Entrevista: António e Martim Guedes

“Uma empresa com 150 anos tem de ser sustentável” Texto: Luís Lopes Fotos: Anabela Trindade Se é verdade que, no mundo dos negócios, raras são as empresas familiares que sobrevivem à terceira geração, o sector do vinho pode ser considerado uma raridade. A quinta geração da Aveleda, liderada pelos primos António e Martim Guedes, tem […]
“Uma empresa com 150 anos tem de ser sustentável”
Texto: Luís Lopes Fotos: Anabela Trindade
Se é verdade que, no mundo dos negócios, raras são as empresas familiares que sobrevivem à terceira geração, o sector do vinho pode ser considerado uma raridade. A quinta geração da Aveleda, liderada pelos primos António e Martim Guedes, tem levado ainda mais longe o trabalho dos seus antecessores, crescendo em todos os parâmetros. Um dos segredos está em pensar a longo prazo, no negócio e em tudo o que o rodeia. Para que a empresa, fundada em 1870, “possa cá estar mais 150 anos.”
António Azevedo Guedes e Martim Andersen Guedes dirigem a Aveleda enquanto co-CEO’s. Ainda que bem distintos na maneira de ser e no percurso académico e profissional, afinam pelo mesmo diapasão no que toca a estratégia e aos objectivos. Nessa quase mágica complementaridade está um dos segredos que têm permitido, com criatividade, espírito de inovação e investimento, mas também muita segurança e contenção, continuar a desenvolver uma empresa já de si extremamente sólida e rentável mas que, como tantas outras desta dimensão, está sujeita a imponderáveis conjunturais dos mercados ou constrangimentos estruturais das regiões vinícolas onde opera.
Martim, 45 anos de idade, especializou-se em gestão e coordena a área financeira, marketing, vendas, recursos humanos; António, 46, herdou de seu pai António Guedes, recentemente falecido, a paixão pelas coisas da terra, estudou viticultura e enologia e é o responsável por toda a área de produção da empresa. Empresa que fechou o ano de 2022 com 45 milhões de euros de facturação (há 10 anos facturava 25 milhões…) e tem no seu plano estratégico alcançar 53 milhões em 2025.
70% do que a Aveleda produz é destinado a exportação (75 países, EUA, Alemanha e Brasil à cabeça), com os Vinhos Verdes a representarem 78% do negócio. Nas marcas, pontifica o incontornável Casal Garcia, com 69% do total.
O crescimento recente da empresa tem também sido alicerçado em aquisições – Quinta Vale D. Maria, no Douro, ou Vila Alvor, no Algarve – mas também em grandes investimentos em vinha. Ao contrário do que muitos consumidores possam pensar, esta é uma empresa produtora: só na região dos Vinhos Verdes possui 450 hectares (objectivo: 600 ha) em 6 distintos pólos vitícolas, a que se somam mais 75 hectares no Douro, 18 na Bairrada (Quinta da Aguieira) e 30 no Algarve. Este é um breve retrato de uma Aveleda que aprofundámos em animada conversa com António e Martim Guedes.

Com uma facturação que quase duplicou numa década (45 milhões em 2022), a Aveleda tem também fama de ser a empresa portuguesa de vinhos mais rentável. A que se deve esse sucesso?
AG: Antes de mais, nós herdámos, e isso ajuda muito: os nossos pais deixaram-nos uma empresa que, no início da década de 2000, era já altamente rentável. Herdámos esse histórico mas também herdámos o “mindset”, ou seja, foi-nos ensinado que o negócio tinha de ser rentável porque, caso contrário, seria muito difícil gerar dinheiro para investir no desenvolvimento do próprio negócio.
MG: Sempre nos focámos muito nas nossas marcas e na sua valorização. Evitámos, por exemplo, o negócio das marcas exclusivas ou marcas próprias dos supermercados. É um modelo que a curto prazo sabe bem, mas que a longo prazo acaba por destruir valor. Isto também contribuiu muito para que a empresa e os seus colaboradores estejam focados no que interessa.
No futuro, queremos passar para 30 a 40% de autossuficiência em uva. Isso implica ter 600 hectares de vinha própria na região dos Vinhos Verdes, ou seja, vamos plantar mais 150 hectares.
É grande verdade que herdaram marcas fortes e uma empresa rentável. Mas acrescentaram valor (e num contexto concorrencial bem mais difícil…) o que nem sempre acontece nestas empresas familiares do vinho, quando há uma mudança geracional…
AG: A Aveleda em 2000 tinha duas ou três marcas, o portefólio era muito pequeno, era uma empresa orientada para poucas marcas, grandes volumes e elevada rentabilidade. Procurámos manter essa disciplina, essa cultura interna de foco na nossa marca, embora hoje tenhamos muito mais referências por marca. Mas continuamos a ter a marca mãe (Casal Garcia) muito forte, o que nos permite fazer os investimentos necessários ao desenvolvimento de negócio.
Vou colocar a pergunta de forma muito simples: onde é que se gasta o dinheiro? Quais os focos de investimento estratégico: viticultura, equipamento, enoturismo, marketing?
AG: Vai variando muito. O último quadro de investimento estratégico, até 2020, sem prejuízo do investimento nas marcas, que tem sempre de existir, foi sobretudo muito estrutural, nomeadamente vinha, adegas, aquisições de marcas e empresas. Passou muito pelo lado, se quiser, patrimonial. Nos próximos anos vamos claramente baixar o nível de investimento em aquisições e sabemos que, no que a vinha respeita, 70% do esforço de investimento planeado já está feito. Daqui para a frente o nosso investimento será mais na capacitação, embora tenhamos já optimizado muito esta vertente: produzimos mais 50 e tal por cento com os mesmos equipamentos. Mas há um limite para essa optimização. Por isso, agora, para podermos crescer no volume teremos de investir no sentido de acompanhar esse crescimento. Se crescermos mais 2 milhões de litros nas vendas, precisamos de mais 2 milhões de litros de capacidade em cubas…
MG: Desde que chegámos à empresa passámos por três ciclos, ou planos estratégicos, muito distintos. De 2010 a 2014 foi um plano muito virado para a eficiência. Não houve grande crescimento em vendas, mas melhorámos muito rácios de eficiência e rentabilidade através do controlo de custos. O plano 2015-2020 foi o contrário, virado para a expansão: triplicámos a área de vinha, comprámos duas quintas no Douro e uma no Algarve, passámos de 22 para 81 produtos, de 14 milhões para 20 milhões de garrafas. Um plano de crescimento “agressivo” se assim se pode chamar. O plano 2021-2025 visa dar solidez ao trajecto mais recente. O objectivo é continuar a crescer, sim, mas não com mais produtos, antes consolidando o que existe. Os investimentos acompanham essa estratégia e vão ser canalizados sobretudo para os equipamentos de produção, não para aumentos de área de vinha ou entrada em novas regiões.
Ainda assim, a Aveleda aproxima-se já dos 600 hectares de vinha em produção, 450 dos quais na região dos Vinhos Verdes. Numa região onde o preço da uva é, digamos, modesto, tamanho investimento em vinha só se entende pela dificuldade em obter a matéria-prima certa. E isso leva-me à questão: como avaliam a viticultura dos Vinhos Verdes e o seu futuro a médio e longo prazo?
AG: Nós fazemos um tratamento estatístico da informação que recebemos, pelos nossos meios ou através da CVR dos Vinhos Verdes. Visitamos com frequência os viticultores que nos entregam uva e conhecemos os problemas que enfrentam. Conhecemos, portanto, a realidade no terreno e confrontamos essa realidade com a estatística. A partir daí, é fácil perceber várias coisas. Sabemos que a região tem vindo a perder área de vinha ano após ano, e de forma significativa. Olhamos para a média de idades dos nossos fornecedores e vemos que é muito elevada. A dimensão da parcela por viticultor é baixíssima, menos de um hectare. Esta é uma viticultura “caseira”, em que os proprietários fazem tudo. Como não gastam na plantação da vinha pois têm os apoios financeiros, e são eles que tratam das videiras, conseguem ter alguma rentabilidade. Mas no dia em que desaparecerem, os filhos, que já vivem em Lisboa, Porto, ou outra cidade, não vão querer continuar com o “hobby” dos pais. Porque há também aqui um elemento cultural, de paixão pelo campo, pela vinha, pela horta, um apego às raízes que os seus filhos dificilmente terão. Eles vão ao supermercado comprar o que precisam, não vão querer trabalhar no campo para obter o produto. Todos juntos, estes viticultores já bastante envelhecidos representam uma enorme área de vinha que se vai perder muito rapidamente. A estatística confirma isto: em cada ano, na região, perdemos 2% de área de vinha; e perdemos, por falecimento, 3% das pessoas.
Portanto, estávamos obrigados a fazer alguma coisa. Mas não nos limitámos a plantar vinhas. Fortalecemos as parcerias que temos com os nossos fornecedores de uva, a quem damos apoio técnico e incentivamos a serem mais rentáveis e competitivos. Sabemos que vamos ter menos viticultores, mas procuramos que ampliem a sua área de vinha e que, sobretudo, que sejam mais profissionais, que encarem a viticultura como um negócio e não uma actividade exercida apenas por paixão e amor à terra. Hoje, para entrar no CPA (Clube de Produtores Aveleda), é preciso ter, no mínimo, 5 hectares. Mas a maioria tem muito mais do que isso, vários com 50 hectares. Acreditamos que 10 hectares é o mínimo para poder exercer uma viticultura profissional e rentável.
Na Aveleda sabíamos também que temos uma excessiva dependência de compra de uva. O CPA funciona bem, mas não é suficiente para suportar o crescimento de 50% nas nossas vendas de Verdes, onde se inserem também aqui os rosés (só o Casal Garcia rosé já vale 1,6 milhões de litros). Sentimos que a pressão sobre a matéria-prima era cada vez maior, até porque a região dos Vinhos Verdes, como um todo, também cresceu nas vendas. Estamos com 10 a 15% de auto-suficiência e queremos, no futuro, e se tudo correr bem, passar para 30 a 40%, no máximo. Isso implica ter, a médio prazo, 600 hectares de vinha própria na região dos Vinhos Verdes, ou seja, vamos plantar mais 150 hectares.
Um dos grandes problemas da região assenta na criação de valor, ainda as marcas mais cotadas nos Verdes de volume não tenham um preço tão baixo assim quando comparado com congéneres de outras regiões. Mas a verdade é que o Verde é muitas vezes associado a produto mais barato. Como inverter a situação?
MG: Esse “comboio” de criação de valor já está a andar, e bem. Cada vez mais temos dois segmentos: um Vinho Verde “clássico”, correspondendo a um perfil bem definido no mercado com, é verdade, uma percepção de preço barato; e um Verde “premium”, ou “superior”, como lhe queiramos chamar, que começou com o Alvarinho mas que hoje já abarca outras castas. Este movimento em torno do Verde mais ambicioso já ganhou alguma força e, naturalmente, na Aveleda queremos ser parte activa. Daí investirmos muito nas nossas gamas premium, com os Aveleda Solos, Aveleda Parcelas, Manoel Pedro Guedes. Nada disto existia há quatro anos e hoje são produtos importantes no nosso portefólio. Significa que acreditamos vivamente na criação de valor no Vinho Verde. Os Verdes podem ser grandes vinhos brancos, é a natureza desta região. Como referi, este é um comboio em andamento, mas a começar o seu percurso, está mais perto da estação de partida do que da estação de chegada.
Os Verdes têm vindo a perder área de vinha ano após ano, e de forma significativa. Estes viticultores, já bastante envelhecidos, representam uma enorme área de vinha que se vai perder muito rapidamente.
Uma das grandes apostas da empresa, no ciclo que agora terminou, foi a diversificação, não apenas de produtos mas também através de aquisição, no Algarve e no Douro. Como avaliam os resultados obtidos em cada um destes projectos?
MG: São projectos muito diferentes. Curiosamente, o que deu mais rápido retorno foi o Algarve. Hoje já podemos dizer que foi uma aposta vencedora e em muito pouco tempo, sobretudo se pensarmos que comprámos em 2019 e apanhámos com os “anos covid”, particularmente maus no Algarve turístico. O Douro é um filme completamente distinto, apostámos numa marca de elevadíssimo prestígio como é Vale D. Maria. A primeira etapa foi fazer a transição dessa marca consagrada para o universo Aveleda, e o processo correu muitíssimo bem, consolidando a notoriedade e a percepção de qualidade dos vinhos super premium Vale D. Maria. A segunda etapa vai ser fazer crescer a marca global no segmento mais abaixo, para volumes maiores, com o apoio das vinhas do Douro Superior, no vale do Sabor.

A Aveleda tem ambição de, até 2025, facturar 2 milhões em enoturismo. É uma área em franco crescimento, ainda que sem grande expressão nos Vinhos Verdes, ou pelo menos não comparável a outras regiões. Como pensam desenvolver este segmento?
MG: Esta é uma área em que gostávamos de ter mais concorrência nos Vinhos Verdes, de forma a podermos estabelecer um cluster, como existe no Douro. Mas acreditamos que há futuro no enoturismo nesta região. A procura tem sido enorme, o ano de 2022 ficou acima de todas as expectativas, tivemos de recusar muitas visitas por falta de capacidade. O que queremos fazer no polo de Penafiel, onde estamos sedeados, é dar um carácter mais premium à oferta, torná-la mais segmentada. Há espaço para isso, podemos proporcionar experiências diferenciadoras a grupos mais exigentes. O Algarve e o Douro estão a começar e assentam em estratégias distintas. No Algarve queremos ser os primeiros a apostar a sério no “enoturismo algarvio”, algo que hoje praticamente não existe. Estamos a trabalhar para poder receber 50 a 100 mil pessoas por ano. No Douro é o oposto. Queremos dar uma superior dignidade à Quinta Vale D. Maria, aproveitando um edifício que hoje está em ruínas. Será um enoturismo com outro nível de exclusividade, para grupos de 20 ou 30 pessoas, uma experiência personalizada numa marca mais premium.
Alvarinho, Loureiro, Avesso são as variedades de que se fala. Mas o leque de castas autorizadas ou recomendadas é bem maior. Faz sentido recuperar castas antigas, como Cainho, ou apostar noutras transversais, como Fernão Pires?
AG: Faz todo o sentido. O percurso da Trajadura é um bom exemplo. A Aveleda apostou muito na Trajadura porque, com a viticultura dos anos 80, os Vinhos Verdes eram em geral demasiado ácidos e com muito pouco grau. A Trajadura era o oposto, tinha graduações superiores e baixa acidez, embora com problemas na parte aromática e na tendência oxidativa. Mas foi importante naquela época e momento. Só que muita coisa evoluiu e a Trajadura, com os problemas que tem (a produção média também não é brilhante) deixou de cumprir o objectivo. Na Aveleda procurámos uma casta que pudesse ser semelhante à Trajadura na parte ácida, mas com uma componente aromática mais expressiva e maior consistência na produção. Encontrámos tudo isso no Fernão Pires, casta que se tornou um sucesso nas nossas vinhas. É muito importante explorar castas novas, ir fazendo ensaios na vinha e na adega. Há quatro anos trouxemos varas do campo ampelográfico da EVAG (Estação Vitivinícola Amândio Galhano) e reenxertámos uma das nossas vinhas. Algumas das castas são “meias galegas” como o que chamamos Branco Legítimo e que é o Cainho. Todos os anos vamos avaliando a produção, a maturação, a acidez, etc. É importante experimentar. Claramente, existe espaço para ter mais castas na região, que mais não seja para não perdermos esse património genético. Quem sabe, um dia, vamos precisar dessa diversidade para fazer vinhos distintos.
Dos projectos noutras regiões, o que deu mais rápido retorno foi o Algarve. Foi uma aposta vencedora, sobretudo se pensarmos que comprámos em 2019 e apanhámos com os “anos covid” no Algarve turístico.
A uva Alvarinho cria no consumidor a percepção de qualidade associada a valor. Para a Aveleda a menção Vinho Verde Alvarinho na rotulagem dos vossos vinhos é suficiente ou pensam investir na sub-região de Monção e Melgaço?
AG: Pergunta provocadora… (risos). A nossa estratégia não passa por investir em Monção e Melgaço. Nos últimos anos plantámos 80 ou 90 hectares de Alvarinho em diversos tipos de solos e climas. Entendemos por isso que temos muito por onde nos entreter. Estamos seguros de que a casta Alvarinho tem condições para ter um comportamento exemplar no resto da região dos Vinhos Verdes, não apenas em Monção e Melgaço. É uma uva de enorme plasticidade e adaptabilidade, talvez melhor na parte atlântica do que na parte mais interior da região, mas mesmo assim nas nossas vinhas de xisto, na zona mais interior, tem uma performance fantástica.
Acreditam que o Loureiro pode vir a ter a mesma notoriedade e percepção de valor dos vinhos de Alvarinho?
AG: Sem dúvida que sim, mas vai demorar. O facto é que são duas belíssimas castas, em todos os aspectos. O Loureiro um pouco mais plástico, porque consegue produtividades maiores e, portanto, pode entrar em todos os segmentos, desde os bases até aos topos de gama. O Alvarinho, não sendo superior enquanto casta, como tem produtividade bem mais baixa obriga a atirar os preços mais para cima. O Loureiro vai ter de fazer o seu caminho nos vinhos de topo. Vai levar algum tempo até as pessoas perceberem que com Loureiro podemos fazer um bom vinho a 5 euros e, com trabalho diferenciado na vinha e na adega, também um grande vinho, com carácter e potencial de longevidade, a 30 ou 40 euros.
A motivação não foi trabalhar para o “rótulo” de sustentabilidade. Foi uma questão de consciência e de racionalidade financeira. Não só ganhámos dinheiro com isso, como faz sentido.
A Aveleda está em regiões muito distintas em termos de clima: Vinho Verde, Douro, Bairrada, Algarve. Como têm sentido a evolução (ou alteração, como preferirem) do clima nestas regiões? E o que pensam fazer para reduzir o impacto dos anos mais difíceis?
AG: Primeiro, olhar para trás. As pessoas esquecem-se facilmente do histórico, esquecem-se de onde viemos. É que o clima vai tendo os seus humores. Tivemos uma década de 40 muito boa, depois tivemos um período frio nos anos 60, 70 e parte dos 80. Depois começou de novo a aquecer. O clima vai tendo as suas oscilações. O que é factor humano, ou o que é factor dinâmico do planeta, não consigo dizer. Não sei se estamos numa fase contínua de aquecimento global ou se estamos numa destas curvas de aquecimento e arrefecimento. Mas olhar para o passado permite olhar para o futuro com alguma serenidade e perceber que já alguém cá esteve antes de nós e com o mesmo problema. No tempo de Jesus Cristo fazia-se vinho em Inglaterra. Em parte dos anos 70 de 1600 não se colheu um único cacho no Château Latour, devido ao frio. Entre 1300 e 1600 houve uma pequena era glaciar na Europa. E agora estamos num período de aquecimento. Temos de trabalhar com esta perspectiva.
É evidente que nós temos muitas ideias do ponto de vista técnico e eco-fisiológico da planta. Adoptamos medidas de curto prazo como, simplesmente, aplicar caulino nas folhas (fomos pioneiros na região a fazê-lo) ou colocar rede de ensombramento. Tudo isto tem o seu custo, claro. Portanto, no curto prazo, temos soluções para minimizar os efeitos do progressivo aquecimento do globo, e a médio e longo prazo temos de perceber onde vamos plantar as próximas vinhas e com que castas. Não podemos pôr os ovos todos no mesmo cesto. Na vinha de Cabração, por exemplo, as primeiras parcelas foram plantadas a 80-100 metros de altitude; agora vamos iniciar uma segunda fase, com plantações a 350-450 metros. Em Felgueiras temos uma vinha a 100 metros de altitude e outra a 400, separadas por meio quilómetro. Isto dá-nos flexibilidade, não apenas face à evolução do clima mas também à irregularidade dos anos de colheita.
No Algarve temos vinhas plantadas a 2 km do mar. Há pouca pluviosidade, é certo, mas temos barragens e Monchique ali ao lado, onde há água. Ali não temos soluções de médio/longo prazo, a não ser passar a vinha para Sagres…
O amor pela Natureza que existe na nossa família faz com que se ganhe uma sensibilidade acrescida. Em tempos, fazíamos as coisas por intuição, porque achávamos que “é assim que deve ser”. Depois, o tempo e a ciência vieram dar-nos razão.
E no Douro?
AG: O Douro, é um desafio. Temos um colete de forças que são os regulamentos e a resistência a novas plantações, o que torna a região muito estática. A vinha do Douro foi montada para fazer Porto, com alto grau e muita concentração. Com o DOC Douro a crescer tanto, faz sentido queremos fazer tudo no mesmo sítio? Não seria melhor pensar numa estratégia de futuro, mantendo as vinhas para Porto em cotas mais baixas e passar as vinhas destinadas a Douro para cotas altas e com rega sempre que possível? Esta é uma questão de fundo que merecia maior atenção. As ideias existem, mas se queremos plantar vinha nova num local adequado, não há autorizações. Quando muito, com sorte, podemos encontrar uma boa vinha de altitude, que compramos. Assim, em termos de estratégia a longo prazo para o Douro, estamos manietados pelas regras e pelas mentalidades. No Douro discute-se muito, mas pouco se faz.

Como é que a empresa encara o cada vez mais premente tema da sustentabilidade, seja económica, social ou vitivinícola?
MG: Esse é, na verdade, um tema do dia. Como empresa “low profile” que somos, sentimos sempre que fazemos muito mais do que aquilo que é comunicado. Mas a verdade é que fazemos mais do que a nossa parte. Fazemos a medição rigorosa da pegada de carbono, por exemplo. Para além dos nossos emblemáticos jardins, onde existe enorme biodiversidade, há muito que plantamos 2000 árvores em cada ano. Estudamos e pesquisamos no sentido de trabalhar não contra a Natureza mas com a Natureza.
AG: Há muito que a sustentabilidade faz parte da maneira de estar da Aveleda, mesmo quando o próprio conceito não existia. Uma empresa com 150 anos tem de ser sustentável. A rentabilidade da Aveleda não acontece por acaso. Nós não queremos usar mais recursos para produzir um litro de vinho do que aqueles que são absolutamente necessários. Existe muito a tendência de fazer como sempre se fez, pelo hábito e pelo conforto. Nós questionamos tudo, procuramos sempre fazer mais com menos. Se pudermos melhorar o equilíbrio, vamos fazê-lo. Dá mais trabalho? Sem dúvida, mas é o nosso dever moral.
O meu pai tinha a paixão pela beleza das coisas. Sempre que plantava uma vinha, plantava árvores nas bordas, fazia muros. Hoje sabemos que os muros trazem enorme biodiversidade à vinha, escondem-se lá lagartos, insectos. E as árvores trazem sombra. Aquilo que, no tempo dos nossos pais era intuitivo, hoje é um modelo de sustentabilidade. É este amor pela Natureza que existe na nossa família que faz com que se ganhe uma sensibilidade acrescida. Em tempos, fazíamos as coisas por intuição, porque achávamos que “é assim que deve ser”. Depois, o tempo e a ciência vieram dar-nos razão. E, afinal, quando reduzimos drasticamente, seja a intervenção química, seja a energia, estamos também a falar de poupança. Em 2012 implementámos um plano de racionalização energética que levou a enormes poupanças. Hoje, é quase obrigatório montar painéis fotovoltaicos, por exemplo. Mas nós já os temos desde há mais de uma década. Se posso isolar as cubas, para gastar menos energia, porque não fazê-lo? Se em vez de usar pellets ou gás posso usar restos de matéria orgânica para fazer o aquecimento das águas utilizadas nas linhas de enchimento, porque não fazê-lo? A motivação não foi trabalhar para o “rótulo” de sustentabilidade. Foi uma questão de consciência e de racionalidade financeira. Não só ganhámos dinheiro com isso, como faz sentido. Significa que a sustentabilidade, se for bem feita, dá retorno.
Nós pensamos a longo prazo. Para isso, não podemos pensar só no nosso negócio, mas também no que está à nossa volta. A região dos Vinhos Verdes pagou muito mal as uvas no início dos anos 2000 e na década seguinte não tinha uvas suficientes. Depois houve que plantar à pressa. Pensar a sustentabilidade, pensar o bem de todos, pensar toda a cadeia de negócio, é fundamental para que o negócio e a empresa possam cá estar daqui a mais 150 anos.
(Artigo publicado na Edição de Fevereiro de 2023)
David Guimaraens: “O viticultor do Douro está a falir porque o sector é imoral”

David Guimaraens é conhecido no Douro, em jeito de brincadeira, como o “Ayatollah do vinho do Porto”, mas também é o homem que se emocionou quando viu os trabalhadores da vindima entrar no lagar, pela primeira vez depois do início da pandemia. Nasceu no Porto, a 13 de Outubro de 1965, e representa a sexta […]
David Guimaraens é conhecido no Douro, em jeito de brincadeira, como o “Ayatollah do vinho do Porto”, mas também é o homem que se emocionou quando viu os trabalhadores da vindima entrar no lagar, pela primeira vez depois do início da pandemia. Nasceu no Porto, a 13 de Outubro de 1965, e representa a sexta geração de uma família inglesa dedicada exclusivamente a este negócio, sendo hoje director técnico, enólogo e master blender do grupo The Fladgate Partnership (Taylor’s, Croft, Fonseca Guimaraens, Krohn…). Uma conversa sobre o ano vitivinícola de 2022 acabou por desaguar em temas mais fracturantes e controversos, como a sustentabilidade social e económica da região, e David terminou a denunciar os calcanhares de Aquiles do Douro.
Texto: Mariana Lopes Fotos: The Fladgate Partnership
Numa visita por algumas das propriedades durienses do grupo The Fladgate Partnership — que resultou, em edição anterior, numa peça sobre as inovações tecnológicas da empresa — acabámos sentados com David Guimaraens, na Quinta da Roêda, a conversar sobre “o estado da nação”. Primeiro, o clima, as vinhas e a vindima de 2022, num ano que, para quem produz vinho no Douro, segundo o enólogo, não foi dos melhores. Estávamos em finais de Setembro.
“As vinhas estão acastanhadas, com ar cansado”, começou por dizer. “Normalmente, no fim da vindima estão mais verdes, mas este ano castigou-as e ficou marcado por falta de chuva, com um Inverno muito seco. Aqui, na Roêda, choveram 75 milímetros, o que é muito pouco face aos normais 300. Em Março, ainda vieram 70 milímetros que foram importantes, mas de modo geral, todo o ano foi muito seco. Paralelamente, tivemos várias vagas de calor. Usualmente, temos no Douro a ‘queima de São João’, no final de Junho, altura em que o tempo muda radicalmente. Este ano tivemos aquilo a que chamámos ‘queima de Santo António’, porque o calor forte veio no início de Junho. Daqui para a frente, houve muitos dias acima dos 40ºC, e Julho foi dos mais quentes que registámos. Por cima dos solos com pouquíssima água, estas vagas de calor só vieram agravar tudo”, explicou, com a calma e boa disposição que já lhe é característica.
Esta declaração levou à pergunta óbvia que, traduzida “para miúdos”, não é mais do que “isso significa que os vinhos vão ser maus?”, ao que David respondeu: “Não. O que foi extraordinário, foi que, quando eu vim de férias em meados de Agosto, esperava encontrar as uvas numa desgraça total. Mas, como elas nasceram já com sede, criaram uma resistência extraordinária. Bagos pequenos, como é característico, mas nenhuma uva passa, ao contrário de 2017. Tivemos sim, aquilo que acontece quando está muito calor, que é os ácidos muito, muito baixos. Mas isso não é tão dramático no vinho do Porto. Porque um dos segredos deste tipo de vinho é que a aguardente vem equilibrar tudo. Nos vinhos não fortificados, não há aguardente para equilibrar. Não fosse esta uma região de vinho do Porto…”, afirmou, cautelosamente, já a abrir caminho para um tema que lhe diz muito. Assim, nas propriedades da Fladgate iniciou-se a vindima de 2022, pelas vinhas que estavam, como diz David Guimaraens, pela “hora da morte”, em zonas mais quentes.
Mas como se lida com uma situação destas, quais os mecanismos? Para David, não há dúvidas: “Uma das riquezas do Douro é exactamente o que temos aqui, uma viticultura de montanha, com três grandes factores para trabalhar. As sub-regiões, desde o Baixo Corgo que é menos árido, ao Douro Superior, que é mais, sendo que nos anos secos a primeira aguenta melhor esta aridez; depois, a altitude, quanto maior é, menos temperatura e maior pluviosidade; e a orientação, ou exposição solar, porque dentro da mesma quinta, as vinhas têm exposições diferentes. Tudo isto, conjugado com as grandes castas que temos no Douro, é um puzzle que podemos fazer a nosso favor. Em anos extremos como este, para o lado da aridez, haverá bastantes variações de quinta para quinta, e de produtor para produtor, no resultado dos vinhos”, desenvolveu o director técnico. Portanto, antes da vindima, o ano estava desanimador, assumimos. Ao que David replicou, seguro de si: “Os vinhos do início da vindima eram pouco entusiasmantes. Se não se deve dizer isto, e dizer que é tudo mágico? Alguns preferem, mas eu não”.
Mais tarde, houve dois episódios de chuva no Douro. “Aqui na Roêda, tivemos 5 milímetros no dia 6 de Setembro — um primeiro borrifo bom para aliviar — e depois, a 13 e 14 de Setembro, vieram 30 milímetros. Num ano ‘normal’, isto seria muito, mas os solos estavam tão sequiosos que absorveram tudo, e funcionou como uma rega. Eu sou a favor de rega, mas somente de rega pluvial, que é a da chuva. Esta água veio ajudar as uvas a refinar, e incentivar as vinhas a terminar a sua maturação”, adiantou David Guimaraens, que acabou por tornar o cenário mais animador: “O ano de 2022 é o ano do rio Pinhão. Nós temos muita área de vinha no vale do Pinhão, que sofreu no início da vindima pelo que já falámos, mas acabou por haver uvas fabulosas. Fizemos, nesta zona, muitos investimentos nos últimos tempos, com compra de propriedades, por exemplo. Este é, na verdade, o centro do Douro, e tem muitas quintas, também de outros produtores, que sempre foram extraordinárias”, admitiu.
Quanto ao comportamento das castas, o enólogo desvendou que as que melhor se aguentaram no início conturbado da vindima foram a Tinta Roriz e a Touriga Nacional. A Touriga Francesa também mereceu destaque pela positiva, mas demorou mais tempo a amadurecer e a libertar a cor. Uma das que mais sofreram este ano foi, a título de exemplo, a Tinta Amarela. “Mas no vinho do Porto esta é outra vantagem, dá-se menos ênfase à casta e mais ao local, porque, e é aquilo que já se faz no Douro desde sempre, usam-se várias castas, que se complementam”, sublinhou David. “Os viticultores que têm andado a investir menos na vinha, e que as têm com menos vigor, são os mais afectados, porque estas vinhas se ressentem muito mais, e também por isto há tanta variação por local. Naturalmente que, quanto mais velha a vinha, mais resiste. Eu costumo comparar uma videira velha a um homem velho: já não produz tanto, mas o que produz é com mais sabedoria…”.
Um problema de estrutura
Perante a exposição de David Guimaraens sobre o ano vitivinícola de 2022, e os pontos mais gerais em que tocou sobre o clima, impôs-se a questão das alterações climáticas. O enólogo retorquiu com veemência: “As alterações climáticas são desculpa para muita incompetência. Neste momento, está-se a pôr debaixo das alterações climáticas muitas asneiras que têm sido feitas. Não digo, com isto, que elas não existam, pelo contrário, são muito reais. Mas por exemplo, a região do Douro tinha, antigamente, uma viticultura assente no field blend (mistura das castas) e em densidade de plantação, onde cada unidade produzia pouco, mas a soma das unidades produzia quantidade satisfatória. Além disso, o porta enxerto utilizado era o Rupestris, que é menos produtivo mas muito resistente à secura. O lote de castas que utilizávamos era também muito maior do que o que ficou depois do ‘afunilamento’ das décadas de 70/80. E quando veio a obsessão, que ainda temos hoje, a obsessão triste da mecanização, alterou-se o equilíbrio. A mecanização é uma necessidade, mas se a estamos a utilizar para baixar os custos, não estamos a ir pelo caminho certo. A nossa obsessão deve ser criar valor. A mecanização é uma evolução natural para se ir fazendo. A região está há 50 anos obcecada pela mecanização, e andamos aqui todos a chorar porque vendemos o vinho do Porto e os vinhos DOC Douro baratos, e vendemos mais barato do que regiões planas com 3 vezes mais produção. E isto leva-nos, naturalmente, ao problema da mão-de-obra”. Por esta altura da conversa, David Guimaraens, embora sempre sorridente, começava a agravar a voz, e sabíamos que o desabafo não tardava. “Nós só temos problema de mão-de-obra porque não temos dinheiro para a pagar. Os portugueses não emigram para França por gostarem de foie gras. Vão embora porque ganham mais dinheiro fora. No sector, temos visões muito deturpadas das coisas. E depois vem-se com chavões, a falar das alterações climáticas, para justificar tudo e permitir tudo. Elas são problemáticas, sobretudo ao nível dos acontecimentos extremos. Podemos dizer que o ano vitícola de 2022 foi efeito das alterações climáticas, mas se é para assumir, então, que vai ser sempre assim daqui para a frente, mais vale fechar as portas e ir embora. Temos de aprender a viver com elas. É uma chatice, há-que sermos criativos, mas já o fomos noutros momentos. Aliás, num determinado ano menos bom, em vez de ser a Quinta da Roêda a fazer um grande Vintage, será a quinta de outro produtor. Acredito vivamente que o Douro pode ser um exemplo, a nível mundial, na reacção às alterações climáticas, pela experiência que temos aqui. Podemos reconsiderar as nossas vinhas de preferência, consoante as condições. Não estou de acordo, por exemplo, que a forma de reagir seja regar a vinha”, referiu David. Mas este tema da rega daria outro almoço…
A controvérsia
No seguimento das dicas que David nos foi dando sobre as vantagens da produção de vinho do Porto, tendo em conta as adversidades climáticas, tivemos de perguntar… “é contra a existência da DOC Douro?”. O enólogo respondeu com murros na mesa: “Não, não e não. Não tem nada que ver com ser contra ou a favor. A minha visão é simples, um Vintage é engarrafado quando temos um conjunto perfeito de vinhos que reflectem um ano e um lugar, mas quando os vinhos não são perfeitos, lidamos com isso através do envelhecimento em cascos de carvalho. Estes estilos de vinho do Porto são ambos fabulosos, e são uma grande forma de nos adaptarmos às condições do nosso clima, porque somos uma região de clima mais extremado por natureza, que amadurece as uvas para álcool mais elevado. No vinho do Porto, isso não é um problema, porque adicionamos aguardente no processo. Para os produtores de DOC Douro, só não é um problema porque fazem ‘vinho do Porto para diabéticos’, que é o que eu costumo chamar, em tom de brincadeira, aos vinhos ‘de mesa’ [não-fortificados] com muito álcool e sem açúcar”, riu-se.
E foi aqui que, no semblante de David Guimaraens, o vento mudou de direcção. “O vinho do Porto é um grande exemplo de sustentabilidade, e alguns vinhos do Douro também. Mas o grande tema que eu quero trazer para a mesa vai colocar-me em apuros, e quando falo nele todos se zangam: desafio os portugueses com sentido de moralidade a denunciar que esta região é uma vergonha. Estamos numa região extraordinária, e nunca se vendeu tanto vinho do Porto de qualidade como se vende hoje. Basta olhar para o número de projectos novos de famílias ligadas ao Douro, que hoje produzem vinhos do Porto de qualidade. Falo de Vieira de Sousa, Domingos Alves de Sousa, Wine&Soul, e muitos outros. Se não estamos a vender tanto volume, é porque o consumidor bebe menos mas bebe melhor. Não vamos confundir o vinho do Porto com um estilo de vinho que está condenado à morte, mas sim que se tem de adaptar ao mercado. O vinho DOC Douro é um grande vinho, que está a ganhar cada vez mais nome pelo Mundo fora, e é muito importante para a região a longo prazo. Está a dar muito dinheiro. O turismo, por sua vez, tem trazido muita riqueza, com os centros de visita, alojamentos, programas de enoturismo… mas quem sustenta isto tudo, e toda esta paisagem, está nas ruas da amargura: é o viticultor”, confessou, finalmente. “É muito triste, porque a razão é sermos todos uma cambada de incompetentes. Empresas de vinho do Porto, empresas de DOC Douro, Estado e viticultores. O viticultor do Douro, que produz e vende ao quilo, está a falir, porque o sector é imoral. Estou farto de assistir a isto. Este ano, mais um viticultor “meu” vendeu as vinhas por não ter viabilidade económica. Uma das razões pelas quais não temos pessoas, é ser difícil o trabalho da vinha e não dar dinheiro. Esta vergonha está por denunciar: nós temos vinhas, e estas vinhas e o Douro têm um conjunto de regras que foram desenhadas quando a região só tinha uma Denominação de Origem (D.O.), que era Porto. Há 20 e poucos anos atrás, nasceu uma segunda D.O., Douro. Eu falo mal dos vinhos DOC Douro não pela qualidade — até porque quem os faz são meus amigos, de quem gosto muito — mas não tivemos a competência, ou interesse, em alterar as regras. Cerca de três quartos das videiras da região, hoje (as que têm licença para produzir Porto) podem originar duas D.O., Porto e Douro, independentemente se têm ‘benefício’ ou não. Numa videira com 4 cachos, dois podem originar vinho do Douro, e os outros dois, Porto. O vinho do Porto paga €1,50 por quilo, e o do Douro paga €0,60”, disse, visivelmente zangado, enquanto batia com os punhos na mesa. E continuou. “Esta é a realidade. Duas D.O., dois preços diferentes. E a maior mentira, que ninguém reconhece, é esta: nunca uma vinha é vindimada primeiro para vinho do Porto e depois, uma segunda vez, para DOC Douro. Nós alimentamos uma mentira no Douro, porque não temos capacidade colectiva de actualizar as regras para reflectir a nova realidade. É imoral e, acima de tudo, uma mentira. É imoral porque eu vou a uma vinha, e pelas uvas até à cota de produção pago €1,50 por quilo, e a DOC Douro compra as outras, já a pagar bem, a €0,60 ou €0,70, abaixo do custo de produção. Isto só existe porque, para o vinho do Porto, há uma cota de produção, que é o chamado ‘benefício’, que limita a oferta e a procura, tudo o resto, e como a região é excedentária em produção, é mercado livre”, esmiuçou David. “Temos duas regras, para duas D.O., na mesma videira. Mas que grande mentira! E a incompetência de todos está no seguinte: nós, empresas de vinho do Porto, ou não nos entendemos para mudar as regras, ou juntamo-nos aos outros e passamos a fazer DOC Douro e tiramos partido dela. Os viticultores não se conseguem organizar para exigir alteração. O Estado, também não muda nada, não está ‘nem aí’. E às empresas de DOC Douro não lhes interessa, porque estão a comprar matéria-prima barata. Isto é uma tragédia, é muito errado”. Ao proferir estas palavras, estava à vista de todos que David se preocupa realmente com o problema, e os seus olhos pediam por alguém se se juntasse à causa. “Sozinho, não consigo mudar nada…”.
A possível solução
“Como se pode solucionar o problema?”, questionámos. David tinha a resposta na ponta da língua: “Eu só peço uma simples alteração: todos terem de optar, parcela a parcela, se fazem vinho do Porto ou Douro. Se fizerem Porto, têm o ‘benefício’, e só as uvas que sobram é que vão para não-fortificado. Se fizerem Douro, não podem receber ‘benefício’. Assim, obrigamos a região a ser honesta, porque quando vindimamos, sabemos bem que uvas vão para uma D.O. ou para outra. Agora, esta incompetência colectiva está a levar à destruição da actividade de viticultor, que é o que eu digo há vários anos. Por tudo isto, eu apelo ao boicote do vinho DOC Douro, até a região mudar as regras!” lança, revoltado. “Vamos ser honestos, decentes… Está na hora de reconhecer que as regras estão desactualizadas e que estamos a fazer o viticultor, que vive de vender uva ao quilo, definhar. Não culpo nem aponto o dedo a um ou outro, porque não é assim que se resolvem as coisas. Eu afirmo que o sistema está mal, e que todos nós sabemos que está mal, um sistema em que uns enriquecem erradamente e outros empobrecem cada vez mais”, atirou David Guimaraens. “Esta é a razão principal pela qual o David não faz vinhos DOC Douro?”. “É”. “E se as regras mudassem e ficassem mais justas, ponderaria fazer?”. “Sim”.
(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2023)
Entrevista: Daniel Niepoort

“É importante adaptarmo-nos aos tempos, sem radicalismos” Nascido em 1992, Daniel Niepoort é hoje responsável de enologia na empresa com o seu apelido, depois de ter trabalhado em vários países do Mundo. Poderia carregar o peso de ser filho de Dirk Niepoort, mas a verdade é que o jovem de 30 anos se preocupa mais […]
“É importante adaptarmo-nos aos tempos, sem radicalismos”
Nascido em 1992, Daniel Niepoort é hoje responsável de enologia na empresa com o seu apelido, depois de ter trabalhado em vários países do Mundo. Poderia carregar o peso de ser filho de Dirk Niepoort, mas a verdade é que o jovem de 30 anos se preocupa mais com as uvas, com o que tem no seu copo e com que a empresa coloca no copo do consumidor. Apareceu, para a nossa conversa, descontraído, como já o conhecemos e queremos, e acompanhado pela sua cadela. São inseparáveis. Sobre a Niepoort e o Douro, tem as suas convicções, e não deixa nada por dizer.
Texto: Mariana Lopes Fotos: Niepoort
Quem é Daniel Niepoort?
Gosto de vinhos e estou a fazê-los. Nasci em Portugal, no entanto, não sou um clássico português: a minha mãe é da Suíça e o lado do meu pai é holandês e alemão. Uma grande mistura, mas o meu coração é português. Estive até aos 4 ou 5 anos cá, e depois do divórcio dos meus pais, fui com a minha mãe para a Suíça. Fiz lá a escola e a tropa, depois fiz um curso técnico de 3 anos, em Viticultura e Enologia, na Universidade de Strickhof. No curso, alternavam-se as aulas com os estágios académicos, e este foi o meu primeiro contacto com a área, sem ser através do meu pai. Com o meu pai, o contacto com o vinho era diferente, e foi bom poder ter as duas perspectivas…

Sempre acompanhaste o teu pai nestas “andanças”, enquanto filho e curioso do vinho?
Quem conhece o meu pai sabe que a vida dele sempre foi a Niepoort. Quando eu era criança, nunca tinha as férias convencionais, de ir à praia e etc. Estava com ele a fazer lotes, jantares, viagens de vinho, visitas a produtores. Hoje é igual, porque trabalho na Niepoort e ele, além de meu pai, é o meu patrão, e acima de tudo, muito meu amigo. Mesmo durante os tempos que passei na Suíça, recorria muito ao meu pai, e felizmente os meus pais sempre se deram bem depois do divórcio, nunca foi difícil para mim.
O curso foi determinante para a tua vida profissional?
O curso técnico foi muito importante para aprender as bases, mas é um pouco frustrante o facto de, na escola, ser muito à base do “isto faz-se desta maneira, e pronto”. Do outro lado tinha o meu pai a dizer “mas eu faço assado”, e eu replicava isso na escola. Nesta altura, o meu pai não me ajudou nada com o curso, eu tinha mesmo de pesquisar e aprender por mim. Perguntava-lhe, triste, “‘Papi’, porque não me ajudas com isto?”, e ele respondia “tens de fazer as tuas coisas, por ti”. Escolhi depois alguns sítios na Suíça para estagiar, ainda durante o curso, e na maioria foi um desastre. Ligava ao meu pai a dizer o que tinha acontecido, e ele replicava “ainda bem, é assim que aprendes, a fazer”.
Acabei o curso, ainda fiz uma vindima na Suíça, e depois quis ir estagiar profissionalmente para alguns sítios, e o meu pai ajudou-me a ir para essas empresas, com contactos e nomes. Ele queria que eu saísse e não fosse logo para a Niepoort. Fui, então, para vários países: França, África do Sul, Austrália, Argentina, Espanha, Itália… ver como se fazia vinho em todo o lado. Ele sempre me disse, e também ao meu irmão, que também trabalha connosco: “Vocês têm de encontrar o vosso caminho, e se não gostarem de fazer vinho, não têm de fazer. Se quiserem, não digo que não”. Aqui, eu tive a minha fase “será que eu gosto mesmo de vinho, ou estou influenciado?, mas a decisão que tomei foi a melhor.
Foi, então, depois dos estágios profissionais que vieste para a Niepoort?
Ainda não. A seguir, fui para a Alemanha, região de Mosel, onde conseguia, pelo facto da vindima ser tarde, fazer vindima também em Portugal e França. Acabei por ser sócio do projecto alemão e fiquei lá 5 anos. Depois é que vim para Portugal, e já cá estou há 3 anos. Na verdade, não tinha muita vontade, não pelo país, mas porque ainda não queria assumir a responsabilidade de um projecto de tanto peso como a Niepoort. Além disso, a empresa estava a atravessar uma fase conturbada, com “guerras internas e familiares”. Eu não queria ter nada que ver com isso. Só que, para ser sincero, adorava a Niepoort, os vinhos do Porto… tive um clique, percebi que tinha de vir, e o meu pai aceitou.
Como foi, nessa altura, ingressar na Niepoort? O que fazias?
Comecei por tentar perceber o que era exactamente o trabalho do meu pai. E depois percebi que é difícil, e que requer trabalhar para uma coisa cujo resultado só dez anos depois. Uma das melhores coisas foi… as pessoas. Mas aprendi que também podem ser a pior. Nós, funcionários, crescemos na empresa. Há alguns que estão na Niepoort quase há 50 anos. São os trabalhadores que fazem a empresa, talvez por isso, ou pelo meu lado suíço [ri-se], não sou obcecado pela componente familiar da coisa. Para mim é mais importante a Família Niepoort. Somos todos Niepoort. Na altura, o meu pai disse-me que eu tinha um lugar na empresa. Perguntei-lhe “a fazer o quê?”, e ele respondeu-me “não sei, vens e logo se vê”. Na verdade, ele sempre teve esta filosofia de contratar as pessoas pelo seu carácter, e não tanto pelo currículo. Quando chegavam à Niepoort, faziam a função à qual se adaptavam melhor. Andei a fazer muitas coisas diferentes, no início. Entretanto, começou a pandemia de Covid-19, e isso, para mim, foi óptimo. Nunca tinha passado tanto tempo com o meu pai, desde que entrei na empresa, e aprendi muito durante essa fase.
E qual é a tua função actual na empresa?
A minha função é perceber o meu pai [ri-se]. Oficialmente, sou responsável de enologia. Mas é um “team work”, e eu trabalho ao lado do Luís Pedro [Cândido da Silva, enólogo na Niepoort]. Gosto muito de fazer o que faço. Mal cheguei, o meu pai abrandou um pouco e confiou mim, porque sabia que eu já tinha bons conhecimentos e que, de qualquer das formas, estava lá o Luís Pedro, que é muito bom enólogo. A empresa girava muito à volta do meu pai, e porque tinha de ser assim. Um dos meus trabalhos agora, de forma faseada, é “desfocar” a Niepoort do meu pai, sendo que isso não significa que vou focá-la em mim. Vou lá estar, no meu lugar, mas sem ser uma repetição dele. Tenho sorte por, em muitos aspectos, estar sintonizado com o meu pai, na filosofia e nas ideias.
O que queres para a Niepoort e para os vinhos Niepoort? Que conceito?
Continuar o que estamos a fazer, e melhorar. Não só fazer vinho, mas fazer algo pela região. Neste momento fazemos viticultura biológica e/ou biodinâmica em todas as nossas propriedades, a 100%, e eu gosto disso. Mas também compramos muita uva, que não é de produção bio, e não escondemos isso. Talvez pareça que faria mais sentido, ao invés disto, termos mais quintas em biológico, mas sem mão-de-obra teríamos, por exemplo, de mecanizar tudo, e não é esse o biológico que eu quero. Assim, temos quase 250 viticultores, que nos trazem as uvas, e isso é como um field blend. Se calhar, não fazem tudo como nós faríamos, mas em compensação, fazem algumas coisas melhores do que nós. Têm vinhas velhas em sítios especiais, por exemplo, que dão melhores uvas que algumas das nossas. E depois, como eu já disse, são pessoas. E eu adoro pessoas. Alguns só produzem para a Niepoort.
Quais os desafios e dificuldades que encontras agora, no teu trabalho?
Estão a perder-se vinhas e viticultores, e depois há as mudanças do clima e a necessidade de ter cada vez mais tecnologia. Não podemos fugir disto, mas temos de encontrar um equilíbrio. Além disso, é preciso mudarmos a maneira de pensar. Cada vez mais, o ser humano pensa só em si e as empresas querem crescer e ser muito grandes sem pensar num “todo”. Não podemos focar-nos apenas em cêntimos, custos, e “não podemos fazer isto e aquilo”, Já nem quero falar em sustentabilidade, por ser um termo tão usado para fazer marketing. Mas é um tema que me preocupa muito. O Douro, sem as oliveiras, amendoeiras, medronhos e todas as outras culturas, seria monocultura de vinho, e isso não seria bom. Se calcularmos os custos de fazer azeite das oliveiras tradicionais, não vale a pena fazê-lo. Mas se, em vez disso, pensarmos que é um produto que não precisa de tratamento, é apanhar e prensar, e que é tão utilizado na gastronomia portuguesa, culturalmente vale a pena produzi-lo. Os suíços não sabem quantos quilos de azeitona é necessário para gerar um litro de azeite. Mas eu, como sou, em parte, português, sei. E estou convicto de que vale a pena. Quero também trabalhar mais com animais na vinha, entre outras coisas.
Como é que propões que se tente solucionar a perda de vinhas no Douro e o facto de muitos viticultores não terem sucessão que pegue nelas?
Ainda não sei, mas tenho várias ideias. Primeiro, motivá-los, comprando toda a sua uva, quer seja de uma vinha mais nova ou mais velha. Já fazemos isto com muitos deles. Depois, mostrar-lhes que nós percebemos o que custa trabalhar na vinha. Também pagamos as uvas ao quilo, apesar de perdermos com isso. E nós, produtores de vinho, temos de cultivar mais a relação com as pessoas que produzem e nos entregam uva. Para mim isso surge fácil, porque eu sou “um gajo do campo”. Sou, infelizmente, “obrigado” a viver em Vila Nova de Gaia, na cidade, onde está a empresa.
Ao longo das últimas décadas, a própria Niepoort foi mudando, por exemplo, nos perfis de alguns vinhos. Como vez essas mudanças?
É importante adaptarmo-nos aos tempos, sermos flexíveis, sem radicalismos. Hoje posso estar a fazer um vinho com 10% de teor alcoólico, e amanhã um com 14%. Quando eu estava na tropa, e simulávamos situações, o meu patrão dizia-me “don’t fall in love with your plan” [não te apaixones pelo teu plano]. Porque não há só uma maneira de fazer as coisas. É muito isto.
Nós não fazemos os vinhos pelas modas. Pelo contrário, acho até que criámos algumas. No fim do dia, agimos consoante o que faz sentido para nós. E Portugal, com tanta diversidade de castas e terroirs, é um sonho para experimentar. O meu pai passou por tempos duros, houve alturas em que toda a gente queria arrancar as vinhas velhas. Hoje, as pessoas dão tudo para ter uma. Tudo muda, e nós também.
Podes afirmar, hoje, que fazes o vinho de que gostas?
Sim, sem dúvida. Sei que vou fazer coisas que agradam a umas pessoas e a outras não. Na escola, diziam-me que se devia fazer vinho para o consumidor. Mas qual deles? Há tantos… Por isso, nós fazemos os vinhos de que gostamos, e vamos encontrar as pessoas que também gostam deles. No entanto, não há ditaduras na Niepoort. Se alguém me sugere, ou ao meu pai, que devíamos fazer uma coisa de maneira diferente, nós dizemos tantas vezes “não”, como “sim”.
Quando era mais novo e ingénuo, dizia ao meu pai: “Porque é que fazes tanto vinho? Podias fazer menos e vender mais caro”. Hoje, penso de forma diferente. Tenho muito orgulho no nosso Diálogo, do qual produzimos 1,5 milhões de garrafas. É um vinho fantástico, e nem toda a gente tem possibilidade de comprar vinho caro.
Qual o vinho que mais gostas de beber, fora dos teus?
O vinho que ainda não provei. Bebo muitos desses. O estilo, não consigo dizer. Gosto de tudo, depende do momento. E, de vez em quando, também sabe bem uma cerveja…
Qual o conselho mais importante que o teu pai te deu, e que transportaste para o teu dia-a-dia?
Que tenho de ser sempre fiel a mim próprio. Parece simples mas, na verdade, na Niepoort e no mundo do vinho, todos querem que eu seja como o Dirk, e ao mesmo tempo, melhor ainda do que ele.
Tens algum conselho para um jovem que esteja a entrar no mundo do vinho?
Provar muito. E não só ler e estudar, mas sim ir ao terreno trabalhar, tocar, falar com as pessoas, questionar a razão das coisas. Isto não é só química. Também a tem, mas, acima de tudo, tem muito amor.
(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2023)
Entrevista: Diogo Lopes, o enólogo de quem se fala

Aos 44 anos de idade, Diogo Lopes é hoje um dos nomes mais falados e unanimemente apreciados da “moderna” enologia portuguesa, emprestando o seu talento a sete distintos projectos vitivinícolas e com mais alguns em carteira. Para comemorar a sua 20ª vindima (na verdade, são 21, contando com a actual), encontrámo-nos à mesa para conversar […]
Aos 44 anos de idade, Diogo Lopes é hoje um dos nomes mais falados e unanimemente apreciados da “moderna” enologia portuguesa, emprestando o seu talento a sete distintos projectos vitivinícolas e com mais alguns em carteira. Para comemorar a sua 20ª vindima (na verdade, são 21, contando com a actual), encontrámo-nos à mesa para conversar e abrir algumas garrafas que espelham o seu trabalho e a sua visão do mundo do vinho.
Texto e Notas de Prova: Luís Lopes Fotos: D.R.
Lisboeta de nascimento (1978), foi o entanto o campo e não a urbe que o motivou para escolher a profissão. Entre 1999 e 2004 estudou Engenharia Agronómica no Instituto Superior de Agronomia com especialização em Viticultura e Enologia. E foi enquanto estudante que visitou o primeiro Encontro com o Vinho, então ainda realizado em Santa Apolónia, com o fito de conhecer “as pessoas do vinho” e em particular os que mais admirava, João Portugal Ramos e Anselmo Mendes. Com este último, acabaria depois por estabelecer uma estreita relação pessoal e profissional que se estende intocada até aos dias de hoje. Quando Diogo Lopes menciona o “Mestre” (assim, com maiúsculas), já toda a gente sabe a quem se refere. A primeira vindima como estagiário ocorreu em 2001, da adega dos Vinhos Borges, na Lixa. Nunca mais falhou uma: 2002 com Anselmo Mendes, em Monção; 2003 em Napa Valley, na Califórnia; 2004 na Quinta de Lourosa (propriedade do seu orientador final de curso, professor Rogério de Castro). No âmbito, precisamente, desse trabalho final de curso, passou o ano de 2004 entre a Bairrada e os Vinhos Verdes integrado no projecto Lusocastas, que visava estudar os diferentes sistemas de condução para as principais castas portuguesas nessas regiões. Rogério de Castro e Amândio Cruz foram os seus coordenadores e cimentou-se aí uma paixão pela terra, pela videira, que se desenvolveu nos anos seguinte e que marca claramente o seu trabalho enquanto enólogo. Na vertente enológica, os conhecimentos foram aprofundados com uma pós-graduação em Enologia na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica no Porto.
O percurso enquanto profissional “à séria” (ou seja, enólogo residente) iniciou-se em 2005, em Cabeção, na Sociedade Agrícola do Vale de Joana, onde Anselmo Mendes era consultor. Ficou em Cabeção até 2010, começando aí um percurso de consultorias em parceria com “o Mestre” que o levaram ao Couteiro-Mor e, mais tarde, à Adega Mãe, ainda hoje, porventura, o projecto que mais visibilidade lhe trouxe e continua a trazer. Vieram outros, entretanto, alguns de onde já se desligou (Morais Rocha, na Vidigueira e Herdade de Vale D’Évora, em Mértola) e outros onde se mantém em plena actividade e com máximo empenho: Vinhos Magma (na Terceira, Açores, com Anselmo Mendes), Cazas Novas (em Baião, na maior vinha de Avesso – 36 ha – onde trabalha em parceria empresarial com a família proprietária, Cunha Coutinho, e dois outros sócios), Herdade Grande, na Vidigueira, Kranemann Wine Estates, no Vale do Távora, Douro e Herdade do Freixo, Redondo.
Já muito com que se entreter, mas Diogo Lopes não vai ficar por aqui. O enólogo admite ter “em construção” três novos projectos: um, em Melides, “8 ha de uma vinha de sequeiro muito especial”; outro em Alvito, “20 ha de vinha numa das mais históricas propriedades do Alentejo”; e um outro na Beira Interior, “com o meu primo, no projecto Vale do Griz, 6 ha apenas com castas regionais”.
Mas quem é, na verdade, Diogo Lopes? Quais as suas referências, o que o motiva, que vinhos ainda quer fazer? Foi o que fiquei a saber após algumas horas de conversa e mais de uma dúzia de vinhos provados (e, em boa parte, bebidos…). Segue a entrevista.
O que o fez encarar a vinha e vinho como carreira profissional?
Nasci em Lisboa mas tive uma infância com uma base rural muito forte. Na verdade, férias para mim era ir ter com os meus avós à Beira e participar nas diversas actividades agrícolas. Eles eram agricultores, faziam um pouco de tudo, mas a vinha e o vinho eram o orgulho máximo do meu avô. Eu penso que a motivação deve ter vindo daí. Estudei no Colégio Militar, ainda fui para a Academia Naval para seguir o curso de oficial de Marinha, mas após um ano, a paixão pela Agronomia era muito maior. E então resolvi ingressar no ISA. Dentro do curso, foi só após ter travado conhecimento com o professor Rogério de Castro que a decisão de apontar baterias para a Viticultura e Enologia foi tomada. Foi ele quem me conduziu à conversa com o Anselmo Mendes para fazer o primeiro estágio de enologia em 2001. E a partir daí tudo se desencadeou.
Os primeiros anos na profissão, muitas vezes, definem o modo de estar de um profissional. Onde mais aprendeu, o que o surpreendeu, que influências teve?
O curso de Agronomia é fundamentalmente teórico. Os meus primeiros anos a “meter a mão na massa” serviram muito e foram fundamentais para ter contacto com os aspectos práticos do trabalho como enólogo. Na verdade, um enólogo faz muito mais coisas do que só a enologia pura… Há os aspectos burocráticos com as CVR, as encomendas de materiais para engarrafar, a própria manutenção dos equipamentos, gestão do pessoal. Nos primeiros anos creio que todas as semanas aconteciam coisas que eu nunca tinha feito. Desafios pequenos, mas onde é preciso encontrar soluções práticas e rápidas.
E agora entro na parte das influências. Tenho tido a sorte de me cruzar com muita gente e “beber” muitos ensinamentos, mas tenho de relevar um nome: Anselmo Mendes. O Anselmo Mendes sempre me ajudou a criar e a ter um método que seja desbloqueador e descomplicador de situações. Isso foi uma enorme ajuda. Mas o Mestre significou muito mais do que uma primeira oportunidade. Significou testemunhar os processos de experimentação que levava, em particular, em torno do Alvarinho. De um momento para o outro dei por mim a fazer estudos de fermentação em carvalho de diferentes florestas, com diferentes tostas, à procura das expressões mais genuínas das castas. E essa ideia da experimentação e da procura do que é mais genuíno ficou para sempre; acho que define muito do que continua a ser o meu trabalho. Agora dou por mim a fazer testes e mais testes e a descobrir o potencial do Avesso, ou do incrível Viosinho de Lisboa; o Vital em madeira e no ovo de cimento; os Pinot atlânticos; o Sousão e os Potes de Barro da Vidigueira, o carácter vulcânico dos Biscoitos.
Seja porque os anos e o clima mudam, seja porque a viticultura evoluiu, seja porque temos um património brutal de castas por potenciar em Portugal, a nossa atividade de enologia é dinâmica e uma descoberta permanente. E a minha descoberta começou com o Mestre! E depois achamos que fazemos um grande vinho, metemo-nos no avião, vamos à Borgonha e a Sancerre, ou vamos à Rioja, à África do Sul, ou mesmo ao novo mundo, Oregon, Napa, Mendoza… e somos surrados por novas influências, novas inspirações, que nos motivam sempre uma experiência… As viagens “vínicas” servem para apreender imenso.
Alentejo, Lisboa, Douro, Vinhos Verdes e Açores são as regiões onde Diogo Lopes espraia o seu talento.
Iniciou a carreira na vindima de 2001, um ano de boas memórias. O que mais o marcou nessa vindima?
Foi uma experiência incrível na Borges. Até ali, as minhas vindimas eram as feitas na Beira, nos lagares do meu avô. Na Borges tudo era enorme. Tudo muito mais mecânico e muito mais prático. Lembro-me que logo no meu primeiro dia, trabalhámos mais de 12 horas e adorei. O cheiro da fermentação do Loureiro é algo que nunca mais irei esquecer…
Ao longo de quase 21 vindimas feitas (contando com esta que vai a meio) quais as que lembra pela positiva e pela negativa e porquê?
2002 pela negativa. Aquilo foi chuva sem parar durante todo o setembro. 2014 também foi muito complicado, estava tudo no ponto mas depois começou a chover e estragou muita coisa. Pela positiva, 2012 e 2017. Anos perfeitos em equilíbrio. Nestes anos só é preciso não estragar, mesmo. Isso sim, é intervenção mínima!
Trabalha hoje em diversos produtores e distintas regiões (Alentejo, Lisboa, Douro, Vinhos Verdes e Açores) cada uma com suas características. Do ponto de vista de enólogo, o que destaca em cada região e quais os principais desafios/dificuldades?
É super-desafiante trabalhar em regiões tão diferentes. Cada uma tem o seu lado especial e temos de nos adaptar para sabermos tirar o melhor. Na região de Lisboa, a influência do Atlântico é talvez a característica mais diferenciadora e temos de saber aproveitá-la de modo a ter vinhos carregados de autenticidade. O maior desafio é a mentalidade dos viticultores locais que, por vezes, ainda estão muito vocacionados para produzirem volume em detrimento da qualidade. Mas essa mentalidade vai mudando aos poucos. Lisboa é, quanto a mim, a região do continente mais genuinamente atlântica e isso espelha-se na originalidade e qualidade dos seus vinhos, em particular nos brancos. Acredito que a região tem tudo para vir a afirmar-se a nível nacional (na exportação já é um sucesso, mas sobretudo com vinhos de entrada de gama) e para contribuir de forma muito consistente para a afirmação dos vinhos brancos portugueses no mundo. Assim consigamos confirmar todo o potencial existente e alavancar essa grande marca que é o próprio nome Lisboa.
No Douro, destaco a magia das vinhas velhas. As vinhas velhas são um legado que nos foi deixado pelos nossos antepassados e temos de o saber interpretar. A maior dificuldade na região, é a escassez de mão de obra. Todos os anos vejo o rancho das pessoas que vindimam connosco e vejo-o a envelhecer, não há renovação e isso é muito, muito preocupante. Trabalhar num Douro de altitude e virado a Norte (como é o caso da Kranemann) também é desafiante, temos sempre de gastar mais tempo a explicar os vinhos. São, na verdade, vinhos de um outro Douro…
O que gosto mais no Alentejo? A resposta pode chocar alguns, mas aí vai: a maturação das uvas. Contrariamente ao que se podia pensar, considero que o Alentejo tem um clima perfeito para o amadurecimento das uvas. Ficamos com vinhos com uma belíssima estrutura tânica e muito fáceis de beber. Uma das grandes ameaças, no entanto, é o aquecimento global, os fenómenos extremos são cada vez mais constantes e impactam directamente na qualidade final das uvas. A falta de água é outro desafio constante.
Na ilha Terceira e na região de Biscoitos, temos a originalidade dos vinhos vulcânicos. São vinhos verdadeiramente diferentes, com notas únicas e que nos transportam para a ilha. São os Açores em estado puro e sem qualquer tipo de máscara. Ali, a maior dificuldade tem sido a luta contra a pressão imobiliária, que nos Biscoitos é constante e tem levado a um grande abandono da vinha. A par de Carcavelos, os Biscoitos são, certamente, a DO mais ameaçada do país.
Finalmente, na região dos Vinho Verde, a revelação está no Avesso. Mais uma casta branca portuguesa de enorme potencial, que se tem mostrado sempre muito interessante nos diferentes processos de vinificação, com e sem madeira. E que expressa uma zona muito específica, Baião, que carece também de ser valorizada. A grande dificuldade está em explicar que este é um Vinho Verde diferente, longe do “gás e açúcar” com que muitos o identificam. Mudar essa percepção nem sempre é fácil.
Com tantos projectos, regiões, vinhos são muitas as variedades de uva que lhe passam pelas mãos. Quais as que mais gosta e porquê?
Nas brancas, o Arinto e o Viosinho. Na verdade, quase que destacava todas as castas brancas, pois é a minha convicção que temos o maior património de castas brancas do mundo, todas carregadas de originalidade. Mas adoro a versatilidade do Arinto, é uma casta que dá para fazer quase tudo e para melhorar quase tudo. Facilita imenso o meu trabalho.
O Viosinho é talvez a variedade branca com que mais trabalho e a uva que mais expressão tem ganho nos meus projectos. Quando vindimada no ponto óptimo, enriquece muito os vinhos, com estrutura e mineralidade.
Nas tintas, a Touriga Franca, do Douro ao Alentejo, entra sempre nos lotes dos melhores tintos que faço. É uma casta desafiante e que pode originar vinhos emblemáticos. Tenho de destacar também o Sousão, a casta que mais me surpreendeu nos últimos anos, com vinhos verdadeiramente originais.
Um enólogo consultor relaciona-se com vários produtores, com diferentes dimensões, objectivos, posicionamentos de mercado e, até, personalidades, pois as empresas são, sempre, as pessoas que as compõem. Como é lidar com tudo isto no dia a dia?
Creio que se construiu uma certa imagem do enólogo enquanto estrela do sector, uma espécie de tipo que vive apenas a parte mais glamourosa do trabalho, que não dá cavaco a ninguém, mas a realidade é outra: a nossa responsabilidade tem de ser transversal. Temos de ter a humildade de nos saber integrar nos desafios da gestão, da viticultura, da produção e das vendas, porque sem sustentabilidade no negócio não existe futuro. A competência do enólogo também se manifesta na capacidade de entender os projectos que abraça e as pessoas com que se relaciona. Superamos desafios todos os dias, partilhamos opiniões diferentes muitas vezes, mas é possível alinharmos as ideias e concretizar objetivos que realizem todas as partes. Eu tenho um certo privilégio que é poder trabalhar em equipas que funcionam muito bem. E aqui tenho de ressalvar um ponto: equipas de dezenas de pessoas (desde os que andam de enxada nas vinhas, ou de mala de viagem cheia de vinhos, perdidos em aeroportos) que estão nos bastidores, mas que são cruciais. E nós, enólogos, somos apenas mais um elemento na máquina.
Enquanto enólogo tem um estilo, um perfil de vinho que é o “seu”? E procura que esse perfil seja evidente nos vinhos que trabalha ou tem em linha de conta o terroir, o objectivo comercial (e até o gosto pessoal) do seu cliente produtor?
Eu tento sempre que os vinhos sejam uma expressão do local de onde vêm. Acho fundamental que o enólogo tente respeitar o terroir; quando trabalhamos com diversos produtores a última coisa que quero é que se diga que os vinhos são todos iguais. Mas também admito que possa haver pontos comuns, pois enquanto técnico privilégio sempre a acidez natural e o equilibro dos vinhos e tento tomar decisões que vão ao encontro disso mesmo. E naturalmente, as decisões são sempre coordenadas com os produtores com que trabalho, pois os vinhos têm de corresponder às expectativas que eles têm.
Que vinho (tipo/categoria/região) ainda não fez e gostaria de fazer?
Gostava muito de fazer um vinho em Colares, em chão de areia. São vinhos sempre inebriantes, salgados, com máxima expressão Atlântica. Espero um dia conseguir fazer um.
Mais tarde ou mais cedo, boa parte dos consultores acabam por tornar-se também produtores, em maior ou menor escala. A produção faz parte do seu plano?
Sempre tive o sonho de fazer um vinho na Beira Interior, na terra dos meus avós. Foi aí que tudo começou para mim e um dia destes haverei de lá chegar. A propriedade já existe e a realização desse sonho está para mais breve do que já esteve…
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2022)
Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.
José Luís, Sandra, David: Três enólogos do Esporão à conversa

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Após 28 anos a liderar a enologia do Esporão, David Baverstock passou a coordenar a Educação e Cultura Vínica da empresa, fazendo também o acompanhamento de mercados externos como “embaixador” da marca. Porém, cubas e barricas não […]
[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Após 28 anos a liderar a enologia do Esporão, David Baverstock passou a coordenar a Educação e Cultura Vínica da empresa, fazendo também o acompanhamento de mercados externos como “embaixador” da marca. Porém, cubas e barricas não ficam definitivamente para trás, pois vai continuar a apoiar os responsáveis técnicos Sandra Alves, no Alentejo, e José Luís Moreira da Silva (Quinta do Ameal e Quinta dos Murças). A mudança na vida deste australiano de alma e coração português constituiu o pretexto para uma animada conversa com os três enólogos, onde falámos dos novos desafios que todos têm pela frente.
TEXTO: Luís Lopes
David, em Portugal, começaste por trabalhar em 1982, em vinho do Porto, passaste em 1991 para o vinho Douro e em 1992 chegaste ao Alentejo, e ao Esporão. Conheces bem as duas regiões, portanto. Sabes que vários produtores e enólogos, sobretudo do norte do país, ainda olham para o Alentejo como uma região homogénea, plana, que faz vinhos muito iguais. O que dirias a quem vê o Alentejo dessa forma?
DB – Quem diz isso só pode estar com inveja (risos). No Alentejo conseguimos fazer vinhos com escala, de qualidade superior, e praticamente todos os anos, o que no Douro é mais difícil. E os melhores vinhos do Alentejo competem ao mesmo nível dos melhores vinhos do Douro, numa rivalidade muito saudável entre duas grandes regiões. Mas o Alentejo é muitíssimo mais diverso, em termos de solos, castas e clima, do que algumas pessoas pensam. O que tem Beja a ver com Reguengos? Portalegre, por exemplo, é uma das sub-regiões que vai seguramente dar cartas nos próximos anos…
O José Luís tem feito o seu percurso profissional no Douro, entrou no Esporão em 2015 directamente para a Quinta dos Murças, mas recentemente também “mergulhou” nos Vinhos Verdes, tendo já em 2019 liderado a primeira vindima na Quinta do Ameal. Como é passar de uma região continental para uma região atlântica, do xisto para o granito, das Tourigas para o Loureiro?
JLMS – É uma mudança realmente muito grande. O Douro tem o calor, a secura, é uma região de extremos. Chega-se ao Lima e é tudo verde. Fazer a viagem entre Murças e Ameal, durante as vindimas, é como mudar de mundo. É evidente que em termos de viticultura os desafios são muito diferentes, mas o objectivo acaba por ser o mesmo: produzir vinhos de qualidade que expressem cada uma das quintas. No Douro, a expressão do calor e da concentração, nos Vinhos Verdes a expressão da frescura, da leveza, da exuberância.

Uma vindima é certamente pouco para ficar a perceber o Vale do Lima e o terroir da Quinta do Ameal em particular. Ainda assim, o que mais o surpreendeu pela positiva? E qual o principal desafio a superar no Ameal?
JLMS – O que mais me surpreendeu foi a casta em si, a Loureiro. Estou no Douro habituado a trabalhar com 30 castas e nos Verdes passei a trabalhar só com uma. Mas a Loureiro é tão especial no Ameal e no vale do Lima, está tão bem adaptada ao local, que não apetece ali experimentar outras. Fiquei espantado com a sua plasticidade, capaz de fazer vinhos com perfis muito distintos e, sobretudo, vinhos longevos. Quanto ao grande desafio, para mim, passa por perceber melhor a origem, perceber melhor a casta e perceber até onde é que a podemos “esticar”, o que podemos fazer de diferenciador, como a podemos levar a oferecer uma expressão cada vez mais verdadeira.
“O que mais me surpreendeu no vale do Lima foi a casta em si, a Loureiro”, José Luis Oliveira e Silva
Tal como David Baverstock, também a Sandra começou no Douro e integrou a equipa do Esporão em 2001. É fácil ou difícil trabalhar com o David?
SA – Quando cheguei ao Esporão era uma miúda, tinha acabado de sair da Universidade. Foi o David quem me acolheu na equipa, quem me ensinou as principais bases da prova e da enologia, foi ele o meu grande mestre ao longo de 20 anos. E 20 anos é quase metade da minha vida, acho que isso diz tudo… Posso dizer que foi muito fácil trabalhar com ele, é uma pessoa genuína, generosa, que gosta de partilhar o conhecimento. Foi uma sorte ter calhado com alguém com a personalidade dele.
Durante vários anos foi responsável pelos vinhos brancos do Esporão, só mais tarde alargando esse trabalho aos tintos. Há quem diga que fazer um grande branco é mais difícil do que um grande tinto. Está de acordo?
SA – Quando em 2004, ainda com pouco tempo de Esporão, me propuseram ficar com os vinhos brancos, confesso que pensei algo como “ainda agora comecei e já vou ficar com a minha carreira estragada, será muito difícil fazer brancos de topo no Alentejo”. Mas ao mesmo tempo assumi esse objectivo, era algo que tinha de conquistar. Neste momento, diria que é mais natural fazer acontecer um grande tinto no Alentejo do que um grande branco. Só que fazer um branco de primeira linha numa região quente é um desafio aliciante e, quando o alcançamos, como tem acontecido no Esporão, torna-se muito compensador.
Ao contrário do que acontecia quando vieste para Portugal, hoje o enólogo tem uma ligação forte à vinha, conhece em profundidade as suas forças e fraquezas. O Esporão fez uma aposta muito forte no orgânico, no caso do Alentejo com 500 hectares de vinha e mais de 40 castas. Sentes alguma diferença nas uvas que te chegam adega e nos vinhos produzidos em modo orgânico?
DB – Claramente. É uma viticultura completamente diferente. Sem a ajuda dos tratamentos, a película da uva fica mais resistente às pragas e doenças. E, isto pode ser algo empírico, ainda não comprovado com dados concretos, mas desde o primeiro tinto orgânico lançado em 2015 até aos tintos que fazemos agora, sentimos muito maior densidade na cor e nos taninos. De tal forma que temos vindo a alterar o modo como trabalhamos na adega, esmagando menos a uva, fazendo menos remontagens e macerações, separando mais os vinhos de prensa, pois sentimos nas uvas taninos mais sólidos, que não podemos extrair tanto. Isto são análises sensoriais, das provas que fazemos durante fermentações ou na elaboração dos lotes, ainda teremos de trabalhar isto de forma científica, mas tenho ideia de que há uma mudança, para melhor, no perfil dos vinhos.

José Luís, a Quinta dos Murças está também em modo orgânico, a Quinta do Ameal já esteve em tempos, mas deixou de estar. Este é um modelo de viticultura certamente mais fácil de implementar no Douro do que no vale do Lima, não é verdade?
JLMS – Não tenho a menor dúvida. No Douro (e no Alentejo), acredito que é possível ter uma agricultura biológica que seja sustentável. Não basta ter a certificação, temos de estar seguros de que as práticas são as melhores para sustentabilidade. E na Quinta dos Murças estamos plenamente convencidos de que estamos no caminho certo, conseguimos produzir uvas boas e sãs com doses de cobre (uma das principais críticas ao biológico) bastante abaixo dos limites legais, alcançando assim o equilíbrio do ecossistema. No Ameal, a pressão é muito maior. Tendo pegado na quinta só no ano passado, o desafio é perceber se as práticas biológicas são uma solução sustentável para a agricultura que queremos fazer. Ainda não temos a resposta para isso. Gostaríamos que fosse possível, mas temos as nossas dúvidas. Este ano, por exemplo, estivemos até meados de Abril sem aplicar fungicida, mas aí a pressão começou a ser tão grande que tivemos de aplicar. Mas não aplicámos qualquer herbicida. Portanto, talvez na região dos Vinhos Verdes tenhamos de encontrar uma solução intermédia. Neste momento, é a produção integrada. Mas gostava de ir mais longe. Veremos se é possível, precisamos de mais tempo para avaliar.
“A viticultura orgânica levou-nos a mudar o modo como trabalhamos na adega”, David Baverstock
David, da experiência que tens no Alentejo, quais as variedades de uva de que mexem mais contigo?
DB – Nos brancos, gosto imenso de Arinto, acho que é uma grande casta portuguesa, com um papel muito importante nos vinhos do Alentejo. Semillon, que é a base de um vinho que foi e é diferenciador no Alentejo (o Private Selection, em 2001). Gosto cada vez mais de Verdelho (ou Verdejo, como quiserem). No campo das tintas, aprecio Aragonez, está um bocado fora de moda, mas em certos anos, com noites mais frescas, dá vinhos excelentes. Estou menos fã da Touriga Nacional na região, acho que já teve ali o seu momento de fama. E continuo a gostar bastante de Syrah, tem tido problemas com doenças de lenho, é verdade, mas é uma grande casta. E em termos de futuro, até por questões ligadas ao aquecimento global, sem dúvida Alicante Bouschet.

Sandra, partilha da opinião do David ou as suas preferências são outras?
SA – Temos alguns pontos em comum, mas também algumas diferenças. Nos brancos, acredito cada vez mais no trio maravilha do Alentejo: Roupeiro, Arinto e Antão Vaz. Ano após ano, são as castas que respondem melhor às alterações que temos implementado na viticultura e às próprias alterações climáticas. Nos tintos, claramente Aragonez (quando é bom, é muito bom), estou a aprender a gostar de Trincadeira, é uma casta bem interessante, e Touriga Franca, sem dúvida. E aprecio muito o Moreto das nossas vinhas velhas, é diferente de qualquer outra casta.
“Estou no Esporão há 20 anos, estou muito confortável com a responsabilidade”, Sandra Alves
José Luís, a mesma pergunta para o Douro, calculo que casta de Verdes nem vale a pena perguntar…
JLMS – Claro, essa é a resposta mais fácil: Loureiro. No Douro já há algum tempo que não fazemos vinificações estremes de uma casta, o lote é feito na vinha, fazemos co-fermentação, com várias castas a fermentar em conjunto. A ter de escolher uma, seria, de longe, a Touriga Franca, creio que é a casta mais bem adaptada, na vinha e na adega, à região. E também aquela que melhor exprime o que é o Douro. Mas num lote gosto imenso de Tinto Cão e Tinta Francisca (difícil na vinha, mas confere muita frescura e elegância ao vinho). Sendo certo que, no Douro, é o lote das castas que fala sempre mais alto.
Sandra, com a passagem do David para outras funções, a enologia do Esporão no Alentejo está agora nas suas mãos. Sente-se o peso dessa responsabilidade?
SA – Eu estou no Esporão há 20 anos, conheço bem o histórico da casa e tenho muito claro os nossos objectivos, o caminho que vamos percorrer, o nosso futuro. É evidente que há uma responsabilidade, como há em tudo aquilo que fazemos. Mas estou muito confortável com essa responsabilidade. Além de que o nosso trabalho é feito em equipa, apoiamo-nos sempre uns aos outros.
David, uma última questão: não vais ter saudades de uma vindima quase sem tempo para dormir?
DB – Não estou minimamente a pensar deixar de fazer vindimas. Quero fazer (pelo menos!) mais duas vindimas no Esporão e a partir daí vou-me entreter por este mundo do vinho. A vindima vai continuar a estar sempre presente na minha vida.
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2020)[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”default”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]
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Anselmo Mendes: “Vinho Verde é a grande região de brancos de Portugal”

Anselmo Mendes é um nome muitíssimo respeitado junto de apreciadores e críticos nacionais e estrangeiros e, talvez mais significativo ainda, entre os seus pares, enquanto produtor e enólogo. Conhecedor profundo do sector do vinho, tem uma visão clara e objectiva sobre as suas múltiplas vertentes, da viticultura à enologia, passando pela economia, identidade regional ou […]
Anselmo Mendes é um nome muitíssimo respeitado junto de apreciadores e críticos nacionais e estrangeiros e, talvez mais significativo ainda, entre os seus pares, enquanto produtor e enólogo. Conhecedor profundo do sector do vinho, tem uma visão clara e objectiva sobre as suas múltiplas vertentes, da viticultura à enologia, passando pela economia, identidade regional ou modelos de sustentabilidade. Falámos de tudo um pouco com o “senhor Alvarinho”, sem esquecer, é claro, o tema que mais mexe com ele: a Quinta da Torre e a região de Monção e Melgaço.
TEXTO Luís Lopes
FOTOS Hugo Pinheiro
AS ORIGENS
Nascido numa família de agricultores, a lavoura, a vinha, o vinho, eram para ti uma inevitabilidade? Alguma vez equacionaste seguir outro caminho?
Por um lado, era inevitável, pois em criança o meu sonho era ser agricultor. Contrariamente aos jovens da minha geração que queriam fugir da agricultura, e para quem trabalhar na construção civil já era ter mais estatuto. O meu fascínio pela forma como as plantas cresciam e se comportavam levou-me a decidir bem cedo rumar a Lisboa para estudar Agronomia.
Realmente, até poderia ter ido para medicina, mas ser agrónomo era o objectivo. E foi em Agronomia que o meu interesse pelos vinhos cresceu e me levou a escolher Agroindústrias e todas as disciplinas opcionais relacionadas com Enologia.
Como era a vinha e o vinho em Monção e Melgaço na segunda metade dos anos 80, quando concluíste a tua formação académica? Nessa altura pensavas em voltar para a origem?
Na segunda metade dos anos 80, a área de vinha da casta Alvarinho não chegava a um terço da actual. Havia muito mais minifúndio e um fraco conhecimento sobre as mais adequadas formas de condução da vinha. O vinho engarrafado com alguma notoriedade estava confinado à Adega Cooperativa de Monção e ao Palácio da Brejoeira que eram, na verdade, as locomotivas da casta Alvarinho.
Nessa altura tive um convite para trabalhar na sub-região e não aceitei, pois não estava preparado para tal e tinha acabado de entrar para uma empresa, a Sociedade dos Vinhos Borges, onde pensava aprofundar os conhecimentos sobre vinhos.
A tua primeira relação profissional a sério foi intensa e duradoura: dez anos na Borges, assumindo a viticultura e enologia de uma das maiores empresas do sector. Quais os principais ensinamentos que recolheste dessa experiência?
Em primeiro lugar aprendi o que é a cultura de empresa, sua missão e valores. Desenvolvi projectos de vinhas, de adega e mesmo trabalhos científicos e experimentais em colaboração com Universidades. Mas muito importante foi trabalhar em equipa com multidisciplinaridade, onde entravam para além da área técnica, as áreas comercial, marketing, gestão e financeira.
Conheci grandes profissionais, administradores vindos das mais diversas áreas e também fiz muitos amigos. Costumo dizer que a Borges foi uma grande escola, onde também se aprende aquilo que não se deve fazer.
“Uma vinha sustentável deve ter excelente relação produção/qualidade para que possa também ser sustentável economicamente.”
Para além do trajecto na Borges, enquanto consultor ajudaste a criar, de raiz, projectos vitivinícolas de grande notoriedade, como o da Quinta da Gaivosa, um dos pioneiros do Douro moderno. Que desafios se colocavam a quem, em 1991, queria fazer uma empresa centrada no vinho do Douro numa região quase exclusivamente orientada para o vinho do Porto?
Os meus três primeiros anos de Borges foram intensos. Estudava e experimentava tudo o que era tecnologias de vinificação e confesso que tinha bases sólidas de Química, Microbiologia, Bioquímica, Fisiologia, etc. Tive a felicidade de frequentar cursos de formação profissional em Bordéus, fiz pós-graduação em Enologia, e na Viticultura bebi durante muitos anos os ensinamentos do Professor Rogério de Castro.
O desafio na Quinta da Gaivosa era fazer ensaios no quase desconhecido, ainda por cima no Baixo Corgo, na época considerado de baixo potencial vínico. Na altura já dominava razoavelmente a utilização do frio e do calor, a extracção selectiva e a utilização de estágio em barricas e isso foi-me muito útil. Na Gaivosa, foram 22 anos a seleccionar parcelas, estudar pontos óptimos de maturação, afinar vinhos pela elegância. Aprendi muito e dei muito de mim e do meu conhecimento. Tenho imenso orgulho em ter ajudado a construir um projecto que foi, e é, marcante para o Douro.
A tua actividade de consultoria levou-te a trabalhar em quase todas as regiões vinícolas de Portugal. Quais foram aquelas que mais te surpreenderam, revelando qualidades que não esperavas?
Numa primeira fase, final dos anos 80, princípio dos anos 90, o Douro surpreendeu-me pela diversidade, em relação às vinhas velhas, às diferentes altitudes e exposição. Lembro-me bem de conversas com Jorge Dias [ex-professor na UTAD e actual director geral da Gran Cruz] em que dizíamos convictamente que teria de haver uma revolução no Douro DOC, o Douro “não Porto”. Felizmente ela aconteceu e está para durar. No ano de 1998 foi lançado o projecto Lavradores de Feitoria onde participei na execução e no primeiro ano de enologia. Dirk Niepoort mostrou interesse em alguns vinhos destas quintas e a administração ligou-me preocupada porque não sabia o que fazer. Então disse-lhes: isso é muito bom! Convidem-no para accionista. E assim aconteceu.
Na primeira metade dos anos 90, o Dão fez-me pensar. A cada ano era surpreendido, percorria a região com o saudoso Magalhães Coelho [enólogo que apoiou muitos vinhos de quinta no Dão], homem de muita sensibilidade e saber. Alguns vinhos que encontrávamos eram de tal finura e elegância que influenciei a Borges a comprar a Quinta da Aguieira. Mais tarde, em 2004, iniciei uma experiência própria no Dão, em S. João de Areias, e em 2015 apostei na Quinta de Silvares onde os vinhos mostram elevado potencial. Mas isto só não chega e no final de 2019, em conversa com o amigo Luis Abrantes, dono da Quinta da Alameda (onde cheguei a comprar vinhos para a Borges), decidimos fazer uma parceria no sentido de transformar a Alameda numa marca de referência do Dão. Acho que desta vez o Dão vai finalmente assumir uma importância relevante no meu trabalho.
“Boas vinhas com floresta precária, é um modelo que não garante equilíbrio nem ordenamento paisagístico.”
E que regiões achas que estão ainda longe de expressar todo o potencial que têm guardado?
Sem dúvida alguma, Beira Interior e Trás os Montes. São regiões com muitas vinhas velhas de alta qualidade, intervenção mínima, castas desafiantes e diferenciadoras…têm tudo para dar certo.
Escolhe uma ou duas castas para cada região onde trabalhas ou trabalhaste: Douro, Vinho Verde, Monção e Melgaço, Alentejo, Dão, Beira Interior, Bairrada, Lisboa, Açores.
Douro: Touriga Franca e Tinta Amarela; Vinho Verde: Loureiro e Avesso; Monção e Melgaço: Alvarinho e Alvarelhão; Alentejo: Alicante Bouchet e Arinto; Dão: Touriga Nacional e Encruzado; Beira Interior: Síria e Rufete; Bairrada: Baga e Cercial; Lisboa: Viosinho e Cabernet Sauvignon; Açores (Terceira): Verdelho e Verdelho Roxo.
A VITICULTURA
Os enólogos da geração anterior à tua raramente sujavam as botas na vinha. Tu tens com a viticultura uma relação muito estreita e até, diria, invulgar, em termos de conhecimento e comprometimento. Dizer que o vinho nasce na vinha é dizer o óbvio, mas, no teu caso, qual o verdadeiro significado dessa expressão?
O vinho nasce bem na vinha desde que se cumpra um conjunto de requisitos: fazer a escolha certa do terreno; escolher as castas/porta enxerto adaptadas e a densidade adequada às condições de solo e clima; criar condições para eficiente colonização subterrânea e aérea; fazer a gestão do vigor, fertilização e intervenção em verde; trabalhar o arrelvamento e melhoria da estrutura do solo; regular a produção em função do vinho pretendido; avaliar as parcelas e sua diferenciação; fazer a triagem dos cachos na vinha e não na adega. Ou seja, o vinho nasce bem na vinha se dominarmos por inteiro as operações vitícolas e juntarmos um pouco de “feeling”…
A viticultura sustentável está hoje na ordem no dia, recolhendo a atenção de produtores e consumidores, mas muitas vezes colocando no mesmo saco coisas distintas: sustentabilidade, orgânico, biodinâmico, etc. O que é, para ti, uma vinha sustentável e amiga do ambiente?
Desde logo, sustentável é uma vinha que, na sua concepção, tenha no mínimo 10% de matas com árvores de folha persistente e caduca. Uma vinha sustentável terá de seguir um modo de produção que preserve e melhore a estrutura do solo (produção integrada em regiões mais atlânticas e, se for viável, orgânico em clima continental e altitude). Deve ser adoptada rega com o objectivo de uma forte e profunda colonização subterrânea pelas raízes, de modo a poupar água no futuro, dar maior estabilidade à planta e proporcionar frutos de maior equilíbrio e qualidade.
Uma vinha sustentável deve minimizar o uso de fitofármacos, adoptando a prevenção por métodos integrados de avaliação online dos riscos de doenças. Deve ser utilizado arrelvamento para melhorar a estrutura do solo e fertilização recorrendo a consociação de gramíneas e leguminosas, minimizando o uso de adubos químicos. Os herbicidas devem ser evitados ou limitados a uma pequena faixa na linha. Finalmente, uma vinha sustentável deve atingir excelente relação produção/qualidade para que possa também ser sustentável economicamente. Só faz viticultura sustentável quem dominar o conhecimento agronómico e tenha consciência ecológica, social e económica.
“Se a sub-região de Baião fizesse parte da região do Douro, hoje seria o terroir de excelência dos brancos durienses…”
No caso concreto do Vinho Verde, como avalias as mudanças ocorridas na viticultura ao longo da última década? Quais os aspectos positivos e negativos? E que modelo defendes para a viticultura do futuro da região?
Na região dos Vinhos Verdes, a grande maioria das mudanças ocorridas nos últimos 10 anos foram sem dúvida positivas: a área média da vinha aumentou, as castas plantadas estão bem adaptadas, o melhoramento genético destas é evidente e a condução e intervenção em verde melhorou. Um ponto negativo, é o assentar dos tintos da região numa única casta: o Vinhão.
Defendo os aspectos acima referidos para a sustentabilidade futura da viticultura dos Vinhos Verdes. Mas há um ponto fundamental: a paisagem envolvente das vinhas tem de melhorar. Boas vinhas com floresta precária, é um modelo que não garante equilíbrio nem ordenamento paisagístico. A nossa floresta, a floresta da região Vinhos Verdes, é um desastre!!!
Nas várias regiões onde trabalhas deparas-te com muitas variedades de uva, castas tradicionais, castas portuguesas que vieram de outras regiões e castas internacionais. Em todo o mundo há regiões “fechadas” e regiões “abertas” nesta matéria. Como encaras esta questão? Tens uma posição genérica ou cada caso é um caso?
Em Portugal, o nosso conhecimento das regiões e dos vinhos ainda não atingiu a maturidade. Ainda continuamos à procura do perfil certo. Temos um problema que só o tempo resolverá: aumento do preço médio que permita remunerar bem a fileira do vinho. A partir daí, poderemos serenamente construir perfis de vinho com originalidade baseados na diversidade e adaptabilidade das nossas castas. De uma forma global temos de encontrar para cada região um perfil próprio que seja competitivo internacionalmente pela originalidade. Por vezes, a demasiada diversidade de castas e estilos dentro de cada região torna-nos pouco competitivos.
Desde há muito que investigas, experimentas e fazes vinho com a casta Alvarelhão. Muitos consumidores ouviram falar nela pela primeira vez através dos teus vinhos. O que é que vês no Alvarelhão?
O Alvarelhão ou Brancelho não é uma casta fácil na vinha ou na adega. Tem tendência ao desavinho e é muito sensível ao míldio e oídio. Na adega, apanha com facilidade aromas redutores. Mas tem atributos muito positivos: um grande equilíbrio ácido, taninos finos e aromas elegantes e distintos. Aceita com classe o estágio em barricas de carvalho francês e envelhece muito bem em garrafa. É uma casta de que gosto mesmo muito.
A uva Alvarinho resolveu viajar, saiu do vale do Minho e está hoje espalhada por todo o Portugal, do Douro ao Algarve. Tu próprio, a tens usado noutras paragens. Que principais diferenças encontras no comportamento da casta em regiões como Bairrada, Lisboa, Alentejo ou até noutras sub-regiões do Vinho Verde, face a Monção e Melgaço?
A casta Alvarinho dá-se muito bem perto do Atlântico da Bairrada e Lisboa. Aí, em solos argilo-calcários perde acidez e ganha salinidade. Os aromas são menos florais e ganham mais tropicalidade. Mas no Alentejo prefiro o Arinto…
Na região dos Vinhos Verdes, a Alvarinho atinge um bom equilíbrio na sub-região de Basto, mas nas sub-regiões mais atlânticas dos Verdes perde corpo e ganha algum desequilíbrio ácido. A virtude em Monção Melgaço é ter clima temperado de influência atlântica moderada e solos com boa retenção da água. Deste modo, os vinhos têm equilíbrio, corpo e mineralidade. Mas os aromas cítricos com florais só aparecem em alguns solos de excelência.
VALE DO LIMA E OUTROS VALES
Vamos deixar para mais tarde a tua região estrela, Monção e Melgaço, e falemos de uma outra onde também tens apostado bastante, o vale do Lima. É muito diferente do vale do Minho, não é verdade? O que procuras ali?
O Lima difere do Vale do Minho por ter clima temperado de influência atlântica mais evidente. Os solos de origem granítica têm textura franco-arenosa com baixa capacidade de retenção da água. A casta Loureiro está ali muitíssimo bem adaptada, originando vinhos com aromas intensos, florais e cítricos, e uma acidez firme que lhes permite muito boa longevidade. No fundo, é intensidade, elegância, frescura e longevidade o que procuro (e encontro!) nos brancos do Vale do Lima.
Há três décadas já se falava de Alvarinho com respeito, mas o Loureiro só em tempos relativamente recentes ganhou estatuto de casta e vinho de categoria superior. Achas que o Loureiro do Lima poderá vir a ter, globalmente, a qualidade, notoriedade, longevidade, preço, do Alvarinho de Monção e Melgaço?
Estou absolutamente convicto de que o Loureiro tem potencial para lá chegar. Mas o vale do Lima precisa de mais operadores focados na qualidade, precisa de investidores e precisa de tempo, que é o factor mais limitante neste negócio.
“Neste País as medidas são lentas e a agricultura não tem peso para os decisores. Na hora da verdade, abandonam-nos.”
E como vês a ascensão do Avesso?
O Avesso tem pela frente os mesmos desafios do Loureiro, mas precisará de ainda mais tempo para se afirmar como casta e vinho, em Portugal e no mundo. Mas o potencial está todo lá. Se a sub-região de Baião fizesse parte, em termos de denominação de origem, da região do Douro, hoje toda a gente olharia para ela como o terroir de excelência dos brancos durienses…
O PERFIL DOS VINHOS VERDES
Na região dos Vinhos Verdes coexistem vários estilos de vinho mas, de forma simplista, podíamos arrumá-los em dois perfis: “leve, doce, com gás, barato” e “intenso, frutado, seco, ambicioso”. Dois perfis que são, quase se pode dizer, dois modelos de negócio distintos ainda que possam ser complementares. Qual a melhor forma de gerir/organizar/comunicar uma região com estas características?
Não é nada fácil gerir tudo isto, é verdade, pois em alguns mercados Vinho Verde é sinónimo de vinho barato. Nos mercados menos maduros, já senti que a região tem um tecto de preço. E a verdade é que nos últimos 30 anos tenho dispensado muito tempo a desconstruir alguns dos preconceitos e dogmas relativos ao Vinho Verde.
De qualquer forma, a imagem dos Vinhos Verdes tem melhorado muito, e hoje já há a percepção, por parte dos conhecedores, de que é a grande região dos brancos de Portugal. Fazer chegar esta mensagem ao consumidor menos atento é uma questão de tempo e de investimentos de comunicação/marketing bem pensados, direccionados e executados.
São cada vez mais os Verdes de grande qualidade e ambição. No entanto, esse crescimento qualitativo tem sido quase sempre acompanhado pelo crescimento do teor alcoólico, para níveis (13%, 13,5%…) impensáveis há uma década. É inevitável? Ou é possível fazer um grande vinho Verde branco com 11% ou 11,5%?
Eu gosto dos Loureiro perto dos 12% de álcool e os Alvarinho entre os 12,5% a 13%. É possível, sem dúvida, fazer grandes brancos com 11% ou 11,5%, mas abaixo disso, nesta região dos Vinhos Verdes, dificilmente teremos um vinho equilibrado.
E o Verde tinto, que futuro?
Em Monção e Melgaço com viticultura de excelência e as castas Alvarelhão, Pedral e Verdelho Feijão, estou certo de que podemos fazer tintos finos, elegantes e com capacidade de envelhecimento. Na restante região dos Vinhos Verdes, não tenho experiência suficiente de vinhos tintos para poder emitir uma opinião bem fundamentada. Mas parece-me óbvio que o Verde tinto tem de encontrar um rumo e um perfil.
A ENOLOGIA
Como te defines enquanto enólogo?
Como enólogo sou um insatisfeito, ando sempre à procura da perfeição. E a perfeição, para mim, significa exprimir de forma autêntica e séria o chamado “terroir”.
Em Monção e Melgaço, fazer um Alvarinho de perfil tropical (manga, maracujá) ou de perfil citrino (laranja, tangerina) é questão de viticultura ou enologia?
É viticultura e enologia. No respeitante à viticultura, excesso de vigor imprime tropicalidade, carácter que pode ser reforçado na adega por alimentação azotada, baixas temperaturas de fermentação e leveduras próprias para este efeito. Confesso que me incomoda o excesso de tropicalidade, porque desvirtua o perfil muito nobre dos brancos Monção Melgaço.
Este perfil que associa aromas de fruta branca com caroço, cítricos e, em alguns casos, florais, requere bom controle do vigor, regime hídrico que possibilite maturação lenta, bom microclima dos cachos sem exposição solar excessiva.
O ano de colheita é determinante e, em anos frescos sem stress hídrico, os solos franco-arenosos de encosta dão vinhos muito equilibrados com acidez vibrante e uma componente cítrica forte. Os solos sedimentares, ou seja, de zonas de menos altitude com grande capacidade de retenção para a água em anos quentes, dão vinhos frescos e concentrados com grande complexidade aromática.
Na verdade, a interação viticultura/enologia é fundamental para perceber o potencial de qualidade e definir o perfil do vinho, sem contudo desvirtuar a expressão mais séria e genuína do Terroir.
Foste talvez o primeiro a fermentar Alvarinho em barrica, ainda nos anos 80. Como avalias hoje a relação dos Alvarinho de Monção e Melgaço com a barrica?
É uma relação perfeita que começa na vinha. Necessita de mostos com grande equilíbrio açúcar/ácido/taninos. Para isso, não chega ter a grande parcela, é necessário sobretudo colher os cachos de acordo com o seu posicionamento na videira, fazer mais do que uma vindima na mesma parcela. A escolha da madeira, a sua origem, dimensão, tosta e controlo do oxigénio são determinantes. Para mim, as temperaturas de fermentação jogam um papel decisivo no objetivo final, em que a madeira contribui para o equilíbrio e complexidade do vinho mas não o marca, deixando aromas discretos ou quase imperceptíveis.
“Monção e Melgaço é terroir que, de uma forma própria e distinta, exprime vinhos brancos de primeira grandeza.”
Maceração pelicular, curtimenta, “orange wines”. O que tens experimentado nesta matéria?
Comecei em 1999 a estudar a curtimenta e em 2001 lancei um vinho Alvarinho de curtimenta total. Foi um fracasso porque pouca gente o entendeu. Foram necessários 15 anos para compreender este tipo de vinho, foi também importante o estudo das parcelas e, de entre estas, os cachos mais adequados. O meu vinho TEMPO é um exemplo disto. Já o Anselmo Mendes Curtimenta Alvarinho foi o aperfeiçoar da extracção selectiva, limitando a quantidade de polifenóis de modo a ter uma curtimenta “civilizada “. Considero que, no caso da casta Alvarinho, que tem uma relação elevada de sólidos/líquido, o estudo da curtimenta ainda está no seu início.
E vinho “natural”, o que é?
Melhor do que dizer que o vinho é natural ou que se faz vinho natural é dizer como Pasteur: “o vinho é a mais sã das bebidas”. Sã é muito mais do que natural. Hoje, com boa viticultura e intervenção mínima na adega, conseguimos vinhos com teores de sulfitos muito abaixo do máximo autorizado para biológico. Portanto, o sulfuroso não é problema nem define a “naturalidade“ do vinho. O maior problema do vinho é ter uma molécula tóxica, o álcool. Mas sem álcool não há vinho. Por isso, há que beber com moderação para que o vinho continue a ser a mais sã das bebidas.
A ECONOMIA DO VINHO
Sei que uma das tuas preocupações é enquadrar a sustentabilidade económica na noção geral de sustentabilidade da vinha e do vinho. Deverão ser conceitos compatíveis, presumo…
Sem dúvida, altamente compatíveis. E mais do que isso: sem sustentabilidade económica não há sustentabilidade vitícola, ambiental ou outra.
No quadro em que vivemos, com vários canais de distribuição e consumo limitados por via do covid-19, podes elencar, de forma breve, as principais medidas que defendes para a recuperação do sector do vinho?
Disse e escrevi logo em março as medidas que defendo: regulação da oferta pela via da destilação; apoio com parte a fundo perdido e parte a crédito, com carência de 2 anos, para investimento em capacidade de armazenamento; passar de 15% para 30% a introdução de uma colheita noutra sem esta perder o direito a data. Acresce a isto um compromisso de não baixar drasticamente o preço das uvas aos viticultores, correndo o perigo de perdermos património vitícola.
Neste País as medidas são lentas e a agricultura não tem peso para os decisores. Os produtores tem sido contribuintes líquidos para a economia nacional e ilíquidos para o prestígio de Portugal. Na hora da verdade, abandonam-nos. Vamos certamente perder competitividade, pois os outros países produtores foram ajudados, não por Bruxelas mas pelos seus governos. Isto não é só falta de dinheiro: é incompetência para perceber quais são os sectores estratégicos para a economia do País.
PRODUTOR EM MONÇÃO MELGAÇO
O teu projecto enquanto produtor em Monção e Melgaço começou na vindima de 1998. Como foram esses tempos iniciais?
Tenho saudades desse tempo. Fazer vinho de uma forma completamente artesanal, literalmente metendo a mão na massa, é algo que hoje é quase irrepetível. Talvez agora no centro de experiências do Alvarinho, na Quinta da Torre, possamos reviver e repetir esses momentos.
Dez anos depois, estavas a construir a nova adega…
Estava a construir uma nova adega e tomava conta da Quinta da Torre como arrendatário, iniciando a reestruturação das vinhas. Nesse mesmo ano, comecei também a reestruturar quintas no Vale do Lima onde hoje temos 70 hectares, dos quais 20 de Alvarinho e 50 de Loureiro. Em Monção e Melgaço estamos nos 50 hectares, com a maior mancha da casta Alvarinho num terroir que, de uma forma própria e distinta, exprime vinhos brancos de excelência.
E por fim, o grande salto, com a compra da Quinta da Torre em 2016. Que importância tem esta propriedade no teu projecto e no futuro da empresa familiar?
A Quinta da Torre nos seus mais de 60 hectares já nos mostrou que pode originar vinhos diferenciados pelos seus distintos solos, ou melhor, texturas de solos. Vai-nos permitir controlar a produção e garantir autonomia para fazer os grandes vinhos. O controlo da viticultura associado a um terroir de excelência dá-nos esperança para encarar o futuro, tendo como objectivo criar vinhos de grande valor acrescentado.
Esta é uma Quinta com uma história que vem do século XIV e ligada desde sempre à produção de vinho. Possui mais de 1 quilómetro de frente de rio, com matas, levadas de água e moinhos. A casa senhorial tem três torres e capela. Toda a quinta faz parte de uma reserva ecológica onde a viticultura que praticamos está certificada de sustentável.
“Melhor do que dizer que o vinho é natural ou que se faz vinho natural é dizer como Pasteur: ‘o vinho é a mais sã das bebidas’. Sã é muito mais do que natural.”
O que achas que podes conseguir de diferenciador, em termos de vinhos, com a Quinta da Torre?
Hoje, nas provas cegas, distinguimos com relativa facilidade os vinhos da Quinta da Torre de todos os outros que fazemos com uvas Alvarinho oriundas de outras zonas de Monção e Melgaço. Isto diz-nos que a quinta tem uma forte identidade. Os nossos vinhos superiores estão associados a parcelas distintas e estamos a construir um vinho que só sairá para o mercado com um mínimo de quatro anos de estágio. Num futuro próximo, ambicionamos fazer no centro de experiências vinhos de 8 parcelas distintas, para serem apenas vendidos no enoturismo.
ENÓFILO E GASTRÓNOMO
Quais os vinhos (ou tipo de vinhos) que mexem contigo?
Brancos da Borgonha e tintos do Vale do Rhone.
Diz-me três vinhos portugueses de que gostes muito e onde não tenhas qualquer intervenção.
Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa, um tinto do Douro. Quinta das Bágeiras Cercial, um branco da Bairrada. E Mouchão Tonel 3-4, um tinto do Alentejo.
E três vinhos do mundo?
O Chablis de François Raveneau; o Puligny-Montrachet de Domaine Leflaive; e o Côte Rotie Michel Ogier Belle Helene.
Sei que, quando podes, gostas de te agarrar aos tachos e ao fogão. O que gostas mais de cozinhar? E qual o prato preferido que não sabes fazer?
Gosto de cozinhar muitos pratos diferentes, todos eles da cozinha tradicional portuguesa. Por exemplo, nos arrozes, arroz de cabidela, arroz de lampreia (ou não fosse monçanense…) e arroz de pato. Também bacalhau à lagareiro e açorda de bacalhau, camarões al ajillo, robalo no forno. No capítulo das carnes, ensopado de borrego, favas com chouriço e costelas, cabrito assado no forno e carne de porco alentejana.
Quanto a um prato que aprecio muito e não sei fazer como gostaria, é fácil responder: pataniscas de bacalhau. Mas sei fazer o arroz de feijão…
Artigo da edição nº 39, Julho 2020
Entrevista a Francisco Mateus: “O bom e barato não serve o Alentejo”

Em entrevista à Grandes Escolhas, Francisco Mateus, responsável pelo organismo certificador e coordenador do vinho do Alentejo presenteou-nos com uma visão muito lúcida e sem tabus sobre os temas mais actuais que “mexem” com esta grande região vitivinícola. Do mercado de volume às especialidades, das denominações de origem às castas e às novas plantações, da […]
Em entrevista à Grandes Escolhas, Francisco Mateus, responsável pelo organismo certificador e coordenador do vinho do Alentejo presenteou-nos com uma visão muito lúcida e sem tabus sobre os temas mais actuais que “mexem” com esta grande região vitivinícola. Do mercado de volume às especialidades, das denominações de origem às castas e às novas plantações, da sustentabilidade ao Enoturismo, uma longa conversa com muito motivo de reflexão.
TEXTO Luís Lopes FOTOS Mário Cerdeira
Nascido em 1970, o percurso académico de Francisco Mateus passou pelo bacharelato em Engenharia Agro-Alimentar (ramo vinhos) e licenciatura em Gestão, ambos pelo Instituto Politécnico de Santarém, tendo mais tarde concluído a pós-graduação em Direção de Empresas, pela AESE/IESE Business School da Universidade de Navarra.
Iniciou a sua actividade no sector vitivinícola em 1995, no IVV – Instituto da Vinha e do Vinho, nas áreas do controlo e fiscalização, em Santarém, e posteriormente na gestão de medidas comunitárias de apoio. Ainda no IVV, enquanto director de departamento, integrou a equipa que representou Portugal em Bruxelas na negociação entre estados-membros e Comissão Europeia sobre a reforma da legislação base do sector vitivinícola europeu. Também no IVV, preparou e assegurou a gestão operacional dos dois programas de apoio nacional ao sector do vinho, entre 2009 e 2018. Desde Novembro de 2015 é presidente da direcção da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, com a missão de implementar a estratégia para os Vinhos do Alentejo, potenciando e valorizando a marca “Alentejo” no sector do vinho, a nível nacional e internacional. O Alentejo da vinha e do vinho foi, naturalmente, o tema da nossa conversa.
Grandes Escolhas: O Alentejo continua a ter uma posição absolutamente dominadora no mercado nacional (segundo os últimos dados, cerca de 37% em volume e 40% em valor nos vinhos com certificação regional), mas tem vindo a perder algum peso nos últimos anos. Como avalia a situação actual e sua evolução?
Francisco Mateus: Quando olhamos para a evolução dos números ao longo de um determinado período de tempo, devemos sempre ter em conta o volume de vinho disponibilizado no mercado e o preço a que é vendido. E verificamos que ao longo de 5 ou 6 anos o Alentejo teve boas produções e foi colocando cada vez mais vinho no mercado, mantendo a sua quota em quantidade, mas perdendo alguma coisa em valor. Ou seja, durante anos, o Alentejo “alimentou” o mercado, mas com efeitos ao nível do preço. Acontece que 2016, 2017 e 2018 foram três colheitas sucessivas de quebra de produção na região (algo absolutamente inédito nos últimos 30 anos) e, com menos vinho disponível, os produtores fizeram uma correcção de preço para cima, gerando mais valor. Criou-se assim uma situação em que o mercado nacional cresceu devido ao turismo, há mais vinho a ser consumido, mas o Alentejo tem menos vinho para oferecer, seja internamente, seja na exportação. E também não podemos esquecer que as outras regiões portuguesas também estão a fazer o seu trabalho, não estamos sozinhos no mercado. Tudo isto resulta numa ligeira quebra no volume. Mas é de realçar que o vinho do Alentejo, tendo a enorme quota de mercado que tem, consegue ainda assim ter um preço acima da média, o que é bastante positivo.
Mais de 70% dos vinhos portugueses nos super e hipermercados são vendidos em promoção. Tendo o Alentejo um peso muito grande nas cadeias de retalho, que impacto acha que esta realidade tem, não apenas na valorização do produto, mas também na imagem global do vinho do Alentejo?
As promoções são um facto, e não quero dizer que não tenham aspectos positivos. Mas dou-lhe a minha opinião enquanto consumidor e observador atento do que se passa no mundo do vinho. Julgo que promoções com percentagens de desconto muito elevadas, não são um comportamento leal para com todos os produtores que estão no mesmo mercado. O Alentejo, de facto, é uma região que vende muito vinho em promoção, mesmo apresentando um preço médio entre os mais elevados. E acredito convictamente que o Alentejo tem uma qualidade, notoriedade e procura tais que não justificam tanta promoção. Penso que era preferível vender um pouco menos e ter o vinho ainda mais valorizado. Quero que as pessoas olhem para o Alentejo como uma região de onde vem qualidade e que essa qualidade merece um preço superior. Seja no mercado nacional seja na exportação. É isso que nos vai garantir o futuro.
Ou seja, o rótulo bom e barato não é algo que queira colar aos vinhos do Alentejo…
Decididamente, não. Eu sei que existe, eu sei que vende, não sou contra o bom e barato, mas a nossa opção em termos de mercado não deverá ser por aí.
Apesar do sucesso dos vinhos alentejanos em Portugal, nos mercados de nicho, que valem pouco em volume, mas são muito importantes para construir marca e valor, o Alentejo parece perder terreno comunicacional e espaço de prateleira nas lojas especializadas, onde outras regiões vão crescendo. Como explica isso e o que é preciso fazer para reforçar a notoriedade dos grandes vinhos do Alentejo nos mercados de nicho?
O Alentejo tem um pequeno número de produtores que representam uma grande quantidade do vinho alentejano que vai para o mercado. Nesses mercados de nicho o foco aponta normalmente para os produtores de pequena dimensão, são produtores com esse perfil que constituem a novidade, a coisa de que se fala. Essa é uma razão.
Mas também, porventura, no mercado de nicho, não estaremos a fazer o trabalho que devíamos. Por exemplo, os vinhos de topo do Alentejo são colocados no mercado, normalmente, com alguma idade, o que diz também da sua qualidade e longevidade. Isso merecia ser evidenciado face à concorrência directa. Acredito que tem faltado algum arrojo, alguma inovação, alguma garra por parte do produtor alentejano para mostrar que os seus vinhos merecem estar no topo, nesses mercados especializados, ao lado dos mais cotados.
Por outro lado, a força que o Alentejo tem na grande distribuição leva a que as lojas especializadas sejam porventura menos trabalhadas pelos produtores.
Dito de outra forma, não precisam…
Mas não pode ser assim! Temos que ir bater à porta das lojas de nicho, mostrar o nosso produto, comunicar mais e melhor, trazer os compradores à nossa região, impressioná-los com a nossa qualidade e identidade. Temos de potenciar as marcas fortes, mesmo de produtores pequenos. Há todo um trabalho que o Alentejo em tempos fez e que tem de voltar a fazer. Volto a dizer, os produtores das outras regiões não estão parados…
As especialidades (vinhas velhas, castas antigas, talha…), podem contribuir para reforçar a imagem desse Alentejo “de especialidades”, diverso e diferenciador?
Claro! Vou começar pelo vinho de talha. O talha representa um nicho, uma quantidade muito pequena, apenas cerca de 60 mil litros por ano de vinho de talha certificado. Por outro lado, a talha não é um recipiente de fermentação normal, a talha tradicional, que existe em número limitado, é usada para um só vinho, uma vez por ano. Só este facto diz-nos que o vinho de talha será sempre um produto de nicho. Além de que – e isto é uma opinião pessoal – o vinho de talha tem um local e um momento para ser consumido. Não será um vinho que as pessoas vão comprar num supermercado, pela sua raridade, preço e perfil de aroma e sabor. Mas é um vinho para um consumidor exigente e conhecedor, o tal consumidor de nicho.
Quanto à vinha velha, tenho pena de existirem relativamente poucas no Alentejo. A vinha velha foi desaparecendo com as sucessivas reestruturações. Neste momento, segundo os dados de cadastro de que dispomos, numa área total de aproximadamente 22.500 hectares de vinha, existem cerca de 131 ha com mais de 50 anos e 382 ha com mais de 40 anos. No entanto, apesar de não ser grande, é uma área que têm estado mais ou menos estável na última década e estas vinhas mais antigas podem ajudar a reforçar a tal identidade Alentejo de que estava a falar. Sabemos que as vinhas velhas são um património que deve ser preservado e estimado. Mas só pode ser preservado se quem as tem sentir que geram algum valor. Aí há um trabalho que tem de ser feito, até pela própria CVR Alentejana, na exploração comunicacional das nossas vinhas mais antigas. Temos de passar essa imagem para o mercado. E também acho que precisa existir um conjunto de regras que defina, no Alentejo, qual a idade mínima que a vinha deverá ter para se poder usar na rotulagem a designação vinha velha. Isso iria ajudar os produtores a valorizá-las e mantê-las.
No que respeita às castas antigas e mais raras, a mesma coisa. Outro dia bebi um vinho de Tinta Carvalha (uma casta de que dispomos de pouco mais de 4 hectares no Alentejo) de um equilíbrio extraordinário. Nas brancas temos o Perrum, por exemplo, uma casta antiga, com características muito próprias. Tudo isso ajuda a construir uma imagem diferenciadora.
Passando ao mercado de exportação, o Alentejo representa cerca de 20% dos vinhos portugueses com denominação de origem ou indicação geográfica. Como avalia a evolução da exportação ao longo dos últimos anos?
Há um indicador económico muito positivo: a variação de crescimento das exportações é maior do que a variação da certificação. Isto significa que, a cada ano, estamos a exportar um pouco mais entre o volume de vinho disponibilizado no mercado. E, sobretudo, temos aumentado os preços na exportação.
Em termos de mercados propriamente ditos, temos uma grande fatia das nossas exportações em quatro países de fora da União Europeia: Brasil, EUA, Angola e Suíça. Têm sido bons mercados para o Alentejo (a Suíça, em particular, valoriza bem os nossos vinhos) mas sabemos que as oscilações da situação política e económica no Brasil e em Angola têm reflexos no comércio internacional. Depois temos a Polónia, com bons níveis de crescimento, mas a preços inferiores ao que ambicionamos, a França e Benelux, a Rússia, também a crescer, a China, que é um mercado interessante.
Os vinhos do Alentejo chegam a mais de 100 países, há muito por explorar noutros mercados e, de alguma forma, promover a diversificação e evitar a concentração nos quatro mercados que acima referi. Mas isso não é fácil, é preciso fazer escolhas, a capacidade de investimento e de recursos humanos é limitada, sobretudo nas pequenas empresas. Muitas empresas do Alentejo têm pequena dimensão. Num total de cerca de 300 produtores, 13 empresas representam mais de 60% da produção; e mais de metade dos produtores representam menos de 4% do volume de produção. O Alentejo do vinho não é todo formado por grandes empresas, como alguns erradamente acreditam.
O sistema DOC Alentejo assenta em 8 sub-regiões. No entanto, tirando algum movimento que se sente em torno de Vidigueira ou Portalegre, há poucos produtores e consumidores a valorizarem a identidade da sub-região ou a colocá-la nos rótulos. Porquê?
Para lhe responder teria que avaliar região a região. É verdade, em Portalegre há maior utilização do nome da sub-região. Portalegre está a ganhar notoriedade, até porque a maioria das empresas que vieram de fora para o Alentejo elegeram Portalegre como destino. Mas vejo também produtores de Borba e Vidigueira a procurarem comunicar a sua identidade. Há muito vinho de Reguengos a ser comunicado enquanto tal. Já em Moura há poucos produtores, e por isso a sub-região tem pouca visibilidade. O mesmo se passa em Granja-Amareleja. Diria que, porventura, as sub-regiões que utilizam menos o nome na rotulagem serão Évora e Redondo. Mas isso tem a ver com o modelo de negócio e opções de cada um. Para muitos é mais interessante optar exclusivamente pela denominação Alentejo em vez de adicionar o nome da mais pequena unidade geográfica. E outros ainda, podendo utilizar a designação DOC Alentejo, preferem o Regional Alentejano, até por uma questão de flexibilidade, sobretudo nas marcas de maior volume. Por exemplo, se um produtor precisar de comprar vinho ao vizinho e o vizinho só tiver vinho Regional, ficará naturalmente limitado se a sua marca estiver sob a DOC Alentejo.
Uma DOC tem de ter regras e um grau de exigência maior que um IG…
É evidente. Por definição uma Denominação de Origem é algo de conservador. É impensável estar a mexer nas regras de uma DO em cada sete ou dez anos. Podemos fazer ligeiros ajustes ou adaptar as regras à evolução natural das coisas. Mas não podemos recriar uma DO, sob pena de perdermos a identidade. As regras existem para serem aplicadas.
O Alentejo litoral é algo recente no mundo do vinho e o consumidor praticamente não o conhece. No entanto, pode vir a assumir um papel importante no futuro, até num contexto de alterações climáticas. Como vê o investimento de alguns produtores nesta parte menos notória do Alentejo?
Penso que o Alentejo litoral pode vir a tornar-se, no futuro, um daqueles casos que eventualmente justificarão uma alteração às regras da Denominação de Origem. As características especiais que tem, os solos, a influência marítima tão presente, a própria tipologia das castas que estão ali plantadas, tudo isso pode vir a configurar uma nova sub-região. Mas mais importante do que eu achar que pode acontecer, é os produtores que lá estão quererem que aconteça. Se os produtores acham que estão bem assim, porque havemos de estar a mexer nisso?
Penso que essas vinhas litorais são mais um bom exemplo do arrojo e da inovação dos produtores do Alentejo. Os vinhos, nomeadamente os brancos, diferenciam-se claramente dos outros que são produzidos na região e enriquecem a oferta e a diversidade do Alentejo. O investimento que decidiram ali fazer está a dar excelentes resultados e a mostrar um Alentejo diferente, um Alentejo que há 15 anos não existia. Na verdade, há muito Alentejo, é uma região grande e ainda com zonas por explorar.
Em todas as denominações de origem europeias as castas desempenham um papel fundamental na definição da identidade regional. Uma região é dinâmica, mas, como já referiu, o estatuto de Denominação de Origem pressupõe um certo conservadorismo. Uma das últimas alterações que se fizeram na região, abriu a possibilidade de vender como DOC Alentejo um vinho 100% Syrah ou 100% Touriga Nacional, por exemplo. A designação Regional Alentejano para essas castas “não tradicionais” era insuficiente para os objectivos dos produtores?
As alterações que são feitas à legislação resultam sempre de compromissos. Isto quer dizer que nem sempre se consegue aquilo que se ambiciona, consegue-se aquilo em que é possível gerar acordo. A questão das castas é típica deste tipo de “negociações”, digamos assim, nuns casos consegue-se consenso, noutros não.
Em 1988, na primeira legislação para os vinhos do Alentejo, as castas, os lotes, e muitas outras regras eram diferenciados de sub-região para sub-região. Era tudo muito complexo, para a CVR e para os produtores. Na alteração mais profunda que se fez, em 2010, entendeu-se que isso deveria ser simplificado e as regras para as DOC Alentejo serem iguais nas várias sub-regiões. E houve castas que ficaram numa lista das que devem representar, em conjunto ou isoladamente, 75% do lote, e outras que não podem representar mais de 25% do lote.
Acontece que hoje temos mais informação do que tínhamos nessa data. Importaria talvez olhar para o terreno, ver o que existe, o que está cadastrado, com que resultados em termos de vinhos. Interrogo-me se, hoje em dia, se justifica ainda termos essa situação dos 75/25 generalizada a todas as sub-regiões. Se calhar justificava-se um outro modelo. Por exemplo, dizíamos aos produtores que, quem está dentro de uma sub-região, pode usar o nome da sub-região associado ao DOC Alentejo em determinadas condições; deixa de o poder usar se optar por esta ou aquela casta e aí só usa o nome DOC Alentejo; e se entender colocar lá mais umas outras castas, é livre de o fazer, mas o vinho terá de ser Regional Alentejano. Isso tornaria a regra mais fácil e, sobretudo, colocava a decisão nas mãos do produtor. O produtor, conhece as regras, sabe o que pode ou não pode fazer: se decidir num determinado sentido sabe o que pode comunicar no rótulo. A decisão é sua.
No fundo, é assim que funcionam as mais importantes DO europeias…
Sem dúvida. Não podemos esquecer que as regiões não são imutáveis, há inovação, há mudança. E é bom que de quando em vez apareçam umas castas novas. Nós, no ano passado, introduzimos mais uma meia dúzia de castas no Regional Alentejano… É para isso que serve a Indicação Geográfica por oposição à mais conservadora Denominação de Origem.
A área de vinha do Alentejo teve um enorme crescimento desde a demarcação em 1989. Acha que a região não deve ir muito além dos cerca de 22.500 hectares cadastrados até Agosto de 2019?
Em 30 anos do Alentejo mais recente, o que vemos é que a área de vinha cresceu muito até 2003, estagnou alguma coisa até 2013/2014 e, desde então, tem vindo a crescer. Houve um entendimento por parte dos representantes dos agentes económicos regionais de que o Alentejo deveria fazer crescer a sua área de vinha. Assim, referente a autorizações já atribuídas e com possibilidade de plantação até 2022, permitiu-se um aumento de 3.700 hectares, ou seja, uma variação de 17,9% face a 2014. Tem havido, portanto, uma abertura para plantar novas vinhas. Mas entendo que agora a região tem de olhar muito bem para aquilo que tem, avaliar o potencial de crescimento que existe em termos de autorizações já atribuídas, e pensar na produção e no mercado.
Ou seja, na relação entre a oferta e a procura e o seu reflexo no preço…
Exactamente. De forma muito simples, vejo a coisa assim: estamos a permitir que se aumente a área vitícola para mais 3.700 hectares; isso significa que poderemos aumentar, no mínimo, 15 milhões de litros em produção. Ou seja, em 2023 o Alentejo poderá estar a produzir mais 15 milhões de litros do que 2014. E isto se, até lá, não forem dadas novas autorizações! Há que pensar nas adegas que têm de vinificar e armazenar esse acréscimo e no mercado que vai ter de o receber. Vamos colocar este vinho no mercado para o vender ou para gerar valor que ajude a pagar a instalação da vinha?
Já iniciámos este debate no Conselho Geral da CVR Alentejana, estamos a avaliar a informação e a reflectir sobre o futuro próximo da plantação de vinhas no Alentejo. Em tempos decidimos crescer, acredito que agora é tempo de abrandar, ou mesmo parar, para avaliar os dados disponíveis, fazer um balanço e tomar decisões.
O Alentejo foi a primeira região portuguesa a assumir uma preocupação colectiva e institucional com a sustentabilidade. Para além da compensação mais evidente, que é ter um Alentejo do vinho mais sadio e sustentável, acha que é possível fazer reflectir no mercado (em termos de notoriedade e valor) esse investimento ambiental?
Antes de tudo, acredito convictamente que a viticultura sustentável e a produção sustentável de vinho podem ser o trampolim do Alentejo para os próximos anos, um verdadeiro factor diferenciador da região face às suas congéneres.
Quanto à sua questão: a produção sustentável é valorizada pelo consumidor? Pelo menos em duas geografias, os mercados nórdicos e os Estados Unidos da América, temos visto que sim. Mas a verdade é que, globalmente, é algo que o consumidor normal, o consumidor médio, não valoriza. Comunicar uma vitivinicultura sustentável não é fácil. Primeiro porque as pessoas (mesmo os jornalistas) olham para a palavra sustentabilidade e associam-na à questão climática ou económica. Depois, o que é isso de vinho sustentável? O vinho não é sustentável, a forma como foi produzido sim.
Quando o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo foi lançado, em 2014, apresentámo-lo a vários concursos, com sucesso. Muito em breve vamos receber o prémio de Inovação em Meio Rural atribuído pela Comissão Europeia. O nosso programa não é uma coisa académica, é algo que está no terreno, aplicado pelas empresas. Mas como comunicar tudo isto?
Sabemos que o consumidor valoriza uma certificação. Para o ano vamos ter, atribuída por entidades independentes, a certificação de viticultura sustentável e de produção sustentável de vinho. Vamos passar a ter algo concreto, auditável e verificável, que pode ser apresentado ao importador ou ao consumidor final. Porque o que temos até agora é o trabalho efectivo no terreno, coordenado pelo João Barroso de forma incansável, mobilizando os produtores da região no sentido de introduzirem práticas e modelos sustentáveis. A vitivinicultura sustentável é hoje uma realidade no Alentejo, mas é preciso que isso seja levado até ao consumidor através de uma certificação, um selo.
Isso leva tempo…
É verdade. Napa Valley , nos EUA, anda nisto há 20 ou 30 anos e há pouco li uma notícia que referia que 99% da área de vinha está certificada como sustentável. Mas o mercado americano está muito atento a isto e eles são muito bons a comunicar. Nós temos de olhar para os bons exemplos e levar isto até ao consumidor. Mas tenho consciência de que é muito difícil passar esta mensagem no mercado nacional no sentido de criar valor. Hoje em dia, a esmagadora maioria do consumidor português dá muito mais atenção à qualidade e ao preço do que ao modelo de produção do vinho. Isso pouco lhe diz.
Embora os chamados millennials e mais ainda os membros da geração Z, ou geração digital, comecem a pensar de forma diferente…
Ora aí está! Esta geração pesquisa tudo pela internet, está muito mais atenta a tudo o que a rodeia, há uma fatia de consumidores que vai querer saber como os bens que consomem foram produzidos. E quando isso acontecer os vinhos do Alentejo estarão na linha da frente.
A rega é, no Alentejo, um factor de qualidade, não apenas de produção. Mas a disponibilidade de água é limitada. Por outro lado, há quem defenda energicamente que sustentabilidade e rega são incompatíveis. Como gerir a escassez?
Eu não tenho qualquer tabu relativamente à rega da vinha. No entanto, regar intensamente com objectivo de aumentar a produção, não é sustentável, pelo consumo da água e pelo ciclo de vida curto que essa vinha terá. Já a rega optimizada é benéfica. Mas a realidade é que temos um problema de acesso à água no Alentejo. Existe um Alqueva, com uma massa de água gigantesca, mas o Alqueva está longe de Évora e de muitas outras zonas. Há produtores de Reguengos, ali ao lado do Alqueva, e que não têm água. Para além do acesso, há o modelo. A rega de precisão é o caminho que temos de seguir. Não digo “devemos”, digo “temos”. Temos de dar à vinha apenas a água que ela necessita para conseguir viver. No fundo, reproduzir as condições de um ano climático normal. Sem água não há vida. Temos obrigação de dar água à vinha quando não chove. Mas para dar água é preciso tê-la. Acredito que é essencial que consigamos reter a maior quantidade possível de água da chuva, sem colocar em causa, naturalmente, a corrente dos rios e ribeiras. Nestes últimos cinco anos, no Alentejo, tem caído menos água e, quando cai, cai em períodos curtos com enorme intensidade. Se nós entrarmos num período continuado de seca extrema, como tem acontecido na África do Sul ou na Austrália, temos de estar preparados. E isso significa usar bem a água que temos e não desperdiçar a água da chuva.
Uma grande parte do Alentejo vitivinícola é mecanizável, mas não apenas as máquinas dependem de pessoas como também nem tudo se resolve com máquina. Como avalia a carência de mão de obra agrícola e o seu impacto no futuro?
Para isso só tenho uma palavra: dramático. Infelizmente não acontece só na agricultura e vitivinicultura, os outros sectores (a hotelaria, por exemplo), também são afectados pela escassez de mão de obra. Ou não há pessoas para trabalhar ou as que existem não estão disponíveis para aquele trabalho. Para o sector do vinho, tudo isto é um desafio. Quando hoje se instala uma vinha já se prevê o nível máximo de mecanização, não apenas a vindima mas também a poda e outras tarefas. Isto pode derivar numa espécie de “robotização” do sector do vinho (com a conotação negativa junto do consumidor que daí advém), mas eu entendo perfeitamente, se fosse produtor faria a mesma coisa. Se não consigo encontrar pessoas para trabalhar, tenho de mecanizar.
Antigamente dizia-se que a vinha contribuía para fixar populações. Mas cada vez mais a mão de obra vitícola é mão de obra imigrante, os naturais continuam a ir embora…
Há dois factores que para isso contribuem. Por um lado, as vias de comunicação são muito melhores. Posso morar na cidade, em Évora, e trabalhar em qualquer parte do Alentejo. Por outro, o trabalho agrícola não é visto como sendo aliciante. Isto pode ter a ver, como é óbvio, com o nível salarial, mas em muitos outros sectores de actividade os salários não são melhores.
Uma das grandes preocupações da CCDR do Alentejo é a questão demográfica. O Alentejo está a ficar velho e a ficar sem gente. É uma área muito grande do território nacional, uma área onde a agricultura é muito importante e uma área onde há empregabilidade. Mas há muito pouca vontade de ir trabalhar na agricultura. Isto merece uma reflexão dos potenciais empregadores e dos potenciais empregados. No meio de tudo isto, há boas notícias. A Universidade de Évora abriu agora um curso de enologia e, pelo que ouvi dizer, esgotou as vagas. Ainda há pessoas a quererem trabalhar nesta área. E a academia está atenta ao que se passa à sua volta. Este curso em concreto reflecte a dinâmica do sector e questões como eficiência energética e enoturismo são temas curriculares.
É precisamente de Enoturismo que queria falar, para terminarmos a entrevista. Uma Rota do Vinho funciona como elemento agregador e multiplicador? Ou na realidade, no terreno, o Enoturismo é cada um por si, uns amadores, outros profissionais, uns fechados ao fim de semana outros abertos todo o ano?
É um pouco tudo isso. Falando do caso concreto do Alentejo, temos enoturismos excelentes, temos enoturismos com boas condições e com pouco movimento e temos enoturismos onde não vai ninguém. E depois temos a Rota do Vinho do Alentejo. A sala da Rota, localizada no centro turístico de Évora, procura ser um elemento agregador, um espaço onde se mostra o Alentejo do vinho. Mas nós sabemos que é muito difícil levar os produtores a trabalhar em rede, em conjunto. Seria importante que se criassem grupos de três ou quatro produtores, com características diferenciadas: um tem vinhos de talha, outro uma adega moderna, outro ainda uma vinha antiga, todos com vinhos bem distintos. É evidente que existem no Alentejo produtores que não precisam de nada disto, até pelo grande número de turistas que recebem. Mas muitos outros não acolhem quase ninguém. Porquê? Porque não têm condições? Porque não publicitam? Porque têm a porta fechada ao fim de semana? Porque dizem que é só por marcação, mas, quando se procura marcar, o telefone toca e ninguém atende?
Naturalmente, quando na Rota do Vinho alguém pede sugestões de visitas ou marcações, as pessoas responsáveis contactam aqueles produtores que respondem aos mails e telefonemas, aqueles que sabemos que dão resposta com uma oferta enoturística de qualidade. É muito mau para a imagem do turismo do Alentejo quando alguém vai de carro, levado pelo GPS até um produtor que surge nos guias de Enoturismo, e depois chega lá, toca à porta, buzina, e mais tarde aparece alguém a dizer “o senhor engenheiro não está cá”. Isso é muito mau. Sinceramente, preferia que esses produtores não estivessem na Rota. Portanto, e resumindo a resposta à sua questão, no Enoturismo do Alentejo há elevados níveis de profissionalismo e elevados níveis de amadorismo.
Edição n.º32, Dezembro 2019
Adrian Bridge: “Vale a pena proteger o ambiente. Afinal, esta é a nossa casa”

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Ao longo da última década e meia Adrian Bridge tem vindo a revolucionar completamente o grupo de vinho do Porto “Taylor Fonseca”. Inovação no produto e na forma de o comunicar, aposta forte na hotelaria, na cultura, na gastronomia são a sua imagem de marca. Mais recentemente, a criação do Porto Protocol revelou ao mundo a sua preocupação com a sustentabilidade ambiental. Acredita que o sector do vinho pode liderar a luta contra as alterações climáticas e explica-nos porquê.
TEXTO Luís Lopes
FOTOS Anabela Trindade
Adrian Bridge teve o primeiro contacto com o sector do vinho do Porto em 1982, quando conheceu a sua esposa Natasha, a filha mais velha de Alistair Robertson, presidente do grupo The Fladgate Partnership, detentor das marcas Taylor’s e Fonseca, entre outras. Após quase uma década ligado à carreira militar e à gestão financeira, Adrian veio com Natasha para o Porto, onde fixou residência e começou a trabalhar na empresa. Em 2000 assumiu o cargo de Director Geral do grupo, tendo promovido a aquisição de outras casas do sector como a Croft e a Delaforce, e reorganizado toda a estrutura empresarial. De então para cá, o crescimento tem sido constante, assente em grandes investimentos em vinhas e adegas, renovação de marcas clássicas e criação de novos produtos (como o Croft Pink ou os chamados “super tawnies” – velhos, grandiosos e caros), estreando novas formas de comunicar e promover o vinho do Porto. O ano de 2010 marcou o início de uma nova era no grupo: a hotelaria de luxo, com a inauguração do The Yeatman em Vila Nova de Gaia, a que se seguiu mais tarde a aquisição e reformulação do Vintage House, no Pinhão e Infante de Sagres, no Porto. Em fase adiantada de construção está o World of Wine, um grandioso complexo cultural, gastronómico e comercial situado ao lado da Taylor’s, em Gaia.
Adrian Bridge é igualmente líder e mentor do Porto Protocol, uma iniciativa global para mitigar as alterações climáticas, nascida na sequência das conferências Climate Change Leadership promovidas pela Taylor’s. Aos 56 anos, adepto e praticante de montanhismo, esqui, fotografia e aguarelas tem uma relação íntima com a natureza, e a preservação do ambiente, a biodiversidade e a sustentabilidade estão no centro das suas preocupações. Ao nível pessoal, mas também profissional. Porque, como nos diz, “Sentimos o efeito directo das alterações climáticas no nosso negócio. E temos de fazer alguma coisa”.
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O que é que o motivou a avançar para o desafio de organizar anualmente a conferência Climate Change Leadership?
A nossa empresa está profundamente envolvida com o tema há mais de 20 anos, preocupada com a diversidade e a sustentabilidade ambiental. Em 1998, por exemplo, lançámos um vinho do Porto elaborado com uvas orgânicas, um primeiro indício das nossas preocupações nessa área. De então para cá avançámos muitíssimo em práticas sustentáveis nas nossas vinhas, adegas e empresas. Mas a verdade é que nada se consegue sozinho. O clima nas nossas quintas não é diferente do clima nas quintas dos vizinhos. A partir de 2015 temos vindo a sentir de forma cada vez mais acentuada os efeitos das alterações climáticas e achámos que tínhamos de fazer alguma coisa para chamar a atenção para este problema. Pessoalmente, penso que o sector do vinho tem uma grande capacidade de liderar a luta global para contrariar e minimizar os efeitos das alterações climáticas. O projecto Climate Change Leadership é o resultado de tudo isso.
[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”30″][vc_column_text]Onde é que o sector do vinho faz a diferença?
Essencialmente, em quatro aspectos. Em primeiro lugar, a vinha e o vinho estão presentes em muitos locais remotos do mundo onde constituem a única actividade económica relevante. Nós, enquanto sector do vinho, protegemos esses ambientes e evitamos a sua desertificação. Depois, uma enorme parte da economia da vinha e do vinho assenta em empresas familiares, é um negócio geracional baseado em muito do que avós e pais fizeram. E aquilo que hoje fazemos é feito a pensar nos nossos filhos e netos, a quem queremos deixar um futuro melhor. Em terceiro lugar, o vinho é praticamente o único produto agrícola que é vendido com marcas. Nós comemos três ou quatro refeições por dia e, na esmagadora maioria dos casos, não temos qualquer ideia de onde veio aquilo que comemos. Com o vinho isso não acontece. Há uma origem, uma marca responsável, podemos falar directamente com quem o produziu e até visitar o local de produção. Finalmente, o mundo do vinho tem uma grande capacidade de comunicar directamente com o consumidor. E isso é uma enorme vantagem quando sabemos que o consumidor está cada vez mais preocupado com as alterações climáticas e com o ambiente.
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Acha que a comunicação do vinho com o consumidor tem sido a mais correcta e eficaz?
Não, mas tudo isso pode mudar. O marketing dos vinhos está demasiado focado em fornecer ao consumidor informações que não lhe interessam, por exemplo, como o vinho foi fermentado, quantos meses esteve nas barricas, onde e quando fez a maloláctica… Mas se eu der informação relevante, por exemplo, se eu disser ao consumidor que para produzir este vinho utilizámos dois litros de água e para fazer aquele foram utilizados dez litros, ele vai certamente optar pelo que tem menos impacto nos recursos naturais. Há cada vez mais consumidores a optar por vinhos orgânicos porque pensam que o orgânico é melhor para o ambiente, o que nem sequer é necessariamente verdade. O orgânico é bom para muitas coisas, mas a pegada de carbono da viticultura orgânica é mais pesada do que a da viticultura convencional. Na Fladgate, mais do que uma viticultura orgânica, nós praticamos uma viticultura sustentável.
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Em resumo, acredita que sector do vinho pode liderar o processo global de mudança para práticas mais sustentáveis…
Sem dúvida. As alterações climáticas têm um efeito visível no nosso negócio, o sector do vinho tem a capacidade de mobilizar as preocupações e atenções em torno deste assunto e podemos liderar porque somos uma indústria que abarca o mundo inteiro interagindo muito directamente com os consumidores e a população.
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O que espera do Porto Protocol?
Ghandi disse algo como, “o que quer que faças, provavelmente não será muito notado, mas é importante que o faças”. Cada contribuição isolada conta pouco, mas se todos fizermos alguma coisa, isso já terá um impacto grande. De forma simplificada, o Porto Protocol é, em primeiro lugar, um compromisso entre os seus subscritores, oriundos de vários sectores de actividade, para adoptar práticas sustentáveis. Em segundo lugar, o Porto Protocol implica partilhar. Os produtores de vinho têm a mesma planta, que plantam um pouco por todo o mundo. Muitos destes produtores estão bastante avançados em práticas sustentáveis e em mecanismos de defesa das suas vinhas contra as alterações climáticas. Não há tempo nem necessidade de reinventar a roda. Há soluções mais do que testadas, colocadas em prática com sucesso. Partilhar informação é absolutamente fundamental, não apenas na área da vinha e do vinho mas também noutros sectores. Um dos parceiros do Porto Protocol é a Toyota, por exemplo, mas está também a Amorim, da indústria da cortiça, e diversos parceiros da área da logística.
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Ter sido a Taylor’s a dar o primeiro passo é importante para credibilizar o projecto?
Nós fizemo-lo, em primeiro lugar, porque nos preocupamos. E depois, porque temos 327 anos e isso dá-nos credibilidade para falar sobre o que vai acontecer daqui a 20 ou 50 anos. Há também outra razão: o Porto não faz concorrência às grandes marcas de vinho no mundo. A Taylor’s é uma marca bem conhecida e prestigiada, mas é um nicho. E assim as grandes empresas de vinho do mundo não terão problemas em associar-se a um projecto iniciado por nós.
Mas é importante que fique claro: eu não estou a promover a Taylor’s. Eu estou a promover soluções para os problemas existentes. Mas é evidente que, dentro no nosso grupo, entre acionistas e colaboradores, há orgulho por termos assumido esta pasta. Numa empresa com 327 anos o lucro é importante, precisamos dele, mas não é tudo. Precisamos sobretudo de proteger as pessoas, o território, o vale do Douro, a cidade do Porto que é a nossa casa há mais de três séculos. E vale a pena proteger o ambiente em que vivemos. Esta é a nossa casa.
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Como podemos, em conjunto, direcionar consumidores e produtores numa via mais sustentável?
Dou-lhe um exemplo. Há muitos produtores a engarrafar vinhos em garrafas pesadas, de 900 gramas ou 1 quilo, porque muitos consumidores associam as garrafas pesadas a vinhos de maior qualidade. Mas nós sabemos que não há qualquer relação entre o peso da garrafa e a qualidade do vinho. Se nós comunicarmos isto claramente e chamarmos a atenção ao consumidor de que garrafas pesadas não ajudam ninguém dentro da rede logística, de que garrafas pesadas deixam uma maior pegada ambiental, o consumidor vai acabar por preferir vinhos em garrafas leves. Eles querem vinho, não vidro. E se o consumidor rejeitar garrafas pesadas, os produtores vão adoptar outro comportamento.
Nunca devemos esquecer que o consumidor reage rápido. Só há dois ou três anos é que se começou a falar do plástico a sério. Hoje em dia é uma preocupação generalizada do consumidor e as empresas são obrigadas a encontrar soluções diferentes.
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A Fladgate tem investido bastante (e com sucesso, diga-se) no sector hoteleiro. Em que medida é que o negócio de viagens e hotelaria está ciente da necessidade de implementar soluções que vão ao encontro da sustentabilidade ambiental?
Efectivamente, trata-se de um sector com peso importante nesta área. Existe a nível mundial um grande debate sobre a pegada de carbono gerada pelo tráfego aéreo. Mas a verdade é que as pessoas vão continuar a viajar. Não é menos verdade que a optimização de gestão e a evolução tecnológica fazem com que as pessoas viagem, hoje em dia, em aviões cheios e em aviões modernos, bem mais eficientes em termos de consumo. Mas os viajantes quando chegam ao hotel também têm a expectativa que o hotel respeite o ambiente. No caso do Yeatman, por exemplo, todo o aquecimento de águas é feito através de painéis solares. A água oferecida ao cliente, para beber, é recolhida na rede pública, filtrada, refrigerada e gaseificada por nós. As águas utilizadas nos banhos são captadas em minas existentes debaixo do hotel. E depois dos banhos, as águas são tratadas e reutilizadas nos sanitários e na rega dos jardins. Estima-se que, diariamente, no mundo inteiro, há um bilião de pessoas que utiliza água bebível na descarga das sanitas; e mais de dois biliões de pessoas não têm água potável para beber. Esta é, infelizmente, uma realidade e, portanto, o uso racional da água é muito importante para nós.
Mas existem outras vertentes onde a hotelaria pode fazer muito mais e melhor. A forma como se utiliza energia é crucial. Porque é que um cliente precisa chegar ao quarto e ter a televisão ligada? Em alguns hotéis de luxo, por vezes, um cliente sai para jantar, desliga a electricidade, mas quando volta, quatro horas depois ,está tudo ligado de novo porque entretanto um camareiro passou no quarto. Não tem lógica, quando um simples cartão pode ligar à entrada e desligar à saída… O tratamento de lixos é outra vertente importante. No Yeatman, por exemplo, possuímos uma máquina de compostagem do lixo da cozinha. Mas, como disse, há ainda muito para melhorar na hotelaria e nos restaurantes do ponto de vista ambiental.
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Permita-me uma transição temática para o Vinho do Porto, no fundo, a razão da existência desta casa. Dir-se-ia que os tempos não vão a favor do Porto: é um vinho doce e com teor alcoólico elevado, ao arrepio dos padrões de consumo…
Mas é muito bom!
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Estamos de acordo. Mas o que é possível fazer para tornar o Porto mais atractivo para os novos consumidores?
A nossa empresa, que está muito focada nas categorias especiais (os Porto de nível superior) tem o seu negócio em crescimento. Lento, é certo, mas a crescer. O que é preciso? Sobretudo, inovação. Inovação de produtos, de “packaging”, de qualidade. O consumidor é exigente e tem acesso a muita informação, pelo que devemos conhecer bem o que ele pretende, o que bebe, quando e como bebe. Muitas vezes, o problema não está no consumidor, mas na rede de distribuição. Basta que alguém diga que não quer um determinado vinho na sua rede de 500 supermercados para que milhões de pessoas fiquem sem acesso a esse produto. Não porque não o queiram, mas porque não está lá.
É verdade que o Porto tem 20 graus de álcool, mas o gin tem 40 graus e fez um enorme trabalho de regeneração de toda a categoria. O álcool não é o problema. Os australianos fazem muitos Shiraz com 15 e 15,5%. Não há assim tanta diferença para o Porto. Quanto ao ser doce, há muita gente que diz que não quer doce, mas gosta de doce. Temos é que saber quando e como servir o Porto. Não faz sentido sugerir um Porto LBV para acompanhar uma picanha, há vinhos de mesa que cumprem melhor esse papel. Mas se sugerirmos esse mesmo LBV com um brownie de chocolate, então temos um casamento perfeito.
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O renascer do interesse pela mixologia, pelos cocktails, pode ajudar o negócio do Vinho do Porto?
É óbvio. Os mixologistas têm uma mente aberta, estão acostumados a experimentar coisas novas. O Croft Pink , por exemplo, pode deixar desconfiado um sommelier, porque não o estudou na escola, mas é bastante atractivo para um mixologista que pode utilizá-lo como base para desenvolver a sua criatividade. Há um restaurante chamado Little Big’s em Houston, Texas, que faz um granizado com o rosé. Nós fazemos agora um granizado com o ruby Fonseca Bin27.
O vinho do Porto tem orgulho nas suas tradições e beneficia delas, mas devemos incentivar a inovação e, sobretudo, a acessibilidade ao vinho do Porto, deixando de lado a ideia de que este vinho só se bebe com fato escuro ou sentado à lareira. Ou, pior ainda, quando temos cabelos brancos. Nós precisamos relaxar! Não estou aqui para fazer regras, mas sim para fazer um bom produto e deixar que as pessoas o integrem na sua vida.
Não há uma forma certa e errada de beber Porto. Nem um local certo ou errado. Abrimos recentemente um winebar Taylor’s em Lisboa. Porquê só oferecer Porto ao turista na cidade do Porto ou no norte do País? Vinho do Porto é Portugal!
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Orlando Lourenço: “Na Murganheira somos tão exigentes quanto as melhores casas de Champagne”

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Os espumantes portugueses devem-lhe bastante, para não dizer quase tudo. Foi muito por “culpa” de Orlando Lourenço e da Murganheira que as bolhas vínicas ganharam estatuto de coisa séria junto dos consumidores, criando-se o embrião de uma […]
[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Os espumantes portugueses devem-lhe bastante, para não dizer quase tudo. Foi muito por “culpa” de Orlando Lourenço e da Murganheira que as bolhas vínicas ganharam estatuto de coisa séria junto dos consumidores, criando-se o embrião de uma cultura de espumante capaz de apreciar este vinho fora dos momentos festivos. Foi com o seu talento e mestria que os espumantes foram pela primeira vez colocados num patamar de qualidade e preço ao nível dos melhores brancos e tintos nacionais. Aos 69 anos mantém-se absolutamente fiel à escola champanhesa, continuando a inovar e a produzir excelência.
TEXTO Luís Lopes
FOTOS Anabela Trindade
Nascido em 1950 numa quinta em Lamego, Orlando Lourenço cresceu rodeado de vinhas e cedo acompanhou o bulício das vindimas. O seu pai já produzia vinhos base para espumante sob supervisão da Raposeira, a quem eram vendidos a granel, numa relação semelhante à que as casas de vinho do Por¬to tinham com os “seus” lavradores. Sua mãe, operária na Raposeira, onde tinha vários familiares, deixou a empresa em 1949 para casar. O mundo do vinho e dos espumantes esteve assim, desde sempre, bem embrenhado na vida de Orlando Lourenço. Mas não pode dizer-se que estivesse destinado a fazer deste mundo o seu mundo.
Em 1972, a cumprir o serviço militar em Angola, veio de férias à sua terra, aproveitou para trabalhar nas vindimas e conheceu o empresário têxtil Acácio da Fonseca Laranjo, dono da Murganheira que havia fundado em 1947. Uma conversa casual levou o jovem furriel Orlando a oferecer-se para colocar em contacto Acácio Laranjo com a manutenção militar em Angola. A Murganheira começou a vender para lá e, reconhecido, o empresário prometeu-lhe emprego e uma pequena quota quando regressasse a casa. Entretanto veio a revolução de Abril de 1974, as empresas de Acácio Laranjo entraram em colapso e Orlando Lourenço decidiu fazer-se à estrada, cursar o magistério primá¬rio e tornar-se professor, actividade que exerceu durante 16 anos e que lhe valeu o carinhoso tratamento de “professor Orlando” para o resto da vida. Entretanto, nas propriedades familiares, continuou a fazer vinho do Porto para vender às casas exportadoras de Gaia.
Mas o destino voltou a bater-lhe à porta em 1985. A família de Acácio Laranjo, entretanto falecido, propôs-lhe a aquisição da Murganheira, então uma pequena empresa que atravessava vários problemas. Dois anos de avaliação e de angariação de recursos financeiros culminaram com a efectivação da compra em 1987. Seguiram-se três anos de estu¬do com o professor Georges Hardy, na Estação Enológica de Champagne, que chegou a vir fazer duas vindimas consecutivas na Murganheira. Em 2002, surgiu a oportunidade de comprar a Raposeira à Pernod Ricard, que queria desfazer-se das unidades de produção em Portugal. O resto é uma história feita de muito trabalho, viagens, estudo, talento e dedicação. E o menino que se fez homem a ver fazer espumante, acabou por se tornar no incontestado grande mestre dos espumantes de Portugal. Vamos ouvi-lo na primeira pessoa.[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40472″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]No processo de elaboração de um espumante, qual é no seu entender o aspecto mais determinante para a qualidade e perfil do produto final?
É a prensagem, claramente. Repare, das 6 ou 12 toneladas de uva que enchem as nossas prensas, fazemos cinco tipos de vinho. É essa a mais pura escola champanhesa, o fracionamento do mosto consoante a prensagem. A “premiere pièce”, resultante da lavagem das uvas, da retirada de poeiras e eventuais produtos fitossanitários, não é utilizada para espumante, são cerca de 400 ou 500 litros. Muitos pensam que o primeiro mosto que escorre da prensa é o chamado “tête de cuvée” mas isso é completamente errado. Esse primeiro mosto, analiticamente, é uma desgraça. Os “cuvées” só aparecem depois de descartar¬mos a “premiere pièce”. Temos primeiro o “tête de cuvée” e depois a segunda “cuvée”. Os “cuvées” representam um terço do mosto, o de melhor qualidade, utilizado para fazer os espumantes brutos. Depois, com o início da pressão na prensa, vem o “taille”, que é uma fração bastante grande do mosto (acima de um terço), com mais teor alcoólico, pH mais alto e menos acidez que os “cuvées”, e que é aproveitado para fazer os meio-secos. Finalmente, o “rebêche”, resultado da maior pressão da prensa. No final, juntamos a “premiere pièce” ao “rebêche” e vendemos esse vinho a granel, algumas centenas de milhares de litros por ano. Portanto, apenas uma parte do mosto de cada prensa é utilizado para os nossos espumantes e, no caso dos brutos, por vezes menos de um terço.
Isso faz toda a diferença na qualidade do vinho base…
Sem dúvida. Quando visito algum produtor que faz ou pretende fazer espumante, a primeira coisa que vou ver são as prensas. Só depois vejo a cave. Eu explico sempre isto: a prensagem é essencial, as mesmas uvas fazem cinco vinhos diferentes. A qualidade média do Champagne seria muito melhor se a região tivesse um mercado forte de “meio-seco” e “doce” e pudesse encaminhar para esses vinhos uma grande parte do mosto menos nobre. Como o mercado de “não bruto” representa para Champagne menos de 2%, o resultado é que esses vinhos base menos interessantes entram todos nos espumantes não datados. Os “cuvées” são utilizados sobretudo para os “millesimé”, os vinhos datados.[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40474″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][vc_column_text]Que características deve ter um bom vinho base para espumante? E o que é para si um grande espumante?
Uma boa base, depois da primeira fermentação, deve ter todo carácter da casta no aroma e uma boca um pouco neutra, de forma a revelar todo o seu potencial com a segunda fermentação. O vinho base deve ter aromas expressivos, mas finos, sem exuberâncias, e uma maior neutralidade de sabor.
Já um grande espumante define-se pelo corpo e pela elegância. No meio disso está a acidez. Procuramos chegar a um corpo cheio, que possa casar com a acidez e a elegância.
Essa procura de um vinho mais estruturado, encorpado, não poderá conduzir por vezes a teores alcoólicos elevados e menor acidez e frescura?
Se nós queremos espumantes com muito estágio, como é o perfil dos Murganheira, temos de ter uma sólida estrutura no vinho. Em Champagne o teor alcoólico “oficial” anda pelos 12,5% mas há uma margem autorizada de mais 0,8%. O que significa que os grandes Champagne tem sempre mais de 13% de álcool mesmo que não o indiquem. Nós andamos por aí, 13% ou 13,5%, mas em alguns anos atingimos 14%, porque a acidez era de tal forma elevada que necessitávamos de mais maturação. Aqui conseguimos boas maturações e vinhos encorpados com 9 g/l de acidez total e pH abaixo de 3. Champagne bem gostaria de ter estas condições naquele terroir…[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Quais são as suas castas preferidas para espumantizar?
Começando pelas tintas, gosto muito da Touriga Nacional, espumantizada em branco, acho que resulta de forma fantástica. Aprecio bastante, também, o Pinot Noir e a Touriga Franca. A Tinta Roriz é mais caprichosa, mas em alguns anos comporta-se muito bem. Já vi bons resultados de Alvarelhão e gostei igualmente de alguns Baga, não todos, mas entre eles há vinhos excelentes.
Nas castas brancas destaco o Chardonnay. O problema é que temos vários Chardonnay em Portugal, e dependendo do viveirista que fornece as plantas, obtêm-se resultados bem distintos. Na obtenção de um grande vinho base de Chardonnay o terroir é absolutamente fundamental, não resulta bem em todo o lado. Temos em estágio algumas experiências interessantíssimas com Sauvignon Blanc, vinhos cheios de frescura e elegância. Das variedades tradicionais da região evidencia-se a Malvasia Fina e o Gouveio. Já experimentámos o Rabi-gato, que é uma casta ácida, o que em si mesmo é bom, mas depois falta-lhe a estrutura…
Há quem diga que, em Portugal, por muito bons espumantes que façamos com as castas nacionais, o Chardonnay e o Pinot Noir são sempre imbatíveis. O que pensa disso?
Globalmente, estou de acordo. São castas difíceis de trabalhar no clima português, de uvas pequenas, que amadurecem com muita rapidez e exigem muita atenção para não as deixar passar do ponto ideal. Mas depois oferecem uma finesse, uma elegância, classe e qualidade extrema ao vinho.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”30″][divider line_type=”No Line” custom_height=”30″][image_with_animation image_url=”40477″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Existe um estilo Raposeira e um estilo Murganheira? Como é que os define?
Sem dúvida que existem dois estilos distintos nestas casas. A Murganheira assume um estilo 100% champanhês, em todo o processo de produção, desde a viticultura à espumantização, passando pela elaboração do vinho base. A grande diferença entre a Murganheira e as boas casas de Champagne está, obviamente, no terroir, que origina perfis de vinho diferentes. De resto, somos tão exigentes quanto as melhores casas de Champagne.
Quando cheguei à Raposeira foi preciso fazer uma revolução qualitativa. Decidi implementar as mesmas técnicas usadas na Murganheira, nomeadamente o fracionamento do mosto e a exclusão do “rebêche”. Mas enquanto na Murganheira vinificamos 42 castas separadas na Raposeira isso não é possível, separamos apenas o Pinot, o Chardonnay, as Tourigas Nacional e Franca, o resto é vinificado em conjunto. Também no que respeita ao estágio, na Raposeira os espumantes passam menos tempo sobre as leveduras da segunda fermentação. Isso induz um estilo que poderia classificar como mais “português”, recuperando aquilo que era tradição na Raposeira que eu conheci nos anos 60 e 70. O objectivo da Raposeira é oferecer ao apreciador uma excelente relação qualidade-preço, é assumir a marca como o grande espumante natural de Portugal.
Quais são as regiões que identifica como tendo especial potencial para produzir espumantes de qualidade?
Estou na minha região, e acredito que Távora-Varosa, atendendo às castas, à altitude média da vinha, exposição solar, solo, é uma região de excelência para espumantes. Mas não tenho dúvidas que na Beira Interior, Douro e Trás-os-Montes, desde que as vinhas estejam acima dos 450 metros, se podem fazer muito bons espumantes. A Bairrada não está a essa altitude, mas tem castas perfeitamente adequadas ao clima mais atlântico que ali se sente, sendo por isso obviamente uma região predestinada para espumantes de qualidade.
No Alentejo é bem mais difícil. Fiz espumantes na Tapada do Chaves e ali era preciso vindimar no início de Agosto para conseguir álcool e acidez adequados. Mas as uvas precisam que o Verão passe por elas, e naquela região, colhidas com 11% ou 11,5% graus, não mostram o que é preciso para fazer um grande espumante. No equilíbrio entre álcool, corpo, fruta, acidez, há alguma coisa que falta, sobretudo ao nível do pH.[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40479″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][vc_column_text]Como avalia a cultura de espumante em Portugal? Acredita que a maioria dos consumidores de espumante sabem a diferença, por exemplo, entre o método clássico e a cuba fechada?
Grande parte não sabe, efectivamente. Mas também lhe digo que uma casa como a Murganheira tem muitos milhares de clientes fiéis, que sabem e valorizam o que fazemos. Há muito mais gente a saber de espumante do que possamos pensar. A construção de uma cultura de espumante em Portugal deve-se, quanto a mim, a dois factores. Um, sem falsas modéstias, acredito que esteja no trabalho que tem sido feito pela Murganheira. E o outro, no trabalho feito por si (e pelos seus colaboradores) enquanto jornalista e formador desde há três décadas.
Obrigado, pela parte que me cabe, mas não sei se será bem assim…
Não tenha dúvidas disso. Em 1989/1990 ninguém sabia o que era espumante, acredite. Só se bebia meio-seco e doce e apenas nas festas e aniversários. Poucos apreciavam um espumante como aperitivo ou acompanhando uma refeição, era um produto sazonal, vendia-se na Páscoa e no Natal. Não há qualquer comparação com o merca¬do e a cultura de espumante que temos hoje.[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40486″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][vc_column_text]Mas o crescimento do mercado de espumante também tem efeitos perversos. Como vê o facto de encontrarmos no mercado espumantes método clássico vendidos a 3 euros?
Vejo isso com grande apreensão, quer enquanto produtor quer enquanto presidente da Comissão Vitivinícola de Távora-Varosa. A nossa região não está a praticar esses preços. E não percebo como é que alguém pode praticá-los e ganhar dinheiro. Provavelmente, paga-se um preço miserável aos fornecedores de uva; provavelmente, são excedentes de vinhos brancos comuns que funcionam como vinho base; provavelmente, 70% do que é vendido como método clássico (entendido como segunda fermentação na garrafa, com leveduras livres) na verdade, não o é, são vinhos feitos com leveduras imobilizadas.
As leveduras imobilizadas são uma grande descoberta, facilitam muito os processos e permitem fazer espumante por todo o lado, mas por alguma razão estão proibidas em Champagne. O espumante que resulta deste método nada tem a ver com o espumante originado pelo contacto e estágio prolongado com as leveduras livres. E eu conheço bem os resultados das leveduras imobilizadas porque a empresa que as desenvolveu e comercializou pediu-nos, logo no início, colaboração para as testar e fizemo-lo ao longo de vários anos. Os resultados dos testes nunca nos convenceram, o espumante feito com leveduras imobilizadas ficava muito longe do nível de qualidade do verdadeiro método clássico, sobretudo para espumantes com estágio prolongado. E para fazer um espumante de meia dúzia de meses, então mais vale fazer em cuba fechada, é mais barato, mais eficiente e o resultado qualitativo é idêntico ao obtido com as leveduras imobilizadas. A cuba fechada, ao menos, não engana ninguém e até tem um nome bonito, Charmat…[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Acha que a distinção, na rotulagem/embalagem, entre método clássico com leveduras livres e espumante com leveduras imobilizadas deveria ser evidente?
Claro que sim! E posso desde já anunciar-lhe, em primeira mão, que esta casa vai promover, em conjunto com outras que queiram aderir, a criação de uma entidade privada que possa certificar o método clássico em toda a sua pureza. Não quer dizer que os espumantes baratos que por aí andam sejam maus produtos, nada disso. Mas são gato por lebre. Vamos fazer tudo para criar um nome e uma entidade certificadora que ofereça uma garantia de genuinidade, uma garantia de que o vinho é feito pelo método clássico verdadeiro.
Leveduras livres e remuagem constituem o método de Champagne, o genuíno método clássico. Se a legislação é omissa neste aspecto, se o Instituto da Vinha e do Vinho não se quer meter no assunto, então teremos que ser nós, os produtores, a defender, promover e certificar o método clássico em toda a sua pureza. E a garantir que o consumidor sabe o que está a comprar e a beber.
A fermentação com leveduras livres e o estágio prolongado estão interligados. A Murganheira tem-se salientado pelo estágio singularmente prolongado que faz aos seus espumantes. O tempo que o vinho leva sobre as leveduras que importância assume no resultado final?[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”20″][image_with_animation image_url=”40481″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]O estágio prolongado permite-nos fazer uma coisa fantástica: selecionar para os espumantes brutos o melhor vinho base possível. Os vinhos base para um espumante jovem são distintos daqueles que escolhemos para um espumante que vai ficar guardado em cave ao longo de muitos anos. Depois, o repouso sobre as leveduras livres afina o vinho de uma forma absolutamente única, a todos os níveis, bolha, aroma, sabor, equilíbrio. E o estágio prolongado faz, efectivamente, parte intrínseca do estilo Murganheira, da nossa identidade enquanto casa produtora.
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]De entre os grandes espumantes que já fez ao longo da sua vida, qual foi aquele que mais o surpreendeu pela positiva, aquele que mais excedeu as suas expectativas?
O Murganheira L’Esprit de la Maison, que agora colocámos no mercado, em garrafa magnum, e que resulta de um lote de Pinot Noir, Pinot Meunier e Pinot Blanc. Este é o de 2011, mas fizemos também nas vindimas seguintes e o resultado é fantástico. E temos aí outras coisas muito interessantes, com três ou quatro anos de estágio, mas que só vão ver a luz do dia daqui a sete ou oito anos.
Mas gosto especialmente do nosso Assemblage, integralmente feito com castas portuguesas, brancas e tintas, vendido com 10 ou 12 anos de idade e que evidencia toda a nobreza do nosso terroir e do estilo Murganheira.
Como é que se sente ao introduzir uma determinada inovação numa vindima (em termos de castas, lotes, vinificação, etc.) e saber que os resultados desse esforço criativo só vão ser colocados à apreciação do mercado daí a 10 ou 12 anos?
Eu não sou precipitado. Como sabe eu cheguei de muito baixo ao espumante e tive algum sucesso muito novo. E nunca me envaideci com isso. Tenho sido muito pressionado por compradores no sentido de vender espumantes mais jovens. Está fora de questão. Se eu já não estiver cá para recolher os louros, estarão os meus filhos e a minha nora (a enóloga Marta Lourenço) e estarão apreciadores que irão beber esses espumantes e críticos e jornalistas que irão escrever sobre eles. Os meus netos ainda são muito pequeninos. Têm tempo de amanhã usufruir de tudo isso. Eu não fiz mais do que a minha obrigação.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]
Dirk Niepoort: “Gosto de vinhos que mostrem de onde vieram”

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Dirk Niepoort é uma das mais mediáticas personalidades do vinho português e a sua figura, com os desgrenhados caracóis, o colete sem mangas, os “crocs”, é conhecida de quase todos os enófilos. No entanto, Dirk é muito […]
[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Dirk Niepoort é uma das mais mediáticas personalidades do vinho português e a sua figura, com os desgrenhados caracóis, o colete sem mangas, os “crocs”, é conhecida de quase todos os enófilos. No entanto, Dirk é muito mais do que a sua imagem de marca. É alguém que revolucionou uma empresa familiar, antecipou modas e tendências, acolheu e impulsionou dezenas de pequenos produtores, ajudou a transformar uma região. Mas o que pensa realmente Dirk Niepoort, sobre a vinha, o vinho, o Douro, Portugal? Fomos perguntar.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” equal_height=”yes” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom” shape_type=””][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]TEXTO: Luís Lopes
FOTOS: Anabela Trindade[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_column_text]Aos 54 anos, Dirk Niepoort já fez muita coisa, mas continua um espírito inquieto. Numa entrevista em que passa em revista o passado, analisa o presente e perspectiva o futuro, deixemos que seja ele a definir o seu estilo, a confrontar as suas opções e a explicar as suas ambições: “A minha forma de aprender é fazer. Quanto mais vinhos fizer mais aprendo.”[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Foi recentemente notícia, junto dos profissionais e dos enófilos mais atentos, a tua aquisição de todas as participações familiares da Niepoort. O que significou para ti este passo?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]A Niepoort vivia uma situação complicada, mas semelhante à que ocorre em muitas empresas familiares: duas pessoas (no caso eu e a minha irmã Verena) com igual peso e responsabilidade ao nível da gestão, mas formas muito diferentes de ver o negócio e as estratégias e caminhos a seguir. Até podemos ambos ter razão, mas não eramos compatíveis e a situação não era saudável para a empresa. Um de nós teria de sair para deixar o outro seguir o seu caminho. Assim, negociámos, chegámos a um entendimento e acabei por seu eu a comprar a empresa. [/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”29357″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”Foram momentos difíceis…” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]É verdade. Ao longo da minha vida, a minha prioridade sempre foi a Niepoort. Trabalhar na e para a Niepoort era tudo, esquecendo muitas vezes a minha família, apenas pela satisfação pessoal de estar aqui. A dada altura, porém, fiz um reset, e comecei a dar a prioridade à família, à minha mulher e aos meus filhos, e ao futuro deles e com eles. E percebi que a empresa não era tudo e que, se não me entendia (em termos de gestão empresarial) com a minha irmã, seria pouco provável que os meus filhos e os seus primos se entendessem. Não podia deixar aos meus filhos um foco de problemas. Podia ter sido a minha irmã a comprar e eu iria fazer outras coisas, mas a separação era inevitável. Afinal fui eu que comprei as participações dos meus pais e da minha irmã e agora estou livre para fazer o que quero, quando quero e como quero. E com o apoio da óptima equipa que temos na Niepoort, posso consolidar a empresa para a entregar saudável às próximas gerações.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”A empresa e o sector mudaram muito desde 1990. Na altura, a Niepoort era Vinho do Porto e alguma aguardente. Desde então, o Douro DOC entrou em quase todas as empresas de Porto, mas na Niepoort de forma particularmente radical. Hoje em dia o Porto representa apenas 30% do negócio da firma. O que te levou a trilhar esse caminho? ” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Eu gosto de sonhar e pensar não a dois meses ou dois anos, mas a vinte anos. Mas não sou um visionário, isto foi algo que aconteceu naturalmente. E há uma estória curiosa por trás disso. Em 1987, quando estava a completar a aprendizagem na Califórnia e a voltar para Portugal, uma pessoa amiga perguntou-me se eu ia fazer vinho no Douro. E eu disse que não, o meu objectivo era fazer Vinho do Porto. “Mas vais fazer vinho tinto?”, insistiu. Não sei se dá, posso experimentar, respondi. “E que estilo de vinho vais fazer?” Bom, o meu primeiro vinho vai ser um monstro. Mas, se calhar, daqui a vinte anos farei vinhos elegantes. “E porque não fazes desde logo vinhos elegantes?” Porque a minha escola é a californiana e eu gosto de vinhos pesados, poderosos, com extração e barrica evidente. Mas ouço dizer que há vinhos franceses muito bonitos e elegantes, tenho de conhecê-los, ver se gosto e, se for o caso, aprender a fazer vinhos assim. E foi isto que aconteceu. Quando cheguei a Portugal era uma folha em branco, não sabia de vinho de mesa nem de Vinho do Porto. Precisei de aprender.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Mas já tinhas bem enraizada uma cultura de Vinho do Porto…” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]É verdade, mas nós eramos negociantes, não produtores. Eu não tinha acesso directo à vinha, somente à sala de provas, onde aprendi muito com o Zezé Nogueira, nosso grande provador. No entanto, sempre tive um grande fascínio pelo Douro região, pelo Douro vinha, e quando voltei, em 1987, o meu pai, Rolf, comprou a Quinta de Nápoles. Um ano depois, comprámos a Quinta do Carril. O foco continuava a ser o Vinho do Porto, claro. Curiosamente, não fiquei nada contente, no início, com a compra da Quinta de Nápoles, porque achava que não era o ideal para Porto. Contrariado, fiz lá duas vezes Vinho do Porto, com maus resultados, até nos convencermos todos que a quinta não dava para o pretendido. E, desta forma, fui quase “obrigado” a fazer vinho Douro das uvas de Nápoles. E ainda bem! Foi assim que tudo começou, como que por acaso. Não sei se isto é uma “aldrabice mental” que conto para mim próprio…[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Acho que é…” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text](risos) A verdade é que a partir daí comecei a inventar com o que tinha à mão. Na altura, a Niepoort era uma pequena empresa que não tinha dívidas, mas também não tinha dinheiro, não havia grandes lucros. Eu entrei numa empresa que tinha um bom nome na praça junto dos especialistas, mas eramos uns ilustres desconhecidos para o consumidor. A pouco e pouco fui fazendo experiências com o vinho não fortificado e as coisas começaram naturalmente a crescer e a ganhar peso.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”29373″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”O que é que na altura te atraía para o vinho do Douro?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]No Vinho do Porto não é preciso fazer revoluções, é mais uma questão de evolução. No Porto, a gente “sabe” quais são as vinhas ideais, a gente “sabe” como se faz o vinho, existe um conhecimento transmitido de geração para geração, as mudanças que podemos fazer são detalhes, nada mais. O vinho de mesa do Douro implicava começar do zero, uma revolução total, e esse desafio fascinava-me. Por exemplo, procurava as vinhas altas, mas não sabia porquê. Apenas em 2004, quando fiz o meu primeiro vinho na Áustria, percebi que as vinhas altas faziam sentido. Depois fui descobrindo as vinhas viradas a norte e muitas outras coisas que eram determinantes naquilo que eu queria fazer.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”E, a pouco e pouco, foram nascendo muitas marcas…” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]As pessoas dizem que eu faço vinhos a mais, e não tenho dúvida de que é verdade. Mas há que perceber que na Niepoort existem alguns vinhos (Redoma, Batuta, Charme, e o Porto, claro) que são a base de tudo, o coração da empresa. Os outros vejo-os como satélites, que são fundamentais para experimentar, para aprender, para melhorar, para acertar detalhes. O Diálogo, por exemplo, foi um vinho que começou como um “satélite” e depois se tornou algo de muito importante.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Em resumo, e para responder à tua questão inicial, a Niepoort de hoje nada tem a ver com a Niepoort de há 30 anos, mas isso não se ficou a dever a uma estratégia pensada e executada. Foi a paixão pelo vinho e pelo Douro que fez com que eu seguisse esse rumo.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Douro e Porto são dois produtos com origem da mesma região, diferentes, mas complementares. Como achas que deveria ser o caminho de um e de outro?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Um dos problemas do sector do Vinho do Porto são as casas quererem “democratizar” este vinho como forma de desenvolver o negócio. Democratizar é importante em tudo, mas aqui a democratização transforma-se em banalização. Eu gostava mais de ver o Porto como um produto “snob” e antiquado, elitista se quisermos, mas não banalizado, do que aquilo em que se está a tornar, quando se inventam formas para tentar levar as pessoas a beber um Porto barato em qualquer momento.
O futuro do Vinho do Porto é indissociável do futuro do Douro vinho e do Douro região. A meu ver, deveríamos reduzir a quantidade de Vinho do Porto, deixar a excessiva dependência que temos de Porto barato para supermercados, apostar mais nas categorias superiores (como é o caso dos Colheita), aumentar a qualidade geral e, consequentemente, o preço dos vinhos. O Porto deveria ser encarado como algo de especial, raro, desejável, que não é para todos nem para todos os dias.
[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”E que papel estaria reservado para os vinhos Douro?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Um papel essencial. Porto e Douro são duas faces da mesma região. Se produzirmos menos Porto, mas melhor e mais caro, podemos focar-nos em criar marcas fortes de brancos e tintos durienses. O Douro região precisa de diversas marcas de 300 ou 400 mil garrafas, de vinhos com personalidade e carácter regional, que possam ser vendidos em qualquer parte do mundo. Até em supermercados, claro, mas sem ser baratinhos, até porque os custos de produção na região não o permitem! Vendendo melhor estes vinhos, pode-se pagar melhor ao lavrador e compensá-lo do que irá perder ao vender menos uvas para Porto.
Paralelamente, a região deveria apostar em “vinhos de garagem” para mostrar ao mundo que conseguimos fazer no Douro vinhos tão bons como em Bordéus, Borgonha ou qualquer outra região de topo.
Se fizermos tudo isto e, ao mesmo tempo, implementarmos e generalizarmos no Douro um turismo de qualidade, o futuro da região, das empresas e dos lavradores está garantido. Agora, se continuarmos a baixar preço no Vinho do Porto, o negócio deixará de ser sustentável e toda a região fica a perder. É por isso que acho um disparate dizer-se que o Porto está a subsidiar o vinho do Douro. Se o sector não arrepiar caminho na forma como encara o Vinho do Porto, vai ser o vinho do Douro a ter de subsidiar o Porto para assegurar a sua sobrevivência.
[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”O Douro Superior tem vindo a assumir uma importância crescente, tanto para os vinhos Douro como para os vinhos do Porto. Mas há 30 anos, falava-se com algum desdém do Baixo Corgo e do Douro Superior, apontando-se o centro do vale, o Cima Corgo, como a zona de eleição. Como encaras as três sub-regiões e o seu potencial para Porto e Douro?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]O Cima Corgo, para mim, continua a ser a zona de eleição. Quanto ao Douro Superior… Sei que alguns produtores vão ficar chateados com o que eu vou dizer mas, a meu ver, se o objectivo for fazer vinhos excepcionais (fortificados ou não) o Douro Superior não faz sentido. Haverá uma ou outra excepção, uma ou outra vinha velha nas zonas altas da Mêda, ou o Vale da Teja, por exemplo. Mas, globalmente, o Douro Superior poderá ser bom para fazer grandes volumes, com vinhas modernas de produções acima da média, mas não grandes vinhos.
Já o Baixo Corgo tem um potencial enormíssimo para vinhos Douro, potencial que não está ser devidamente aproveitado pelos produtores. Devia haver muito mais grandes vinhos oriundos do Baixo Corgo, porque o terroir para isso está todo lá. No entanto, não acredito no Baixo Corgo para vinhos do Porto de excelência. Não quer dizer que não exista uma vinha ou outra capaz de originar um grande Porto, mas, regra geral, a sub-região não atinge a complexidade e o equilíbrio que encontramos no Cima Corgo.
No entanto, nós não temos um Douro, temos 40 Douros, com diferenças de altitude e exposição solar, enorme riqueza de castas, é a região mais complexa do mundo. As generalizações podem ser injustas. O Douro tem o melhor fortificado do mundo, já faz grandes tintos e hoje estou convencido que tem um potencial enorme para vinhos brancos. Não há muitas regiões no mundo com três tipos de vinho fantásticos.
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”Começaste no Vinho do Porto, depois vieram os vinhos do Douro, mais recentemente os investimentos na Bairrada e no Dão. O que procuras fora do universo duriense?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Eu gosto muito do nosso país. Portugal, por diversas razões, políticas e geográficas, ficou parado no tempo em determinada altura. O que é uma desvantagem em muitos aspectos mas pode significar também que preservámos coisas que outros mudaram ou perderam. É um país pequeno, mas com uma diversidade louca. Só no norte do país temos quatro ou cinco importantes regiões de vinho que são vizinhas mas nada têm a ver umas com as outras.
Sempre que fiz qualquer coisa fora do Douro aprendi a conhecer melhor o Douro. A Bairrada aconteceu porque tinha mesmo de acontecer. Sempre gostei muito da Bairrada. Enquanto distribuidor de vinhos vendi vinhos da Bairrada, enquanto produtor fiz diversas experiências na região a partir de vinhas e adegas de produtores amigos. Um dia, a Filipa Pato pediu-me conselho na produção de um vinho fortificado dela e quando a visitei e vi a vinha fiquei maravilhado e pedi-lhe que me deixasse fazer um vinho tinto. As coisas começaram assim e depois apareceu a oportunidade de comprar a Quinta de Baixo, onde eu posso realizar os meus sonhos de fazer vinhos diferentes num terroir diferente.
[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”29375″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”Quando te ouço caracterizar um vinho de que gostas quase sempre usas a palavra “finura”. O que é para ti um bom vinho?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Finura, é verdade. E o Nick Delaforce usa uma palavra também muito expressiva que é “drinkability”, vinhos que apetece beber. Outras palavras importantes para mim são “equilíbrio” ou “harmonia”. Eu gosto de vinhos que tenham um perfil que revele a sua origem. Não gosto de vinhos frutados mas gosto de frescura (são duas coisas diferentes), o que implica uma boa acidez natural. Para mim, é também muito importante que sejam vinhos que envelheçam bem, que mostrem a sua idade.
No fundo, gosto de vinhos que respeitem o terroir. Acho que o ser humano, o enólogo, é muito importante, mas acho que deve intervir menos, deve aceitar mais a Natureza e o que a uva lhe dá.
[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Os vinhos que concebes apontam para um perfil definido. Existe um estilo Dirk Niepoort, independentemente da região, da casta, do terroir?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Sinceramente, acho que sim. Muitas pessoas me têm confirmado isso, frequentemente, sem saberem que vinhos estão a provar. Mas percebem o fio condutor, percebem o perfil na ligação que existe entre vinhos diferentes de regiões ou países diferentes. [/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Como definirias esse estilo?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Uma vez alguém me disse que eu marcava muito os vinhos com meu estilo. Fiquei um bocado irritado, confesso, e respondi aquilo que acredito: que na Niepoort o que fazemos, acima de tudo, é respeitar o sítio. E dentro do sítio, temos a nossa interpretação. Não acho que o Douro tenha de ser muito encorpado e alcoólico, nem que o Bairrada tenha de ter muita cor, muito tanino e muita acidez. A minha interpretação do Douro ou da Bairrada não é essa. Por isso, e respondendo à questão, o estilo Niepoort tem três requisitos: vinhos que respeitam o sítio; vinhos com pouca maquilhagem, que apetece beber; e vinhos equilibrados e frescos, com boa acidez. [/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Sempre tiveste um apreço muito especial pelas vinhas velhas e pelos vinhos daí resultantes. Onde é que a vinha velha faz mais diferença?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Sempre gostei de vinhas velhas, quase de forma obsessiva, ao ponto de rejeitar as vinhas mais novas apenas por serem novas. É claro que uma vinha nova num sítio bom, é melhor que uma vinha velha num sítio mau. Mas as vinhas velhas, ou vinhas tradicionais com as castas misturadas, se quisermos, fazem, na verdade, uma diferença enorme. Até no perfil da maturação.
Olhemos para uma vinha moderna, ou seja, feita por engenheiros, segundo os livros, com canópia grande, produzindo muito e uvas com álcool elevado. Se a compararmos com uma vinha tradicional, vemos que a moderna produz primeiro o álcool e depois a maturação fenólica, enquanto nas vinhas velhas acontece o contrário. Ou seja, com vinhas velhas eu consigo vinhos equilibrados com muito menos álcool. Por isso, não tenho problemas em vindimar com 11 graus, porque as uvas estão maduras. Enquanto outros têm de esperar muito tempo pela maturação das uvas e quando vindimam já estão com 16 graus.
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”29376″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”O teu interesse pela biodinâmica está intimamente ligado à vinha tradicional?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Sem dúvida. Os lavadores durienses de mais idade, que nos vendem as suas uvas das vinhas tradicionais, já faziam biodinâmica sem o saberem, regulavam todos os seus trabalhos pela lua, só que não o diziam, tinham vergonha disso. Se lhes perguntarmos quando vão engarrafar o vinho que fazem para consumo em casa, eles indicam o dia concreto. E se não engarrafam antes não é por falta de tempo, é por não ser um dia adequado. O que fazem com o vinho, fazem com a vinha. Por isso, na verdade, mais importante do que a idade da vinha é a forma como ela foi plantada e como é tratada. Os antigos não tiravam tudo da terra; eles devolviam à terra. Hoje, tira-se tudo da terra e depois colocamos químicos para compensar.
Se conseguirmos juntar os modernos equipamentos vitícolas e o conhecimento científico de que dispomos, ao conhecimento empírico que as pessoas mais antigas conservam, faremos vinhas e vinhos muito melhores. Não podemos é continuar a plantar as novas vinhas seguindo regras cegas que não têm em conta as alterações climáticas, a qualidade e o respeito pelo terroir.
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”Achas que essa tendência se vem agravando? É que, cada vez são mais as empresas portuguesas, grandes e pequenas, que assumem estar a recuperar práticas vitícolas tradicionais e sustentáveis…” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Infelizmente, é mais conversa do que outra coisa. Há mais preocupação em falar disso do que em fazer. Mas reconheço que começa a haver algumas pessoas que estão a fazer viticultura orgânica e biodinâmica por paixão, por preocupação ambiental e por acreditarem que a química não é tudo.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Falas de respeito pelo terroir. O que é para ti o terroir, para além da clássica definição francesa? Por exemplo, existe um terroir Douro, ou a palavra só pode ser aplicada a determinadas vinhas ou parcelas?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]A meu ver, o terroir começa por ser o sítio. E esse sítio pode ser uma região inteira, como Chablis, por exemplo, que apesar de ter vários terroirs tem um reconhecível traço comum. Mas é muito mais do que isso.
A vinha alimenta-se da água e dos minerais que estão na terra. Isso transfere-se para a uva. Dessa uva fazemos vinhos. Se não colocarmos mais nada no vinho, nem sequer leveduras, o que vai espelhar o terroir são os desvios causados pela falta ou excesso de elementos no mosto, desvios que vão criar erros de percurso (coisa que irrita os enólogos, que logo pensam em corrigir) na fermentação. Eu quero esses erros, quero que as coisas aconteçam. E são esses erros e desvios que vão evidenciar o carácter desse vinho particular nesse ano particular. Há coisas que são super específicas de uma vinha, mas também outras que são de uma região. O importante é os vinhos dizerem claramente de onde vêm. A enologia moderna acaba por apagar essa impressão digital ao querer corrigir tudo.
[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”És geralmente considerado um dos grandes embaixadores do Douro e dos vinhos de Portugal no mundo. Que hipóteses temos nos mercados de exportação?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Está a acontecer aquilo que eu pensava que ia acontecer, só que levou mais tempo do que previa. Acho que, finalmente, o mundo começa a fartar-se de Cabernet e Chardonnay. O consumidor está a tornar-se um bocadinho mais sofisticado e a aborrecer-se com a simplicidade. E aí é que entra Portugal. O país passou uma fase de modernização cega, copiando aquilo que os outros faziam, estragando a sua identidade. Mas, felizmente, isso está a passar. Portugal é pequeno e não vai ganhar pela quantidade, mas sim pela qualidade e, principalmente, pela individualidade. Não copiar os outros, fazer diferente e correr o mundo a convencer os importadores da mais-valia dessa diferença, dá muito trabalho, mas é o único caminho viável. O consumidor fartou-se da banalização e nós temos as vinhas velhas, temos as castas, temos muita individualidade. Só temos que fazer bem, aproveitar a onda, e vincar a nossa diferença.
É por isso que precisamos de mais vinhos com volume, bem feitos e com alguma personalidade. Também não é preciso exagerar, não é preciso fazer vinho com 1 grama de acidez volátil só porque é diferente. Não é isso que eu defendo. Defendo os vinhos bem feitos e que mostrem o sítio de onde vieram.
[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Aos 54 anos já fizeste muita coisa no mundo do vinho. Olhando para trás, o que é que farias diferente? ” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Haverá muitas coisas que poderia ter feito diferente, mas estou feliz com o que foi feito. Por vezes, pequenos erros colocam-nos num caminho muito melhor do que o inicial. Gosto da grande maioria das coisas que fiz e sou um optimista por natureza. Acho que, se soubermos o que queremos, faremos sempre mais e melhor.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” equal_height=”yes” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom” shape_type=””][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”E o que é que te falta fazer?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Eu disse há algum tempo que daqui a duas décadas, 50% da facturação da Niepoort seria chá. Quase toda a gente achou que eu não estava bom da cabeça. Talvez tenha exagerado com os 50%, mas continuo a acreditar que, um dia, o chá vai ser muito importante para esta empresa. Penso que o sector do vinho, a nível mundial, vai passar por muitas dificuldades, vamos ter restrições políticas cada vez maiores, em alguns países o vinho vai começar a ser tratado como uma droga ou, no mínimo, como algo negativo para a saúde e para a sociedade. Talvez não aconteça na minha geração, mas acredito que a próxima geração de produtores de vinho terá dificuldades acrescidas. [/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”Procuras, portanto, produtos alternativos…” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Por um lado, sim, mas, mais uma vez, tal como quando apostei no vinho do Douro numa época em que a Niepoort era Porto, não estou agora a apostar no chá por ter uma orientação estratégica estudada e planeada. Tem a ver com paixão e paixão antiga, pois sempre me interessei por chá. Há 30 anos tinha o sonho de importar chá verde para a Europa. Nessa altura ninguém sabia o que era isso. Fui à China, procurei fazer negócio, mas fui cedo demais, era um país muito fechado, difícil, estive em locais onde ninguém tinha visto um europeu. Não consegui fazer negócio e desisti.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”29374″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Felizmente, a minha mulher, Nina, também gosta muito de chá e, em conjunto, resolvemos reactivar esse sonho. Trouxemos algumas plantas, que colocámos no jardim em Fornelo, Vila do Conde, onde já temos 1 hectare plantado. Em biodinâmica, claro. Fizemos já algumas experiências e vamos aprendendo, tal como aconteceu com o vinho. Neste ano de 2018 vamos fazer a nossa primeira colheita, e esperamos obter perto de 50kg. Entretanto fizemos já um chá, a partir de folhas trazidas da China, chá esse que envelhecemos em quatro barricas de vinho do Porto. Estamos muito entusiasmados e acreditamos muito neste projecto.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][vc_custom_heading text=”A família é muito importante para ti, a Niepoort é uma empresa familiar, os teus três filhos contactam com o mundo do vinho desde que nasceram. O que esperas deles?” font_container=”tag:h6|text_align:left”][vc_column_text]Não espero nada, quero que eles façam o que lhes apetecer, não pretendo influenciar. Sempre lhes disse para não pensarem que ambiciono vê-los a trabalhar na Niepoort. Eles que decidam o que querem fazer na vida e quando estiverem seguros do que querem, eu cá estarei para tentar ajudá-los a atingir esse objectivo, seja ele qual for.
Ficarei obviamente muito contente se um ou mais de entre eles decidir seguir este caminho, mas acima de tudo quero que eles sejam felizes naquilo que escolherem.
Edição Nº17, Setembro 2018
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]