Mirabilis: Nascidos no Douro, feitos com Mundo

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Dez anos antes destes vinhos serem feitos, em 2011, nasciam os primeiros Mirabilis, fruto do “sonho de criar um branco fora de série e um tinto disruptivo para o Mundo”, relembra Luísa Amorim, “um Douro que não se prendesse aos muros da Quinta Nova ou exclusivamente à tradição da região, num perfil mais internacional”. Em […]

Dez anos antes destes vinhos serem feitos, em 2011, nasciam os primeiros Mirabilis, fruto do “sonho de criar um branco fora de série e um tinto disruptivo para o Mundo”, relembra Luísa Amorim, “um Douro que não se prendesse aos muros da Quinta Nova ou exclusivamente à tradição da região, num perfil mais internacional”.

Em Maio, no Depozito, espaço de artesanato tradicional e contemporâneo em Lisboa, foram lançadas as edições de 2021, que surgem hoje com mais maturidade do que as antecessoras, por várias razões: o branco sai com mais tempo de estágio, e o tinto com um perfil aprimorado na elegância e selecção ainda mais minuciosa das barricas. Luísa Amorim dá-nos uma perspectiva bastante humana do processo de criação: “Quando somos muito novos, achamos que o mundo vai acabar amanhã, que temos de pôr as coisas cá fora rapidamente para provar o que valemos. Hoje, estamos noutra fase da vida, com mais maturidade e sabedoria, com ainda mais certeza do que queremos. Ao mesmo tempo, temos de ser muito conscientes e certeiros, fazer os vinhos com cuidado, porque hoje as exigências do mercado são outras, e Portugal cresceu em qualidade”.
Para Ana Mota, responsável de viticultura da Quinta Nova, 2021 foi um ano difícil para a vinha, mas, por outro lado, tendo perícia para ultrapassar as dificuldades, acabou por ser, como diz a própria, “uma dádiva”. “Foi um ano vitícola bastante chuvoso, com temperaturas amenas, e por causa disto os fungos deram-nos muito trabalho, mas conseguimos, com cuidado, trazer boas uvas para adega. Foi preciso estarmos muito atentos à vinha. Na vindima, tivemos de ter muita paciência, por causa da chuva”, descortina Ana Mota. Quanto ao Mirabilis branco, Ana Mota revela, contente, “cada vez mais, temos os nossos viticultores parceiros, das uvas brancas, a querer continuar com o nosso projecto, o que nos dá estabilidade. Além disso, da colheita de 2022 teremos mais algumas garrafinhas do branco, porque conseguimos mais 1,3 hectares de uma vinha muito velha, com características para Mirabilis”.

A complementar a perspectiva da viticultura, Jorge Alves, director de enologia, também considera que 2021 foi um ano de excelência: “Foi magnífico por vários motivos, trouxe-nos vinhos brancos mais minerais, intensos e com uma acidez bastante cintilante. A vindima foi um pouco mais tardia, o que não tem mal nenhum, excepto a parte das borboletas no estômago com medo dos apodrecimentos, até porque as uvas tiveram tempo extra de maturação, o que é importante para a combinação final. Foi também um ano em que os equipamentos deram um jeito enorme, mesas de triagem e tapetes de escolha ajudaram-nos a criar estes vinhos de enorme pureza aromática e gustativa”, afirma o enólogo.

 

O Mirabilis branco 2021 tem origem em vinhas velhas de altitude, muito ricas em Gouveio e com algum Viosinho, entre outras castas. Fermenta e estagia em barricas de carvalho francês e húngaro de 300 litros, 80% das quais, novas, com bâtonnage quinzenal. “O estágio de um ano em garrafa adiciona-lhe textura”, acrescenta Jorge Alves. Já o Mirabilis tinto 2021 tem a sua génese numa vinha a 10 metros da adega da propriedade da família Amorim, e traduz-se num lote de Tinta Amarela, em grande percentagem, com vinha centenária. Vinificado sem engaço, estagia 12 meses em barrica nova de carvalho francês e 5 meses em garrafa. “Este é o vinho mais ‘afrancesado’ da Quinta Nova, muito vegetal, mentolado, texturado. Provavelmente, é o nosso tinto com mais tensão e nervo, que fica mais no final de boca e envelhece de forma muito subtil. É um projecto lindíssimo”, confessa o enólogo.

A equipa da Quinta Nova aproveitou, ainda, o momento de lançamento destes vinhos para anunciar algumas novidades ao nível da vinha e da adega. Além de novas plantações com castas mais adaptadas às alterações climáticas, e de ajustes na geometria da vinha para maior adaptação a máquinas, uma experiência inovadora com o objectivo de combater a seca que se tem verificado no Douro: “Não fossemos nós produtores de cortiça… fizemos, nas vinhas centenárias, uma descava profunda e estamos a colocar aí uma quantidade muito significativa de granulado de cortiça. A cortiça é isolante térmica, e consegue reter água e humidade no solo durante mais tempo. Com a água da chuva, incha e faz um efeito tampão, retendo a humidade”, avança Ana Mota. Luísa Amorim, por sua vez, levantou o pano ao projecto da nova adega, que se encontra já numa fase bastante avançada. “Apenas ficaram as paredes, não restou uma peça interior nem um pavimento. Tudo isto para virmos a ter ainda melhores vinhos”, garante a administradora. A vindima de 2023 já será feita nesta nova adega.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2023)

Baías e Enseadas: da garagem para o mundo

Baías e enseadas

Daniel Afonso – uma pessoa genuína e apaixonada – é um verdadeiro garagista, com as cubas, barricas e uma prensa vertical justapostas num espaço minúsculo em Mercês (de Sintra), e com um carro velho à porta para ir às vinhas, espalhadas pela zona de Colares. O seu carácter terra-a-terra continua na genuinidade dos seus vinhos, […]

Daniel Afonso – uma pessoa genuína e apaixonada – é um verdadeiro garagista, com as cubas, barricas e uma prensa vertical justapostas num espaço minúsculo em Mercês (de Sintra), e com um carro velho à porta para ir às vinhas, espalhadas pela zona de Colares. O seu carácter terra-a-terra continua na genuinidade dos seus vinhos, que, nascidos num ambiente modesto, encontram o glamour no seu destino, servidos nos restaurantes estrelados do Algarve e Nova Iorque.
A ideia de fazer vinho nasceu muito cedo. “Desde que comecei conscientemente a gostar de vinhos, tive logo o sonho de fazer um vinho meu”, confessa Daniel Afonso. Em 2012 começou a realizar o seu sonho: fez a primeira surriba e no ano seguinte plantou três castas brancas, típicas da região de Lisboa — Fernão Pires, Arinto e Malvasia de Colares (que considera a melhor casta branca nacional) — a 5km do mar em linha recta. Em 2014 plantou mais 0,5 hectares acrescentando Castelão.
A vindima de 2015 serviu de ensaio e a de 2016 deu origem aos primeiros vinhos apresentados no mercado. A pouco e pouco, ia plantando mais vinha e mais castas: o Cercial que gosta pelo seu carácter e acidez e duas castas estrangeiras – Chardonnay e Pinot Noir – que no início pensou fazer só para si, mas as experiências de vinificação mostraram os resultados de tal modo promissores que ficou motivado a dar-lhes mais protagonismo.

Baías e Enseadas

Mas havia outro sonho: fazer um vinho DOC Colares, com Malvasia e Ramisco plantadas em chão de areia. Este demora mais tempo, porque a propria plantação em chão de areia é diferente. E este ano já conseguiu lançar o primeiro Colares Malvasia.
A abordagem enológica é simples. Sem desengaço, vai tudo para a prensa, onde acaba por ter uma pequena maceração porque o processo demora 7-9 horas. Fermenta com leveduras indígenas, um pouco de sulfuroso para impedir a fermentção maloláctica e retira a borra mais grosseira. A fermentação acaba nas barricas e lá os vinhos ficam de 6 a 8 meses, com bâtonnage. Nos tintos, as uvas também não desengaçadas, levam uma ligeira pisa a pé, ficando com alguns cachos inteiros. O estágio também é em barricas, durante cerca de 6 meses.
Neste momento, Daniel só faz os monovarietais a querer mostrar “o que cada casta fala da região”. Os vinhos da gama Escolha Pessoal estão sujeitos a uma selecção mais criteriosa em todos os passos desde a uva às barricas.
“Faço o melhor que posso e tento intervir o mínimo possível” – diz o produtor, não tendo intenção nenhuma de produzir vinhos funky para agradar os wine freaks. Não é por ser um produtor pequeno que vou atrás de modas. “Eu não quero ser diferente, quero representar a região”, afirma o vigneron com convicção, “quero que quando alguém prove os meus vinhos, diga ‘Isto só pode ser de Colares!’”.
Neste momento, tem quatro vinhas e precisa de aumentar a área. A produção de hoje conta com cerca de 8 mil garrafas, das quais 90% vai para a exportação: Estados Unidos, Inglaterra, Noruega e Bélgica. Em Nova Iorque, os Baías e Enseadas estão presentes em 70% dos restaurantes estrelados. No famoso Per Se, com três estrelas Michelin, só estão quatro vinhos brancos portugueses, um deles é o Baías e Enseadas Malvasia. Os 10% vendidos no mercado nacional estão principalmente presentes no Algarve, em restaurantes como o Vila Joya, A Ver Tavira, Al Sud e Bon-Bon.
Nos futuros planos estão um vinho rosé, um espumante e o Ramisco de Colares.

(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)

 

Barão do Hospital: Cresce a vinha e nasce um reserva

Barão do Hospital

A Quinta do Hospital, em Valinha, Monção, foi adquirida pela Falua em Fevereiro de 2020 e desde logo se percebeu que a coisa era séria. É que esta é uma das mais notáveis propriedades da sub-região de Monção e Melgaço, com uma história riquíssima que remonta ao século XII e à Ordem do Hospital, ostentando […]

A Quinta do Hospital, em Valinha, Monção, foi adquirida pela Falua em Fevereiro de 2020 e desde logo se percebeu que a coisa era séria. É que esta é uma das mais notáveis propriedades da sub-região de Monção e Melgaço, com uma história riquíssima que remonta ao século XII e à Ordem do Hospital, ostentando um bonito solar e capela do século XVI.

Os terrenos abrangem 25 hectares, estendendo-se pelos dois lados da estrada. Quando da sua aquisição pela Falua (desde 2017 integrada no grupo Roullier) já havia vinha plantada do lado do solar, dez hectares de Alvarinho, videiras hoje com cerca de uma década. Mas logo ali, quer Rui Rosa, administrador da Roullier para Portugal, quer Antonina Barbosa, Directora Geral e de Enologia da empresa, tiveram em mente a ampliação vitícola, aproveitando ao máximo o terroir de excepção onde se situa a Quinta do Hospital.

Antonina Barbosa tem as suas raízes em Monção e conhece como poucos este terroir, onde solo, clima e casta se aliam para produzir excelência.

A vinha está plantada em cordão unilateral retumbante (com 1.75m de altura), um sistema de condução comum na região e que já mostrou a sua validade. Ainda assim, a Falua tem vindo a fazer melhoramentos graduais, no sentido de obter uma vegetação retumbante bem dividida entre os dois lados da sebe, melhorando assim o microclima na zona dos cachos. A área de videiras vai, entretanto, duplicar com a nova plantação a realizar em 2024. Neste momento, o terreno está a ser preparado e, segundo Antonina Barbosa, o sistema de condução ainda está em estudo, com base em ensaios que estão a fazer noutras vinhas da região. “Acima de tudo”, diz Antonina, “queremos que preserve as características genuínas da casta naquele lugar.”

Mas nem só de Alvarinho vivem os projectos Falua na região dos Vinhos Verdes. A empresa tem igualmente um Loureiro de primeira linha e, para garantir e até ampliar sua qualidade e consistência, chegou a um acordo com a Casa da Torre, propriedade da Companhia de Jesus, situada em Vila Verde, com um solar do século XVIII onde funciona um Centro de Espiritualidade. Antonina Barbosa conhece bem o potencial vitícola do lugar, pois a Falua recebe desde há anos as uvas provenientes da vinha de 1,5 hectares ali existente. Esse conhecimento levou a empresa a fazer um aluguer a longo prazo dos terrenos agrícolas da Casa da Torre e a plantar, no ano que passou, uma vinha de raiz, com 10 hectares de Loureiro e 1 de Padeiro. “Acredito profundamente que esta vai ser uma vinha muito especial e duplamente ‘abençoada’”, refere a enóloga.

A Falua tem, na verdade, investido bastante em viticultura, e não apenas no terreno, também no que é mais importante, as pessoas. Miguel Mesquita é o responsável por uma equipa que trabalha Tejo e Vinhos Verdes, com um técnico de viticultura residente em cada uma das regiões. E desde 2021, o experiente Professor Rogério de Castro assume a consultoria externa. O plano de investimento vitícola da Falua, a executar até 2024, e no valor de 5 milhões de euros, totaliza 200 hectares no Tejo (foram já adquiridos 80 hectares ao lado da emblemática Vinha do Convento) e 31 nos Vinhos Verdes.

Com tanto para dizer sobre a vinha (é aqui que tudo começa, afinal!), quase me esquecia de falar do vinho que aqui nos trouxe. Pois o Barão do Hospital Reserva branco 2020 vem da parcela situada mesmo à frente do solar e tem a madeira (metade do lote fermentou e descansou em barrica nova e usada de 500 litros) e o tempo de estágio (um ano sobre as borras) como principal factor diferenciador do Alvarinho “normal” da casa. E é, sem dúvida, um belíssimo vinho.

(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)

 

Soalheiro: Experimentar, aprender, evoluir

Soalheiro

Para uns, clássico, para outros, moderno. É assim o produtor Soalheiro, a causar, desde que os irmãos António Luís e Maria João Cerdeira pegaram no projecto familiar, fundado pelos pais em 1982, diferentes interpretações e emoções nos consumidores de Alvarinho de Monção e Melgaço (e não só). Tudo depende dos vinhos nos quais se coloca […]

Para uns, clássico, para outros, moderno. É assim o produtor Soalheiro, a causar, desde que os irmãos António Luís e Maria João Cerdeira pegaram no projecto familiar, fundado pelos pais em 1982, diferentes interpretações e emoções nos consumidores de Alvarinho de Monção e Melgaço (e não só). Tudo depende dos vinhos nos quais se coloca o foco: por um lado, os Soalheiro “Clássico”, Reserva, Allo, Primeiras Vinhas ou Germinar; por outro, referências como Terramatter ou Nature, e até mesmo o Granit que, segundo Luís Cerdeira foi, na verdade, um dos primeiros sintomas da veia experimental e curiosa da equipa técnica da casa. “Tanto podemos considerar que somos o novo do Velho Mundo, ou o velho do Novo Mundo”, afirma o produtor.

Mas é agora que esta componente vem ao de cima com mais força, com o Soalheiro a apresentar ao público e à imprensa uma gama de vinhos feitos, na sua adega, com processos de vinificação que não ‘«são tão familiares, alguns deles produzidos, inclusive, em parceria com outros enólogos. Uma parte destes vinhos está já no mercado, e a outra vai (pelo menos por agora) ficar retida como instrumento de estudo e consumo não comercial.

“O Clássico Aguça o Engenho” foi o nome dado a esta viagem e aprendizagem, descrita assim pela equipa do Soalheiro: “A busca constante de conhecimento, e de vinhos que exprimam a riqueza que o território nos oferece, permanecerá, e é com esse conhecimento e engenho que os clássicos se fortalecem e se tornam intemporais”. Luís Cerdeira, que além de proprietário é responsável de enologia (apoiado pela enóloga residente Asun Carballo), explica a máxima, e recorda que “muitas coisas mudaram ao longo destes 40 anos, mas o nosso espírito criativo, curioso e exigente continuará sempre alimentar a nossa atitude, a sustentar a qualidade e consistência do que aqui criamos e a inspirar o projecto Soalheiro a valorizar o território”. Segundo Maria João Cerdeira, isto passa por dar ainda mais importância aos solos. “Este trabalho de valorização dos solos é recente e ainda há muito a fazer, mas foi também para isso que fundámos o Clube de Viticultores do Soalheiro, em 2004, para que houvesse maior partilha de conhecimento e recursos, porque só assim é que evoluímos”, desenvolve a responsável de viticultura. Actualmente, o Clube de Viticultores integra cerca de 150 famílias.

Além da colheita mais recente do Soalheiro que a casa apelida de “Clássico”, o Alvarinho de entrada de gama e um dos rótulos mais importantes (talvez o mais importante) para o negócio do produtor, na prova foram apresentados outros 10 vinhos. Dos que estão disponíveis no mercado, provou-se o Mosto Flor 2021 — “um Alvarinho feito a partir das gotas que escorrem das uvas antes da primeira prensagem”, ou seja, cujo mosto é obtido apenas a partir da pressão originada nas uvas quando estas são introduzidas na prensa, fermentando depois em inox — o Ag.hora Alvarinho 2021 — produzido em parceria com o enólogo georgiano Gio, inspirado no estilo de vinificação tradicional da Geórgia, fermentando em Terracota com leveduras espontâneas, onde faz maceração pelicular e volta para estagiar após prensa — o Pet Nat Alvarinho 2022 — excelente exemplar da categoria com rótulo igualmente bem-conseguido, uma nuvem branca em céu azul celeste, que transmite tranquilidade, leveza e expressividade — o Alvorone 2020 — Alvarinho criado em parceria com a Vinhos APRT3 “ao estilo Amarone, com as uvas desidratadas para concentrarem os açúcares e os ácidos, prensadas cerca de um mês depois”, antes de fermentarem e estagiarem um ano em barricas novas e mais 6 meses em inox — o Revirado 2020, já provado na edição de Abril — Alvarinho de solo granítico de encostas montanhosas a 400m de altitude, fermentado e muitas vezes “revirado” em barricas rotativas — e o Pé Franco 2020 — um Alvarinho que provém de vinhas não-enxertadas, plantadas há 10 anos em solo arenoso, fermentado com as películas e estagiado em barrica.

No que toca às experiências que por agora ficam apenas na “Cave de Inovação” do Soalheiro, falamos do Solo Limoso — um Alvarinho que nasce numa vinha “junto às margens graníticas e escavadas do rio Minho, em solo com grande percentagem de limo”, que fermentou em foudre e cuba de inox, e estagiou em barrica e ovo de inox — o Pet Nat Loureiro e o Pet Nat Alvarelhão — o primeiro com uvas de Valença e o segundo de uma vinha velha — e o De[Feito] — “blend feito das tinajas e terracotas de Loureiro e Alvarinho, estagiado mais de um ano em inox com as borras”, um vinho assumidamente “marado”, mas mostrado na mesma pois, segundo Luís Cerdeira, “inovar significa fazer novo, arriscar, e nem sempre corre bem!”…

(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)

 

Quinta da Boavista: Boa é a vista, mas melhor é o vinho

Quinta da Boavista

Boas vistas no Douro são muitas, mas a Quinta da Boavista é única. História não lhe falta desde a primeira demarcação da região vitivinícola do Douro, em 1756. Nos meados do século XIX, a história da quinta cruza com o Barão de Forrester, uma das maiores figuras durienses daquela época, que costumava ficar na propriedade […]

Boas vistas no Douro são muitas, mas a Quinta da Boavista é única. História não lhe falta desde a primeira demarcação da região vitivinícola do Douro, em 1756. Nos meados do século XIX, a história da quinta cruza com o Barão de Forrester, uma das maiores figuras durienses daquela época, que costumava ficar na propriedade nas suas viagens pelo Douro. Um dos edifícios, ainda hoje é conhecido pelos locais como “Casa de Barão”. As vinhas da Quinta da Boavista tinham muita importância pela sua localização privilegiada e capacidade de produzir vinhos de qualidade excepcional. Já no século XX, a Quinta da Boavista passou por várias aquisições e trocas de propriedade. Mas desde 2020 que pertence à Sogevinus, que para além do vinho do Porto, onde é detentora de grandes marcas — Cálem, Burmester, Kopke e Barros — aposta nos vinhos DOC Douro, no segmento premium.
A vinha do Oratório e vinha do Ujo são duas peças emblemáticas no património vitícola da Quinta da Boavista, tão diferentes na sua apresentação e no carácter dos vinhos aos quais dão origem. A vinha do Oratório é muito cénica e absolutamente encantadora em qualquer hora do dia, quer de manhã, quando o sol ilumina o magnífico anfiteatro de 14 terraços largos, quer à tarde, quando as sombras acentuam o relevo dos maciços muros de xisto com 8 metros de altura. São quase 3ha de vinha e uma mescla de 25 castas, com uma idade média superior a 90 anos, que dão origem a um vinho de grande personalidade. Já a mítica vinha do Ujo, com apenas 1,5ha, escondida por detrás da encosta e implantada em socalcos toscos pré-filoxéricos com exposição Norte, pode não ter tanta beleza visual como a vinha do Oratório, mas tem uma beleza intrínseca que se sente no vinho de carácter inconfundível. Também são vinhas muito velhas com mais de 25 castas plantadas antes de 1930.

Quinta da Boavista
Em cima: Márcio Nóbrega (viticultura) e Carlos Alves (enologia). Em baixo: Carla Tiago (enologia), Jean-Claude Berrouet (enólogo consultor) e Ricardo Macedo (enologia).

No ano 2019, a Primavera surgiu quente e seca com excepção do mês de Abril, com pouca chuva e temperaturas mais amenas do que habitual no Douro, e conseguiu-se ter uvas sãs e de maturação equilibrada. A vindima ainda foi realizada pela equipa anterior, da Lima&Smith, mas o afinamento final e engarrafamento já foi feito pela equipa da Sogevinus, em colaboração com o experiente e reputado enólogo Jean-Claude Berrouet, que durante mais de quatro décadas foi responsável pelos vinhos do Château Petrus. É um grande defensor do terroir e assegura o projecto da Quinta da Boavista desde 2013, pois as vinhas da propriedade permitem explorar e traduzir este conceito em vinhos distintos e de enorme finesse.
O Vinha do Oratório fermentou em lagares de granito com pisa a pé e depois foi para as barricas de carvalho francês, onde estagiou pelo menos 18 meses. O Vinha do Ujo fermentou em barricas de 500 litros, mudando para as barricas de 225 litros, onde permaneceu durante 16 meses.
É difícil de avaliar estes dois vinhos sem aplicar o gosto pessoal, por serem vinhos que criam emoção. Sendo ambos altamente gastronómicos, e é interessante observar como estes vinhos lidam de forma diferente com o mesmo prato, que ainda por cima, não foi, no evento de lançamento, dos mais fáceis: o corço, preparado pelo chef António Loureiro, detentor de uma estrela Michelin. O Vinha do Oratório alinhou com o prato de uma forma directa, criando uma harmonização perfeita e imediata pela igualdade de forças e texturas. A aliança com o Vinha do Ujo foi menos óbvia. Neste caso, o vinho deu suporte ao prato de uma forma mais discreta, não disputando o protagonismo, mas prolongando o sabor.
O Boa-Vista Reserva tinto é uma expressão da propriedade no seu todo através das diferentes castas (Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinto Cão e vinhas velhas) provenientes de várias altitudes e exposições solares. Parcialmente, fermentou em lagar e em inox, e estagiou na sua totalidade em barricas de carvalho francês entre os 15 e os 20 meses, antes de integrar num lote final. A vinha do Levante é a mais recente, foi plantada em 2007 numa das cotas mais elevadas da quinta, com orientação Nascente. As castas são Arinto e Viosinho, que nesta localização recebem o sol de manhã, mas ficam protegiddas do sol mais quente da tarde, tendo assim uma maturação mais equilibrada, preservando a componente ácida.
Este é o primeiro lançamento do vinho branco da Quinta da Boavista. O ano 2020 foi marcado por temperaturas altas, bastante acima do normal e com ondas de calor registadas em Junho, Agosto e Setembro, obrigando a iniciar a vindima no final de Agosto. O Viosinho foi vindimado na terceira semana de Agosto, e o Arinto 3 dias depois, tudo colhido à mão, como é habitual nas vinhas plantadas em patamares. A vinificação foi adaptada à casta. O Viosinho, depois de desengaço e prensado, foi para a barricas novas de 1º e 2º ano. O Arinto, a seguir à maceração de 24 horas, fermentou em inox e só no fim da fermentação foi para madeira de 1º ano. O estágio decorreu em barricas e passado um ano foi feito o lote final. O vinho esperou um ano em garrafa, para ser apresentado.

 

 

 

 

(Artigo publicado na edição de Abril de 2023)

Van Zellers & Co renasce com Vinho do Porto

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A família de Cristiano van Zeller está ligada ao vinho do Porto desde sempre. Segundo informação fornecida no momento da apresentação, é preciso recuar até ao séc. XVII para encontrar os primeiros traços de familiares ligados ao negócio do vinho do Douro. O antepassado que deu nome à família, veio para Portugal em 1726 e, […]

A família de Cristiano van Zeller está ligada ao vinho do Porto desde sempre. Segundo informação fornecida no momento da apresentação, é preciso recuar até ao séc. XVII para encontrar os primeiros traços de familiares ligados ao negócio do vinho do Douro. O antepassado que deu nome à família, veio para Portugal em 1726 e, desde então, foi-se criando uma teia de relações entre familiares, com frequência relacionados ou com o Douro ou, mais especificamente, com o vinho do Porto. Terá sido em 1780 que se criou a empresa Van Zellers & Co, ligada ao negócio do Vinho do Porto, designação então já usada e que, segundo Cristiano informou, tinha sido utilizada pela primeira vez em 1675. Como é normal nas empresas familiares, há por vezes quebras ou mesmo cessação de actividades e foi isso que aconteceu com a empresa Van Zellers & Co. Ela pertencia a João van Zeller, primo de Cristiano e proprietário da Quinta de Roriz. Com a venda da quinta à Prats & Symington, João doou a empresa a Cristiano. Em boa verdade, tratava-se apenas do nome, uma vez que a empresa não tinha activos: nada de quintas e nada de vinhos em stock. Punha-se então a questão: que fazer com o nome, com muita história, mas sem vinho?

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Começar de novo

Cristiano esteve largos anos ligado à sua Quinta Vale D. Maria, situada no rio Torto. Ali, criou vinhos, nomeadamente o Vinha da Francisca, para celebrar o nascimento da filha. Quando a quinta foi vendida à Aveleda, a Van Zellers não estava incluída no negócio e foi assim que Cristiano resolveu alargar o nome para vinhos do Porto, uma vez que desde 2006 já existiam vinhos D.O.C. Douro com as marcas CV, em branco e tinto.
Nesta apresentação, apenas foram objecto de prova os vinhos do Porto, todos eles comprados, uma vez que a empresa não tinha stocks próprios. A gama irá incluir vinhos das três famílias de vinho do Porto: a gama Crafted by hand – onde se incluem os Tawny com indicação de idade; a linha Crafted by time – onde vamos encontrar os Porto Colheita e, por fim, a gama Crafted by nature – onde se incluirão os Vintage, LBV e Crusted. É no papel do tempo na construção de um vinho, que se pode fazer a ponte para as máquinas do tempo que são os relógios. E, para alguns em exposição na Boutique da Av. da Liberdade, em Lisboa, convenhamos que seriam precisas muitas paletes de vinho do Porto, e vendidas a bom preço…
A gama dos Tawny com indicação de idade incluirá quantidades pequenas: 6000 garrafas de 10 anos, 3000 de 20, 1500 de 30 e 700 de 40 anos.
Além destes, existirão as gamas Ruby, White e Tawny, todos a serem apresentados no final do ano. Os vinhos estão no Douro, em armazéns em S. João da Pesqueira, uma vez que “em Gaia os custos do imobiliário são brutais”, como nos lembrou Cristiano van Zeller.
Os vinhos D.O.C. Douro — entre 60 e 70 mil garrafas por ano — resultam de vinhas próprias e alugadas em três locais distintos da região, perfazendo um total de 16ha.
Nas provas que fizemos, tivemos oportunidade de provar o LBV de 2014, já fora do mercado mas a mostrar ainda muita qualidade e garra, ainda fechado e com anos pela frente (17 pontos); também o 2015 se mostrou muito bem, ainda que já não existam garrafas no produtor, um belíssimo LBV, muito austero, químico mas com excelente prova de boca (17,5); o 2017 foi engarrafado ao 5º ano (por falta de garrafas no mercado, em virtude da pandemia) e esse atraso não o beneficiou, surgiu um pouco cansado e com alguma evolução precoce, melhora na boca mas terá menos futuro (16). O próximo será o 2019. Por sua vez, os Vintage, ainda todos disponíveis, seguem de seguida, em nota de prova. Já o Vintage 2020 – 2700 garrafas – irá ser oferecido ao mercado en primeur, e foi aqui provado em antecipação. Massivo, opaco, cheio de classe e totalmente fechado, mais seco do que habitualmente, será um vinho a ter em atenção e que, segundo nos informaram, terá um PVP que deverá situar-se entre os 100 e os 120 euros.

 

 

(Artigo publicado na edição de Abril de 2023)

 

Lobo de Vasconcellos: Alentejo e Douro, de frescura e carácter

lobo de vasconcellos

Foi há pouco mais de um ano que provámos os primeiros vinhos do projecto Lobo de Vasconcellos Wines, criado por Manuel Lobo de Vasconcellos, reconhecido enólogo da Quinta do Crasto, no Douro, e da Quinta do Casal Branco, propriedade ribatejana da sua família. Também da sua família é a Herdade da Perescuma (adquirida pelo avô […]

Foi há pouco mais de um ano que provámos os primeiros vinhos do projecto Lobo de Vasconcellos Wines, criado por Manuel Lobo de Vasconcellos, reconhecido enólogo da Quinta do Crasto, no Douro, e da Quinta do Casal Branco, propriedade ribatejana da sua família. Também da sua família é a Herdade da Perescuma (adquirida pelo avô de Manuel em 1968), na Vendinha, e foi nesse sítio alentejano que Manuel Lobo passou muitos momentos da sua infância, uma das razões que o levou a começar aí o seu projecto pessoal, juntando à vinha de Perescuma uma outra mais próxima de Évora, a Herdade do Zambujal do Conde, comprada pelo seu pai no início dos anos 80. Situadas a 27km uma da outra, ambas pertencem à sub-região de Évora e cada uma comporta mais de 500 hectares de terreno, no entanto, no Zambujal do Conde a vinha actual é de 2006 — 8,1 hectares com Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Petit Verdot, Touriga Nacional, Syrah e Verdelho — e na Perescuma, os 39 hectares de videiras dividem-se em parcelas de várias idades, com plantações desde 1955 até 2021 — com Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional, Syrah, Sousão, Verdelho, Sauvignon Blanc, Viosinho e várias outras na vinha de 1955, que é uma das mais velhas do Alentejo. Aqui, o solo é bastante fértil e tem boa capacidade de retenção de água, segundo Manuel Lobo.
É das uvas destes dois locais que são feitos os vinhos LV branco e tinto, Reserva branco e tinto, e agora também um Licoroso, da colheita de 2020 e apenas 1500 garrafas, um lote de Touriga Nacional, Touriga Franca, Sousão e Vinha Velha, vinificado em lagar com pisa a pé. Na apresentação das novas colheitas dos brancos e tintos, Manuel Lobo e a enóloga assistente Joana Silva Lopes surpreenderam a imprensa não só com este licoroso, mas também com o primeiro vinho do Douro da Lobo Vasconcellos Wines: o Vinha do Norte tinto 2019. Com origem na vinha mais a Norte do projecto, e com exposição Norte, plantada em 1985 em Nagoselo do Douro (perto de São João da Pesqueira), este tinto com o mesmo nome da vinha originou 5800 garrafas de 0,75cl, mais 203 magnum e 36 double magnum. Feito de Touriga Nacional, Touriga Francesa e Tinta Roriz, fermentou sete dias em cubas de inox, com posterior contacto pelicular de 10 dias, antes de ser suavemente prensado. Estagiou 20 meses em barricas de 225 litros de carvalho francês e o lote final resultou, de acordo com Manuel Lobo, da selecção das melhores barricas. Uma coisa é certa: logo na estreia, é um tinto que se vem juntar ao patamar dos topos do Douro.

Novos Andreza: muita qualidade, excelente preço

Andreza

A Lua Cheia-Saven, projecto da empresária Lara Dias e do enólogo Francisco Baptista, apresentou no passado dia 24 de Fevereiro de 2023, as mais recentes colheitas da linha premium e super premium Andreza. O branco Reserva agora lançado nasceu na vindima de 2021, enquanto o tinto Reserva é de 2020. Já o Andreza Altitude mostra […]

A Lua Cheia-Saven, projecto da empresária Lara Dias e do enólogo Francisco Baptista, apresentou no passado dia 24 de Fevereiro de 2023, as mais recentes colheitas da linha premium e super premium Andreza.

O branco Reserva agora lançado nasceu na vindima de 2021, enquanto o tinto Reserva é de 2020. Já o Andreza Altitude mostra toda a frescura da vindima de 2019 e das cotas altas do vale duriense, enquanto o topo, Grande Reserva, criado em 2015, ostenta a complexidade e polimento do longo estágio em garrafa. Em comum, estes quatro vinhos evidenciam a genuína origem Douro, forte carácter e excelente relação qualidade/preço.

AndrezaOs Andreza Reserva branco e tinto custam €8,20 no mercado, o Altitude aponta aos €13,60 e o Grande Reserva é comercializado a €22. Os vinhos da Lua-Cheia Saven são produzidos a partir de uva própria (Quinta do Bronze, em Vale de Mendiz) e uvas adquiridas a viticultores, sendo vinificados na adega da empresa situada em Martim, Murça. L.L.

Reportagem completa numa das próximas edições da revista Grandes Escolhas.