Casa de Santar: Entre nobres vinhas

Casa de Santar

A presença humana nestes territórios perde-se na memória dos tempos, remontando ao neolítico o cultivo agrícola e a pastorícia. A terra convidava a “assentar”, a criar laços comunitários. Afinal, são os solos mais produtivos da Beira, dotados de condições excecionais para o plantio da vinha, dada a qualidade dos solos e abundância de água. Hoje, […]

A presença humana nestes territórios perde-se na memória dos tempos, remontando ao neolítico o cultivo agrícola e a pastorícia. A terra convidava a “assentar”, a criar laços comunitários. Afinal, são os solos mais produtivos da Beira, dotados de condições excecionais para o plantio da vinha, dada a qualidade dos solos e abundância de água.
Hoje, é a maior mancha contínua de vinha da região do Dão que nos surge defronte dos olhos na nobre e histórica Vila de Santar. São mais de 110 hectares de vinhedos que se estendem por um vale encimado pela Vinha dos Amores e Alto dos Amores. É nesta parcela da Vinha dos Amores que nascem os mais exclusivos vinhos da Global Wines, proprietária também da Quinta de Cabriz e Paço dos Cunhas de Santar, no Dão, da Quinta do Encontro, na Bairrada, e da Herdade do Monte da Cal, no Alentejo.
Com recentes mudanças na direção de enologia, agora liderada por Paulo Prior, bairradino oriundo do Centro de Vinificação da Sogrape, em São Mateus, Anadia, e, na direção comercial, com Nuno Abreu, que deixou a Sogevinus para se juntar ao grupo sedeado em Carregal do Sal, sopram novos ventos em Santar, ainda que refreados pelo cariz clássico a que a marca se impõe, tendo, nessa conceção, a principal forma de afirmação no mercado nos últimos anos.

A VINHA DOS AMORES COMO CHANCELA

A Vinha dos Amores surge no promontório Norte de uma propriedade que se estende por mais de 100 hectares. Do alto, a uma cota de 400 metros, a vinha estende-se por 13,5 hectares, num ligeiro declive com exposição a Norte, o que a torna a mais valiosa parcela da Casa de Santar.
O seu crescimento foi progressivo, como foi progressivo o seu plantio, iniciado em 1997 e apenas terminando em 2017. Ali, as parcelas vão sendo divididas por setores, priorizando as características dos solos à escolha das castas com maior potencial para cada um dos talhões. Estamos no coração do Dão e, vai daí, o encepamento destaca as duas grandes castas atuais da região: a Touriga Nacional, nas tintas, e a Encruzado, nas brancas, sendo estas as mais relevantes nos vinhos de exceção de Santar.
A Alfrocheiro começa a surgir timidamente nas contas da Casa de Santar. É nas cotas mais elevadas, sobretudo no Alto dos Amores, que ela melhor se expressa, beneficiando da altitude e da maior exposição à influência da Serra da Estrela, que se ergue frondosa a Sul de Santar.

Apesar de se ter expandido para Sul, estendendo-se às regiões do Alentejo, Tejo e Palmela, é no Dão que encontra o seu território natural. Não obstante ser uma uva vigorosa e muito produtiva, carece de cuidados frequentes e atentos, dada a sua propensão natural ao oídio e podridão cinzenta. Nesta região, é-lhe reconhecida a elegância, cor bastante acentuada e um notável equilíbrio entre álcool, taninos e acidez, conferindo, aos vinhos, uma frescura que tantas vezes está ausente nos vinhos mais estruturados e densos do Dão. Aromaticamente, funde-se no território e na envolvência, fazendo sobressair os aromas a bagas silvestres e nuances de mato rasteiro.
São essas características que Paulo Prior pretende que se tornem mais evidentes nos vinhos nascidos no Alto dos Amores, encontrando-se em curso um trabalho de estudo dos stocks de vinhos da casta existentes na Casa, de modo a encontrar algo que se diferencie e possa vir a aumentar, com uma dotação qualitativa, a família das referências especiais Vinha dos Amores, podendo mesmo ir além de mais que uma vertente. Aguardemos pelo que o futuro nos reserva…
Afinal, não tem sido despicienda a influência da casta nos vinhos das terras de granito nos últimos mais de 150 anos, crendo-se que a sua disseminação com êxito tenha ocorrido nas replantações pós-filoxera. Nos anos 90 do século passado, a casta ganha um evidente estrelato, e inicia um caminho ascendente de popularidade junto de um conjunto de produtores regionais, entre os quais a Casa de Santar.

 

“…a Alfrocheiro pode aportar maior complexidade cosmopolita aos vinhos, em detrimento da concentração clássica.”

 

O novel enólogo de Santar está consciente de que não haverá nenhum movimento disruptivo no classicismo dos vinhos, hoje reconhecidos e com uma marca forte nos mercados nacional e internacional. Contudo, o mundo continua a girar e os movimentos que buscam perfis de maior leveza, elegância, profunda frescura e menor presença de álcool não podem ser descurados. E, aí, há uma forte crença que, a par da Touriga Nacional, a Alfrocheiro pode aportar maior complexidade cosmopolita aos vinhos, em detrimento da concentração que se impôs nas últimas décadas.

“Hoje, é a maior mancha contínua de vinha da região do Dão que nos surge defronte dos olhos na nobre e histórica Vila de Santar.”

 

O TERRITÓRIO E A SUSTENTABILIDADE

O dito terroir da Vinha dos Amores, crê Paulo Prior, é, por si próprio, um fator de diferenciação que, por isso mesmo, deve ser potenciado de modo diferente dos restantes vinhos da chancela Casa de Santar.
A exposição, a barreira elevada e o declive protegem a Vinha dos Amores das geadas de inverno sob forte influência da Serra, do mesmo modo que também a preservam da inclemência das elevadas temperaturas do Verão, uma vez que beneficia de menos horas de exposição direta ao sol. São condições que lhe beneficiam o equilíbrio da maturação, dando origem a mostos mais ricos, profundos e complexos.

As cotas mais elevadas são definitivamente relevantes, do mesmo modo que o é toda a envolvência e proteção das três serras que circundam Santar: Estrela, Caramulo e Bussaco. A composição de solos – arenosos com pouca retenção de água, algum xisto e maioritariamente granito – não valida a retenção de água, forçando as raízes a penetrarem os solos a maior profundidade, buscando a matéria orgânica e nutrientes que escasseiam. A mecanização e a rega monitorizada colmatam a pobreza dos solos.
A sustentabilidade, aqui, é muito mais que um chavão de retórica. Hoje, uma exigente auditoria, realizada de modo independente por cinco empresas, confere à Global Wines, Sociedade Agrícola de Santar, que detém a Casa de Santar e Paço de Santar, sediadas no Dão, Quinta do Encontro, na Bairrada, e Herdade Monte da Cal, no Alentejo, o referencial nacional de sustentabilidade. Esta certificação nacional vem demonstrar que todas cumprem os requisitos legais relacionados com os domínios da sustentabilidade, designadamente, gestão e melhoria contínua, e contribuem ativamente para o bem-estar social, económico e ambiental das comunidades envolventes e das diferentes regiões onde atuam.

 

“…o encepamento destaca as duas grandes castas atuais da região: a Touriga Nacional,nas tintas, e a Encruzado, nas brancas,…”

 

Este Referencial Nacional, criado pelo Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) e promovido pela ViniPortugal, abrange, neste caso, a produção total de 235 hectares (165ha no Dão, 67ha no Alentejo e 3ha na Bairrada). Um novo selo de sustentabilidade irá ser brevemente adotado nas rotulagens das marcas Casa de Santar, Paço dos Cunhas de Santar, Cabriz, Quinta do Encontro e Herdade Monte da Cal, o que, para o consumidor, representa uma garantia de que estão implementadas práticas sustentáveis em todas estas organizações e marcas do universo Global Wines.
Hoje já é comum observarem-se, pelos vinhedos de Santar, enormes rebanhos de ovelhas que, no âmbito da produção integrada, fazem o corte da erva das entrelinhas de um modo rudimentar, nivelam as leguminosas ali semeadas, com a vantagem de ainda contribuírem para a nutrição dos solos.

Com o encepamento das tintas a representar 65% das vinhas e as brancas 35%, a realidade da Casa de Santar estende-se hoje muito para além da Touriga Nacional e Encruzado. O passado está bem presente nas 20 castas existentes, em produção ou ensaios que visando reabilitar variedades quase extintas e recuperar aquelas que já tiveram grande preponderância na região, como é o caso da Baga. Santar vinca a altitude e atitude de continuar, na mudança, a criar os vinhos mais nobres do Dão.

Nota: o autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2025)

Vinha das Penicas: A colocar Sicó no mapa

Vinha das Penicas

A sub-região das Terras de Sicó, localizada na Beira Atlântico, possui uma rica história vitivinícola que remonta a séculos. Esta área, que inclui partes dos concelhos de Condeixa-a-Nova, Penela, Alvaiázere, Ansião, Pombal e Soure, é conhecida pelas suas vinhas antigas e pelo cultivo de castas tradicionais. Durante a era romana, a viticultura já era uma […]

A sub-região das Terras de Sicó, localizada na Beira Atlântico, possui uma rica história vitivinícola que remonta a séculos. Esta área, que inclui partes dos concelhos de Condeixa-a-Nova, Penela, Alvaiázere, Ansião, Pombal e Soure, é conhecida pelas suas vinhas antigas e pelo cultivo de castas tradicionais.
Durante a era romana, a viticultura já era uma atividade próspera na região, em redor de Conímbriga, uma das maiores cidades romanas de Portugal, situada no coração das Terras de Sicó. O cultivo da videira e a produção de vinho sempre estiveram profundamente enraizados na economia familiar destas comunidades. No entanto, ao longo do tempo, as dificuldades económicas e a migração das populações para as cidades levaram ao abandono de muitas vinhas.

A região é marcada por um relevo cheio de encostas e vales. A Serra da Lousã, a leste, contribui para as suas amplitudes térmicas, com altas temperaturas de dia e noites frescas. A Serra de Sicó, embora seja de altitude mais baixa, oferece alguma protecção dos ventos atlânticos e cria diferentes exposições solares. De um modo geral, o clima é menos atlântico e chuvoso nas Terras de Sicó do que na Bairrada. Os solos são essencialmente argilo-calcários com afloramentos de xisto. Estes calcários, formados em antigos ambientes marinhos durante o período Jurássico e Cretácico, quando a Serra de Sicó estava submersa, são ricos em conchas fossilizadas que muitas vezes se encontram nas vinhas.

Paixão pela casta Baga

Terras de Sicó foi delimitada, em 1993, como sub-região da região das Beiras que, na altura, também enquadrava a Beira Alta e a Beira Litoral. Na reorganização institucional do sector, em 2011, passou a fazer parte da IG Beira Atlântico. Nos últimos cinco anos nota-se uma dinâmica nesta sub-região e já existem 15 produtores certificados. É esta a terra de Alberto Almeida, nascido numa pequena aldeia no concelho de Coimbra, onde desde cedo teve contacto com as práticas agrícolas. O seu pai e avô produziam vinho para consumo familiar, e foi nas vinhas que Alberto passou uma boa parte de sua infância, nos anos 70, brincando e participando nas actividades do campo. Naquela época, achava o trabalho na terra muito duro e, assim que pôde, rumou para a cidade em busca de uma vida diferente.
Alberto trabalha na área de saúde mental. É psicodramatista e conduz sessões de terapia em grupo. No entanto, ao aproximar-se dos 30 anos de idade começou a sentir uma nostalgia crescente do campo e da cultura da terra, que “já não era vista apenas na perspectiva de dureza, mas também de magia”. Essa saudade levou-o a juntar-se aos grupos de provas e visitar eventos vínicos, o que lhe ajudou a desenvolver o gosto próprio pelos vinhos elegantes e frescos. Foi neste contexto que descobriu a casta Baga, pela qual se apaixonou.

Em 1997, Alberto decidiu voltar às suas raízes e mudou-se para Podentes, onde descobriu vinhas centenárias que despertaram a sua vontade de reviver o património vinícola da região. Começou por comprar duas parcelas de vinha e agora já tem cinco, de dimensões variadas, de 0,5 até 1 ha. O minifúndio era uma realidade naquele território, e as vinhas suportavam a economia familiar outrora. As castas que tem são as da Bairrada antiga (antes de entrada de castas estrangeiras) e de uma parte do Dão, excluindo a Touriga Nacional. Normalmente estão misturadas, algumas com metade de variedades brancas misturadas com tintas, outras com 90% de castas tintas, onde predomina a Baga. Curiosamente, a Grand Noir está bastante presente nos encepamentos. Presumivelmente “terá sido trazida na altura de construção de caminhos de ferro, há 120-130 anos”, supõe Alberto.

Castas antigas predominam

Como as Terras de Sicó nunca tiveram uma grande expansão comercial, a sub-região ficou imune ao boom de castas estrangeiras, que se sentiu noutras regiões do país. Alberto valoriza muito este facto e, para preservar o seu encepamento histórico, está a fazer a enxertia com o matérial genético das próprias vinhas.
Antigamente, na época da produção familiar, era comum os pisos térreos servirem de adegas. É numa casa destas que, em 2006, começou as primeiras microvinificações. Autodidata e experimentalista, o ainda jovem produtor percebeu que “não é possível fazer vinho sem entender absolutamente nada”. Foi colhendo algum conhecimento técnico através das formações organizadas pela Estação Vitivinícola da Bairrada, para além da muita conversa com os enólogos e produtores. Experimentando diferentes métodos de extracção, tempos de cuba e de estágio, tipos de carvalho (testou, por exemplo o carvalho americano, que não o convenceu), construiu um perfil de vinhos com que se identificou.

Os processos são rudimentares, com improvisos técnicos e investimento limitado. Devido à idade avançada das vinhas não aramadas, a mecanização não é possível e muito trabalho no terreno é feito pelo próprio. A vinificação ocorre em lagar com leveduras indígenas, para o estágio usa barricas de carvalho francês usadas. O seu objetivo “não é criar vinhos excêntricos, mas sim transmitir emoção e desafiar sensações”.

Com pouca pressa e muita paciência, Alberto fez o seu percurso de mais de uma década a experimentar e ensaiar, sem perder de vista o objectivo de lançar um dia o seu próprio vinho certificado. As primeiras colheitas lançadas para o mercado foram um branco e um tinto de 2017 e um espumante de 2018. Agora também tem um branco de curtimenta que chama “À moda antiga”, com 12 dias de fermentação em lagar com películas.
O espumante resulta de uma primeira monda de todas as parcelas. As uvas para o curtimenta são vindimadas uma semana depois nas mesmas parcelas, e um pouco mais tarde colhe uvas para o vinho branco, que tem um contacto pelicular de dois dias em lagar e um estágio posterior em barricas usadas e deposito de cimento.

O projecto tem muito a ver com o seu criador, desde o perfil dos vinhos até à imagem dos rótulos singela, quase naïf, com umas conchas que parece terem saído de um livro para crianças. “Eu brincava com estas conchas na minha infância, na vinha do meu pai. O rótulo é pessoal e tem muito significado para mim. Toda a construção de imagem é pessoal”, explica Alberto.
A produção resume-se a 10 mil garrafas e, este ano, Alberto Almeida estima chegar aos 15 mil. “Não acredito ter condições para crescer pela quantidade de garrafas, o que me obrigava a ir aos limites físicos e de estrutura. Não consigo expandir a adega. Prefiro ir pelo caminho de valorização da marca. Sei que é um jogo de paciência.”
“É demasiado grande para ser um hobby e demasiado pequeno para ser um negócio”, diz o produtor na brincadeira, enquanto procura, não só alcançar os objectivos pessoais, mas também contribuir para colocar a sub-região Terras de Sicó nos mapas vitivinícolas de Portugal, sobretudo no imaginário do consumidor.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)

Lugrade lança Vintage e Magnus

A Lugrade, empresa nacional no setor do bacalhau, apresentou oficialmente as novas edições do Bacalhau Lugrade Vintage e do Bacalhau Lugrade Magnus. O evento de lançamento decorreu no Convento São Francisco em Coimbra, em final de Novembro, com a presença do Chef Diogo Rocha, embaixador da marca e dos administradores da empresa, os irmãos Joselito e […]

A Lugrade, empresa nacional no setor do bacalhau, apresentou oficialmente as novas edições do Bacalhau Lugrade Vintage e do Bacalhau Lugrade Magnus. O evento de lançamento decorreu no Convento São Francisco em Coimbra, em final de Novembro, com a presença do Chef Diogo Rocha, embaixador da marca e dos administradores da empresa, os irmãos Joselito e Vitor Lucas.

O Bacalhau Lugrade Vintage distingue-se pelo seu processo de cura prolongada, que respeita os métodos tradicionais e intensifica o sabor. Selecionado entre os melhores exemplares capturados na Islândia, na Baía de Keflavik, é escalado a bordo onde inicia o processo de cura, completado depois nas instalações da Lugrade, em Coimbra. Ao todo, a edição 2024 passou por 20 meses de cura, dos quais 17 em sal. E originou apenas 2100 exemplares, vendidos ao preço de €40/Kg.

O mesmo preço tem o Bacalhau Lugrade Magnus, sendo algo totalmente distinto, desde logo na proveniência, no caso, as águas geladas da Noruega. Como o nome indica, é produzido a partir de exemplares excecionalmente grandes, com mais de 5 Kg, e submetido a uma cura tradicional superior a seis meses. Ao contrário do Vintage, é maturado a bordo durante quatro dias, antes de ser escalado e salgado, dando origem a postas grandes e de textura bastante macia. Da edição 2024 nasceram somente 1800 exemplares

Durante a apresentação, o Chef Diogo Rocha elaborou duas criações gastronómicas com estes peixes, demonstrando as diferenças na matéria prima e processo de cura e as semelhanças na elevadíssima qualidade do produto.  O Bacalhau Lugrade Vintage e Bacalhau Lugrade Magnus estão disponíveis em revendedores especializados e na loja online da Lugrade (loja.lugrade.com) L.L.

Lua Cheia: Bronze que vale ouro

lua cheia

Fomos encontrar o centro de vinificação da Lua Cheia-Saven, em Alijó, em plena azáfama de vindimas. Esta, que é uma das duas adegas da empresa (a outra situa-se em Monção, na região dos Vinhos Verdes), está capacitada para vinificar mais de 2,5 milhões de litros. A sua localização é das mais privilegiadas para obter os […]

Fomos encontrar o centro de vinificação da Lua Cheia-Saven, em Alijó, em plena azáfama de vindimas. Esta, que é uma das duas adegas da empresa (a outra situa-se em Monção, na região dos Vinhos Verdes), está capacitada para vinificar mais de 2,5 milhões de litros. A sua localização é das mais privilegiadas para obter os resultados desejados atualmente, a frescura e a marca da região duriense. No topo do Planalto de Alijó, situando-se próxima dos 800 metros de altitude e beneficiando de noites muito frias e dias de brisas constantes, alcançam-se vinificações mais lentas, aportando aos vinhos maior personalidade e uma mais fidedigna interpretação do Vale Mendiz, ali próximo.

É nestas cotas mais altas do Douro que nascem, além dos mais exclusivos Quinta do Bronze, os Andreza das gamas “Altitude”, vinhos de expressão mais fresca, elaborados com uvas próprias e provenientes de viticultores que trabalham com a Lua Cheia há vários anos, garantindo, à empresa, a qualidade da matéria-prima para criar os vinhos que espelham o caráter do Planalto.

Com uma história cuja origem remonta a 1823, a propriedade foi adquirida em 2012 ao dono de uma farmácia de Favaios.

 

Nos altos de Vale Mendiz
Podíamos começar pelo início da Sociedade Abastecedora de Navios Aveirense (Saven) e de como o dinamismo do seu fundador, o já desaparecido Manuel Dias, criou um império de distribuição de bens alimentares e vinhos, hoje liderado por sua filha Lara Dias, onde se enquadra a Lua Cheia-Saven, nascida de um desafio ao enólogo bairradino Francisco Baptista em 2009. Porém, importa-nos traçar desta feita o retrato da Quinta do Bronze, a propriedade com 14 hectares e vista sobranceira para o mágico Vale Mendiz, com uma vizinhança ilustre nas cercanias.

Com uma história cuja origem remonta a 1823, a propriedade foi adquirida em 2012 ao dono de uma farmácia de Favaios. Durante várias gerações, a Quinta estave quase inteiramente dedicada à produção de uva para vinho do Porto, caracterizando-se pela heterogeneidade de altitudes, exposição e composição de solos. A dimensão inicial era menor, tendo sido adquiridas diversas parcelas contíguas até atingir a dimensão atual. Do fundo da estrada que vai de Alijó ao Pinhão, até ao topo das íngremes vinhas, sobe-se dos 200 até uma cota de 550 metros de altitude. Com forma de um semicírculo, os vinhedos beneficiam de diversas exposições (a Norte, Poente e Sul) que, por sua vez, trazem diversos estados de maturação, permitindo trabalhar as uvas de distintas formas na sua vinificação. Os solos encontram-se numa zona de transição dos xistos para os granitos. Solos muito pobres, que estimulam a capacidade de resiliência das videiras a produções rigorosas.

Os primeiros anos após a aquisição foram de estudo de cada uma das diferentes parcelas da vinha. A pretensão era criar foco no vinho de mesa, identificando as uvas com maior potencial e apetência para tal, reservando a parte sobrante para vinho do Porto. O encepamento ali existente, e as plantações de novas parcelas que foram sendo adquiridas, entretanto, pouco foi alterado. Era o tradicional para elaboração de vinhos do Porto: Touriga Nacional, Touriga Francesa, Sousão e Tinta Roriz. O Tinto Cão surge mais tardiamente, numa perspetiva de dispor de castas mais frescas, entre outras plantadas, sobretudo as mais resistentes à baixa pluviosidade e mudanças climatéricas. Atualmente, é a base consensual para a elaboração do Andreza Altitude Rosé, exclusivamente com esta casta, para marcar o modo como são feitos bons rosados durienses. É um vinho que tem conquistado a preferência dos consumidores,

 

A Vinha do Plagão
A maior curiosidade desta Quinta é uma parcela de um hectare de vinha com quase 50 anos – a Vinha do Plagão – onde se encontra o Tourigão, ou Tourigo, nome que, durante séculos, os agricultores do Dão davam à Touriga Nacional. É nesta vinha, cuja interpretação e conhecimento têm tomado mais tempo ao responsável de enologia, Francisco Baptista, que nasce o vinho de parcela Quinta do Bronze Vinha do Plagão 2016. As imensas incertezas sobre aquele clone antigo da, hoje, conhecida e reconhecida, Touriga Nacional, tornaram a obtenção de um vinho que cumprisse os parâmetros de qualidade exigidos tarefa mais complexa, pois as características naturais do próprio Tourigo, e a sua raridade no encepamento duriense, não facilitaram em nada a tarefa.

Desde a aquisição da propriedade em 2012, apenas em 2016 se conseguiu alcançar a desejada excelência. Francisco Baptista reconhece-lhe a irregularidade, não se conseguindo ali obter colheitas de qualidade a toda a prova ano após ano. Em 2017, não foi possível engarrafar a colheita e, se o estágio evoluir favoravelmente, o próximo lançamento será da vindima de 2018.
Relevante para os objetivos da empresa é, no que toca àquela parcela em particular, respeitar as suas características e identidade, com a perfeita consciência de que só nos anos excecionais dali serão engarrafados os Vinha do Plagão. Manuel Dias, cedo reconheceu a singularidade daquela vinha, dando carta branca ao enólogo para dali fazer os futuros vinhos ícone da Lua Cheia, demorasse o tempo que demorasse. A experienciação teve de nascer de vinificações separadas, de modo a perceber as características diferenciadoras do clone presente nestas vinhas.

A maior curiosidade desta Quinta é uma parcela de 1 hectare de vinha com quase 50 anos – a Vinha do Plagão – onde se encontra o Tourigão, ou Tourigo

 

O Tourigo antigo
O Tourigo aparece profusamente referido por António Augusto de Aguiar em 1867, identificando-o e relevando-lhe a presença massiva no encepamento da região do Dão. Daí os beirões reivindicarem para si o berço da, hoje, renomada Touriga Nacional. As suas virtudes enológicas eram já valorizadas no período pré-filoxérico, designadamente a cor profunda dos seus vinhos e o aroma singular que assumia. Contra si tinha a muito pouca produtividade e tendência ao desavinho. Cardoso Vilhena, no Centro de Estudos do Dão, em Nelas, decifrou-lhe algumas fragilidades, explorando as suas potencialidades, ganhando a casta novo fôlego. Certo é que, nas vinhas da Quinta do Bronze, o Tourigo surge ainda numa versão primordial, de cacho de bago pequeno e com uma produtividade que não ultrapassa os 2500 quilos por hectare. Razão para ter sido, pouco a pouco, abandonada pelos agricultores durienses.

Ignorando a parte da rentabilidade, Francisco Baptista, preferiu olhar para esta parcela de um modo diferenciado, procurando sobretudo a mais legítima expressão do território e das características tão especiais daquela casta, que entra em larga maioria no Vinha do Plagão, surgindo também o Sousão em proporções residuais, numa perspetiva de conferir maior firmeza e tensão ao vinho. Certo é que o resultado é uma absoluta surpresa, pelo modo como evoluiu oito anos após a colheita e pelo potencial de longevidade que mostra, antevendo-lhe o enólogo décadas de resistência sem perda de vigor e frescura. Haja essa coragem de resistir à tentação de os colocar nas prateleiras antes do seu tempo ideal.

Do mesmo modo, procura, nas restantes parcelas daqueles 14 hectares, sublimar a altitude, buscando menor concentração, menor teor alcoólico, acidez mais veemente e uma complexidade que diferencie os vinhos da Quinta do Bronze, tornando-os a joia da coroa de todo o universo Saven.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)

Quanta Terra: 25 anos festejados em grande

Quanta Terra

Sem terra e sem uma adega convencional, Quanta Terra é uma parceria em busca do seu vinho perfeito e uma marca que provoca a emoção no consumidor. O projecto começou em 1999, fruto da cumplicidade profissional de Celso Pereira e Jorge Alves, que se conheceram nas Caves Transmontanas no início dos anos 1990. Conhecendo o […]

Sem terra e sem uma adega convencional, Quanta Terra é uma parceria em busca do seu vinho perfeito e uma marca que provoca a emoção no consumidor. O projecto começou em 1999, fruto da cumplicidade profissional de Celso Pereira e Jorge Alves, que se conheceram nas Caves Transmontanas no início dos anos 1990. Conhecendo o Douro como a palma das suas mãos, definiram desde logo as zonas da proveniência das uvas para garantir a qualidade dos vinhos: para os tintos, vale do Tua, e para brancos e rosés as terras de altitude 600-700 metros com solos de transição para o granito, no planalto de Alijó, onde mesmo em anos quentes conseguem maturações equilibradas e uvas com frescura natural. As ligações duradoras com os viticultores que lhes fornecem as uvas, desde o início do projecto, asseguram a matéria prima de qualidade sem ter necessidade de adquirir as vinhas. O importante é acompanhá-los e pagar bem as uvas.

 

A “adega” da Quanta Terra, inserida numa antiga destilaria da Casa do Douro, recuperada em colaboração com o arquitecto Carlos Santelmo é algo único. De layout pouco habitual, o espaço, para além de acomodar uma cave de barricas, está transformado num ambiente museológico dedicado à história do Douro e serve de palco a exposições artísticas temporárias. A vinificação propriamente dita é feita nas adegas dos seus parceiros de outros projectos vitivinícolas.
Olhando para o seu percurso de 25 anos na Quanta Terra, os enólogos consideram que o importante foi saber “evoluir improvisando”. “Criámos perfis de vinhos e validámos com as vendas no mercado”, permanecendo numa dinâmica criativa.

Mas parece que os dois também gostam de provocar o mercado de vez em quando. No mundo, onde os restaurantes nem aceitam um vinho branco de há dois anos, onde o consumidor procura vinhos fáceis e frutados, lançar um branco com estágio de vários anos em barrica é de loucos. Mas quem conhece Jorge Alves e Celso Pereira, sabe que isto faz parte do ADN do projecto. O estágio prolongado exige paciência, implica o investimento em barricas e o empate do capital, e ainda obriga a lidar com a volatilidade das tendências do mercado. O factor incerteza também tem a ver com o próprio vinho, pois durante um estágio de muitos anos nunca se sabe ao certo que perfil o tempo vai esculpir no final. Ao provar o Gold Edition 2017 com quase sete anos em barrica e o Family Edition 2007 com 14, percebe-se porque às vezes vale a pena ir até ao limite.

O primeiro Gold Edition foi da colheita 2011, da qual houve duas barricas que ficaram para trás, não propositadamente. O resultado motivou a repetição da experiência em anos bons, em que a qualidade esperada justifique um estágio prolongado. “Sentimos que o mercado pode ter apetência para estes vinhos diferenciados”.
O Family Edition foi ainda mais longe. Começou em 2007 como uma base de espumante que, por decisão interna, ia ficando em barricas novas de 225 litros. Passados 14 anos e ao contrário do que se pode pensar, não está marcado pela barrica, pois o vinho ia concentrando e a barrica ia envelhecendo com o vinho e acabou por integrar completamente. O resultado, com mais de 8 g/l de acidez e um pH baixíssimo, oferece, ao mesmo tempo, o sabor e a textura para envolver a estrutura acídica e trazer à prova um vinho cheio de vida e personalidade. Decidiram lançá-lo no aniversário dos 25 anos. É uma edição única, com apenas 670 garrafas.

Outra novidade é o espumante Quanta Terra Éclat feito de Pinot Noir proveniente da zona de Lamego. Quase que apetece dizer: “até que enfim!”. Sendo Celso Pereira o reconhecido Senhor das Bolhas, espanta-me como é que aguentaram 25 anos sem se meter na produção de espumantes. Mas aqui vai!

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)

Madeira Wine Company: Grandes Madeira, salgados e eternos

Madeira

A ilha da Madeira, com 66% da superfície classificada como Parque Natural, tem no seu vinho generoso um dos seus ex-libris. Esta é uma espécie de verdade de La Palice, uma vez que o reconhecimento das virtudes e qualidades daquele vinho é já secular. Mas uma história tão antiga está sujeita a flutuações, períodos de […]

A ilha da Madeira, com 66% da superfície classificada como Parque Natural, tem no seu vinho generoso um dos seus ex-libris. Esta é uma espécie de verdade de La Palice, uma vez que o reconhecimento das virtudes e qualidades daquele vinho é já secular. Mas uma história tão antiga está sujeita a flutuações, períodos de euforia e de retracção.

Estamos actualmente a enfrentar tempos difíceis, como nos foi dado a conhecer na recente apresentação dos novos vinhos da Madeira Wine Company. Ali fomos informados que a área de vinha da ilha continua paulatinamente a diminuir e que a superfície que, até há pouco, era sempre anunciada – 450 ha de vitis vinífera – já está agora (dados de 2023) reduzida a 400 ha, correspondendo a 1680 produtores. Lamentavelmente, diz Francisco Albuquerque, enólogo da empresa, “continuamos a ver serem construídas casas em terrenos que até há pouco tempo eram vinhas”, tendência que só piorará se nada for feito.

Madeira

O processo de candidatura da produção do Vinho da Madeira a Património da Unesco está em marcha e poderá haver novidades em 2025.

Uma luz ao fundo do túnel poderá advir da candidatura da Produção de Vinho da Madeira a Património da Unesco. O processo está em marcha e, dizem-nos, poderá haver novidades em 2025. Não será o vinho que será objecto de classificação, mas sim o processo, das vinhas em latada aos canteiros. Pode ser que assim se proíba, por exemplo, o arranque de vinhas e, até por comparação com o que aconteceu nos Açores – actualmente com mais de 1000 ha de vinhas – a própria área seja substancialmente alargada.
A casta Tinta Negra – que em Colares tinha o nome de Molar – foi dali levada para o Porto Santo porque por lá também havia terrenos de areia. Como se revelou muito produtiva, foi também introduzida na Madeira, onde ganhou o estatuto de casta mais plantada, ocupando actualmente uma considerável área de 240 ha (contra quatro de Terrantez, 14 de Bual, 25 de Sercial, 60 de Verdelho e 35 de Malvasia), tudo áreas de vinha que, pela sua escassez, não podem deixar os apreciadores satisfeitos.

Para alegrar um pouco a preocupação que grassa, quer do lado dos consumidores quer do lado da empresa, com as exportações em queda “numa época em que os vinhos com mais álcool tendem a perder apreciadores”, com salientou Cris Blandy, para alegrar, dizia, foram dados à prova os novos Colheita, agora da edição de 2011 e, no mesmo evento, foram também apresentados dois vinhos DOP Madeirense de 2023. Trata-se de um rosé, cuja 1ªedição remonta a 1991 e um Verdelho, produzido a partir da colheita de 1996.

Madeira

Os vinhos de Frasqueira – indubitavelmente os mais famosos generosos da ilha – estão obrigados a um mínimo de 20 anos de casco e dois anos de garrafa antes de serem comercializados, indicando, no rótulo, o nome da casta. Estes vinhos têm, com frequência, muito mais de 20 anos, porque é norma da empresa não engarrafar tudo de uma vez e, assim, há alguns que são vendidos com muito mais idade. Por norma apresentam-se como Blandy’s ou Cossart Gordon. A Cossart, cuja fundação remonta a 1745, o que faz dela a empresa de vinho Madeira mais antiga ainda em actividade, apresenta tradicionalmente vinhos mais secos e tem mesmo um armazém próprio para o envelhecimento dos vinhos. A empresa juntou-se à Madeira Wine em 1958.

Os vinhos da Madeira têm vindo a ser presença assídua em leilões, onde atingem valores consideráveis com alguma frequência. No entanto, por vezes sem selo da entidade certificadora, nem sempre é fácil saber exactamente o que se está a comprar. É uma jogada de risco, mas que muitas vezes é amplamente compensadora.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2023)

Quinta da Perdonda: Paulo Nunes (e amigos) entregam-nos Dão e mais Dão

Perdonda

Ainda que sem a pujança que a região merece (sendo esta, naturalmente, uma opinião estritamente pessoal), o Dão tem registado um crescente número de novos produtores, muitos deles focados na qualidade e num posicionamento estratégico alto. De uma década para cá, vimos nascer ou consolidar projetos como Taboadella, MOB, Textura, Quinta da Lomba e, mais […]

Ainda que sem a pujança que a região merece (sendo esta, naturalmente, uma opinião estritamente pessoal), o Dão tem registado um crescente número de novos produtores, muitos deles focados na qualidade e num posicionamento estratégico alto. De uma década para cá, vimos nascer ou consolidar projetos como Taboadella, MOB, Textura, Quinta da Lomba e, mais recentemente, Domínio do Açor. E, antes destes, mas não tão distante, assistimos também ao renascimento da Quinta da Passarella que, em conjunto com dezenas de produtores implantados na região desde os anos 80 e 90, formam um significativo acervo de qualidade vínica. Mais recente ainda é o produtor Quinta da Perdonda, cuja figura principal é Paulo Nunes, enólogo que também oficia na já referida Quinta da Passarella, bem como noutros produtores de Trás-os-Montes ao Alentejo, passando pelo Douro e Bairrada.

Perdonda, palavra de pronunciamento arrevesado, quererá significar “pedra redonda”, não escondendo assim a sua origem na sub-região da Serra da Estrela, conhecida pelos solos graníticos, recortados por parcelas de floresta e pedras de grande dimensão. A propriedade é sita mais concretamente em Paços da Serra, entre Seia e Gouveia, com maior proximidade para esta última, um dos lugares mais a este da região vínica (mais a este e com maior altitude só existe pasto). Mais do que uma quinta propriamente dita, pelo menos no estado desprotegido em que os sócios a encontraram, falamos de uma pequena propriedade de quatro hectares a 700 m de altitude, quase toda em encosta.

Com solos relativamente férteis e predominância para os típicos graníticos da região, tem a particularidade de estes virem, a espaços, em barro, ou seja, e simplificando (não entrando nos detalhes da dimensão das partículas do solo), verdadeiras argilas graníticas. A existência de muita água em redor da propriedade é uma mais-valia, diz-nos o enólogo e produtor, garantindo que, assim, as vinhas estarão, no futuro, bem adaptadas ao aquecimento global cada vez mais sentido na região. Por falar em vinhas, estas remontam a 1948, data da plantação do talhão (n.º 1) com vinhas mais velhas. Também no que toca às castas, a diversidade é a palavra chave, encontrando-se, nos brancos, Barcelo, Semillon, Fernão Pires e Uva Cão, e, nos tintos, muita Jaen, Baga e Tinta Amarela, entre muitas outras brancas e tintas.

A propriedade foi comprada em 2016 com mais dois sócios: Paulo Pinheiro (dono do restaurante Casa Arouquesa em Viseu) e Francisco Batista. De lá para cá, e aos poucos, tem vindo a ser reconstruída a adega (os primeiros vinhos foram vinificados em produtores vizinhos), e tudo indica que a colheita de 2024 já será vinificada na nova adega que conta com cinco pequenos lagares, um por cada parcela ou talhão na quinta. Com efeito, a propriedade, apesar de pequena, com três hectares de vinha, tem cinco talhões todos diferentes – ao nível da altitude, do solo, o ano de plantação, e até do encepamento (uns com mais Baga, outros com mais Jaen e Tinta-Amarela) – tornando-se essencial vinificá-los em separado para melhor ir conhecendo o potencial de cada um. Em comum, todos os talhões têm uma mesma característica, que é a presença de muita uva branca, chegando a um máximo de quase 20%. Para já, provámos dois tintos de 2018 e dois brancos de 2020, todos muito promissores. Uma descoberta!

*  Este autor escreve segundo o acordo ortográfico

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)

 

O Tannat do Gradil

gradil

E assim, para celebração de um quarto de século de gestão de Luís Vieira, bem como do seu interesse em castas diferentes, exóticas, pouco trabalhadas e exploradas, aliado ao seu compromisso com a qualidade e a diferenciação, nos reunimos no passado no fantástico Restaurante Federico, no Palácio Ludovice Wine Experience Hotel, para uma degustação das […]

E assim, para celebração de um quarto de século de gestão de Luís Vieira, bem como do seu interesse em castas diferentes, exóticas, pouco trabalhadas e exploradas, aliado ao seu compromisso com a qualidade e a diferenciação, nos reunimos no passado no fantástico Restaurante Federico, no Palácio Ludovice Wine Experience Hotel, para uma degustação das melhores Colheitas de Tannat, incluindo a inicial, de 2009, até uma amostra da próxima colheita a sair para o mercado, do ano 2022.
As mais antigas referências à Quinta do Gradil remontam ao Século XV, mais precisamente a 14 de fevereiro de 1492. Mais de cinco anos antes de Vasco da Gama partir para a Índia (!), um Documento Régio de D. João II registava a doação da jurisdição e rendas do Concelho do Cadaval e da Quinta do Gradil a D. Martinho de Noronha. A propriedade esteve depois nas mãos da Casa de Bragança, sendo um importante couto de caça da realeza, nunca tendo, no entanto, aquelas terras deixado de produzir uva e vinho.

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O Século XIX seria marcado por D. Maria do Carmo Romeiro da Fonseca, que herdou a Quinta da Gradil de seu pai, construiu o imponente palácio amarelo e transformou a propriedade numa exploração agrícola, onde o vinho teria o papel principal. Curiosamente, a sua filha acabaria por casar com o futuro Marquês de Pombal, descendente do mesmo Sebastião José de Carvalho e Melo que, um século antes, tinha tentado arrancar as vinhas do Gradil para favorecer a cultura de cereais e, por outro lado, interesses próprios no Douro, ligando assim a propriedade aos Marqueses de Pombal, a quem pertenceu durante uma parte do Século XX, até ser vendida, em 1963, a uma sociedade liderada por Isidoro Maria d’Oliveira, lavrador, homem de cultura e poeta. O vinho continuou a ocupar o papel principal na produção e a abastecer o crescente mercado de Lisboa.

O Século XXI é o Século de Luís Vieira, que adquiriu a Quinta em 1999. Com uma herança familiar ligada ao comércio de vinho desde 1945, Luís Vieira aprendeu com o avô, António Gomes Vieira, todos os segredos do negócio. Foi através dele que herdou a paixão pelo vinho que ainda o move até aos dias de hoje. Líder da Parras Wines, um dos maiores Grupos do Sector do Vinho de Portugal, Luís Vieira comprou a Quinta do Gradil com um objetivo claro: torná-la no porta-estandarte do Grupo na região de Lisboa. Para tal, apostou na total reabilitação da vinha com castas nacionais e internacionais, e na produção de vinhos de qualidade e diferenciadores.

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Uma referência na casa

O primeiro exemplar de Tannat remonta à vindima de 2009, com lançamento em 2013 e, desde então, tem-se afirmado como um marco na história dos vinhos da Quinta do Gradil. Na primeira colheita (2009) e na seguinte (2014), a casta Tannat surgia em blend com 15% de Touriga Nacional. Desde 2015, este vinho assume-se como monovarietal e um claro espelho do perfil da casta e do carácter atlântico do terroir onde nasce. A variedade Tannat é proveniente de França, mais precisamente de uma região localizada próxima aos Pirenéus, chamada Madiran.
Porém, foi no Uruguai que a variedade ganhou notoriedade, tendo sido introduzida no país por volta de 1870, por um basco pioneiro produtor de uvas chamado Pascual Harriague (nome pela qual a Tannat também passou a ser conhecida naquela origem!). Repousando no Oceano Atlântico entre os Paralelos 30º e 35º, o Uruguai compartilha a mesma latitude com as principais regiões vinícolas do hemisfério sul.

A Tannat foi a casta tinta que melhor se adaptou às condições de solo e clima do Uruguai. É, como já referimos, uma variedade de origem francesa, que acabou por ganhar muita expressão no Uruguai. Esta tipologia de uva dá origem a vinhos taninosos, com carácter, bastante corpo e estrutura, grande intensidade de cor, aromas a frutas escuras, especiarias e chocolate, com óptima concentração. É uma casta exigente em termos de solos e clima, mas que, no terroir da Quinta do Gradil, tem apresentado uma consistência qualitativa e um equilíbrio surpreendentes, como pudemos verificar durante esta prova.

A Quinta do Gradil está situada no concelho do Cadaval, ocupando uma área de 200 hectares, dos quais 120 plantados com vinha. A sua localização privilegiada, entre a serra de Montejunto e o mar, permite tirar partido da influência atlântica, determinante para o equilíbrio ácido e frescura dos vinhos, mas, ao mesmo tempo, usufruir de um bom número de horas de sol, importante para a conveniente maturação das uvas. A argila e o calcário formam a matriz principal dos solos da propriedade, onde encontramos plantadas uma grande diversidade de castas, brancas e tintas. Umas são naturais da região ou estão ali aclimatadas desde há séculos, dando origem a vinhos de vincado carácter regional: é o caso das emblemáticas uvas brancas Arinto e Fernão Pires. Outras, são de presença mais recente no local, mas acabaram por se revelar surpresas muito positivas, pela forma extraordinária como se adaptaram a este terroir. Aconteceu com as castas brancas Viosinho, Alvarinho e Sauvignon Blanc e a tinta Tannat. Por seu lado, as variedades Chardonnay, Syrah, Alicante Bouschet ou Touriga Nacional, por exemplo, são castas que, na Quinta do Gradil, mostram sempre grande consistência qualitativa.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)