Charutos: A arte de produzir e fumar “puros”
Fumar um charuto pode representar uma pausa na vida do dia a dia, para apreciar o ambiente onde se está, seja o de um canto tranquilo de casa, de uma mesa de final de repasto com amigos ou um espaço ao ar livre que oferece uma vista panorâmica. Ou seja, “há um charuto para cada […]
Fumar um charuto pode representar uma pausa na vida do dia a dia, para apreciar o ambiente onde se está, seja o de um canto tranquilo de casa, de uma mesa de final de repasto com amigos ou um espaço ao ar livre que oferece uma vista panorâmica. Ou seja, “há um charuto para cada ocasião e uma ocasião para cada charuto”, defende Pedro Rocha, CEO da Empor, empresa proprietária da histórica Casa Havaneza, loja que vende charutos em Portugal há mais de 160 anos.
Mas o universo dos charutos não envolve apenas o acto de fumar. É, muito mais do que isso, uma experiência holística muito mais vasta que esse momento, pois envolve a escolha, a arte de fazer o corte mais adequado e de os acender e, depois, a forma de os fumar. Descobrir as preferências pessoais em cada um destes aspectos é uma viagem de autodescoberta e parte do encanto fascinante deste passatempo sofisticado.
A arte de bem cortar
Aprender a cortar um charuto de maneira correta e confortável é uma arte que leva tempo para ser dominada, já que não se trata apenas de um objecto, mas de um produto artesanal que leva muito tempo a ser feito, cuja qualidade não depende apenas das características das folhas de tabaco que o compõem, mas também da experiência, profissionalismo e arte de quem as escolhe e as enrola manualmente.
Qualquer um pode cortar aleatoriamente a ponta de um charuto e começar a fumar. No entanto, o verdadeiro conhecedor reserva um pouco de tempo para admirar o trabalho feito, e identificar a forma do extremo a cortar antes de o remover da forma mais correcta. Esta pequena cerimónia transforma, desde logo, a experiência em algo muito mais profundo e agradável. O segredo é cortar apenas o suficiente para permitir uma puxada confortável e, ao mesmo tempo, preservar a estrutura do charuto. O cortador de charutos escolhido desempenha um papel significativo neste processo. Por isso, escolher o mais correcto melhora a experiência de cortar e fumar o charuto, contribuindo para que seja mais lenta, saborosa e prazerosa, tal como todos os bons momentos devem ser.
Para acender o charuto, a forma mais ortodoxa é usar um fósforo, que é mais comprido que o normal, ou um isqueiro a gás. Deve-se segurar o charuto horizontalmente e acendê-lo girando a extremidade para obter uma queimadura uniforme e intensa, antes de colocar a outra extremidade na boca para começar a fumar. Mas não se deve inspirar. Porquê? Porque a experiência pode não ser a mais agradável.
O tipo de tabaco, o clima, o solo, o conhecimento secular, desde o agricultor às pessoas que enrolam os charutos, aqueles que detêm o conhecimento e o saber fazer, são os factores que mais influenciam e contribuem para a qualidade e distinção dos charutos cubanos.
Uma hora de prazer
Para fumar um charuto, basta aspirar para dentro da boca, apreciar todos os sabores e aromas do fumo antes de o expirar lentamente. Para isso, segure o charuto perto da boca e puxe suavemente. Bastam apenas uns tragos por minuto para usufruir do prazer de os fumar, já que o acto é uma oportunidade para descontrair, relaxar e imergir na experiência.
A maioria dos charutos leva pelo menos uma hora para fumar. Quando se apagam, a meio do percurso, basta sacudir as cinzas, reacender e expirar pelo charuto para ejectar o fumo frio. De outra forma, as cinzas só devem ser removidas após algum tempo, apesar de não haver regras de etiqueta em relação ao tema. Mas o seu tempo de permanência no charuto é uma das formas de certificar a sua qualidade, que pode ser atestada por quem o fuma e está, à volta, a partilhar o momento.
E o que se pode fazer se, apesar de todos esses passos cuidadosamente orquestrados, se descobre que não se está a gostar da experiência? Basta colocar o charuto no cinzeiro e deixá-lo apagar naturalmente.
O universo dos charutos é vasto e variado, com uma infinidade de sabores, intensidades e tamanhos. Pode ser necessário algum tempo de experimentação para encontrar o tipo certo para o gosto pessoal. Por isso, é melhor experimentar marcas, formatos e tamanhos diferentes, percorrendo uma viagem de aprendizagem e conhecimento que poderá ser tão fascinante como descobrir as suas origens, desde a mais reconhecida ilha de Cuba, onde são produzidos os Habanos, até ao México, Equador, Brasil, Honduras, Nicaragua ou República Dominicana, entre outros, e os seus terroirs. São passos de um percurso longo em que é essencial também a experiência, arte de bem saber fazer e profissionalismo dos seus artesãos. No final, lembre-se que a arte de fumar charuto é uma jornada pessoal. Trata-se de saborear momentos de tranquilidade, enquanto se aprecia tudo aquilo que cada um tem para oferecer. Quer você seja um conhecedor experiente ou um iniciado curioso, o mundo dos charutos oferece uma experiência cativante, rica em tradição e repleta de sofisticação.
Depois de colhidas, as folhas de tabaco vão para armazéns de cura, onde estão vários dias, por vezes meses
A viagem até ao Habano
O tipo de tabaco, o clima, o solo, o conhecimento secular, desde o agricultor às pessoas que enrolam os charutos, aqueles que detêm o conhecimento e o saber fazer, são os quatro factores que mais influenciam e contribuem para a qualidade e distinção do Habano, ou seja, dos charutos cubanos.
A produção de cada unidade leva cerca de três anos, desde que as plantas são semeadas no campo até que cada uma é colocada na caixa respetiva, e implica mais de 500 procedimentos manuais. Até o processo de colheita de folhas obedece a regras, já que começa de baixo para cima. São retiradas apenas duas ou três folhas de cada vez, com uma semana de alternância até a planta ficar completamente despida. “Só assim se garante que têm a composição e constituição certas para integrarem os futuros Habanos”, defende Pedro Rocha.
O tabaco para a tripa e para o capote, que integram o interior dos charutos, é produzido, no campo, através do método designado como “tabaco ao sol”, enquanto que, para a capa, é produzido pelo processo de “tabaco tapado”, que decorre em instalações de forma semelhante à das às estufas, mas cobertas com tecido para originar apenas ensombramento. O objectivo é diminuir a intensidade da radiação que chega às folhas, “para que fiquem com mais goma, não criem tantas nervuras vincadas e grossas e sejam o mais elásticas possível, para ficarem com o aspecto mais apelativo possível, porque são as que ficam no exterior dos charutos”, explica o gestor.
Há três tipos principais de folha de tabaco nos charutos: o ligero, o seco e o volado. O primeiro, de grande fortaleza e queima lenta, é responsável pela sua robustez e dá-lhe um toque de sabor, o segundo, de fortaleza média, é o principal responsável pelo seu aroma e, o terceiro, aquele que tem menor fortaleza, é-o pela sua capacidade de combustão. Depois, o blend de cada marca está ligado à sua origem, no campo, e à quantidade e qualidade das folhas postas em cada charuto.
Depois de colhidas, as folhas de tabaco vão para armazéns de cura, onde estão vários dias, por vezes meses, até passarem ao tom carmelita ou castanho. A ventilação e a luz são reguladas para permitir variações naturais de temperatura e umidade. Esse processo dura, no mínimo, 50 dias, e é mais prolongado para as folhas colhidas nas zonas mais altas das plantas.
O processo seguinte, a primeira fermentação, é semelhante ao que ocorre nas pilhas de folhas que se acumulam nos jardins das casas, para serem usadas depois como fertilizante natural. Também aqui são colocadas em pilhas, que são amarradas e cobertas antes de se iniciar uma fermentação que decorre naturalmente devido, entre outros, à humidade que ainda fica retida nas folhas após o processo de cura e ao calor e humidade cubanos. Como gera calor, é supervisionada constantemente para que siga os parâmetros desejados.
As virtudes da fermentação
O processo dura até 30 dias e serve para baixar os níveis de nicotina, amoníaco, alcatrão e outros compostos menos desejáveis no charuto, tornando cada folha muito mais própria para se fumada. As destinadas ao capote e a tripa do charuto são depois humedecidas e arejadas para serem classificadas e separadas mais facilmente, já que não têm todas as mesmas dimensões e formas. Depois de escolhidas, são agrupadas em quatro categorias. Seguindo os rigorosos processos que caracterizam a produção dos charutos cubanos, somente metade das folhas são classificadas como fortaleza média, ligero, seco, volado e capote, para serem utilizadas na sua produção.
Posteriormente, todas as folhas passam por uma nova fermentação, sendo colocadas em pilhas e cobertas com panos. Também aqui a temperatura deve ser monitorizada com muito cuidado, para evitar excessos. Quando é muito alta, as pilhas são desfeitas para as folhas esfriarem antes de serem refeitas, com as folhas que estavam em cima a passarem para baixo e vice-versa. É um processo que se repete várias vezes durante esta etapa. A seguir decorre o despalillo (desengace), onde as despalilladores (desengaçadores) usam um dedal de metal no seu polegar para retirar as nervuras da base das folhas da tripa e do capote, antes de se iniciar um novo processo de fermentação.
A seguir decorre o planchado, em que as folhas ficam a estagiar. As de ligero são 24 meses e as de fortaleza média, até ao seco, entre 12 e 18 meses e o volado e as coisas com menor fortaleza nove a 12 meses”, explica Pedro Rocha. Quanto mais tempo a folha estiver a amadurecer, melhor será a sua qualidade.
Depois, as folhas de tabaco saem dos armazéns para as fábricas, onde se inicia o processo industrial, começando pela sua molha, para que possam ser manuseadas, antes de entrarem na Baraguita, onde está o “mestre da ligada”, aquele que diz o tipo de charuto que vai ser feito, um Partagas de 4, por exemplo, definindo quanto é que vai dar de cada tipo de folha de tabaco a cada enrolador para fazer o que é a norma (número) diário deste tipo de charutos.
60 tonalidades diferentes
“Nas nossas fábricas, a norma diária são 100 cem robustos por dia, aqueles que cada operador tem de fazer, explica Pedro Rocha. Ou seja, o mestre dá, a cada um, uma determinada quantidade de ligero, seco, capa e capote e anuncia qual a quantidade, de cada um deles, que cada operador tem de por em cada charuto.
Os enroladores estão na Galera a fazer isso, numa operação fiscalizada pelos vários departamentos de control de qualidade, incluindo a avaliação por “máquinas de tiro”, aquelas que controlam a capacidade de cada charuto de ter tiro, ou seja, de se conseguir dar, neles, a primeira puxada de fumo depois de serem acesos. “O charuto só não é fumável quando não tem tiro, ou seja, quando não tem canais de ar no seu interior que permitam que seja aceso e fumado”, explica Pedro Rocha, acrescentando que todo o trabalho de enrolar é feito à mão, em Cuba, mas noutros países pode ser usada uma máquina semelhante à de enrolar cigarros.
Depois de enrolado, o charuto vai para um escaparate, durante algum tempo, para baixar o seu nível de humidade até aos 65 a 70%, antes de ir para uma secção de escolha de cores. Como as folhas de tabaco podem ter 60 tonalidades diferentes após o fim de todo o processo produtivo, é preciso fazer uma selecção, para garantir que todos os charutos da mesma caixa têm os tons mais homogéneos possível. Depois de selecionados, outro operador coloca-lhes a anilha, e outro nas caixas respectivas, processos sempre acompanhados pelo controlo de qualidade. “São três anos, desde que as sementes de tabaco são plantadas no campo até que o charuto é colocado na caixa, o que implica que haja sempre folhas disponíveis armazenadas para garantir a resposta às solicitações do mercado”, salienta ainda Pedro Rocha. É um caminho longo, com muitos passos e muitas pessoas envolvidas, desde que as sementes da planta do tabaco são deitadas à terra até que cada charuto é escolhido. Por isso, é natural que o seu preço também possa chegar aos milhares de euros, apesar de, com dois, se puder comprar um. Os terroirs, os tipos de folhas, a arte de saber fazer e o profissionalismo dos operadores, e os cuidados seguidos em todas as partes de um ciclo produtivo que deu os seus primeiros passos há umas centenas de anos, dão origem a um produto com muito mais do sabores e cheiros. Para quem gosta mesmo, apreciá-los é um ritual que pode dar origem a uma pausa no tempo para pensar, apenas observar, dialogar ou conviver. Ao que parece, é irresistível…
Fontes: Casa Havaneza e os sites da Habanos, Ape to Gentleman, The Art of Manliness e William Henry
O universo dos charutos é vasto e variado, com uma infinidade de sabores, intensidades e tamanhos e pode ser necessário algum tempo de experimentação para encontrar o tipo certo
Aprofundando-se no mundo dos charutos
Quando se embarca jornada cativante de fumar charuto, há várias coisas a considerar, desde o conhecimento sobre tamanhos, formatos e embalagens, até à forma de os armazenar adequadamente.
Tamanhos e formatos
Os charutos têm vários tamanhos e formatos, comummente chamados vitolas, que têm efeito na experiência de fumar, pois afectam a taxa de queima e a extração do charuto. Por exemplo, os mais grossos, conhecidos como robustos, oferecem uma queima mais lenta e uma fumada mais fria, enquanto os mais finos e longos, como o lancero, proporcionam uma queima mais rápida e um sabor mais concentrado. Compreender as diferentes vitolas pode ajudar na seleção do charuto certo para a ocasião e duração preferida para fumar.
Invólucros de charuto
A capa, a folha mais externa de um charuto, desempenha um papel importante no seu perfil de aromas e sabores.
Harmonização com bebidas
A bebida certa pode elevar a experiência de fumar um charuto, realçando os seus sabores e oferecendo uma prova mais sofisticada. Um rum velho, um uísque single malte, um porto vintage, um café forte ou até um chá podem ser combinações perfeitas para o charuto escolhido.
Armazenamento de charutos
Manter a humidade e a temperatura corretas é essencial para preservar a qualidade dos charutos. Um humidificador de charutos bem conservado pode garantir que os seus permaneçam frescos e se mantenham aromáticos e prontos para fumar.
Notas de prova
Desenvolver um paladar refinado para identificar as diversas notas de prova de um charuto é um aspecto gratificante da jornada. Desde o primeiro terço ao final, o perfil sensorial de um charuto pode mudar bastante. Aprender a discernir essas mudanças e complexidades sutis pode aumentar e melhorar a sua capacidade de os apreciar.
Etiqueta
Finalmente, há uma etiqueta associada ao fumo de charuto, que inclui a regra de não soprar o fumo na direção dos outros e respeitar as regras dos locais onde se está a fumar.
(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)