Lugrade lança Vintage e Magnus

A Lugrade, empresa nacional no setor do bacalhau, apresentou oficialmente as novas edições do Bacalhau Lugrade Vintage e do Bacalhau Lugrade Magnus. O evento de lançamento decorreu no Convento São Francisco em Coimbra, em final de Novembro, com a presença do Chef Diogo Rocha, embaixador da marca e dos administradores da empresa, os irmãos Joselito e […]

A Lugrade, empresa nacional no setor do bacalhau, apresentou oficialmente as novas edições do Bacalhau Lugrade Vintage e do Bacalhau Lugrade Magnus. O evento de lançamento decorreu no Convento São Francisco em Coimbra, em final de Novembro, com a presença do Chef Diogo Rocha, embaixador da marca e dos administradores da empresa, os irmãos Joselito e Vitor Lucas.

O Bacalhau Lugrade Vintage distingue-se pelo seu processo de cura prolongada, que respeita os métodos tradicionais e intensifica o sabor. Selecionado entre os melhores exemplares capturados na Islândia, na Baía de Keflavik, é escalado a bordo onde inicia o processo de cura, completado depois nas instalações da Lugrade, em Coimbra. Ao todo, a edição 2024 passou por 20 meses de cura, dos quais 17 em sal. E originou apenas 2100 exemplares, vendidos ao preço de €40/Kg.

O mesmo preço tem o Bacalhau Lugrade Magnus, sendo algo totalmente distinto, desde logo na proveniência, no caso, as águas geladas da Noruega. Como o nome indica, é produzido a partir de exemplares excecionalmente grandes, com mais de 5 Kg, e submetido a uma cura tradicional superior a seis meses. Ao contrário do Vintage, é maturado a bordo durante quatro dias, antes de ser escalado e salgado, dando origem a postas grandes e de textura bastante macia. Da edição 2024 nasceram somente 1800 exemplares

Durante a apresentação, o Chef Diogo Rocha elaborou duas criações gastronómicas com estes peixes, demonstrando as diferenças na matéria prima e processo de cura e as semelhanças na elevadíssima qualidade do produto.  O Bacalhau Lugrade Vintage e Bacalhau Lugrade Magnus estão disponíveis em revendedores especializados e na loja online da Lugrade (loja.lugrade.com) L.L.

Lua Cheia: Bronze que vale ouro

lua cheia

Fomos encontrar o centro de vinificação da Lua Cheia-Saven, em Alijó, em plena azáfama de vindimas. Esta, que é uma das duas adegas da empresa (a outra situa-se em Monção, na região dos Vinhos Verdes), está capacitada para vinificar mais de 2,5 milhões de litros. A sua localização é das mais privilegiadas para obter os […]

Fomos encontrar o centro de vinificação da Lua Cheia-Saven, em Alijó, em plena azáfama de vindimas. Esta, que é uma das duas adegas da empresa (a outra situa-se em Monção, na região dos Vinhos Verdes), está capacitada para vinificar mais de 2,5 milhões de litros. A sua localização é das mais privilegiadas para obter os resultados desejados atualmente, a frescura e a marca da região duriense. No topo do Planalto de Alijó, situando-se próxima dos 800 metros de altitude e beneficiando de noites muito frias e dias de brisas constantes, alcançam-se vinificações mais lentas, aportando aos vinhos maior personalidade e uma mais fidedigna interpretação do Vale Mendiz, ali próximo.

É nestas cotas mais altas do Douro que nascem, além dos mais exclusivos Quinta do Bronze, os Andreza das gamas “Altitude”, vinhos de expressão mais fresca, elaborados com uvas próprias e provenientes de viticultores que trabalham com a Lua Cheia há vários anos, garantindo, à empresa, a qualidade da matéria-prima para criar os vinhos que espelham o caráter do Planalto.

Com uma história cuja origem remonta a 1823, a propriedade foi adquirida em 2012 ao dono de uma farmácia de Favaios.

 

Nos altos de Vale Mendiz
Podíamos começar pelo início da Sociedade Abastecedora de Navios Aveirense (Saven) e de como o dinamismo do seu fundador, o já desaparecido Manuel Dias, criou um império de distribuição de bens alimentares e vinhos, hoje liderado por sua filha Lara Dias, onde se enquadra a Lua Cheia-Saven, nascida de um desafio ao enólogo bairradino Francisco Baptista em 2009. Porém, importa-nos traçar desta feita o retrato da Quinta do Bronze, a propriedade com 14 hectares e vista sobranceira para o mágico Vale Mendiz, com uma vizinhança ilustre nas cercanias.

Com uma história cuja origem remonta a 1823, a propriedade foi adquirida em 2012 ao dono de uma farmácia de Favaios. Durante várias gerações, a Quinta estave quase inteiramente dedicada à produção de uva para vinho do Porto, caracterizando-se pela heterogeneidade de altitudes, exposição e composição de solos. A dimensão inicial era menor, tendo sido adquiridas diversas parcelas contíguas até atingir a dimensão atual. Do fundo da estrada que vai de Alijó ao Pinhão, até ao topo das íngremes vinhas, sobe-se dos 200 até uma cota de 550 metros de altitude. Com forma de um semicírculo, os vinhedos beneficiam de diversas exposições (a Norte, Poente e Sul) que, por sua vez, trazem diversos estados de maturação, permitindo trabalhar as uvas de distintas formas na sua vinificação. Os solos encontram-se numa zona de transição dos xistos para os granitos. Solos muito pobres, que estimulam a capacidade de resiliência das videiras a produções rigorosas.

Os primeiros anos após a aquisição foram de estudo de cada uma das diferentes parcelas da vinha. A pretensão era criar foco no vinho de mesa, identificando as uvas com maior potencial e apetência para tal, reservando a parte sobrante para vinho do Porto. O encepamento ali existente, e as plantações de novas parcelas que foram sendo adquiridas, entretanto, pouco foi alterado. Era o tradicional para elaboração de vinhos do Porto: Touriga Nacional, Touriga Francesa, Sousão e Tinta Roriz. O Tinto Cão surge mais tardiamente, numa perspetiva de dispor de castas mais frescas, entre outras plantadas, sobretudo as mais resistentes à baixa pluviosidade e mudanças climatéricas. Atualmente, é a base consensual para a elaboração do Andreza Altitude Rosé, exclusivamente com esta casta, para marcar o modo como são feitos bons rosados durienses. É um vinho que tem conquistado a preferência dos consumidores,

 

A Vinha do Plagão
A maior curiosidade desta Quinta é uma parcela de um hectare de vinha com quase 50 anos – a Vinha do Plagão – onde se encontra o Tourigão, ou Tourigo, nome que, durante séculos, os agricultores do Dão davam à Touriga Nacional. É nesta vinha, cuja interpretação e conhecimento têm tomado mais tempo ao responsável de enologia, Francisco Baptista, que nasce o vinho de parcela Quinta do Bronze Vinha do Plagão 2016. As imensas incertezas sobre aquele clone antigo da, hoje, conhecida e reconhecida, Touriga Nacional, tornaram a obtenção de um vinho que cumprisse os parâmetros de qualidade exigidos tarefa mais complexa, pois as características naturais do próprio Tourigo, e a sua raridade no encepamento duriense, não facilitaram em nada a tarefa.

Desde a aquisição da propriedade em 2012, apenas em 2016 se conseguiu alcançar a desejada excelência. Francisco Baptista reconhece-lhe a irregularidade, não se conseguindo ali obter colheitas de qualidade a toda a prova ano após ano. Em 2017, não foi possível engarrafar a colheita e, se o estágio evoluir favoravelmente, o próximo lançamento será da vindima de 2018.
Relevante para os objetivos da empresa é, no que toca àquela parcela em particular, respeitar as suas características e identidade, com a perfeita consciência de que só nos anos excecionais dali serão engarrafados os Vinha do Plagão. Manuel Dias, cedo reconheceu a singularidade daquela vinha, dando carta branca ao enólogo para dali fazer os futuros vinhos ícone da Lua Cheia, demorasse o tempo que demorasse. A experienciação teve de nascer de vinificações separadas, de modo a perceber as características diferenciadoras do clone presente nestas vinhas.

A maior curiosidade desta Quinta é uma parcela de 1 hectare de vinha com quase 50 anos – a Vinha do Plagão – onde se encontra o Tourigão, ou Tourigo

 

O Tourigo antigo
O Tourigo aparece profusamente referido por António Augusto de Aguiar em 1867, identificando-o e relevando-lhe a presença massiva no encepamento da região do Dão. Daí os beirões reivindicarem para si o berço da, hoje, renomada Touriga Nacional. As suas virtudes enológicas eram já valorizadas no período pré-filoxérico, designadamente a cor profunda dos seus vinhos e o aroma singular que assumia. Contra si tinha a muito pouca produtividade e tendência ao desavinho. Cardoso Vilhena, no Centro de Estudos do Dão, em Nelas, decifrou-lhe algumas fragilidades, explorando as suas potencialidades, ganhando a casta novo fôlego. Certo é que, nas vinhas da Quinta do Bronze, o Tourigo surge ainda numa versão primordial, de cacho de bago pequeno e com uma produtividade que não ultrapassa os 2500 quilos por hectare. Razão para ter sido, pouco a pouco, abandonada pelos agricultores durienses.

Ignorando a parte da rentabilidade, Francisco Baptista, preferiu olhar para esta parcela de um modo diferenciado, procurando sobretudo a mais legítima expressão do território e das características tão especiais daquela casta, que entra em larga maioria no Vinha do Plagão, surgindo também o Sousão em proporções residuais, numa perspetiva de conferir maior firmeza e tensão ao vinho. Certo é que o resultado é uma absoluta surpresa, pelo modo como evoluiu oito anos após a colheita e pelo potencial de longevidade que mostra, antevendo-lhe o enólogo décadas de resistência sem perda de vigor e frescura. Haja essa coragem de resistir à tentação de os colocar nas prateleiras antes do seu tempo ideal.

Do mesmo modo, procura, nas restantes parcelas daqueles 14 hectares, sublimar a altitude, buscando menor concentração, menor teor alcoólico, acidez mais veemente e uma complexidade que diferencie os vinhos da Quinta do Bronze, tornando-os a joia da coroa de todo o universo Saven.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)

Quanta Terra: 25 anos festejados em grande

Quanta Terra

Sem terra e sem uma adega convencional, Quanta Terra é uma parceria em busca do seu vinho perfeito e uma marca que provoca a emoção no consumidor. O projecto começou em 1999, fruto da cumplicidade profissional de Celso Pereira e Jorge Alves, que se conheceram nas Caves Transmontanas no início dos anos 1990. Conhecendo o […]

Sem terra e sem uma adega convencional, Quanta Terra é uma parceria em busca do seu vinho perfeito e uma marca que provoca a emoção no consumidor. O projecto começou em 1999, fruto da cumplicidade profissional de Celso Pereira e Jorge Alves, que se conheceram nas Caves Transmontanas no início dos anos 1990. Conhecendo o Douro como a palma das suas mãos, definiram desde logo as zonas da proveniência das uvas para garantir a qualidade dos vinhos: para os tintos, vale do Tua, e para brancos e rosés as terras de altitude 600-700 metros com solos de transição para o granito, no planalto de Alijó, onde mesmo em anos quentes conseguem maturações equilibradas e uvas com frescura natural. As ligações duradoras com os viticultores que lhes fornecem as uvas, desde o início do projecto, asseguram a matéria prima de qualidade sem ter necessidade de adquirir as vinhas. O importante é acompanhá-los e pagar bem as uvas.

 

A “adega” da Quanta Terra, inserida numa antiga destilaria da Casa do Douro, recuperada em colaboração com o arquitecto Carlos Santelmo é algo único. De layout pouco habitual, o espaço, para além de acomodar uma cave de barricas, está transformado num ambiente museológico dedicado à história do Douro e serve de palco a exposições artísticas temporárias. A vinificação propriamente dita é feita nas adegas dos seus parceiros de outros projectos vitivinícolas.
Olhando para o seu percurso de 25 anos na Quanta Terra, os enólogos consideram que o importante foi saber “evoluir improvisando”. “Criámos perfis de vinhos e validámos com as vendas no mercado”, permanecendo numa dinâmica criativa.

Mas parece que os dois também gostam de provocar o mercado de vez em quando. No mundo, onde os restaurantes nem aceitam um vinho branco de há dois anos, onde o consumidor procura vinhos fáceis e frutados, lançar um branco com estágio de vários anos em barrica é de loucos. Mas quem conhece Jorge Alves e Celso Pereira, sabe que isto faz parte do ADN do projecto. O estágio prolongado exige paciência, implica o investimento em barricas e o empate do capital, e ainda obriga a lidar com a volatilidade das tendências do mercado. O factor incerteza também tem a ver com o próprio vinho, pois durante um estágio de muitos anos nunca se sabe ao certo que perfil o tempo vai esculpir no final. Ao provar o Gold Edition 2017 com quase sete anos em barrica e o Family Edition 2007 com 14, percebe-se porque às vezes vale a pena ir até ao limite.

O primeiro Gold Edition foi da colheita 2011, da qual houve duas barricas que ficaram para trás, não propositadamente. O resultado motivou a repetição da experiência em anos bons, em que a qualidade esperada justifique um estágio prolongado. “Sentimos que o mercado pode ter apetência para estes vinhos diferenciados”.
O Family Edition foi ainda mais longe. Começou em 2007 como uma base de espumante que, por decisão interna, ia ficando em barricas novas de 225 litros. Passados 14 anos e ao contrário do que se pode pensar, não está marcado pela barrica, pois o vinho ia concentrando e a barrica ia envelhecendo com o vinho e acabou por integrar completamente. O resultado, com mais de 8 g/l de acidez e um pH baixíssimo, oferece, ao mesmo tempo, o sabor e a textura para envolver a estrutura acídica e trazer à prova um vinho cheio de vida e personalidade. Decidiram lançá-lo no aniversário dos 25 anos. É uma edição única, com apenas 670 garrafas.

Outra novidade é o espumante Quanta Terra Éclat feito de Pinot Noir proveniente da zona de Lamego. Quase que apetece dizer: “até que enfim!”. Sendo Celso Pereira o reconhecido Senhor das Bolhas, espanta-me como é que aguentaram 25 anos sem se meter na produção de espumantes. Mas aqui vai!

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)

Madeira Wine Company: Grandes Madeira, salgados e eternos

Madeira

A ilha da Madeira, com 66% da superfície classificada como Parque Natural, tem no seu vinho generoso um dos seus ex-libris. Esta é uma espécie de verdade de La Palice, uma vez que o reconhecimento das virtudes e qualidades daquele vinho é já secular. Mas uma história tão antiga está sujeita a flutuações, períodos de […]

A ilha da Madeira, com 66% da superfície classificada como Parque Natural, tem no seu vinho generoso um dos seus ex-libris. Esta é uma espécie de verdade de La Palice, uma vez que o reconhecimento das virtudes e qualidades daquele vinho é já secular. Mas uma história tão antiga está sujeita a flutuações, períodos de euforia e de retracção.

Estamos actualmente a enfrentar tempos difíceis, como nos foi dado a conhecer na recente apresentação dos novos vinhos da Madeira Wine Company. Ali fomos informados que a área de vinha da ilha continua paulatinamente a diminuir e que a superfície que, até há pouco, era sempre anunciada – 450 ha de vitis vinífera – já está agora (dados de 2023) reduzida a 400 ha, correspondendo a 1680 produtores. Lamentavelmente, diz Francisco Albuquerque, enólogo da empresa, “continuamos a ver serem construídas casas em terrenos que até há pouco tempo eram vinhas”, tendência que só piorará se nada for feito.

Madeira

O processo de candidatura da produção do Vinho da Madeira a Património da Unesco está em marcha e poderá haver novidades em 2025.

Uma luz ao fundo do túnel poderá advir da candidatura da Produção de Vinho da Madeira a Património da Unesco. O processo está em marcha e, dizem-nos, poderá haver novidades em 2025. Não será o vinho que será objecto de classificação, mas sim o processo, das vinhas em latada aos canteiros. Pode ser que assim se proíba, por exemplo, o arranque de vinhas e, até por comparação com o que aconteceu nos Açores – actualmente com mais de 1000 ha de vinhas – a própria área seja substancialmente alargada.
A casta Tinta Negra – que em Colares tinha o nome de Molar – foi dali levada para o Porto Santo porque por lá também havia terrenos de areia. Como se revelou muito produtiva, foi também introduzida na Madeira, onde ganhou o estatuto de casta mais plantada, ocupando actualmente uma considerável área de 240 ha (contra quatro de Terrantez, 14 de Bual, 25 de Sercial, 60 de Verdelho e 35 de Malvasia), tudo áreas de vinha que, pela sua escassez, não podem deixar os apreciadores satisfeitos.

Para alegrar um pouco a preocupação que grassa, quer do lado dos consumidores quer do lado da empresa, com as exportações em queda “numa época em que os vinhos com mais álcool tendem a perder apreciadores”, com salientou Cris Blandy, para alegrar, dizia, foram dados à prova os novos Colheita, agora da edição de 2011 e, no mesmo evento, foram também apresentados dois vinhos DOP Madeirense de 2023. Trata-se de um rosé, cuja 1ªedição remonta a 1991 e um Verdelho, produzido a partir da colheita de 1996.

Madeira

Os vinhos de Frasqueira – indubitavelmente os mais famosos generosos da ilha – estão obrigados a um mínimo de 20 anos de casco e dois anos de garrafa antes de serem comercializados, indicando, no rótulo, o nome da casta. Estes vinhos têm, com frequência, muito mais de 20 anos, porque é norma da empresa não engarrafar tudo de uma vez e, assim, há alguns que são vendidos com muito mais idade. Por norma apresentam-se como Blandy’s ou Cossart Gordon. A Cossart, cuja fundação remonta a 1745, o que faz dela a empresa de vinho Madeira mais antiga ainda em actividade, apresenta tradicionalmente vinhos mais secos e tem mesmo um armazém próprio para o envelhecimento dos vinhos. A empresa juntou-se à Madeira Wine em 1958.

Os vinhos da Madeira têm vindo a ser presença assídua em leilões, onde atingem valores consideráveis com alguma frequência. No entanto, por vezes sem selo da entidade certificadora, nem sempre é fácil saber exactamente o que se está a comprar. É uma jogada de risco, mas que muitas vezes é amplamente compensadora.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2023)

Quinta da Perdonda: Paulo Nunes (e amigos) entregam-nos Dão e mais Dão

Perdonda

Ainda que sem a pujança que a região merece (sendo esta, naturalmente, uma opinião estritamente pessoal), o Dão tem registado um crescente número de novos produtores, muitos deles focados na qualidade e num posicionamento estratégico alto. De uma década para cá, vimos nascer ou consolidar projetos como Taboadella, MOB, Textura, Quinta da Lomba e, mais […]

Ainda que sem a pujança que a região merece (sendo esta, naturalmente, uma opinião estritamente pessoal), o Dão tem registado um crescente número de novos produtores, muitos deles focados na qualidade e num posicionamento estratégico alto. De uma década para cá, vimos nascer ou consolidar projetos como Taboadella, MOB, Textura, Quinta da Lomba e, mais recentemente, Domínio do Açor. E, antes destes, mas não tão distante, assistimos também ao renascimento da Quinta da Passarella que, em conjunto com dezenas de produtores implantados na região desde os anos 80 e 90, formam um significativo acervo de qualidade vínica. Mais recente ainda é o produtor Quinta da Perdonda, cuja figura principal é Paulo Nunes, enólogo que também oficia na já referida Quinta da Passarella, bem como noutros produtores de Trás-os-Montes ao Alentejo, passando pelo Douro e Bairrada.

Perdonda, palavra de pronunciamento arrevesado, quererá significar “pedra redonda”, não escondendo assim a sua origem na sub-região da Serra da Estrela, conhecida pelos solos graníticos, recortados por parcelas de floresta e pedras de grande dimensão. A propriedade é sita mais concretamente em Paços da Serra, entre Seia e Gouveia, com maior proximidade para esta última, um dos lugares mais a este da região vínica (mais a este e com maior altitude só existe pasto). Mais do que uma quinta propriamente dita, pelo menos no estado desprotegido em que os sócios a encontraram, falamos de uma pequena propriedade de quatro hectares a 700 m de altitude, quase toda em encosta.

Com solos relativamente férteis e predominância para os típicos graníticos da região, tem a particularidade de estes virem, a espaços, em barro, ou seja, e simplificando (não entrando nos detalhes da dimensão das partículas do solo), verdadeiras argilas graníticas. A existência de muita água em redor da propriedade é uma mais-valia, diz-nos o enólogo e produtor, garantindo que, assim, as vinhas estarão, no futuro, bem adaptadas ao aquecimento global cada vez mais sentido na região. Por falar em vinhas, estas remontam a 1948, data da plantação do talhão (n.º 1) com vinhas mais velhas. Também no que toca às castas, a diversidade é a palavra chave, encontrando-se, nos brancos, Barcelo, Semillon, Fernão Pires e Uva Cão, e, nos tintos, muita Jaen, Baga e Tinta Amarela, entre muitas outras brancas e tintas.

A propriedade foi comprada em 2016 com mais dois sócios: Paulo Pinheiro (dono do restaurante Casa Arouquesa em Viseu) e Francisco Batista. De lá para cá, e aos poucos, tem vindo a ser reconstruída a adega (os primeiros vinhos foram vinificados em produtores vizinhos), e tudo indica que a colheita de 2024 já será vinificada na nova adega que conta com cinco pequenos lagares, um por cada parcela ou talhão na quinta. Com efeito, a propriedade, apesar de pequena, com três hectares de vinha, tem cinco talhões todos diferentes – ao nível da altitude, do solo, o ano de plantação, e até do encepamento (uns com mais Baga, outros com mais Jaen e Tinta-Amarela) – tornando-se essencial vinificá-los em separado para melhor ir conhecendo o potencial de cada um. Em comum, todos os talhões têm uma mesma característica, que é a presença de muita uva branca, chegando a um máximo de quase 20%. Para já, provámos dois tintos de 2018 e dois brancos de 2020, todos muito promissores. Uma descoberta!

*  Este autor escreve segundo o acordo ortográfico

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)

 

O Tannat do Gradil

gradil

E assim, para celebração de um quarto de século de gestão de Luís Vieira, bem como do seu interesse em castas diferentes, exóticas, pouco trabalhadas e exploradas, aliado ao seu compromisso com a qualidade e a diferenciação, nos reunimos no passado no fantástico Restaurante Federico, no Palácio Ludovice Wine Experience Hotel, para uma degustação das […]

E assim, para celebração de um quarto de século de gestão de Luís Vieira, bem como do seu interesse em castas diferentes, exóticas, pouco trabalhadas e exploradas, aliado ao seu compromisso com a qualidade e a diferenciação, nos reunimos no passado no fantástico Restaurante Federico, no Palácio Ludovice Wine Experience Hotel, para uma degustação das melhores Colheitas de Tannat, incluindo a inicial, de 2009, até uma amostra da próxima colheita a sair para o mercado, do ano 2022.
As mais antigas referências à Quinta do Gradil remontam ao Século XV, mais precisamente a 14 de fevereiro de 1492. Mais de cinco anos antes de Vasco da Gama partir para a Índia (!), um Documento Régio de D. João II registava a doação da jurisdição e rendas do Concelho do Cadaval e da Quinta do Gradil a D. Martinho de Noronha. A propriedade esteve depois nas mãos da Casa de Bragança, sendo um importante couto de caça da realeza, nunca tendo, no entanto, aquelas terras deixado de produzir uva e vinho.

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O Século XIX seria marcado por D. Maria do Carmo Romeiro da Fonseca, que herdou a Quinta da Gradil de seu pai, construiu o imponente palácio amarelo e transformou a propriedade numa exploração agrícola, onde o vinho teria o papel principal. Curiosamente, a sua filha acabaria por casar com o futuro Marquês de Pombal, descendente do mesmo Sebastião José de Carvalho e Melo que, um século antes, tinha tentado arrancar as vinhas do Gradil para favorecer a cultura de cereais e, por outro lado, interesses próprios no Douro, ligando assim a propriedade aos Marqueses de Pombal, a quem pertenceu durante uma parte do Século XX, até ser vendida, em 1963, a uma sociedade liderada por Isidoro Maria d’Oliveira, lavrador, homem de cultura e poeta. O vinho continuou a ocupar o papel principal na produção e a abastecer o crescente mercado de Lisboa.

O Século XXI é o Século de Luís Vieira, que adquiriu a Quinta em 1999. Com uma herança familiar ligada ao comércio de vinho desde 1945, Luís Vieira aprendeu com o avô, António Gomes Vieira, todos os segredos do negócio. Foi através dele que herdou a paixão pelo vinho que ainda o move até aos dias de hoje. Líder da Parras Wines, um dos maiores Grupos do Sector do Vinho de Portugal, Luís Vieira comprou a Quinta do Gradil com um objetivo claro: torná-la no porta-estandarte do Grupo na região de Lisboa. Para tal, apostou na total reabilitação da vinha com castas nacionais e internacionais, e na produção de vinhos de qualidade e diferenciadores.

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Uma referência na casa

O primeiro exemplar de Tannat remonta à vindima de 2009, com lançamento em 2013 e, desde então, tem-se afirmado como um marco na história dos vinhos da Quinta do Gradil. Na primeira colheita (2009) e na seguinte (2014), a casta Tannat surgia em blend com 15% de Touriga Nacional. Desde 2015, este vinho assume-se como monovarietal e um claro espelho do perfil da casta e do carácter atlântico do terroir onde nasce. A variedade Tannat é proveniente de França, mais precisamente de uma região localizada próxima aos Pirenéus, chamada Madiran.
Porém, foi no Uruguai que a variedade ganhou notoriedade, tendo sido introduzida no país por volta de 1870, por um basco pioneiro produtor de uvas chamado Pascual Harriague (nome pela qual a Tannat também passou a ser conhecida naquela origem!). Repousando no Oceano Atlântico entre os Paralelos 30º e 35º, o Uruguai compartilha a mesma latitude com as principais regiões vinícolas do hemisfério sul.

A Tannat foi a casta tinta que melhor se adaptou às condições de solo e clima do Uruguai. É, como já referimos, uma variedade de origem francesa, que acabou por ganhar muita expressão no Uruguai. Esta tipologia de uva dá origem a vinhos taninosos, com carácter, bastante corpo e estrutura, grande intensidade de cor, aromas a frutas escuras, especiarias e chocolate, com óptima concentração. É uma casta exigente em termos de solos e clima, mas que, no terroir da Quinta do Gradil, tem apresentado uma consistência qualitativa e um equilíbrio surpreendentes, como pudemos verificar durante esta prova.

A Quinta do Gradil está situada no concelho do Cadaval, ocupando uma área de 200 hectares, dos quais 120 plantados com vinha. A sua localização privilegiada, entre a serra de Montejunto e o mar, permite tirar partido da influência atlântica, determinante para o equilíbrio ácido e frescura dos vinhos, mas, ao mesmo tempo, usufruir de um bom número de horas de sol, importante para a conveniente maturação das uvas. A argila e o calcário formam a matriz principal dos solos da propriedade, onde encontramos plantadas uma grande diversidade de castas, brancas e tintas. Umas são naturais da região ou estão ali aclimatadas desde há séculos, dando origem a vinhos de vincado carácter regional: é o caso das emblemáticas uvas brancas Arinto e Fernão Pires. Outras, são de presença mais recente no local, mas acabaram por se revelar surpresas muito positivas, pela forma extraordinária como se adaptaram a este terroir. Aconteceu com as castas brancas Viosinho, Alvarinho e Sauvignon Blanc e a tinta Tannat. Por seu lado, as variedades Chardonnay, Syrah, Alicante Bouschet ou Touriga Nacional, por exemplo, são castas que, na Quinta do Gradil, mostram sempre grande consistência qualitativa.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)

Vale da Mata: O vinho da minha terra

Vale da Mata

Começo pelo óbvio. Eu sou das Cortes. Nasci ali há 56 anos e dali saí com 17 para estudar em Lisboa, onde passei a viver. A casa dos meus pais era em frente à Adega Cooperativa, onde na minha meninice passava horas a ver os tractores com atrelados carregados de uvas à espera de vez […]

Começo pelo óbvio. Eu sou das Cortes. Nasci ali há 56 anos e dali saí com 17 para estudar em Lisboa, onde passei a viver. A casa dos meus pais era em frente à Adega Cooperativa, onde na minha meninice passava horas a ver os tractores com atrelados carregados de uvas à espera de vez para as entregar. A fila ocupava a rua toda, e o processo prolongava-se noite adentro. Já maiorzito, tinha autorização para ir lá ver o que acontecia. Tudo muito industrial, um guindaste que pegava nas tinas de ferro e as despejava para um tegão onde um sem-fim as transportava para um buraco obscuro. Dali se fazia um vinho tinto que chegou a ter algum destaque, principalmente quando a colheita de 1980 conquistou um prémio nacional. Ainda tive a sorte de provar essa colheita, que era realmente bem boa.
As Cortes é uma aldeia (antes freguesia) pequena perto de Leiria. Demasiado perto talvez, uns 5km subindo o rio Lis, ficando assim entre Leiria e Fátima. A proximidade de certa forma impediu a aldeia de crescer, porque os filhos e netos dos habitantes facilmente saíam para Leiria ou outras cidades, mantendo a população estável, mas reduzida. Há alguma pequena indústria, alguma agricultura, muito baseada na fertilidade da várzea do Lis. Hortas e pomares, principalmente. As vinhas, de subsistência, ficavam situadas nas encostas, e originavam tradicionalmente vinhos pouco interessantes, acídulos e ligeiros. Mesmo assim, entre as freguesias locais, os vinhos tinham alguma fama, e não raras vezes no estrangeiro, falando com algum conterrâneo, logo me perguntavam se não tinha “vinho das Cortes.” Não, não tinha. Com terrenos férteis, castas predominantes Tinta Roriz, Baga e Castelão, e uma bem disseminada ignorância sobre enologia, o resultado era fraquito. Apesar disso, foram-se instalando empresas de vinhos ali perto, sendo a mais famosa as Caves Vidigal, que tem vinhos de várias origens, mas suponho que poucas uvas serão locais. Muito perto também fica a Quinta da Serradinha, pioneira de vinhos biológicos e agora estrela cintilante no universo alternativo dos vinhos alternativos. Um dia ainda tentarei escrever essa outra história.
A Adega Cooperativa reclamou várias vidas nos seus processos de elaboração de vinhos, com inúmeros acidentes fatais que muito incomodam a memória de uma aldeia pequena. Foi fazendo o seu negócio de vinho engarrafado em garrafa e muito em garrafão “palhinhas”, até que um dia tomou a decisão de fechar, e parece-me que não se perdeu muito. As instalações, muito centrais na aldeia, ao pé da famosa nora que é o seu ex-libris, foram até demolidas.

Uma nova vida

Este era o panorama do vinho das Cortes. Era, porque um dia chegou a Catarina Vieira com o seu pai, o saudoso Eng. José Ribeiro Vieira, e tudo mudou. As Cortes passaram a ter um novo vinho, chamado Vale da Mata. Foi lançada em 2010 a primeira colheita, de 2007. Podem imaginar a minha surpresa. O Eng. Vieira era um homem especial, um cidadão extremamente influente nas Cortes. Lembro-me dele desde a minha infância. Homem com uma presença incrível, irradiava segurança e humanidade. Empreendedor, criou negócios em vários sectores, incluindo o cultural, com uma livraria muito activa em eventos, e um jornal diário, o Jornal de Leiria. Para o mundo dos vinhos, interessa a compra da Herdade do Rocim, em 2000, 100ha na Vidigueira, desenhada para ser gerida pela filha, a enóloga Catarina Vieira.
Para a nossa história de hoje, temos de voltar atrás, e procurar os caminhos dos afectos. Catarina desde muito tenra idade passava muitos dias com os avós. O seu avô, Manuel Alves Vieira, levava as netas a passear nos campos, e explicava que das suas vinhas do Vale da Mata vinha o melhor vinho que fazia. Catarina teve aí o primeiro contacto com o que haveria de ser a sua vocação.

Estudou enologia no ISA, onde foi aluna de Amândio Cruz, mais tarde, desde 2003, consultor nos seus projectos de viticultura. Estagiou ainda em Itália, o que foi importante para estimular a sua veia experimentadora e de descoberta.
A sensibilidade e humanidade do pai Eng. Vieira levou-o a comprar para Manuel uma série de pequenos talhões de onde vem hoje o vinho Vale da Mata. Não é exactamente o talhão original. Quando neste princípio do Verão aceitei o convite para visitar os 4 hectares de vinhas nas encostas do Lis entre as Fontes e o Pé da Serra, a minha mãe ficou a espreitar da janela, nos Lourais, tentando sem sucesso mostrar aos meus filhos onde eu estava. A minha mãe, portanto, lembra-se do Vale da Mata original, mais chegado à Senhora do Monte, ao Pé da Serra. Hoje a vinha está mais abaixo, foi plantada em 2006 e o avô Manuel ainda se pôde orgulhar muito dos seus frutos, até ao seu falecimento em 2014. O avô Manuel é que deu nome ao vinho, em memória das suas velhas vinhas ali perto.

O vinho das Cortes, portanto, ressuscitou, e esta influência espalhou-se pelo resto da aldeia. Catarina conta que as pessoas das Cortes lhe telefonam, pedem conselhos e ajuda, vão plantando vinhas e elas vêem-se ali em volta, bonitas e bem cuidadas. As Cortes são conhecidas na região por serem um bom destino gastronómico, com vários restaurantes e tasquinhas tradicionais. O Vale da Mata começou a espalhar-se também por esta via, tornando-se o vinho local que se ligava à cultura gastronómica local. Um prazer sempre, encontrar vinhos do sítio onde se está, uma coisa rara poucas vezes apreciada em Portugal, onde apesar de tudo é frequente. Nas Cortes não é, e os locais orgulham-se hoje de terem o seu vinho, e os visitantes valorizam esse prazer.

Vinho e arte

Como cortesense, logo me enchi de orgulho do Vale da Mata, e passei a consumi-lo com regularidade. Acompanhei o seu progresso, e foi todo impante que visitei a vinha com Catarina Vieira e Pedro Ribeiro, o casal de enólogos do Rocim, e Amândio Cruz, consultor do projecto. Explicaram-nos as circunstâncias da vinha e seu terroir, e como lidar com as suas especificidades. Virada a Sul, protegida por serras e bem drenada para evitar excesso de humidade, está plantada com 3ha de Aragonez e Touriga Nacional e 1ha de Arinto, Vital e Viosinho. Decorre neste momento uma experiência de poda radical no princípio do Verão, deitando tudo abaixo incluindo cachos. Chama-se “crop-forcing”. Na Vidigueira são 1,5ha, aqui apenas uma linha com cerca de 100 cepas. Esta poda mega-precoce faz com que a vinha faça um “reset”, recomeçando tardiamente o ciclo e fazendo amadurecer as uvas nos meses onde o maior calor já passou. A expectativa é obter vinhos menos alcóolicos e com maior acidez natural, fintando assim os efeitos do aquecimento global. Vamos esperar para ver!

Entretanto, visitámos o Espaço Serra, mais uma criação de mecenato cultural do Eng. Vieira. Uma casa que ganhou o seu nome, onde são recebidos artistas de várias artes para em comum e com liberdade explorarem os seus vários misteres e mistérios. Para se ver a dimensão ambiciosa do projecto, bastaria dizer que os Silence4 começaram aqui os seus ensaios, há cerca de 30 anos. A casa e espaços circundantes ficam no lugar de Reixida (os cortesenses pronunciam “Arraxida”), onde era antes uma muito poluente fábrica de curtumes. Melhor assim, que foi numa curva do Lis que aprendi a nadar. Sabe-se lá o que aqueles químicos me fizeram… Hoje há espaço para residências artísticas, ateliers, estúdios, pequenos stands de valências diversas, como artes plásticas, cerâmica (cf. Cartolina Limão), construção de guitarras (fascinante trabalho do luthier Miguel Bernardo, um poeta das madeiras), música. Dão apoio a novas bandas, escolas, etc. Há ainda parcerias com outras entidades, como a Casota Collective, presidida por Miguel Ferrás, e ligada à música, por exemplo o festival Nascentes, nas Fontes (lugar onde nasce o Lis). Interessados, basta procurar o site na internet e enviar candidatura.

Já vai longo este desabafo, vão-me perdoar. O almoço servido por Alexandre Silva mostrou mais uma vez a sua sensibilidade para uma cozinha elegante e rigorosa, e a ligação com os vinhos estava perfeita. Provámos colheitas antigas e recentes, mostrando que o vinho suporta bem a prova do tempo. É coisa rara provar vinho das Cortes, e eu não tinha a noção do bem que estes vinhos se mostram passados 15 ou mais anos. Para mim, sempre vinho das Cortes, e não o Regional Lisboa que ostenta no rótulo e sempre me causou estranheza, sendo eu das Cortes, tão longe de Lisboa, e vivendo em Lisboa há quase 40 anos. Até porque a região tem a sua Denominação de Origem, Encostas de Aire. Lisboa para mim é outro sítio, as Cortes é a minha terra.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)

Van Zellers & Co: Os velhos Porto de Cristiano

Van Zellers & Co

Uma apresentação feita por Cristiano tem sempre um carácter especial. É que o apresentador – que parece ter nascido com a qualidade rara de saber prender a atenção da plateia – pertence àquele grupo de pessoas que tem a árvore genealógica da família na cabeça e debita nomes de primos que casaram com trisavós e […]

Uma apresentação feita por Cristiano tem sempre um carácter especial. É que o apresentador – que parece ter nascido com a qualidade rara de saber prender a atenção da plateia – pertence àquele grupo de pessoas que tem a árvore genealógica da família na cabeça e debita nomes de primos que casaram com trisavós e tetravós que já eram Cristianos e que deram origem a Guedes, a Roquettes e várias outras famílias que ainda hoje identificamos como estando associadas ao vinho e, em especial, ao vinho do Porto. É difícil seguir o raciocínio, mas a coisa resulta curiosa, desde que não se acredite que, não fora os van Zeller, e o vinho do Porto não existiria!!!

Especiais e raras

O motivo da apresentação prendeu-se com colocação no mercado de vinhos do Porto muito velhos. Esta é uma tendência que vem ocorrendo no sector de desde há mais de uma década: valorizar os vinhos muito velhos, vendê-los caros como merecem e, no caso das edições realmente especiais e raras, criar uma embalagem que dignifique o produto. Foi tudo isso que a família van Zeller fez e, no caso dos três vinhos do Porto do século XIX, com o apoio dos artesãos que tão bem trabalham a prata, como a Leitão & Irmão, cuja oficina e trabalho extraordinário tivemos a rara felicidade de poder conhecer in loco. Ali ficámos a conhecer maquinaria que deve ter muitas décadas e que continua em uso, e artesãos que precisam de 10 anos de trabalho para ascenderem à categoria de Mestre. Uma trabalheira! Foi ali que foram feitas as gargantilhas das garrafas.

Por sua vez, estas foram feitas à mão, um trabalho já raro dos vidreiros da Atlantis. O resultado são embalagens magníficas que enobrecem os vinhos que contêm, melhorados pelo trabalho de design criado por Rita Rivotti. Provámos todos e, claro, não há escala para os classificar porque a escala que usamos na Grandes Escolhas termina em 20. Mas se terminasse em 100 ou 200, a dificuldade era a mesma. Os três vinhos são vendidos em conjunto, numa caixa extremamente cuidada e são disponibilizados pelo valor de €22000. Para já são 75 conjuntos, sendo que uma já foi leiloada no ano passado, em Londres, e o valor foi destinado para a fundação Gerard Basset. São vinhos difíceis de datar por não haver registos, ainda que se pense que correspondem a Porto de 1860, 1870 e 1888. Aqui começaram as dúvidas da família: o que é que lhes vamos chamar, como é que os vamos vender, o que se pode fazer para reforçar a qualidade e fama dos portos velhos?

Para encontrar um momento comemorativo, Cristiano e Francisca procuraram, quer na história de Portugal quer na mundial, factos que pudessem ser associados àquelas datas. Chegaram assim a três momentos que identificam os vinhos: 1860 – Crafted by Liberty – ano da eleição de Abraham Lincoln; 1870 – Crafted by Family – ano do casamento dos trisavós de Cristiano e 1888 – Crafted by Poetry – ano do nascimento de Fernando Pessoa. Os outros vinhos – Colheitas em branco e tinto – vêm todos com a indicação Crafted by Time. Quando são lançados Vintages e LBV (que já estão no mercado e foram objecto de anterior apresentação) trazem a indicação Crafted by Nature.

Stock mínimo

A Van Zeller & Co. é, agora, depois da reorganização de 2017, um negociante, com stock mínimo. No caso dos vinhos do Porto antigos, cujas notas de prova apresentamos de seguida, a empresa dispõe de um stock de 35000 litros, adquiridos quer à Casa do Douro, onde continua a existir um enorme stock de vinhos, quer a lavradores, sobretudo do Baixo Corgo, a sub-região onde continua a ser possível encontrar vinhos velhos. Estes vinhos estão conservados em inox, recipiente óptimo para estes néctares antigos, porque não há evaporação e os vinhos não perdem álcool.
Em termos de modelo de negócio, os vinhos DOC Douro representam metade da facturação da empresa. Como nos disse Cristiano, “o vinho do Porto ganha protagonismo com os vinhos velhos.

Numa época de diminuição de consumo, o sector tem de apontar para as gamas altas e não apenas para os vinhos de entrada.” A empresa vai lançar agora os Reservas – White, Ruby e Tawny e um Crusted – um Porto que resulta de um lote de vários anos de Vintage, por norma dois ou três. Cristiano afirma que o sector apenas produz 4000 caixas de 12 garrafas deste tipo de Porto. A apresentação decorreu nas instalações dos Joalheiros em Lisboa, no Chiado. Local mais do que apropriado.

(Artigo publicado na edição de Setembro 2024)