinho caro.

Qual o vinho que mais gostas de beber, fora dos teus?

O vinho que ainda não provei. Bebo muitos desses. O estilo, não consigo dizer. Gosto de tudo, depende do momento. E, de vez em quando, também sabe bem uma cerveja…

Qual o conselho mais importante que o teu pai te deu, e que transportaste para o teu dia-a-dia?

Que tenho de ser sempre fiel a mim próprio. Parece simples mas, na verdade, na Niepoort e no mundo do vinho, todos querem que eu seja como o Dirk, e ao mesmo tempo, melhor ainda do que ele.

Tens algum conselho para um jovem que esteja a entrar no mundo do vinho?

Provar muito. E não só ler e estudar, mas sim ir ao terreno trabalhar, tocar, falar com as pessoas, questionar a razão das coisas. Isto não é só química. Também a tem, mas, acima de tudo, tem muito amor.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2023)

Entrevista: Diogo Lopes, o enólogo de quem se fala

Diogo Lopes

Aos 44 anos de idade, Diogo Lopes é hoje um dos nomes mais falados e unanimemente apreciados da “moderna” enologia portuguesa, emprestando o seu talento a sete distintos projectos vitivinícolas e com mais alguns em carteira. Para comemorar a sua 20ª vindima (na verdade, são 21, contando com a actual), encontrámo-nos à mesa para conversar […]

Aos 44 anos de idade, Diogo Lopes é hoje um dos nomes mais falados e unanimemente apreciados da “moderna” enologia portuguesa, emprestando o seu talento a sete distintos projectos vitivinícolas e com mais alguns em carteira. Para comemorar a sua 20ª vindima (na verdade, são 21, contando com a actual), encontrámo-nos à mesa para conversar e abrir algumas garrafas que espelham o seu trabalho e a sua visão do mundo do vinho.

Texto e Notas de Prova: Luís Lopes      Fotos: D.R.

Lisboeta de nascimento (1978), foi o entanto o campo e não a urbe que o motivou para escolher a profissão. Entre 1999 e 2004 estudou Engenharia Agronómica no Instituto Superior de Agronomia com especialização em Viticultura e Enologia. E foi enquanto estudante que visitou o primeiro Encontro com o Vinho, então ainda realizado em Santa Apolónia, com o fito de conhecer “as pessoas do vinho” e em particular os que mais admirava, João Portugal Ramos e Anselmo Mendes. Com este último, acabaria depois por estabelecer uma estreita relação pessoal e profissional que se estende intocada até aos dias de hoje. Quando Diogo Lopes menciona o “Mestre” (assim, com maiúsculas), já toda a gente sabe a quem se refere. A primeira vindima como estagiário ocorreu em 2001, da adega dos Vinhos Borges, na Lixa. Nunca mais falhou uma: 2002 com Anselmo Mendes, em Monção; 2003 em Napa Valley, na Califórnia; 2004 na Quinta de Lourosa (propriedade do seu orientador final de curso, professor Rogério de Castro). No âmbito, precisamente, desse trabalho final de curso, passou o ano de 2004 entre a Bairrada e os Vinhos Verdes integrado no projecto Lusocastas, que visava estudar os diferentes sistemas de condução para as principais castas portuguesas nessas regiões. Rogério de Castro e Amândio Cruz foram os seus coordenadores e cimentou-se aí uma paixão pela terra, pela videira, que se desenvolveu nos anos seguinte e que marca claramente o seu trabalho enquanto enólogo. Na vertente enológica, os conhecimentos foram aprofundados com uma pós-graduação em Enologia na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica no Porto.

O percurso enquanto profissional “à séria” (ou seja, enólogo residente) iniciou-se em 2005, em Cabeção, na Sociedade Agrícola do Vale de Joana, onde Anselmo Mendes era consultor. Ficou em Cabeção até 2010, começando aí um percurso de consultorias em parceria com “o Mestre” que o levaram ao Couteiro-Mor e, mais tarde, à Adega Mãe, ainda hoje, porventura, o projecto que mais visibilidade lhe trouxe e continua a trazer. Vieram outros, entretanto, alguns de onde já se desligou (Morais Rocha, na Vidigueira e Herdade de Vale D’Évora, em Mértola) e outros onde se mantém em plena actividade e com máximo empenho: Vinhos Magma (na Terceira, Açores, com Anselmo Mendes), Cazas Novas (em Baião, na maior vinha de Avesso – 36 ha – onde trabalha em parceria empresarial com a família proprietária, Cunha Coutinho, e dois outros sócios), Herdade Grande, na Vidigueira, Kranemann Wine Estates, no Vale do Távora, Douro e Herdade do Freixo, Redondo.

Já muito com que se entreter, mas Diogo Lopes não vai ficar por aqui. O enólogo admite ter “em construção” três novos projectos: um, em Melides, “8 ha de uma vinha de sequeiro muito especial”; outro em Alvito, “20 ha de vinha numa das mais históricas propriedades do Alentejo”; e um outro na Beira Interior, “com o meu primo, no projecto Vale do Griz, 6 ha apenas com castas regionais”.

Mas quem é, na verdade, Diogo Lopes? Quais as suas referências, o que o motiva, que vinhos ainda quer fazer? Foi o que fiquei a saber após algumas horas de conversa e mais de uma dúzia de vinhos provados (e, em boa parte, bebidos…). Segue a entrevista.

O que o fez encarar a vinha e vinho como carreira profissional? 

Nasci em Lisboa mas tive uma infância com uma base rural muito forte. Na verdade, férias para mim era ir ter com os meus avós à Beira e participar nas diversas actividades agrícolas. Eles eram agricultores, faziam um pouco de tudo, mas a vinha e o vinho eram o orgulho máximo do meu avô. Eu penso que a motivação deve ter vindo daí. Estudei no Colégio Militar, ainda fui para a Academia Naval para seguir o curso de oficial de Marinha, mas após um ano, a paixão pela Agronomia era muito maior. E então resolvi ingressar no ISA. Dentro do curso, foi só após ter travado conhecimento com o professor Rogério de Castro que a decisão de apontar baterias para a Viticultura e Enologia foi tomada. Foi ele quem me conduziu à conversa com o Anselmo Mendes para fazer o primeiro estágio de enologia em 2001. E a partir daí tudo se desencadeou.

Os primeiros anos na profissão, muitas vezes, definem o modo de estar de um profissional.  Onde mais aprendeu, o que o surpreendeu, que influências teve? 

O curso de Agronomia é fundamentalmente teórico. Os meus primeiros anos a “meter a mão na massa” serviram muito e foram fundamentais para ter contacto com os aspectos práticos do trabalho como enólogo. Na verdade, um enólogo faz muito mais coisas do que só a enologia pura… Há os aspectos burocráticos com as CVR, as encomendas de materiais para engarrafar, a própria manutenção dos equipamentos, gestão do pessoal. Nos primeiros anos creio que todas as semanas aconteciam coisas que eu nunca tinha feito. Desafios pequenos, mas onde é preciso encontrar soluções práticas e rápidas.

E agora entro na parte das influências. Tenho tido a sorte de me cruzar com muita gente e “beber” muitos ensinamentos, mas tenho de relevar um nome: Anselmo Mendes. O Anselmo Mendes sempre me ajudou a criar e a ter um método que seja desbloqueador e descomplicador de situações. Isso foi uma enorme ajuda. Mas o Mestre significou muito mais do que uma primeira oportunidade. Significou testemunhar os processos de experimentação que levava, em particular, em torno do Alvarinho. De um momento para o outro dei por mim a fazer estudos de fermentação em carvalho de diferentes florestas, com diferentes tostas, à procura das expressões mais genuínas das castas. E essa ideia da experimentação e da procura do que é mais genuíno ficou para sempre; acho que define muito do que continua a ser o meu trabalho. Agora dou por mim a fazer testes e mais testes e a descobrir o potencial do Avesso, ou do incrível Viosinho de Lisboa; o Vital em madeira e no ovo de cimento; os Pinot atlânticos; o Sousão e os Potes de Barro da Vidigueira, o carácter vulcânico dos Biscoitos.

Seja porque os anos e o clima mudam, seja porque a viticultura evoluiu, seja porque temos um património brutal de castas por potenciar em Portugal, a nossa atividade de enologia é dinâmica e uma descoberta permanente. E a minha descoberta começou com o Mestre! E depois achamos que fazemos um grande vinho, metemo-nos no avião, vamos à Borgonha e a Sancerre, ou vamos à Rioja, à África do Sul, ou mesmo ao novo mundo, Oregon, Napa, Mendoza… e somos surrados por novas influências, novas inspirações, que nos motivam sempre uma experiência… As viagens “vínicas” servem para apreender imenso.

 

Alentejo, Lisboa, Douro, Vinhos Verdes e Açores são as regiões onde Diogo Lopes espraia o seu talento.

 

Iniciou a carreira na vindima de 2001, um ano de boas memórias. O que mais o marcou nessa vindima? 

Foi uma experiência incrível na Borges. Até ali, as minhas vindimas eram as feitas na Beira, nos lagares do meu avô. Na Borges tudo era enorme. Tudo muito mais mecânico e muito mais prático. Lembro-me que logo no meu primeiro dia, trabalhámos mais de 12 horas e adorei. O cheiro da fermentação do Loureiro é algo que nunca mais irei esquecer…

Ao longo de quase 21 vindimas feitas (contando com esta que vai a meio) quais as que lembra pela positiva e pela negativa e porquê? 

2002 pela negativa. Aquilo foi chuva sem parar durante todo o setembro. 2014 também foi muito complicado, estava tudo no ponto mas depois começou a chover e estragou muita coisa. Pela positiva, 2012 e 2017. Anos perfeitos em equilíbrio. Nestes anos só é preciso não estragar, mesmo. Isso sim, é intervenção mínima!

Trabalha hoje em diversos produtores e distintas regiões (Alentejo, Lisboa, Douro, Vinhos Verdes e Açores) cada uma com suas características. Do ponto de vista de enólogo, o que destaca em cada região e quais os principais desafios/dificuldades? 

É super-desafiante trabalhar em regiões tão diferentes. Cada uma tem o seu lado especial e temos de nos adaptar para sabermos tirar o melhor. Na região de Lisboa, a influência do Atlântico é talvez a característica mais diferenciadora e temos de saber aproveitá-la de modo a ter vinhos carregados de autenticidade. O maior desafio é a mentalidade dos viticultores locais que, por vezes, ainda estão muito vocacionados para produzirem volume em detrimento da qualidade. Mas essa mentalidade vai mudando aos poucos. Lisboa é, quanto a mim, a região do continente mais genuinamente atlântica e isso espelha-se na originalidade e qualidade dos seus vinhos, em particular nos brancos. Acredito que a região tem tudo para vir a afirmar-se a nível nacional (na exportação já é um sucesso, mas sobretudo com vinhos de entrada de gama) e para contribuir de forma muito consistente para a afirmação dos vinhos brancos portugueses no mundo. Assim consigamos confirmar todo o potencial existente e alavancar essa grande marca que é o próprio nome Lisboa.

No Douro, destaco a magia das vinhas velhas. As vinhas velhas são um legado que nos foi deixado pelos nossos antepassados e temos de o saber interpretar. A maior dificuldade na região, é a escassez de mão de obra. Todos os anos vejo o rancho das pessoas que vindimam connosco e vejo-o a envelhecer, não há renovação e isso é muito, muito preocupante. Trabalhar num Douro de altitude e virado a Norte (como é o caso da Kranemann) também é desafiante, temos sempre de gastar mais tempo a explicar os vinhos. São, na verdade, vinhos de um outro Douro…

O que gosto mais no Alentejo? A resposta pode chocar alguns, mas aí vai: a maturação das uvas. Contrariamente ao que se podia pensar, considero que o Alentejo tem um clima perfeito para o amadurecimento das uvas. Ficamos com vinhos com uma belíssima estrutura tânica e muito fáceis de beber. Uma das grandes ameaças, no entanto, é o aquecimento global, os fenómenos extremos são cada vez mais constantes e impactam directamente na qualidade final das uvas. A falta de água é outro desafio constante.

Na ilha Terceira e na região de Biscoitos, temos a originalidade dos vinhos vulcânicos. São vinhos verdadeiramente diferentes, com notas únicas e que nos transportam para a ilha. São os Açores em estado puro e sem qualquer tipo de máscara. Ali, a maior dificuldade tem sido a luta contra a pressão imobiliária, que nos Biscoitos é constante e tem levado a um grande abandono da vinha.  A par de Carcavelos, os Biscoitos são, certamente, a DO mais ameaçada do país.

Finalmente, na região dos Vinho Verde, a revelação está no Avesso. Mais uma casta branca portuguesa de enorme potencial, que se tem mostrado sempre muito interessante nos diferentes processos de vinificação, com e sem madeira. E que expressa uma zona muito específica, Baião, que carece também de ser valorizada. A grande dificuldade está em explicar que este é um Vinho Verde diferente, longe do “gás e açúcar” com que muitos o identificam. Mudar essa percepção nem sempre é fácil.

Com tantos projectos, regiões, vinhos são muitas as variedades de uva que lhe passam pelas mãos. Quais as que mais gosta e porquê? 

Nas brancas, o Arinto e o Viosinho. Na verdade, quase que destacava todas as castas brancas, pois é a minha convicção que temos o maior património de castas brancas do mundo, todas carregadas de originalidade.  Mas adoro a versatilidade do Arinto, é uma casta que dá para fazer quase tudo e para melhorar quase tudo. Facilita imenso o meu trabalho.

O Viosinho é talvez a variedade branca com que mais trabalho e a uva que mais expressão tem ganho nos meus projectos. Quando vindimada no ponto óptimo, enriquece muito os vinhos, com estrutura e mineralidade.

Nas tintas, a Touriga Franca, do Douro ao Alentejo, entra sempre nos lotes dos melhores tintos que faço. É uma casta desafiante e que pode originar vinhos emblemáticos. Tenho de destacar também o Sousão, a casta que mais me surpreendeu nos últimos anos, com vinhos verdadeiramente originais.

Um enólogo consultor relaciona-se com vários produtores, com diferentes dimensões, objectivos, posicionamentos de mercado e, até, personalidades, pois as empresas são, sempre, as pessoas que as compõem. Como é lidar com tudo isto no dia a dia?  

Creio que se construiu uma certa imagem do enólogo enquanto estrela do sector, uma espécie de tipo que vive apenas a parte mais glamourosa do trabalho, que não dá cavaco a ninguém, mas a realidade é outra: a nossa responsabilidade tem de ser transversal. Temos de ter a humildade de nos saber integrar nos desafios da gestão, da viticultura, da produção e das vendas, porque sem sustentabilidade no negócio não existe futuro. A competência do enólogo também se manifesta na capacidade de entender os projectos que abraça e as pessoas com que se relaciona. Superamos desafios todos os dias, partilhamos opiniões diferentes muitas vezes, mas é possível alinharmos as ideias e concretizar objetivos que realizem todas as partes. Eu tenho um certo privilégio que é poder trabalhar em equipas que funcionam muito bem. E aqui tenho de ressalvar um ponto: equipas de dezenas de pessoas (desde os que andam de enxada nas vinhas, ou de mala de viagem cheia de vinhos, perdidos em aeroportos) que estão nos bastidores, mas que são cruciais. E nós, enólogos, somos apenas mais um elemento na máquina.

Enquanto enólogo tem um estilo, um perfil de vinho que é o “seu”? E procura que esse perfil seja evidente nos vinhos que trabalha ou tem em linha de conta o terroir, o objectivo comercial (e até o gosto pessoal) do seu cliente produtor? 

Eu tento sempre que os vinhos sejam uma expressão do local de onde vêm. Acho fundamental que o enólogo tente respeitar o terroir; quando trabalhamos com diversos produtores a última coisa que quero é que se diga que os vinhos são todos iguais. Mas também admito que possa haver pontos comuns, pois enquanto técnico privilégio sempre a acidez natural e o equilibro dos vinhos e tento tomar decisões que vão ao encontro disso mesmo. E naturalmente, as decisões são sempre coordenadas com os produtores com que trabalho, pois os vinhos têm de corresponder às expectativas que eles têm.

Que vinho (tipo/categoria/região) ainda não fez e gostaria de fazer? 

Gostava muito de fazer um vinho em Colares, em chão de areia. São vinhos sempre inebriantes, salgados, com máxima expressão Atlântica. Espero um dia conseguir fazer um.

Mais tarde ou mais cedo, boa parte dos consultores acabam por tornar-se também produtores, em maior ou menor escala. A produção faz parte do seu plano? 

Sempre tive o sonho de fazer um vinho na Beira Interior, na terra dos meus avós. Foi aí que tudo começou para mim e um dia destes haverei de lá chegar. A propriedade já existe e a realização desse sonho está para mais breve do que já esteve…

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2022)

Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.

Luís Pato e Mário Sérgio Nuno: Os amigos da Baga

Amigos Baga

Há 20 anos, a esmagadora maioria das empresas e produtores apontava a Baga como a razão principal da perda de mercado da Bairrada. Dezenas de variedades entraram então na denominação de origem e a Baga perdeu a posição dominante. Hoje, no entanto, ganhou estatuto de nobreza, é crescentemente utilizada nos vinhos mais cotados da Bairrada […]

Há 20 anos, a esmagadora maioria das empresas e produtores apontava a Baga como a razão principal da perda de mercado da Bairrada. Dezenas de variedades entraram então na denominação de origem e a Baga perdeu a posição dominante. Hoje, no entanto, ganhou estatuto de nobreza, é crescentemente utilizada nos vinhos mais cotados da Bairrada e experimentada fora da região. Globalmente, que motivos encontram para esta alteração na forma de encarar a Baga por parte de produtores e consumidores?

LP – Para responder a isso é preciso contextualizar o momento que se vivia há pouco mais de duas décadas. Logo após a sua demarcação, em 1979, a Bairrada passou a rivalizar com o Dão como as duas mais importantes regiões de vinhos. Uma marca como Frei João era encontrada em todo o lado. Mas o vinho de Baga era fornecido às empresas engarrafadoras pelas cooperativas, que pagavam em grau/quilo. E a cepa de Baga dá bastante uva, pelo que os produtores produziam o máximo possível. E depois, havia outra desvantagem: o vinho tinto era duro, ácido, era preciso esperar por ele, o tinto de Baga não se vendia jovem. O mercado passou a procurar menos Bairrada e as maiores empresas da região apostaram na introdução de castas estrangeiras como a “salvação” do negócio.

Pessoalmente, nunca me incomodei muito com isso. Sempre achei que, independentemente do que cada um plantasse, a economia, o mercado, se encarregaria de resolver o assunto e definir qual o melhor caminho. E a verdade é que resolveu. Hoje estamos a voltar à Baga, como casta diferenciadora e como casta que acrescenta valor. A razão para o retorno à Baga?  Aí, sem puxar a brasa à minha sardinha, acredito que os Baga Friends foram os principais responsáveis, individualmente e enquanto organização. O outro impulso para a mudança de atitude em relação à Baga, foi quando se descobriu que a casta podia originar espumantes de grande qualidade.

MSN – Desde que me iniciei como produtor que assisto e participo em colóquios e debates sobre a região e é verdade que a Baga era apontada por muitas das maiores empresas e cooperativas como a desgraça da Bairrada. Algo que nunca entendi, embora reconheça que nós todos, enquanto produtores, tivemos uma quota de responsabilidade na quebra de confiança da região relativamente à Baga. Primeiro, num determinado período, houve uma reestruturação vitícola que se apoiou em enxertos pouco adequados à casta, demasiado produtivos. Por outro lado, a instalação da Sogrape na região, no final dos anos 70, com adega vinificação para rosé (sobretudo), e a pagar bem as uvas, levou os pequenos produtores a entregar a colheita, deixando de vinificar para vender a granel às caves. Muita da melhor Baga desapareceu aí.

 LP – Lembro-me que, para esses debates, a Comissão Vitivinícola trouxe grandes nomes da viticultura e enologia francesa, que depois de estudarem as vinhas e os vinhos concluíam, invariavelmente, que a Baga era o caminho. Mas os locais achavam que não, diziam que os franceses não queriam que plantássemos Cabernet e Merlot para evitar a concorrência que lhe iríamos fazer! (risos)

Amigos Baga
“Acredito que os Baga Friends foram o principal motor da notoriedade da Baga junto dos produtores e consumidores” – Luís Pato

MSN – No entanto, já desde os anos 80 e 90 havia produtores a fazer vinhos de Baga de excelente qualidade. Deixando de lado o caso do Luís e o meu, refiro, entre outros, Casa de Saima, Sidónio de Sousa, Gonçalves Faria, Quinta da Dôna. Isso deveria ser indicador mais do que suficiente de que afinal era possível fazer coisas muito boas com Baga, bastava trabalhá-la na vinha para produzir qualidade e não quantidade. É claro que era muito mais fácil colocar uma vinha a produzir Merlot em quantidade e de forma consistente. Mas isso não nos traria valorização nem futuro. No fundo, sempre faltou uma visão estratégica para a região.

O que mudou? Estou de acordo com o Luís, os Baga Friends foram determinantes na viragem, não porque tenham feito realizações ou eventos especialmente importantes, mas porque deram um sinal de confiança para quem cá estava. E foram (e são) individualmente, exemplos de sucesso com Baga, mostrando que é com esta casta que podemos valorizar economicamente a região.

 

Como se comporta a Baga na vinha, quais os seus principais defeitos e virtudes?

 LP – O principal problema da Baga é o excesso de produção, sobretudo quando enxertada em bacelos vigorosos ou plantada em locais menos adequados. Mas uma coisa é a produção da Baga para tinto, outra é para espumante. Quando utilizada para espumante, a produção “ideal” é completamente diferente. Dez toneladas/hectare, para espumante, não é nada de mais, antes pelo contrário. Mas para fazer um Baga de superior qualidade já não serve.

Para os detractores da Baga, a pior característica da uva é o facto de ter a película fina e apodrecer facilmente com a chuva na altura da vindima, a partir da segunda quinzena de setembro, que é quando está madura. E tudo piora se estiver plantada em terrenos de areia, onde as videiras, carentes, se “embebedam de água”, absorvendo de imediato as primeiras chuvas. Já na argila e calcário, as raízes levam vários dias até receberem a água. Por acaso, neste aspecto, o aquecimento global, até tem ajudado, hoje a chuva no equinócio é mais rara. Mas, mais uma vez, quando se pensa em Baga para fazer espumante, esse problema nem existe, pois as uvas são colhidas muito mais cedo. A maior virtude vitícola da Baga é ser muito resistente ao oídio e ao míldio. É uma casta muito bem adaptada a esta região, foi formatada pela natureza, está aqui há séculos…

MSN – Para mim é inquestionável que a Baga tem um comportamento completamente diferente no argilo-calcário e na areia. A Baga é uma casta de argilo-calcário, de preferência de encosta ou meia-encosta, para não ter problemas de excesso de humidade. Mas muitos desses terrenos foram abandonados por serem difíceis de mecanizar. No início da década de 90, quando veio dinheiro para a vinha, muita gente abandonou a Baga dos terrenos mais complicados de trabalhar e plantou-a nas zonas baixas de areia. Um erro tremendo. Mas isso também se explica pela pequena propriedade, dispersa por muitas parcelas. As pessoas não faziam só vinha, tinham batata, milho. Possuiam um único tractor que servia para tudo, mas não conseguia entrar nas encostas de barro…

Para além da resistência às doenças, uma grande vantagem da Baga, quando plantada nos solos certos, de argila e calcário, é que dificilmente tem problemas de stress hídrico, mesmo nos anos mais secos e quentes. E a Baga resiste muito bem ao escaldão.

Amigos Baga
“Eu trabalho com algum empirismo, a experiência é importante para mim, mas respeito muito a ciência, não há evolução sem ciência” – Mário Sérgio Nuno

 

O trabalho efectuado ao nível do apuramento dos clones de Baga foi importante para vocês ou, quando plantam uma nova vinha de Baga, preferem confiar na reprodução das melhores cepas das vinhas antigas?

MSN – As duas situações são importantes. Ao longo dos últimos anos, nas vinhas que originam os meus melhores vinhos, tenho feito uma seleção das melhores videiras, para tirar varas e enxertar nas vinhas novas. São cepas que conheço, sei o que dali vai sair. Mas a Estação Vitivinícola da Bairrada tem feito um óptimo trabalho de selecção clonal que eu tenho usado também em algumas plantações. Eu trabalho com algum empirismo, a experiência é importante para mim, mas respeito muito a ciência, não há evolução sem ciência.

LP – A selecção clonal é fundamental para a Baga. E dou um exemplo. Em 1990 plantei a vinha da Quinta do Moinho. E verifiquei que as uvas eram muito mais regulares em termos de maturação, muito mais homogéneas no cacho, do que antes. A história de que a Baga amadurecia mal era também devida a não se ter feito um trabalho de selecção clonal. Infelizmente, nessa época, a Estação Vitivinícola, em vez de trabalhar para melhorar a Baga, seleccionando os melhores clones, por imposição dos agentes económicos entreteve-se a estudar e plantar Cabernet Sauvignon… Quando resolveu apostar na Baga o resultado foi imediato. Sou fiel adepto da selecção clonal, mas não devemos ter só um clone à disposição, devemos poder escolher entre clones mais ou menos produtivos, com bago mais pequeno ou cacho menos fechado, etc.

MSN – Para a região evoluir, é crucial haver um estudo rigoroso sobre a Baga e, nomeadamente, sobre a maturação. Porque o resto, ela tem tudo: cor, corpo, tanino, acidez. Se for feita uma selecção no sentido de obter clones com maturação um pouco mais precoce, para fugir às chuvas, será o ideal. É que ainda há muita vinha de má qualidade na Bairrada. E as pessoas que tem vinhas más de Baga, acham que o problema é da casta, não acreditam que ela pode ser excelente com os clones certos nos locais certos.

Esse é um trabalho que a Estação Vitivinícola deveria desenvolver, orientando os viticultores para clones adequados ao seu modelo de negócio, clones adequados a vinhos tintos e clones adequados a espumantes, estes necessariamente mais produtivos.

 

O Luis foi o primeiro produtor em Portugal a mencionar as vinhas velhas na rotulagem como elemento diferenciador. Também o Mário Sérgio, desde há muito, comunica as vinhas velhas como mais valia qualitativa em alguns dos seus vinhos. As vinhas velhas da Bairrada, onde a Baga se destaca, fazem realmente a diferença? E porquê?

LP – As vinhas velhas fazem diferença. Primeiro, produzem menos. Depois, são conduzidas num sistema típico da Bairrada, amparadas numa estaca, em que ficam em três dimensões com os cachos dispersos e arejados. Agora, com a mecanização, já ficam em duas dimensões, mais apertadas e por vezes com os cachos sobrepostos. E finalmente, as raízes são mais profundas o que lhes proporciona um superior nível de resiliência. Por exemplo, na Vinha Barrosa as cepas são muito velhas e nos anos de calor extremo ela quase não sente nada…

MSN – Eu acredito que, na vinha velha, o enraizamento profundo é mesmo o factor qualitativo mais importante. É que nem sempre a vinha velha produz pouco… Como o Luís já referiu, há muitos exemplos de vinhas velhas plantadas com porta enxertos que fomentam o vigor e a produção, e que originam fruta de baixa qualidade. Por isso, eu prefiro, de longe, uma vinha nova (15, 20 anos) plantada num local de excelência do que uma vinha velha mal concebida e no local errado. O local, o terroir, é o fundamental.

 

Como caracterizam, então, o terroir ideal para a Baga?

LP – Em poucas palavras, meia-encosta, solo argilo-calcário e exposição este-sul-poente. A exposição norte é para vinhos brancos.

MSN – Eu também procuro sempre a exposição sul-poente. Da experiência que eu tenho, a Baga de argilo-calcário sofre pouco com o calor, não tem problema em estar virada para o sol. Por vezes, mesmo nas épocas mais secas, basta levantarmos umas pedras na vinha e encontramos humidade…

 

E, na Bairrada, onde estão, em vosso entender, esses locais de excelência?

LP – Para mim, as melhores zonas da Bairrada para fazer grandes tintos de Baga são Silvã, Enxofães, Murtede, Ventosa, Óis, Ancas e também, a zona já a caminho do Luso, Vacariça.

MSN – Os meus locais preferidos são muito coincidentes com os do Luís, acrescentando aí Barcouço, Pisão, e, mais a sul, Ourentã, Cordinhã e Souselas, que originam um estilo de Baga diferente daquele que nós produzimos aqui. Mas dentro destas zonas, há de tudo. Em Ancas, por exemplo, de um lado da estrada temos areia, do outro existe barro. No Pisão, temos aquelas encostas cheias de argilo-calcário, mas também zonas cobertas de areia de pinhal. A heterogeneidade de solos é enorme.

 

Falemos de adega e de vinho. Aos 72 anos de idade, Luis é desde há décadas apontado como revolucionário. E Mário Sérgio, ainda que mais jovem (54), ganhou notoriedade como conservador/clássico. Apesar dos vossos conceitos e vinhos serem bem distintos chegam aos mesmos consumidores e são valorizados no mercado por essa assinatura de identidade. Em termos de Baga e Bairrada, o que é ser revolucionário ou rebelde, o que é ser clássico ou conservador? Ou colocando as coisas de forma mais simples, como gostam de trabalhar a Baga na adega?

LP – Logo que comecei a trabalhar em vinhos procurei levá-los para fora da região e do país. E percebi que muitos consumidores, gostando dos vinhos, os achavam algo adstringentes e difíceis, só amaciando com a idade. Aí, a minha “rebeldia” foi procurar perceber como tornar a Baga mais redonda e apreciada desde cedo. Eu fazia uma quantidade grande de vinho tinto e não podia esperar dez anos para o vender. Fazendo a monda de cachos para antecipar a maturação fenólica, utilizando o desengace (tirar o lenho do cacho antes da fermentação), com controlo de temperatura, a minha preocupação foi sempre fazer os vinhos mais elegantes. Mas sempre com Baga, não com Merlot! Aí sou um tradicionalista como o Mário! Há dois anos um crítico internacional disse-me que os vinhos que agora faço são tão redondos e elegantes que já não vão durar o mesmo que antes. E eu respondi-lhe que sim, tem razão, agora só vão durar 30 anos e não 40. Mas para mim chega, já cá não estarei! (risos)

MSN – Eu tenho uma dimensão muito menor do que o Luís [28 para 55 hectares de vinha] e trabalho também por isso de maneira diferente. Basicamente, quando comecei a engarrafar, na colheita de 1987, prossegui o trabalho dos meus avós na adega que eles mesmo fizeram. A dimensão é muito importante aqui, determina tudo. E apesar de os meus vinhos serem mais difíceis para os consumidores que os provam pela primeira vez, a minha dimensão permite-me ir ao encontro dos apreciadores que os valorizam precisamente por isso. Acredito que há mercado para todos os estilos, desde que o vinho seja de qualidade. O meu classicismo vem assim de aproveitar o que já havia: manter os lagares, manter o engaço, utilizar para estágio os grandes e velhos tonéis de madeira. Madeira nova, ali não entra! (risos)

 

Fazem vinhos de Baga há muitos anos e, naturalmente, a experiência e as exigências de qualidade, levam à evolução. Quais foram as principais mudanças que fizeram na vossa forma de trabalhar a Baga?

MSN – No meu caso, claramente, a grande mudança foi feita na viticultura, sobretudo com a monda de cachos. Ainda tive a sorte de trabalhar dez anos com o meu avô, que me ensinou muito, mas quando comecei a deitar cachos para o chão fui quase excomungado. A monda permitiu uma maturação muito mais regular e acabou com aquela história de “em cada década há dois bons anos de Baga”. Os cuidados na vinha fizeram, na Quinta das Bágeiras, a grande diferença. Depois, o facto de termos um alambique para fazer aguardente e, a partir de determinada altura, termos começado a produzir espumante rosé, permitiram fazer duas ou três passagens na vinha em cada vindima, deixando apenas a melhor Baga para os tintos. De resto, em termos de vinificação, houve muito poucas alterações no processo de vinificação desde 1987. Talvez, a utilização de barricas velhas borgonhesas para o estágio do Pai Abel tinto seja a mais relevante. Claro, fomos aprimorando um ou outro detalhe, mas nada de mais.

LP – Quando comei a fazer o vinho em casa da minha sogra, era em lagares. Em 1980 fui a Bordéus e fiquei fascinado com a remontagem mecânica. O pessoal que trabalhava na adega era mais velho do que eu sou hoje e era complicado e até perigoso andarem em cima do lagar. Fiz então os primeiros vinhos em cuba, ainda com engaço. Na vindima de 1985 comecei a desengaçar. Depois, em 1988 iniciei as fermentações com controlo de temperatura. Em 1989, começaram as experiências de monda (apesar dos professores de viticultura serem, na época, contra a monda…) que só ficaram afinadas em 1995. A partir de 2001, comecei utilizar os cachos da monda para fazer espumante branco de uvas tintas. Hoje, os meus tintos são feitos com cepas que tiveram 50 a 70% de monda.

MSN – Para fazer um tinto a sério, a Baga tem de produzir pouco. Por isso, os Bairrada de Baga só podem ser caros…

 

Amigos Baga
Luis Pato e Mário Sérgio Nuno

Mas a Baga não serve só para tintos. Como avaliam o desempenho da casta no espumante e nos rosés?

LP – Na Bairrada podemos produzir uvas de Baga para espumante muito mais baratas do que para um tinto. Assim, em minha opinião, o espumante de Baga pode alavancar o negócio de vinho da Bairrada em todo o mundo. Desde que os agentes económicos não pensem que vender espumante é vender aos preços miseráveis que encontramos no nosso mercado…

O Baga em espumante é uma categoria fantástica para colocar, sobretudo, no mercado externo. Porque lá fora pagam melhor do que cá aquele nível de qualidade. De qualquer forma, mesmo por cá, o espumante Baga já tem um preço médio acima do espumante Bairrada feito de uvas brancas. E tem mais carácter. Assim, eu vejo o espumante Baga como o produto que vai espalhar o nome da casta e a sua origem. É no espumante Baga que vamos conseguir fazer volume, criar massa crítica. Depois, os grandes tintos serão a cereja no topo do bolo.

MSN – Eu utilizo apenas 5 ou 10% de Baga no meu espumante branco de entrada de gama. Todos os outros espumantes brancos Bágeiras são “blanc de blancs”, só uva branca, porque acredito que a Bairrada tem condições extraordinárias para fazer vinhos brancos e bases para espumantes brancos. Por isso, quando penso na Baga em espumante, penso em rosé. Acho que é aí que ela pode expressar melhor as suas qualidades, em termos de fruta e complexidade. Mas ressalvo que, na Quinta das Bágeiras, não temos ainda um histórico que me permita ser definitivo sobre isto. Vamos continuar a experimentar, claro, mas a minha grande aposta com a Baga é o vinho tinto, primeiro, e o espumante rosé, depois.

 

O grupo Baga Friends foi criado em 2008 com o objectivo de criar um núcleo duro que ajudasse a promover a região e a casta. Como avaliam os resultados obtidos?

LP – Os resultados são visíveis. Acho que os Baga Friends conseguiram inverter a imagem da Baga na região, levámos os outros produtores a reconhecer que afinal a Baga identificava a Bairrada. Hoje, todos querem ter um vinho de Baga.

MSN – Os Baga Friends são, acima de tudo, um exemplo. Assim como eu vi o Luís Pato a fazer monda e resolvi experimentar e avaliar os resultados, também os produtores da região viram este grupo de produtores, com preços médios bem acima dos seus, conquistar notoriedade no mercado nacional e internacional com vinhos de Baga. E acho que mesmo sem fazer muita coisa, porque nós não fizemos muitos eventos ou acções de comunicação, os Baga Friends acabaram por mudar o modo da Bairrada encarar a Baga. E a mudança veio através do seu exemplo individual e colectivo, isso é incontornável.

LP – Até o sucesso do espumante Baga-Bairrada junto dos agentes económicos e consumidores beneficiou da notoriedade que os Baga Friends trouxeram à casta…

 

Como sabem, desde 2002, numa garrafa que ostenta a denominação de origem Bairrada pode estar um vinho de uma enorme variedade de castas nacionais e internacionais. Nestas condições, qual a melhor forma de destacar e comunicar a identidade da Baga e da região?

LP – Com tanta casta, eu nem sei como uma câmara de provadores regional consegue detectar se é Bairrada ou não… O Bairrada é Merlot, Syrah, Petit Verdot, Baga, Cabernet? Se juntarmos a isto o facto de a Baga, hoje, significar talvez menos na vinha da Bairrada do que as outras castas tintas juntas, pode estar aí a explicação para o meu vinho mais puro de Baga, o Pé Franco plantado em solos de argila e calcário, ter reprovado na câmara de provadores. E não por questões analíticas, por não cheirar a Baga! A enormidade de castas que foi admitida para DOC teve como consequência que um vinho de Baga hoje não é reconhecido pelos provadores regionais.

 

Quer isso dizer que, por um lado, temos uma maior notoriedade da casta Baga, mas por outro, uma perda de identidade regional devido às muitas castas exógenas admitidas?

LP – Exactamente, sem dúvida alguma.

MSN – Não devia ter acontecido. Até porque a Bairrada tem o que muito poucas regiões têm: a possibilidade de produzir, comunicar e vender várias categorias de produto: espumante, branco, tinto… Não consigo entender porque é que um produtor da Bairrada, sobretudo se for de pequena dimensão, aposta em vinhos elementares de Cabernet, Syrah ou Merlot. Onde vai fazer a diferença? Ainda se for misturado com Baga… Não sou fundamentalista quanto aos varietais de Baga, até porque sabemos que a Bairrada, tradicionalmente, tem outras castas misturadas na vinha, Jaen, Tinta Pinheira, Castelão, Bastardo, etc. Mas comunicar a sua identidade, nesta região, através de uma casta estrangeira? Não percebo.

 

É possível fazer marcas de volume, na Bairrada, em torno da Baga, ou as características da casta e da região, nomeadamente o minifúndio, tornam isso muito difícil?

LP – É difícil fazer tintos de grande volume na região. A Bairrada vitícola é pequena (bem menor do que era há 15 anos) e os custos de produção da Baga são elevados.

MSN – Na década de 80, as Caves de São João vendiam 600 mil garrafas de Frei João de muito bom nível. O Frei João era uma grande marca associada a uma grande consistência de qualidade. Só que, entretanto, boa parte das vinhas que o sustentavam desapareceram ou foram plantadas outras castas. Hoje, seria impossível fazer Baga de qualidade naquela quantidade. Também por isso, acredito que os tintos de Baga na Bairrada devem ser vinhos especiais, vinhos cuidados e valorizados pela qualidade, carácter e identidade regional.

 

Há quem diga que, internacionalmente, Baga é mais conhecida que Bairrada, e o Luís Pato até tem alguma “culpa” no assunto. Isso é bom ou mau?

LP – Eu acho que é bom. É que, apesar de poder existir noutras regiões, a Baga é praticamente indissociável de Bairrada. Portanto, quando se fala de Baga, fala-se quase sempre de Bairrada. E a casta tem uma enorme vantagem internacional: é mais fácil de identificar do que a região e é muito simples de pronunciar em qualquer língua. É uma boa marca.

MSN – Nós não temos só Baga na região. Temos outras castas tintas e temos, acima de tudo, vinhos brancos de nível mundial. Mas a Baga é a nossa casta identitária e devemos associar sempre a casta à região. É o mesmo que o Alvarinho. Hoje planta-se Alvarinho em todo o país, mas para o consumidor português, Alvarinho é Monção e Melgaço. E a Bairrada ainda tem a sorte de a Baga ser menos adaptável do que o Alvarinho, viaja pior para outras regiões. Também há Pinot em muito sítio, mas Pinot a sério é Borgonha. Por isso, bem trabalhada, a Baga pode abrir caminho para comunicar a Bairrada e os outros grandes vinhos que aqui fazemos.

 

Por último, exceptuando os vinhos de ambos, que tintos de Baga escolhem para a vossa mesa?

LP – Os outros vinhos dos Baga Friends (Sidónio de Sousa, Quinta de Baixo, Filipa Pato e Quinta da Vacariça), e também Outrora, Vadio, Kompassus…

MSN – Acho que estamos sintonizados nas escolhas (risos). Mas dentro do estilo que eu mais gosto, acho que se destacam Sidónio de Sousa, Kompassus, Filipa Pato e Outrora.

 

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2021)

José Luís, Sandra, David: Três enólogos do Esporão à conversa

Três enólogos entrevista

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TEXTO: Luís Lopes

David, em Portugal, começaste por trabalhar em 1982, em vinho do Porto, passaste em 1991 para o vinho Douro e em 1992 chegaste ao Alentejo, e ao Esporão. Conheces bem as duas regiões, portanto. Sabes que vários produtores e enólogos, sobretudo do norte do país, ainda olham para o Alentejo como uma região homogénea, plana, que faz vinhos muito iguais. O que dirias a quem vê o Alentejo dessa forma?

DB – Quem diz isso só pode estar com inveja (risos). No Alentejo conseguimos fazer vinhos com escala, de qualidade superior, e praticamente todos os anos, o que no Douro é mais difícil. E os melhores vinhos do Alentejo competem ao mesmo nível dos melhores vinhos do Douro, numa rivalidade muito saudável entre duas grandes regiões. Mas o Alentejo é muitíssimo mais diverso, em termos de solos, castas e clima, do que algumas pessoas pensam. O que tem Beja a ver com Reguengos? Portalegre, por exemplo, é uma das sub-regiões que vai seguramente dar cartas nos próximos anos…

O José Luís tem feito o seu percurso profissional no Douro, entrou no Esporão em 2015 directamente para a Quinta dos Murças, mas recentemente também “mergulhou” nos Vinhos Verdes, tendo já em 2019 liderado a primeira vindima na Quinta do Ameal. Como é passar de uma região continental para uma região atlântica, do xisto para o granito, das Tourigas para o Loureiro?

JLMS – É uma mudança realmente muito grande. O Douro tem o calor, a secura, é uma região de extremos. Chega-se ao Lima e é tudo verde. Fazer a viagem entre Murças e Ameal, durante as vindimas, é como mudar de mundo. É evidente que em termos de viticultura os desafios são muito diferentes, mas o objectivo acaba por ser o mesmo: produzir vinhos de qualidade que expressem cada uma das quintas. No Douro, a expressão do calor e da concentração, nos Vinhos Verdes a expressão da frescura, da leveza, da exuberância.

Três enólogos entrevista
José Luis Moreira da Silva

Uma vindima é certamente pouco para ficar a perceber o Vale do Lima e o terroir da Quinta do Ameal em particular. Ainda assim, o que mais o surpreendeu pela positiva? E qual o principal desafio a superar no Ameal?

JLMS – O que mais me surpreendeu foi a casta em si, a Loureiro. Estou no Douro habituado a trabalhar com 30 castas e nos Verdes passei a trabalhar só com uma. Mas a Loureiro é tão especial no Ameal e no vale do Lima, está tão bem adaptada ao local, que não apetece ali experimentar outras. Fiquei espantado com a sua plasticidade, capaz de fazer vinhos com perfis muito distintos e, sobretudo, vinhos longevos. Quanto ao grande desafio, para mim, passa por perceber melhor a origem, perceber melhor a casta e perceber até onde é que a podemos “esticar”, o que podemos fazer de diferenciador, como a podemos levar a oferecer uma expressão cada vez mais verdadeira.

 “O que mais me surpreendeu no vale do Lima foi a casta em si, a Loureiro”, José Luis Oliveira e Silva

Tal como David Baverstock, também a Sandra começou no Douro e integrou a equipa do Esporão em 2001. É fácil ou difícil trabalhar com o David? 

SA – Quando cheguei ao Esporão era uma miúda, tinha acabado de sair da Universidade. Foi o David quem me acolheu na equipa, quem me ensinou as principais bases da prova e da enologia, foi ele o meu grande mestre ao longo de 20 anos. E 20 anos é quase metade da minha vida, acho que isso diz tudo… Posso dizer que foi muito fácil trabalhar com ele, é uma pessoa genuína, generosa, que gosta de partilhar o conhecimento. Foi uma sorte ter calhado com alguém com a personalidade dele.

Durante vários anos foi responsável pelos vinhos brancos do Esporão, só mais tarde alargando esse trabalho aos tintos. Há quem diga que fazer um grande branco é mais difícil do que um grande tinto. Está de acordo?

SA – Quando em 2004, ainda com pouco tempo de Esporão, me propuseram ficar com os vinhos brancos, confesso que pensei algo como “ainda agora comecei e já vou ficar com a minha carreira estragada, será muito difícil fazer brancos de topo no Alentejo”. Mas ao mesmo tempo assumi esse objectivo, era algo que tinha de conquistar. Neste momento, diria que é mais natural fazer acontecer um grande tinto no Alentejo do que um grande branco. Só que fazer um branco de primeira linha numa região quente é um desafio aliciante e, quando o alcançamos, como tem acontecido no Esporão, torna-se muito compensador.

Ao contrário do que acontecia quando vieste para Portugal, hoje o enólogo tem uma ligação forte à vinha, conhece em profundidade as suas forças e fraquezas. O Esporão fez uma aposta muito forte no orgânico, no caso do Alentejo com 500 hectares de vinha e mais de 40 castas. Sentes alguma diferença nas uvas que te chegam adega e nos vinhos produzidos em modo orgânico?

DB – Claramente. É uma viticultura completamente diferente. Sem a ajuda dos tratamentos, a película da uva fica mais resistente às pragas e doenças. E, isto pode ser algo empírico, ainda não comprovado com dados concretos, mas desde o primeiro tinto orgânico lançado em 2015 até aos tintos que fazemos agora, sentimos muito maior densidade na cor e nos taninos. De tal forma que temos vindo a alterar o modo como trabalhamos na adega, esmagando menos a uva, fazendo menos remontagens e macerações, separando mais os vinhos de prensa, pois sentimos nas uvas taninos mais sólidos, que não podemos extrair tanto. Isto são análises sensoriais, das provas que fazemos durante fermentações ou na elaboração dos lotes, ainda teremos de trabalhar isto de forma científica, mas tenho ideia de que há uma mudança, para melhor, no perfil dos vinhos.

três enólogos entrevista
David Baverstock

José Luís, a Quinta dos Murças está também em modo orgânico, a Quinta do Ameal já esteve em tempos, mas deixou de estar. Este é um modelo de viticultura certamente mais fácil de implementar no Douro do que no vale do Lima, não é verdade?

JLMS – Não tenho a menor dúvida. No Douro (e no Alentejo), acredito que é possível ter uma agricultura biológica que seja sustentável. Não basta ter a certificação, temos de estar seguros de que as práticas são as melhores para sustentabilidade. E na Quinta dos Murças estamos plenamente convencidos de que estamos no caminho certo, conseguimos produzir uvas boas e sãs com doses de cobre (uma das principais críticas ao biológico) bastante abaixo dos limites legais, alcançando assim o equilíbrio do ecossistema. No Ameal, a pressão é muito maior. Tendo pegado na quinta só no ano passado, o desafio é perceber se as práticas biológicas são uma solução sustentável para a agricultura que queremos fazer. Ainda não temos a resposta para isso. Gostaríamos que fosse possível, mas temos as nossas dúvidas. Este ano, por exemplo, estivemos até meados de Abril sem aplicar fungicida, mas aí a pressão começou a ser tão grande que tivemos de aplicar. Mas não aplicámos qualquer herbicida. Portanto, talvez na região dos Vinhos Verdes tenhamos de encontrar uma solução intermédia. Neste momento, é a produção integrada. Mas gostava de ir mais longe. Veremos se é possível, precisamos de mais tempo para avaliar.

“A viticultura orgânica levou-nos a mudar o modo como trabalhamos na adega”, David Baverstock

David, da experiência que tens no Alentejo, quais as variedades de uva de que mexem mais contigo?

DB – Nos brancos, gosto imenso de Arinto, acho que é uma grande casta portuguesa, com um papel muito importante nos vinhos do Alentejo. Semillon, que é a base de um vinho que foi e é diferenciador no Alentejo (o Private Selection, em 2001). Gosto cada vez mais de Verdelho (ou Verdejo, como quiserem). No campo das tintas, aprecio Aragonez, está um bocado fora de moda, mas em certos anos, com noites mais frescas, dá vinhos excelentes. Estou menos fã da Touriga Nacional na região, acho que já teve ali o seu momento de fama. E continuo a gostar bastante de Syrah, tem tido problemas com doenças de lenho, é verdade, mas é uma grande casta. E em termos de futuro, até por questões ligadas ao aquecimento global, sem dúvida Alicante Bouschet.

Três enólogos entrevista
Sandra Alves

Sandra, partilha da opinião do David ou as suas preferências são outras?

SA – Temos alguns pontos em comum, mas também algumas diferenças. Nos brancos, acredito cada vez mais no trio maravilha do Alentejo: Roupeiro, Arinto e Antão Vaz. Ano após ano, são as castas que respondem melhor às alterações que temos implementado na viticultura e às próprias alterações climáticas. Nos tintos, claramente Aragonez (quando é bom, é muito bom), estou a aprender a gostar de Trincadeira, é uma casta bem interessante, e Touriga Franca, sem dúvida. E aprecio muito o Moreto das nossas vinhas velhas, é diferente de qualquer outra casta.

“Estou no Esporão há 20 anos, estou muito confortável com a responsabilidade”, Sandra Alves

José Luís, a mesma pergunta para o Douro, calculo que casta de Verdes nem vale a pena perguntar…

JLMS – Claro, essa é a resposta mais fácil: Loureiro. No Douro já há algum tempo que não fazemos vinificações estremes de uma casta, o lote é feito na vinha, fazemos co-fermentação, com várias castas a fermentar em conjunto. A ter de escolher uma, seria, de longe, a Touriga Franca, creio que é a casta mais bem adaptada, na vinha e na adega, à região. E também aquela que melhor exprime o que é o Douro. Mas num lote gosto imenso de Tinto Cão e Tinta Francisca (difícil na vinha, mas confere muita frescura e elegância ao vinho). Sendo certo que, no Douro, é o lote das castas que fala sempre mais alto.

Sandra, com a passagem do David para outras funções, a enologia do Esporão no Alentejo está agora nas suas mãos. Sente-se o peso dessa responsabilidade?

SA – Eu estou no Esporão há 20 anos, conheço bem o histórico da casa e tenho muito claro os nossos objectivos, o caminho que vamos percorrer, o nosso futuro. É evidente que há uma responsabilidade, como há em tudo aquilo que fazemos. Mas estou muito confortável com essa responsabilidade. Além de que o nosso trabalho é feito em equipa, apoiamo-nos sempre uns aos outros.

David, uma última questão: não vais ter saudades de uma vindima quase sem tempo para dormir?

DB – Não estou minimamente a pensar deixar de fazer vindimas. Quero fazer (pelo menos!) mais duas vindimas no Esporão e a partir daí vou-me entreter por este mundo do vinho. A vindima vai continuar a estar sempre presente na minha vida.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2020)[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”default”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

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