Entrevista: António e Martim Guedes

“Uma empresa com 150 anos tem de ser sustentável”

 Texto: Luís Lopes   Fotos: Anabela Trindade

Se é verdade que, no mundo dos negócios, raras são as empresas familiares que sobrevivem à terceira geração, o sector do vinho pode ser considerado uma raridade. A quinta geração da Aveleda, liderada pelos primos António e Martim Guedes, tem levado ainda mais longe o trabalho dos seus antecessores, crescendo em todos os parâmetros. Um dos segredos está em pensar a longo prazo, no negócio e em tudo o que o rodeia. Para que a empresa, fundada em 1870, “possa cá estar mais 150 anos.”

António Azevedo Guedes e Martim Andersen Guedes dirigem a Aveleda enquanto co-CEO’s. Ainda que bem distintos na maneira de ser e no percurso académico e profissional, afinam pelo mesmo diapasão no que toca a estratégia e aos objectivos. Nessa quase mágica complementaridade está um dos segredos que têm permitido, com criatividade, espírito de inovação e investimento, mas também muita segurança e contenção, continuar a desenvolver uma empresa já de si extremamente sólida e rentável mas que, como tantas outras desta dimensão, está sujeita a imponderáveis conjunturais dos mercados ou constrangimentos estruturais das regiões vinícolas onde opera.

Martim, 45 anos de idade, especializou-se em gestão e coordena a área financeira, marketing, vendas, recursos humanos; António, 46, herdou de seu pai António Guedes, recentemente falecido, a paixão pelas coisas da terra, estudou viticultura e enologia e é o responsável por toda a área de produção da empresa. Empresa que fechou o ano de 2022 com 45 milhões de euros de facturação (há 10 anos facturava 25 milhões…) e tem no seu plano estratégico alcançar 53 milhões em 2025.

70% do que a Aveleda produz é destinado a exportação (75 países, EUA, Alemanha e Brasil à cabeça), com os Vinhos Verdes a representarem 78% do negócio. Nas marcas, pontifica o incontornável Casal Garcia, com 69% do total.

O crescimento recente da empresa tem também sido alicerçado em aquisições – Quinta Vale D. Maria, no Douro, ou Vila Alvor, no Algarve – mas também em grandes investimentos em vinha. Ao contrário do que muitos consumidores possam pensar, esta é uma empresa produtora: só na região dos Vinhos Verdes possui 450 hectares (objectivo: 600 ha) em 6 distintos pólos vitícolas, a que se somam mais 75 hectares no Douro, 18 na Bairrada (Quinta da Aguieira) e 30 no Algarve. Este é um breve retrato de uma Aveleda que aprofundámos em animada conversa com António e Martim Guedes.

António Martim Guedes
Martim e António Guedes são a quinta geração familiar à frente dos destinos da Aveleda.

Com uma facturação que quase duplicou numa década (45 milhões em 2022), a Aveleda tem também fama de ser a empresa portuguesa de vinhos mais rentável. A que se deve esse sucesso?

AG: Antes de mais, nós herdámos, e isso ajuda muito: os nossos pais deixaram-nos uma empresa que, no início da década de 2000, era já altamente rentável. Herdámos esse histórico mas também herdámos o “mindset”, ou seja, foi-nos ensinado que o negócio tinha de ser rentável porque, caso contrário, seria muito difícil gerar dinheiro para investir no desenvolvimento do próprio negócio.

MG: Sempre nos focámos muito nas nossas marcas e na sua valorização. Evitámos, por exemplo, o negócio das marcas exclusivas ou marcas próprias dos supermercados. É um modelo que a curto prazo sabe bem, mas que a longo prazo acaba por destruir valor. Isto também contribuiu muito para que a empresa e os seus colaboradores estejam focados no que interessa.

No futuro, queremos passar para 30 a 40% de autossuficiência em uva. Isso implica ter 600 hectares de vinha própria na região dos Vinhos Verdes, ou seja, vamos plantar mais 150 hectares.

É grande verdade que herdaram marcas fortes e uma empresa rentável. Mas acrescentaram valor (e num contexto concorrencial bem mais difícil…) o que nem sempre acontece nestas empresas familiares do vinho, quando há uma mudança geracional…

AG: A Aveleda em 2000 tinha duas ou três marcas, o portefólio era muito pequeno, era uma empresa orientada para poucas marcas, grandes volumes e elevada rentabilidade. Procurámos manter essa disciplina, essa cultura interna de foco na nossa marca, embora hoje tenhamos muito mais referências por marca. Mas continuamos a ter a marca mãe (Casal Garcia) muito forte, o que nos permite fazer os investimentos necessários ao desenvolvimento de negócio.

Vou colocar a pergunta de forma muito simples: onde é que se gasta o dinheiro? Quais os focos de investimento estratégico: viticultura, equipamento, enoturismo, marketing?

AG: Vai variando muito. O último quadro de investimento estratégico, até 2020, sem prejuízo do investimento nas marcas, que tem sempre de existir, foi sobretudo muito estrutural, nomeadamente vinha, adegas, aquisições de marcas e empresas. Passou muito pelo lado, se quiser, patrimonial.  Nos próximos anos vamos claramente baixar o nível de investimento em aquisições e sabemos que, no que a vinha respeita, 70% do esforço de investimento planeado já está feito. Daqui para a frente o nosso investimento será mais na capacitação, embora tenhamos já optimizado muito esta vertente: produzimos mais 50 e tal por cento com os mesmos equipamentos. Mas há um limite para essa optimização. Por isso, agora, para podermos crescer no volume teremos de investir no sentido de acompanhar esse crescimento. Se crescermos mais 2 milhões de litros nas vendas, precisamos de mais 2 milhões de litros de capacidade em cubas…

MG: Desde que chegámos à empresa passámos por três ciclos, ou planos estratégicos, muito distintos. De 2010 a 2014 foi um plano muito virado para a eficiência. Não houve grande crescimento em vendas, mas melhorámos muito rácios de eficiência e rentabilidade através do controlo de custos. O plano 2015-2020 foi o contrário, virado para a expansão: triplicámos a área de vinha, comprámos duas quintas no Douro e uma no Algarve, passámos de 22 para 81 produtos, de 14 milhões para 20 milhões de garrafas. Um plano de crescimento “agressivo” se assim se pode chamar. O plano 2021-2025 visa dar solidez ao trajecto mais recente. O objectivo é continuar a crescer, sim, mas não com mais produtos, antes consolidando o que existe. Os investimentos acompanham essa estratégia e vão ser canalizados sobretudo para os equipamentos de produção, não para aumentos de área de vinha ou entrada em novas regiões.

Ainda assim, a Aveleda aproxima-se já dos 600 hectares de vinha em produção, 450 dos quais na região dos Vinhos Verdes. Numa região onde o preço da uva é, digamos, modesto, tamanho investimento em vinha só se entende pela dificuldade em obter a matéria-prima certa. E isso leva-me à questão: como avaliam a viticultura dos Vinhos Verdes e o seu futuro a médio e longo prazo?

AG: Nós fazemos um tratamento estatístico da informação que recebemos, pelos nossos meios ou através da CVR dos Vinhos Verdes. Visitamos com frequência os viticultores que nos entregam uva e conhecemos os problemas que enfrentam. Conhecemos, portanto, a realidade no terreno e confrontamos essa realidade com a estatística. A partir daí, é fácil perceber várias coisas. Sabemos que a região tem vindo a perder área de vinha ano após ano, e de forma significativa. Olhamos para a média de idades dos nossos fornecedores e vemos que é muito elevada. A dimensão da parcela por viticultor é baixíssima, menos de um hectare. Esta é uma viticultura “caseira”, em que os proprietários fazem tudo. Como não gastam na plantação da vinha pois têm os apoios financeiros, e são eles que tratam das videiras, conseguem ter alguma rentabilidade. Mas no dia em que desaparecerem, os filhos, que já vivem em Lisboa, Porto, ou outra cidade, não vão querer continuar com o “hobby” dos pais. Porque há também aqui um elemento cultural, de paixão pelo campo, pela vinha, pela horta, um apego às raízes que os seus filhos dificilmente terão. Eles vão ao supermercado comprar o que precisam, não vão querer trabalhar no campo para obter o produto. Todos juntos, estes viticultores já bastante envelhecidos representam uma enorme área de vinha que se vai perder muito rapidamente. A estatística confirma isto: em cada ano, na região, perdemos 2% de área de vinha; e perdemos, por falecimento, 3% das pessoas.

Portanto, estávamos obrigados a fazer alguma coisa. Mas não nos limitámos a plantar vinhas. Fortalecemos as parcerias que temos com os nossos fornecedores de uva, a quem damos apoio técnico e incentivamos a serem mais rentáveis e competitivos. Sabemos que vamos ter menos viticultores, mas procuramos que ampliem a sua área de vinha e que, sobretudo, que sejam mais profissionais, que encarem a viticultura como um negócio e não uma actividade exercida apenas por paixão e amor à terra. Hoje, para entrar no CPA (Clube de Produtores Aveleda), é preciso ter, no mínimo, 5 hectares. Mas a maioria tem muito mais do que isso, vários com 50 hectares. Acreditamos que 10 hectares é o mínimo para poder exercer uma viticultura profissional e rentável.

Na Aveleda sabíamos também que temos uma excessiva dependência de compra de uva. O CPA funciona bem, mas não é suficiente para suportar o crescimento de 50% nas nossas vendas de Verdes, onde se inserem também aqui os rosés (só o Casal Garcia rosé já vale 1,6 milhões de litros). Sentimos que a pressão sobre a matéria-prima era cada vez maior, até porque a região dos Vinhos Verdes, como um todo, também cresceu nas vendas. Estamos com 10 a 15% de auto-suficiência e queremos, no futuro, e se tudo correr bem, passar para 30 a 40%, no máximo. Isso implica ter, a médio prazo, 600 hectares de vinha própria na região dos Vinhos Verdes, ou seja, vamos plantar mais 150 hectares.

Um dos grandes problemas da região assenta na criação de valor, ainda as marcas mais cotadas nos Verdes de volume não tenham um preço tão baixo assim quando comparado com congéneres de outras regiões. Mas a verdade é que o Verde é muitas vezes associado a produto mais barato. Como inverter a situação?

MG: Esse “comboio” de criação de valor já está a andar, e bem. Cada vez mais temos dois segmentos: um Vinho Verde “clássico”, correspondendo a um perfil bem definido no mercado com, é verdade, uma percepção de preço barato; e um Verde “premium”, ou “superior”, como lhe queiramos chamar, que começou com o Alvarinho mas que hoje já abarca outras castas. Este movimento em torno do Verde mais ambicioso já ganhou alguma força e, naturalmente, na Aveleda queremos ser parte activa. Daí investirmos muito nas nossas gamas premium, com os Aveleda Solos, Aveleda Parcelas, Manoel Pedro Guedes. Nada disto existia há quatro anos e hoje são produtos importantes no nosso portefólio. Significa que acreditamos vivamente na criação de valor no Vinho Verde. Os Verdes podem ser grandes vinhos brancos, é a natureza desta região. Como referi, este é um comboio em andamento, mas a começar o seu percurso, está mais perto da estação de partida do que da estação de chegada.

Os Verdes têm vindo a perder área de vinha ano após ano, e de forma significativa. Estes viticultores, já bastante envelhecidos, representam uma enorme área de vinha que se vai perder muito rapidamente.

Uma das grandes apostas da empresa, no ciclo que agora terminou, foi a diversificação, não apenas de produtos mas também através de aquisição, no Algarve e no Douro. Como avaliam os resultados obtidos em cada um destes projectos?

MG: São projectos muito diferentes. Curiosamente, o que deu mais rápido retorno foi o Algarve. Hoje já podemos dizer que foi uma aposta vencedora e em muito pouco tempo, sobretudo se pensarmos que comprámos em 2019 e apanhámos com os “anos covid”, particularmente maus no Algarve turístico. O Douro é um filme completamente distinto, apostámos numa marca de elevadíssimo prestígio como é Vale D. Maria. A primeira etapa foi fazer a transição dessa marca consagrada para o universo Aveleda, e o processo correu muitíssimo bem, consolidando a notoriedade e a percepção de qualidade dos vinhos super premium Vale D. Maria. A segunda etapa vai ser fazer crescer a marca global no segmento mais abaixo, para volumes maiores, com o apoio das vinhas do Douro Superior, no vale do Sabor.

António Martim Guedes
As antigas garrafas espelham a longa história da Aveleda.

A Aveleda tem ambição de, até 2025, facturar 2 milhões em enoturismo. É uma área em franco crescimento, ainda que sem grande expressão nos Vinhos Verdes, ou pelo menos não comparável a outras regiões. Como pensam desenvolver este segmento?

MG: Esta é uma área em que gostávamos de ter mais concorrência nos Vinhos Verdes, de forma a podermos estabelecer um cluster, como existe no Douro. Mas acreditamos que há futuro no enoturismo nesta região. A procura tem sido enorme, o ano de 2022 ficou acima de todas as expectativas, tivemos de recusar muitas visitas por falta de capacidade. O que queremos fazer no polo de Penafiel, onde estamos sedeados, é dar um carácter mais premium à oferta, torná-la mais segmentada. Há espaço para isso, podemos proporcionar experiências diferenciadoras a grupos mais exigentes. O Algarve e o Douro estão a começar e assentam em estratégias distintas. No Algarve queremos ser os primeiros a apostar a sério no “enoturismo algarvio”, algo que hoje praticamente não existe. Estamos a trabalhar para poder receber 50 a 100 mil pessoas por ano. No Douro é o oposto. Queremos dar uma superior dignidade à Quinta Vale D. Maria, aproveitando um edifício que hoje está em ruínas. Será um enoturismo com outro nível de exclusividade, para grupos de 20 ou 30 pessoas, uma experiência personalizada numa marca mais premium.

Alvarinho, Loureiro, Avesso são as variedades de que se fala. Mas o leque de castas autorizadas ou recomendadas é bem maior. Faz sentido recuperar castas antigas, como Cainho, ou apostar noutras transversais, como Fernão Pires?

AG: Faz todo o sentido. O percurso da Trajadura é um bom exemplo. A Aveleda apostou muito na Trajadura porque, com a viticultura dos anos 80, os Vinhos Verdes eram em geral demasiado ácidos e com muito pouco grau. A Trajadura era o oposto, tinha graduações superiores e baixa acidez, embora com problemas na parte aromática e na tendência oxidativa. Mas foi importante naquela época e momento. Só que muita coisa evoluiu e a Trajadura, com os problemas que tem (a produção média também não é brilhante) deixou de cumprir o objectivo. Na Aveleda procurámos uma casta que pudesse ser semelhante à Trajadura na parte ácida, mas com uma componente aromática mais expressiva e maior consistência na produção. Encontrámos tudo isso no Fernão Pires, casta que se tornou um sucesso nas nossas vinhas. É muito importante explorar castas novas, ir fazendo ensaios na vinha e na adega. Há quatro anos trouxemos varas do campo ampelográfico da EVAG (Estação Vitivinícola Amândio Galhano) e reenxertámos uma das nossas vinhas. Algumas das castas são “meias galegas” como o que chamamos Branco Legítimo e que é o Cainho. Todos os anos vamos avaliando a produção, a maturação, a acidez, etc. É importante experimentar. Claramente, existe espaço para ter mais castas na região, que mais não seja para não perdermos esse património genético. Quem sabe, um dia, vamos precisar dessa diversidade para fazer vinhos distintos.

Dos projectos noutras regiões, o que deu mais rápido retorno foi o Algarve. Foi uma aposta vencedora, sobretudo se pensarmos que comprámos em 2019 e apanhámos com os “anos covid” no Algarve turístico.

A uva Alvarinho cria no consumidor a percepção de qualidade associada a valor. Para a Aveleda a menção Vinho Verde Alvarinho na rotulagem dos vossos vinhos é suficiente ou pensam investir na sub-região de Monção e Melgaço?

AG: Pergunta provocadora… (risos). A nossa estratégia não passa por investir em Monção e Melgaço. Nos últimos anos plantámos 80 ou 90 hectares de Alvarinho em diversos tipos de solos e climas. Entendemos por isso que temos muito por onde nos entreter. Estamos seguros de que a casta Alvarinho tem condições para ter um comportamento exemplar no resto da região dos Vinhos Verdes, não apenas em Monção e Melgaço. É uma uva de enorme plasticidade e adaptabilidade, talvez melhor na parte atlântica do que na parte mais interior da região, mas mesmo assim nas nossas vinhas de xisto, na zona mais interior, tem uma performance fantástica.

Acreditam que o Loureiro pode vir a ter a mesma notoriedade e percepção de valor dos vinhos de Alvarinho?

AG: Sem dúvida que sim, mas vai demorar. O facto é que são duas belíssimas castas, em todos os aspectos. O Loureiro um pouco mais plástico, porque consegue produtividades maiores e, portanto, pode entrar em todos os segmentos, desde os bases até aos topos de gama. O Alvarinho, não sendo superior enquanto casta, como tem produtividade bem mais baixa obriga a atirar os preços mais para cima. O Loureiro vai ter de fazer o seu caminho nos vinhos de topo. Vai levar algum tempo até as pessoas perceberem que com Loureiro podemos fazer um bom vinho a 5 euros e, com trabalho diferenciado na vinha e na adega, também um grande vinho, com carácter e potencial de longevidade, a 30 ou 40 euros.

A motivação não foi trabalhar para o “rótulo” de sustentabilidade. Foi uma questão de consciência e de racionalidade financeira. Não só ganhámos dinheiro com isso, como faz sentido.

A Aveleda está em regiões muito distintas em termos de clima: Vinho Verde, Douro, Bairrada, Algarve. Como têm sentido a evolução (ou alteração, como preferirem) do clima nestas regiões? E o que pensam fazer para reduzir o impacto dos anos mais difíceis?

 AG: Primeiro, olhar para trás. As pessoas esquecem-se facilmente do histórico, esquecem-se de onde viemos. É que o clima vai tendo os seus humores. Tivemos uma década de 40 muito boa, depois tivemos um período frio nos anos 60, 70 e parte dos 80. Depois começou de novo a aquecer. O clima vai tendo as suas oscilações. O que é factor humano, ou o que é factor dinâmico do planeta, não consigo dizer. Não sei se estamos numa fase contínua de aquecimento global ou se estamos numa destas curvas de aquecimento e arrefecimento. Mas olhar para o passado permite olhar para o futuro com alguma serenidade e perceber que já alguém cá esteve antes de nós e com o mesmo problema. No tempo de Jesus Cristo fazia-se vinho em Inglaterra. Em parte dos anos 70 de 1600 não se colheu um único cacho no Château Latour, devido ao frio. Entre 1300 e 1600 houve uma pequena era glaciar na Europa. E agora estamos num período de aquecimento. Temos de trabalhar com esta perspectiva.

É evidente que nós temos muitas ideias do ponto de vista técnico e eco-fisiológico da planta. Adoptamos medidas de curto prazo como, simplesmente, aplicar caulino nas folhas (fomos pioneiros na região a fazê-lo) ou colocar rede de ensombramento. Tudo isto tem o seu custo, claro. Portanto, no curto prazo, temos soluções para minimizar os efeitos do progressivo aquecimento do globo, e a médio e longo prazo temos de perceber onde vamos plantar as próximas vinhas e com que castas. Não podemos pôr os ovos todos no mesmo cesto. Na vinha de Cabração, por exemplo, as primeiras parcelas foram plantadas a 80-100 metros de altitude; agora vamos iniciar uma segunda fase, com plantações a 350-450 metros. Em Felgueiras temos uma vinha a 100 metros de altitude e outra a 400, separadas por meio quilómetro. Isto dá-nos flexibilidade, não apenas face à evolução do clima mas também à irregularidade dos anos de colheita.

No Algarve temos vinhas plantadas a 2 km do mar. Há pouca pluviosidade, é certo, mas temos barragens e Monchique ali ao lado, onde há água. Ali não temos soluções de médio/longo prazo, a não ser passar a vinha para Sagres…

O amor pela Natureza que existe na nossa família faz com que se ganhe uma sensibilidade acrescida. Em tempos, fazíamos as coisas por intuição, porque achávamos que “é assim que deve ser”. Depois, o tempo e a ciência vieram dar-nos razão.

E no Douro?

AG: O Douro, é um desafio. Temos um colete de forças que são os regulamentos e a resistência a novas plantações, o que torna a região muito estática. A vinha do Douro foi montada para fazer Porto, com alto grau e muita concentração. Com o DOC Douro a crescer tanto, faz sentido queremos fazer tudo no mesmo sítio? Não seria melhor pensar numa estratégia de futuro, mantendo as vinhas para Porto em cotas mais baixas e passar as vinhas destinadas a Douro para cotas altas e com rega sempre que possível? Esta é uma questão de fundo que merecia maior atenção. As ideias existem, mas se queremos plantar vinha nova num local adequado, não há autorizações. Quando muito, com sorte, podemos encontrar uma boa vinha de altitude, que compramos. Assim, em termos de estratégia a longo prazo para o Douro, estamos manietados pelas regras e pelas mentalidades. No Douro discute-se muito, mas pouco se faz.

António Martim Guedes
As velhas aguardentes são um produto clássico da casa.

Como é que a empresa encara o cada vez mais premente tema da sustentabilidade, seja económica, social ou vitivinícola?

MG: Esse é, na verdade, um tema do dia. Como empresa “low profile” que somos, sentimos sempre que fazemos muito mais do que aquilo que é comunicado. Mas a verdade é que fazemos mais do que a nossa parte. Fazemos a medição rigorosa da pegada de carbono, por exemplo. Para além dos nossos emblemáticos jardins, onde existe enorme biodiversidade, há muito que plantamos 2000 árvores em cada ano. Estudamos e pesquisamos no sentido de trabalhar não contra a Natureza mas com a Natureza.

AG: Há muito que a sustentabilidade faz parte da maneira de estar da Aveleda, mesmo quando o próprio conceito não existia. Uma empresa com 150 anos tem de ser sustentável. A rentabilidade da Aveleda não acontece por acaso. Nós não queremos usar mais recursos para produzir um litro de vinho do que aqueles que são absolutamente necessários. Existe muito a tendência de fazer como sempre se fez, pelo hábito e pelo conforto. Nós questionamos tudo, procuramos sempre fazer mais com menos. Se pudermos melhorar o equilíbrio, vamos fazê-lo. Dá mais trabalho? Sem dúvida, mas é o nosso dever moral.

O meu pai tinha a paixão pela beleza das coisas. Sempre que plantava uma vinha, plantava árvores nas bordas, fazia muros. Hoje sabemos que os muros trazem enorme biodiversidade à vinha, escondem-se lá lagartos, insectos. E as árvores trazem sombra. Aquilo que, no tempo dos nossos pais era intuitivo, hoje é um modelo de sustentabilidade. É este amor pela Natureza que existe na nossa família que faz com que se ganhe uma sensibilidade acrescida. Em tempos, fazíamos as coisas por intuição, porque achávamos que “é assim que deve ser”. Depois, o tempo e a ciência vieram dar-nos razão. E, afinal, quando reduzimos drasticamente, seja a intervenção química, seja a energia, estamos também a falar de poupança. Em 2012 implementámos um plano de racionalização energética que levou a enormes poupanças. Hoje, é quase obrigatório montar painéis fotovoltaicos, por exemplo. Mas nós já os temos desde há mais de uma década. Se posso isolar as cubas, para gastar menos energia, porque não fazê-lo? Se em vez de usar pellets ou gás posso usar restos de matéria orgânica para fazer o aquecimento das águas utilizadas nas linhas de enchimento, porque não fazê-lo? A motivação não foi trabalhar para o “rótulo” de sustentabilidade. Foi uma questão de consciência e de racionalidade financeira. Não só ganhámos dinheiro com isso, como faz sentido. Significa que a sustentabilidade, se for bem feita, dá retorno.

Nós pensamos a longo prazo. Para isso, não podemos pensar só no nosso negócio, mas também no que está à nossa volta. A região dos Vinhos Verdes pagou muito mal as uvas no início dos anos 2000 e na década seguinte não tinha uvas suficientes. Depois houve que plantar à pressa. Pensar a sustentabilidade, pensar o bem de todos, pensar toda a cadeia de negócio, é fundamental para que o negócio e a empresa possam cá estar daqui a mais 150 anos.

(Artigo publicado na Edição de Fevereiro de 2023)

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