Quinta da Boavista: Boa é a vista, mas melhor é o vinho

Quinta da Boavista

Boas vistas no Douro são muitas, mas a Quinta da Boavista é única. História não lhe falta desde a primeira demarcação da região vitivinícola do Douro, em 1756. Nos meados do século XIX, a história da quinta cruza com o Barão de Forrester, uma das maiores figuras durienses daquela época, que costumava ficar na propriedade […]

Boas vistas no Douro são muitas, mas a Quinta da Boavista é única. História não lhe falta desde a primeira demarcação da região vitivinícola do Douro, em 1756. Nos meados do século XIX, a história da quinta cruza com o Barão de Forrester, uma das maiores figuras durienses daquela época, que costumava ficar na propriedade nas suas viagens pelo Douro. Um dos edifícios, ainda hoje é conhecido pelos locais como “Casa de Barão”. As vinhas da Quinta da Boavista tinham muita importância pela sua localização privilegiada e capacidade de produzir vinhos de qualidade excepcional. Já no século XX, a Quinta da Boavista passou por várias aquisições e trocas de propriedade. Mas desde 2020 que pertence à Sogevinus, que para além do vinho do Porto, onde é detentora de grandes marcas — Cálem, Burmester, Kopke e Barros — aposta nos vinhos DOC Douro, no segmento premium.
A vinha do Oratório e vinha do Ujo são duas peças emblemáticas no património vitícola da Quinta da Boavista, tão diferentes na sua apresentação e no carácter dos vinhos aos quais dão origem. A vinha do Oratório é muito cénica e absolutamente encantadora em qualquer hora do dia, quer de manhã, quando o sol ilumina o magnífico anfiteatro de 14 terraços largos, quer à tarde, quando as sombras acentuam o relevo dos maciços muros de xisto com 8 metros de altura. São quase 3ha de vinha e uma mescla de 25 castas, com uma idade média superior a 90 anos, que dão origem a um vinho de grande personalidade. Já a mítica vinha do Ujo, com apenas 1,5ha, escondida por detrás da encosta e implantada em socalcos toscos pré-filoxéricos com exposição Norte, pode não ter tanta beleza visual como a vinha do Oratório, mas tem uma beleza intrínseca que se sente no vinho de carácter inconfundível. Também são vinhas muito velhas com mais de 25 castas plantadas antes de 1930.

Quinta da Boavista
Em cima: Márcio Nóbrega (viticultura) e Carlos Alves (enologia). Em baixo: Carla Tiago (enologia), Jean-Claude Berrouet (enólogo consultor) e Ricardo Macedo (enologia).

No ano 2019, a Primavera surgiu quente e seca com excepção do mês de Abril, com pouca chuva e temperaturas mais amenas do que habitual no Douro, e conseguiu-se ter uvas sãs e de maturação equilibrada. A vindima ainda foi realizada pela equipa anterior, da Lima&Smith, mas o afinamento final e engarrafamento já foi feito pela equipa da Sogevinus, em colaboração com o experiente e reputado enólogo Jean-Claude Berrouet, que durante mais de quatro décadas foi responsável pelos vinhos do Château Petrus. É um grande defensor do terroir e assegura o projecto da Quinta da Boavista desde 2013, pois as vinhas da propriedade permitem explorar e traduzir este conceito em vinhos distintos e de enorme finesse.
O Vinha do Oratório fermentou em lagares de granito com pisa a pé e depois foi para as barricas de carvalho francês, onde estagiou pelo menos 18 meses. O Vinha do Ujo fermentou em barricas de 500 litros, mudando para as barricas de 225 litros, onde permaneceu durante 16 meses.
É difícil de avaliar estes dois vinhos sem aplicar o gosto pessoal, por serem vinhos que criam emoção. Sendo ambos altamente gastronómicos, e é interessante observar como estes vinhos lidam de forma diferente com o mesmo prato, que ainda por cima, não foi, no evento de lançamento, dos mais fáceis: o corço, preparado pelo chef António Loureiro, detentor de uma estrela Michelin. O Vinha do Oratório alinhou com o prato de uma forma directa, criando uma harmonização perfeita e imediata pela igualdade de forças e texturas. A aliança com o Vinha do Ujo foi menos óbvia. Neste caso, o vinho deu suporte ao prato de uma forma mais discreta, não disputando o protagonismo, mas prolongando o sabor.
O Boa-Vista Reserva tinto é uma expressão da propriedade no seu todo através das diferentes castas (Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinto Cão e vinhas velhas) provenientes de várias altitudes e exposições solares. Parcialmente, fermentou em lagar e em inox, e estagiou na sua totalidade em barricas de carvalho francês entre os 15 e os 20 meses, antes de integrar num lote final. A vinha do Levante é a mais recente, foi plantada em 2007 numa das cotas mais elevadas da quinta, com orientação Nascente. As castas são Arinto e Viosinho, que nesta localização recebem o sol de manhã, mas ficam protegiddas do sol mais quente da tarde, tendo assim uma maturação mais equilibrada, preservando a componente ácida.
Este é o primeiro lançamento do vinho branco da Quinta da Boavista. O ano 2020 foi marcado por temperaturas altas, bastante acima do normal e com ondas de calor registadas em Junho, Agosto e Setembro, obrigando a iniciar a vindima no final de Agosto. O Viosinho foi vindimado na terceira semana de Agosto, e o Arinto 3 dias depois, tudo colhido à mão, como é habitual nas vinhas plantadas em patamares. A vinificação foi adaptada à casta. O Viosinho, depois de desengaço e prensado, foi para a barricas novas de 1º e 2º ano. O Arinto, a seguir à maceração de 24 horas, fermentou em inox e só no fim da fermentação foi para madeira de 1º ano. O estágio decorreu em barricas e passado um ano foi feito o lote final. O vinho esperou um ano em garrafa, para ser apresentado.

 

 

 

 

(Artigo publicado na edição de Abril de 2023)

Van Zellers & Co renasce com Vinho do Porto

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A família de Cristiano van Zeller está ligada ao vinho do Porto desde sempre. Segundo informação fornecida no momento da apresentação, é preciso recuar até ao séc. XVII para encontrar os primeiros traços de familiares ligados ao negócio do vinho do Douro. O antepassado que deu nome à família, veio para Portugal em 1726 e, […]

A família de Cristiano van Zeller está ligada ao vinho do Porto desde sempre. Segundo informação fornecida no momento da apresentação, é preciso recuar até ao séc. XVII para encontrar os primeiros traços de familiares ligados ao negócio do vinho do Douro. O antepassado que deu nome à família, veio para Portugal em 1726 e, desde então, foi-se criando uma teia de relações entre familiares, com frequência relacionados ou com o Douro ou, mais especificamente, com o vinho do Porto. Terá sido em 1780 que se criou a empresa Van Zellers & Co, ligada ao negócio do Vinho do Porto, designação então já usada e que, segundo Cristiano informou, tinha sido utilizada pela primeira vez em 1675. Como é normal nas empresas familiares, há por vezes quebras ou mesmo cessação de actividades e foi isso que aconteceu com a empresa Van Zellers & Co. Ela pertencia a João van Zeller, primo de Cristiano e proprietário da Quinta de Roriz. Com a venda da quinta à Prats & Symington, João doou a empresa a Cristiano. Em boa verdade, tratava-se apenas do nome, uma vez que a empresa não tinha activos: nada de quintas e nada de vinhos em stock. Punha-se então a questão: que fazer com o nome, com muita história, mas sem vinho?

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Começar de novo

Cristiano esteve largos anos ligado à sua Quinta Vale D. Maria, situada no rio Torto. Ali, criou vinhos, nomeadamente o Vinha da Francisca, para celebrar o nascimento da filha. Quando a quinta foi vendida à Aveleda, a Van Zellers não estava incluída no negócio e foi assim que Cristiano resolveu alargar o nome para vinhos do Porto, uma vez que desde 2006 já existiam vinhos D.O.C. Douro com as marcas CV, em branco e tinto.
Nesta apresentação, apenas foram objecto de prova os vinhos do Porto, todos eles comprados, uma vez que a empresa não tinha stocks próprios. A gama irá incluir vinhos das três famílias de vinho do Porto: a gama Crafted by hand – onde se incluem os Tawny com indicação de idade; a linha Crafted by time – onde vamos encontrar os Porto Colheita e, por fim, a gama Crafted by nature – onde se incluirão os Vintage, LBV e Crusted. É no papel do tempo na construção de um vinho, que se pode fazer a ponte para as máquinas do tempo que são os relógios. E, para alguns em exposição na Boutique da Av. da Liberdade, em Lisboa, convenhamos que seriam precisas muitas paletes de vinho do Porto, e vendidas a bom preço…
A gama dos Tawny com indicação de idade incluirá quantidades pequenas: 6000 garrafas de 10 anos, 3000 de 20, 1500 de 30 e 700 de 40 anos.
Além destes, existirão as gamas Ruby, White e Tawny, todos a serem apresentados no final do ano. Os vinhos estão no Douro, em armazéns em S. João da Pesqueira, uma vez que “em Gaia os custos do imobiliário são brutais”, como nos lembrou Cristiano van Zeller.
Os vinhos D.O.C. Douro — entre 60 e 70 mil garrafas por ano — resultam de vinhas próprias e alugadas em três locais distintos da região, perfazendo um total de 16ha.
Nas provas que fizemos, tivemos oportunidade de provar o LBV de 2014, já fora do mercado mas a mostrar ainda muita qualidade e garra, ainda fechado e com anos pela frente (17 pontos); também o 2015 se mostrou muito bem, ainda que já não existam garrafas no produtor, um belíssimo LBV, muito austero, químico mas com excelente prova de boca (17,5); o 2017 foi engarrafado ao 5º ano (por falta de garrafas no mercado, em virtude da pandemia) e esse atraso não o beneficiou, surgiu um pouco cansado e com alguma evolução precoce, melhora na boca mas terá menos futuro (16). O próximo será o 2019. Por sua vez, os Vintage, ainda todos disponíveis, seguem de seguida, em nota de prova. Já o Vintage 2020 – 2700 garrafas – irá ser oferecido ao mercado en primeur, e foi aqui provado em antecipação. Massivo, opaco, cheio de classe e totalmente fechado, mais seco do que habitualmente, será um vinho a ter em atenção e que, segundo nos informaram, terá um PVP que deverá situar-se entre os 100 e os 120 euros.

 

 

(Artigo publicado na edição de Abril de 2023)

 

Lobo de Vasconcellos: Alentejo e Douro, de frescura e carácter

lobo de vasconcellos

Foi há pouco mais de um ano que provámos os primeiros vinhos do projecto Lobo de Vasconcellos Wines, criado por Manuel Lobo de Vasconcellos, reconhecido enólogo da Quinta do Crasto, no Douro, e da Quinta do Casal Branco, propriedade ribatejana da sua família. Também da sua família é a Herdade da Perescuma (adquirida pelo avô […]

Foi há pouco mais de um ano que provámos os primeiros vinhos do projecto Lobo de Vasconcellos Wines, criado por Manuel Lobo de Vasconcellos, reconhecido enólogo da Quinta do Crasto, no Douro, e da Quinta do Casal Branco, propriedade ribatejana da sua família. Também da sua família é a Herdade da Perescuma (adquirida pelo avô de Manuel em 1968), na Vendinha, e foi nesse sítio alentejano que Manuel Lobo passou muitos momentos da sua infância, uma das razões que o levou a começar aí o seu projecto pessoal, juntando à vinha de Perescuma uma outra mais próxima de Évora, a Herdade do Zambujal do Conde, comprada pelo seu pai no início dos anos 80. Situadas a 27km uma da outra, ambas pertencem à sub-região de Évora e cada uma comporta mais de 500 hectares de terreno, no entanto, no Zambujal do Conde a vinha actual é de 2006 — 8,1 hectares com Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Petit Verdot, Touriga Nacional, Syrah e Verdelho — e na Perescuma, os 39 hectares de videiras dividem-se em parcelas de várias idades, com plantações desde 1955 até 2021 — com Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional, Syrah, Sousão, Verdelho, Sauvignon Blanc, Viosinho e várias outras na vinha de 1955, que é uma das mais velhas do Alentejo. Aqui, o solo é bastante fértil e tem boa capacidade de retenção de água, segundo Manuel Lobo.
É das uvas destes dois locais que são feitos os vinhos LV branco e tinto, Reserva branco e tinto, e agora também um Licoroso, da colheita de 2020 e apenas 1500 garrafas, um lote de Touriga Nacional, Touriga Franca, Sousão e Vinha Velha, vinificado em lagar com pisa a pé. Na apresentação das novas colheitas dos brancos e tintos, Manuel Lobo e a enóloga assistente Joana Silva Lopes surpreenderam a imprensa não só com este licoroso, mas também com o primeiro vinho do Douro da Lobo Vasconcellos Wines: o Vinha do Norte tinto 2019. Com origem na vinha mais a Norte do projecto, e com exposição Norte, plantada em 1985 em Nagoselo do Douro (perto de São João da Pesqueira), este tinto com o mesmo nome da vinha originou 5800 garrafas de 0,75cl, mais 203 magnum e 36 double magnum. Feito de Touriga Nacional, Touriga Francesa e Tinta Roriz, fermentou sete dias em cubas de inox, com posterior contacto pelicular de 10 dias, antes de ser suavemente prensado. Estagiou 20 meses em barricas de 225 litros de carvalho francês e o lote final resultou, de acordo com Manuel Lobo, da selecção das melhores barricas. Uma coisa é certa: logo na estreia, é um tinto que se vem juntar ao patamar dos topos do Douro.

Novos Andreza: muita qualidade, excelente preço

Andreza

A Lua Cheia-Saven, projecto da empresária Lara Dias e do enólogo Francisco Baptista, apresentou no passado dia 24 de Fevereiro de 2023, as mais recentes colheitas da linha premium e super premium Andreza. O branco Reserva agora lançado nasceu na vindima de 2021, enquanto o tinto Reserva é de 2020. Já o Andreza Altitude mostra […]

A Lua Cheia-Saven, projecto da empresária Lara Dias e do enólogo Francisco Baptista, apresentou no passado dia 24 de Fevereiro de 2023, as mais recentes colheitas da linha premium e super premium Andreza.

O branco Reserva agora lançado nasceu na vindima de 2021, enquanto o tinto Reserva é de 2020. Já o Andreza Altitude mostra toda a frescura da vindima de 2019 e das cotas altas do vale duriense, enquanto o topo, Grande Reserva, criado em 2015, ostenta a complexidade e polimento do longo estágio em garrafa. Em comum, estes quatro vinhos evidenciam a genuína origem Douro, forte carácter e excelente relação qualidade/preço.

AndrezaOs Andreza Reserva branco e tinto custam €8,20 no mercado, o Altitude aponta aos €13,60 e o Grande Reserva é comercializado a €22. Os vinhos da Lua-Cheia Saven são produzidos a partir de uva própria (Quinta do Bronze, em Vale de Mendiz) e uvas adquiridas a viticultores, sendo vinificados na adega da empresa situada em Martim, Murça. L.L.

Reportagem completa numa das próximas edições da revista Grandes Escolhas.

Lançamento: Herdade do Sobroso Élevage

Herdade do sobroso

E, de mansinho… dois grandes vinhos No último mês de 2022, a segunda edição dos topos de gama da Herdade do Sobroso bateu à porta: Élevage, branco e tinto 2021. Únicos, de excelência, e da Vidigueira.  Texto: Mariana Lopes     Fotos: Herdade do Sobroso Na Herdade do Sobroso, situada em Pedrogão junto ao Alqueva, na […]

E, de mansinho… dois grandes vinhos

No último mês de 2022, a segunda edição dos topos de gama da Herdade do Sobroso bateu à porta: Élevage, branco e tinto 2021. Únicos, de excelência, e da Vidigueira.

 Texto: Mariana Lopes     Fotos: Herdade do Sobroso

Na Herdade do Sobroso, situada em Pedrogão junto ao Alqueva, na sub-região alentejana da Vidigueira, Filipe Teixeira Pinto e Sofia Ginestal Machado têm um projecto de vinhos igual a “eles próprios”: descontraído, moderno, divertido, com muita ambição. Ao longo dos pouco mais de 20 anos desse projecto, o mesmo tem crescido ao ritmo do desenvolvimento das vinhas (as primeiras foram plantadas em 2021) que é o mesmo que dizer de forma gradual, mas sólida. Todos os vinhos do portefólio são hoje um sucesso de vendas, segundo Sofia — dos AnAs aos Arché, passando pelos Sobroso ou os Herdade do Sobroso Reserva e Grande Reserva, com destaque para os Cellar Selection (fortíssimo na restauração) — provavelmente pelo talento de Filipe, enólogo, para fazer vinhos fiéis ao local e às castas, de elevada qualidade e perfil amplamente atractivo, e onde o seu espírito experimentativo, que o enólogo tem em barda, não arranha o resultado final. Os Élevage, topos de gama agora na segunda edição, são o reflexo de tudo isto, da maturidade das vinhas do Sobroso e de uma experimentação cuidada. “De mansinho”, porque nada aqui é feito ou comunicado com demasiada bazófia (como se tem visto cada vez mais, infelizmente, em coisas infundadas ou vazias, sem suporte), surgiram um tinto e um branco de nível elevadíssimo. O Élevage branco é um lote de Antão Vaz e Perrum, e o tinto, um monovarietal de Alicante Bouschet. Existe um hectare de Perrum na Herdade Sobroso, uma casta tradicional do Alentejo, mas rara; e sete de Antão Vaz, sendo que o do Élevage vem de uma zona mais alta e com encosta exposta a Norte, numa parte de transição entre calhau e solo arenoso, franco-argilosa, como explicou Filipe Teixeira Pinto. O Alicante Bouschet, por sua vez, vem de parcelas xisto-argilosas expostas a Sul. O tinto fermenta em lagar e o branco fermenta em ânforas, as mesmas onde ambos estagiam, as italianas de nome Tava, produzidas, como já nos tinha elucidado Filipe no lançamento da primeira edição dos vinhos, “a partir de argila de elevada pureza, à qual os oleiros aplicam um processo de cozedura de altas temperaturas, entre os 1300 e os 1400ºC”, que resulta numa baixíssima porosidade, que proporciona trocas gasosas muito controladas. O formato estreito e elegante, bem diferente das tradicionais talhas alentejanas, e a sua tampa, “permitem estágios mais prolongados”, atestou o enólogo. Assim, os Élevage estagiam nestas ânforas durante 12 meses, com a particularidade de, nesta nova colheita, parte do tinto estagiar numas pequenas ânforas de 125 litros. São dois vinhos estrondosos.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2023)

Lavradores de Feitoria: Casa nova, vinhos novos

lavradores de feitoria

Fundada em 2000 por 15 viticultores durienses, a Lavradores de Feitoria é um projecto inovador a diversos níveis. Agrupando 20 propriedades, dispersas pelas três sub-regiões do Douro, num total de mais de 600 hectares de vinha, conta desde 2021 com uma nova sede e adega e, desde abril do ano passado, com um centro de […]

Fundada em 2000 por 15 viticultores durienses, a Lavradores de Feitoria é um projecto inovador a diversos níveis. Agrupando 20 propriedades, dispersas pelas três sub-regiões do Douro, num total de mais de 600 hectares de vinha, conta desde 2021 com uma nova sede e adega e, desde abril do ano passado, com um centro de enoturismo. No meio de tanta novidade cabem, claro, novos vinhos e colheitas.

Texto: Luís Lopes       Fotos: Lavradores de Feitoria

O associativismo no sector do vinho é fenómeno raro e, quando acontece, normalmente não dura muito. O projecto Lavradores de Feitoria merece, por isso, forte aplauso, pela longevidade (quase 23 anos!), dimensão (são hoje 53 accionistas, dos quais 16 proprietários de quintas), conceito (lógica de sustentabilidade social, económica e ambiental) e solidez, reforçada pela aquisição da quinta do Medronheiro, em Sabrosa, e a construção da nova sede e adega no local.

Lavradores de Feitoria
A nova adega é também sede e centro de enoturismo.

Na base de tudo isto está um enorme capital de confiança gerada entre todos os intervenientes e que a administração da Lavradores de Feitoria, cujo rosto mais visível é a CEO Olga Martins, procura retribuir. Um exemplo, é o valor base de remuneração das uvas aos produtores associados, sempre acima da média praticada na região, garantindo que cobre o custo de produção, numa lógica de “fairtrade”. A Lavradores de Feitoria tem um sistema de pagamentos assente em três patamares – base, superior e extra (que chega a valer mais do dobro do valor base), como forma de valorizar a qualidade das uvas e, por conseguinte, dos vinhos. O pagamento aos fornecedores 30 dias após a emissão da factura é igualmente um ponto de honra da casa.

Mas falemos de vinhas, adegas e vinhos. E aqui é incontornável o nome de Paulo Ruão, director de enologia da Lavradores de Feitoria desde a vindima de 2005. Para construir uma gama de vinhos segmentada e criteriosa, que abarca lotes, monocastas e vinhos de quinta, a partir de 20 propriedades e 600 hectares, é preciso estar familiarizado com cada um destes terroirs e suas particularidades. Paulo conhece bem as quintas dos sócios da empresa. Para além do acompanhamento periódico anual, visita cada uma das vinhas duas vezes antes da vindima, para fazer controle de maturação e escolher as parcelas que pretende, podendo estas variar de ano para ano.

Quando a empresa nasceu, em 2000, a coisa era muito mais simples: cada quinta fazia o seu vinho e a sua marca. Rapidamente se verificou, porém, a insustentabilidade enológica e comercial do modelo. Hoje, estas propriedades dispersas pelo Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior, com uvas de castas bastantes diversas, cepas de todas as idades, plantadas a múltiplas altitudes, com diferentes exposições, numa enorme heterogeneidade de solos, originam apenas duas linhas de vinhos, identificadas como “vinhos de lote”, onde estão as marcas Lavradores de Feitoria e Três Bagos, e “vinhos de vinha”, onde se inserem os clássicos Meruge, branco e tinto, Quinta da Costa das Aguaneiras e, a grande novidade de 2022, Vinha do Sobreiro.

Depois da fase “naif” inicial, a vinificação comum passou a estar concentrada numa adega montada na zona industrial de Paços, em Sabrosa. A ambição de Olga Martins e Paulo Ruão, porém, era outra. Numa empresa assente em quintas e vinhas, fazia sentido ter “uma adega no meio das videiras”. O sonho levou tempo a concretizar. Primeiro, em 2008, foi preciso adquirir, com capitais próprios, a Quinta do Medronheiro. Com 8 hectares de área total, entre os 540 e 580 metros de altitude e exposição sul, 6,5 hectares são de vinha, exclusivamente uvas brancas, Viosinho, Gouveio e Boal, em modo de produção biológica. Depois, houve que ganhar músculo financeiro para construir a adega, inaugurada somente 13 anos depois, em 2021.

Lavradores de Feitoria
O espaço de enoturismo foi inaugurado em abril de 2022.

O projecto, da autoria do arquitecto Belém Lima, assenta numa estrutura e paredes exteriores em betão armado pré-fabricado, com um padrão texturado onde impera a cor do xisto. Os painéis isolados e de grande eficiência térmica, associados à produção de energia através de painéis fotovoltaicos e ao tratamento de águas, avolumam a vertente de sustentabilidade da empresa. A adega possui todo o equipamento moderno expectável numa instalação destas. Porém, a pisa a pés em lagar de granito, que Paulo Ruão exige para alguns vinhos de topo, continua a ser feita nas quintas dos produtores accionistas. Para além da parte produtiva, o edifício comporta ainda os escritórios da empresa e a área dedicada ao enoturismo, inaugurado em abril de 2022. Também aqui, a Lavradores de Feitoria procura fazer diferente, privilegiando as visitas personalizadas, a cargo de Eduardo Ferreira, exímio contador da história do Douro e das estórias dos vinhos e das gentes…

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2023)

 

Lançamento: Os Calços da Dona Matilde

Dona Matilde

São calços e são largos. Foram criados após a filoxera e mantiveram-se até hoje. Correspondem a uma forma de implantação da vinha ainda hoje muito vulgar no Douro e que veio permitir plantar mais cepas com menor presença dos patamares e respectivos muros. Nasceu assim o tinto Vinha dos Calços Largos. Texto: João Paulo Martins  […]

São calços e são largos. Foram criados após a filoxera e mantiveram-se até hoje. Correspondem a uma forma de implantação da vinha ainda hoje muito vulgar no Douro e que veio permitir plantar mais cepas com menor presença dos patamares e respectivos muros. Nasceu assim o tinto Vinha dos Calços Largos.

Texto: João Paulo Martins      Fotos: Quinta Dona Matilde

Dona Matilde

A quinta Dona Matilde é uma propriedade histórica, já centenária e localizada no coração do Douro, entre a Régua e o Pinhão. É nas velhas quintas que encontramos as vinhas mais antigas da região, muitas delas seculares. Hoje, ao contrário da “voragem arrancativa” dos anos 80 e 90, em que substituíram muitas vinhas velhas para plantar segundo novos moldes, hoje dizia, há uma tendência para conservar estas vinhas antigas e tirar delas o melhor proveito, nomeadamente em termos de preço de venda. Hoje todos sabemos que um vinho de vinha velha só é mesmo bom se a vinha for mesmo boa, bem localizada e se foi sendo bem tratada ao longo das décadas de vida. Na quinta Dona Matilde elas também existem, a par de vinhas mais recentes, e foi daqui, desses bardos das vinhas velhas em calços que nasceu o tinto ora apresentado.

Dona Matilde
Filipe Barros

Foi com as uvas destes calços que o produtor resolveu engarrafar pela segunda vez um tinto exactamente com esse nome, Vinha dos Calços Largos. A originalidade deste tinto assenta em dois planos: por um lado estamos a falar de vinhas muito velhas e, por outro, o vinho não teve estágio em madeira, o que é raro num vinho de topo ou que pretende mostrar as qualidades das vinhas muito antigas. Para o enólogo João Pissarra é desta forma que melhor se podem perceber as pequenas nuances que, de ano para ano, os vinhos vão tendo. Pouca intervenção na vinificação (pouca extracção, leveduras indígenas) e ausência de madeira são então os trunfos. O enólogo salientou ainda que “o equilíbrio da matéria-prima é muito mais evidente nas vinhas velhas e acho, por isso, que as vinhas velhas vão vencer a guerra das alterações climáticas”. Manuel Ângelo Barros neto do fundador e durante 30 anos administrador da empresa Barros Almeida, esteve de novo presente no evento, também para apresentar o Porto Colheita, um vinho que lhe diz muito, ele que toda a vida esteve ligado à produção e prova de vinhos do Porto. Filipe Barros, seu filho, assegura a continuidade familiar do projecto. A quinta, com uma localização espectacular e vista para o rio, tem 93 ha mas uma boa parte é de mata mediterrânica. Além da vinha possui olival, horta e pomar e tem instalações de enoturismo. Para lá do tinto agora apresentado a quinta tem outro tinto de destaque, o Vinha do Pinto, a que acrescem dois tintos e dois brancos, ente colheitas e reservas.

Herdade das Servas: Estreia dupla. Restaurante Legacy e Vinhas Velhas branco

Herdade das Servas

Em plena estação acolhedora de Outono, a Herdade das Servas brindou o mercado com duas novidades apetitosas: um restaurante e um branco de vinhas velhas. E para harmonizar, quatro tintos de 2017, de referências já conhecidas.  TEXTO: Mariana Lopes   FOTOS: Serrano Mira “Considero fundamental o complemento entre a cozinha e o vinho, para compreendermos ainda […]

Em plena estação acolhedora de Outono, a Herdade das Servas brindou o mercado com duas novidades apetitosas: um restaurante e um branco de vinhas velhas. E para harmonizar, quatro tintos de 2017, de referências já conhecidas.

 TEXTO: Mariana Lopes   FOTOS: Serrano Mira

“Considero fundamental o complemento entre a cozinha e o vinho, para compreendermos ainda melhor o que se faz na adega”. Esta é a grande premissa de Luís Serrano Mira, mentor e proprietário da Herdade das Servas, que está na base da criação do novo restaurante da propriedade localizada junto a Estremoz. Legacy Winery Restaurant é o nome, por uma razão só, como explicou o produtor na apresentação do espaço: “Ao fazermos este novo restaurante decidimos chamar-lhe Legacy Winery Restaurant. Temos uma sub-marca, chamada Family Wine Growing Legacy, e o nome do restaurante vem exactamente daqui. O Legacy, ‘legado’ em português, é tudo o que a família nos deixa, e foi isso que procurámos estabelecer aqui, como marco gastronómico para a Herdade das Servas”.

E é precisamente a família que está na origem deste projecto vitivinícola alentejano. Luís Serrano Mira acompanhou, desde sempre, as actividades familiares na produção de vinhos, antes de fundar, em 1998, a Herdade das Servas no modelo que hoje conhecemos. Com muita dedicação, precisamente, ao seu legado, investigou, com a ajuda de um historiador, toda a ligação dos Serrano Mira ao vinho. Surpreendentemente, sabe-se que a família produz vinho desde 1667, ano de fabrico das duas talhas que hoje estão expostas na herdade. Actualmente, Luís Serrano Mira representa a parte familiar do projecto — que gere com sócios externos — e que abrange cerca de 350 hectares de vinhedos, repartidos por oito vinhas de idades muito diferentes, entre a Serra d’Ossa e a Serra de São Mamede: Azinhal, Louseira, Cardeira Nova, Cardeira Velha, Pero Lobo, Judia (a mais antiga, com 65 anos), Monte dos Clérigos e Servas, sendo esta última a da propriedade principal, onde está a adega, com cerca de 70 hectares. O encepamento, por sua vez, passa pelas tintas Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez, Cabernet Sauvignon, Castelão, Merlot, Petit Verdot, Syrah, Touriga Franca, Touriga Nacional e Trincadeira: e pelas castas brancas Alvarinho, Antão Vaz, Arinto, Encruzado, Roupeiro, Sauvignon Blanc, Sémillon, Verdelho e Viognier. Importa referir que, e segundo Luís Serrano Mira, “todos os vinhos da Herdade das Servas são feitos com uvas próprias”. Também em jeito de novidade, juntou-se recentemente, à equipa da casa, o enólogo Renato Neves.

Para fazer par com o Vinhas Velhas tinto, que já existia desde a edição de 2005, surge agora o Herdade das Servas Vinhas Velhas branco, que se estreia na colheita de 2020, com apenas 5 mil garrafas. O lote tem na sua maioria Arinto, de uma vinha com 32 anos, e 10% de Roupeiro, cujas uvas vêm da Vinha da Judia, de 65 anos, onde esta casta é a única branca ainda presente. O Vinhas Velhas tinto, por exemplo, tem origem totalmente nesta vinha, sendo este 2017 um lote de Alicante Bouschet (45%), Trincadeira (30%), Touriga Nacional (20%) e Petit Verdot, com fermentação em lagares de mármore e cubas de inox, estágio em barricas novas de carvalho francês, durante 18 meses, e de dois anos em garrafa. Quanto à vinificação do Vinhas Velhas branco, este passa também por lagar e inox, para fermentar, mas estagia parcialmente em ânforas de barro (italianas, com tampa, uma beleza!), além da barrica. Ambos foram sujeitos a maceração pré-fermentativa. Já os três monovarietais de 2017 — Petit Verdot, Touriga Nacional e Alicante Bouschet — nascem na Vinha das Servas, e todos fermentam, total ou parcialmente, nos lagares de mármore. Estes lagares, disse o produtor, estão reservados precisamente para os vinhos de topo da Herdade das Servas. O trio estagia sempre 12 meses em barrica e 24 em garrafa.

No Legacy Winery Restaurant, a cozinha é moderna mas os ingredientes alentejanos e a inspiração na cultura da região, estão lá. Na verdade, a Herdade das Servas já teve um restaurante, homónimo, mas em modelo de concessão, que cessou em meados de 2020. O Legacy, em oposição, é totalmente “próprio”, e o local foi totalmente remodelado, da cozinha à sala, que tem capacidade para 42 pessoas. “Quando a pandemia começou, iniciámos as obras para remodelar e abrir o nosso próprio restaurante. Actualizámos o conceito, entendemos não ir por uma cozinha muito tradicional, como era a da antiga concessão, mas mais de ‘fine dining’”, esclareceu Luís Serrano Mira. A autoria do menu é do chef Luciano Baldin, e inclui 23 pratos, entre entradas, principais e sobremesas. “Queremos, aqui, utilizar ao máximo os produtos locais, que temos mesmo aqui ao nosso redor, e com eles interpretar, de forma diferente, os pratos alentejanos”, avançou o chef. Falamos de exemplos como ovo cremoso com couve-flor, crocante de broa e paia de toucinho ou bife tártaro mertolengo, nas entradas; carré de borrego de pasto com batatas assadas, castanhas e romesco ou polvo braseado com migas de tomate e acelgas, nos principais. Há ainda opções vegetarianas, como húmus de ervilhas fumadas com legumes assados, cogumelos portobello e grão frito. Claro que não falta uma selecção bem completa dos vinhos Herdade das Servas, a copo e garrafa, complementada por vinhos da Casa da Tapada (o projecto Serrano Mira na região dos Vinhos Verdes), por espumantes Vértice e Champagne Ruinart.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2022)