Herdade de Espirra: O Castelão continua a ser aposta

Herdade da Espirra

Em sessão aberta à imprensa, o projecto Herdade de Espirra apresentou os vinhos Pavão de Espirra tinto 2020 e Herdade de Espirra Reserva tinto 2018. O primeiro é um vinho de entrada de gama, com um perfil assumidamente consensual, onde o aroma vivo a frutos vermelhos e um equilíbrio de corpo e taninos procura adequar-se […]

Em sessão aberta à imprensa, o projecto Herdade de Espirra apresentou os vinhos Pavão de Espirra tinto 2020 e Herdade de Espirra Reserva tinto 2018. O primeiro é um vinho de entrada de gama, com um perfil assumidamente consensual, onde o aroma vivo a frutos vermelhos e um equilíbrio de corpo e taninos procura adequar-se a momentos de consumo descontraídos e informais. O Reserva é bastante mais ambicioso. As uvas, provenientes de vinhas com mais de 40 anos, são colhidas manualmente e pisadas a pé, fermentando em lagares e beneficiando de um estágio de 24 meses em barricas de carvalho francês, a que se seguem mais doze meses em garrafa. A intenção é, como explicou Ana Varandas, mostrar a tipicidade do Castelão sem maquilhagem: fruta preta, encorpado, bons taninos. Esta casta, que atinge nos terrenos de areia de Pegões uma das suas melhores expressões, permite fazer vinhos de forte carácter e grande identidade.
Na ocasião foi também mostrada uma nova embalagem do Pavão de Espirra rosé 2021, num formato Bag in Tube, de três litros, rotulada com papel Navigator e produzida a partir de florestas geridas de forma sustentável e devidamente certificadas.

Estas preocupações ambientais atravessam toda a política da empresa. The Navigator Company é um produtor integrado de floresta, pasta, papel, “tissue”, soluções de packaging e bioenergia. A administração do grupo, presente neste encontro, reforçou este compromisso na sustentabilidade ambiental, nas soluções recicláveis e biodegradáveis e na diversidade de culturas e plantações patente em mais de 130 espécies diferentes de árvores e arbustos, muitas sem viabilidade económica, mas que são mantidas e financiadas para garantir a continuidade das espécies. A meta da neutralidade carbónica é uma aposta a médio prazo. A manutenção das vinhas e a produção de vinho na Herdade de Espirra são um exemplo vivo desta política. Representando um valor absolutamente residual no negócio global da companhia, esta foi herdada da anterior Portucel e integrada em 1985, sendo mantida e valorizada como mais um exemplo nessa aposta na biodiversidade. Por isso, as vinhas convivem pacificamente na herdade de Pegões com um total 1700 hectares, com outras actividades agro-florestais como a produção de pinhão, pastoreio, viveiros florestais e madeira. Apesar de, recentemente, se ter introduzido na propriedade novas castas como Aragonez, Touriga Nacional e Alicante Bouschet, o Castelão continua e continuará a ser o eixo da produção de vinho da Herdade, todo ele obtido a partir de vinhas em Produção Integrada.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2023)

Morgado do Quintão: Para uma arqueologia dos vinhos algarvios

Morgado do Quintão

Nas mãos da família Caldas Vasconcelos há quatro gerações, a casa foi fundada em 1810 pelo 1º Conde de Silves e sempre ali se produziu vinho, a par de outras culturas, nesses tempos sobretudo para consumo próprio, a exemplo de muitas outras propriedades na região. O que aqui merece relevo, é que os seus proprietários […]

Nas mãos da família Caldas Vasconcelos há quatro gerações, a casa foi fundada em 1810 pelo 1º Conde de Silves e sempre ali se produziu vinho, a par de outras culturas, nesses tempos sobretudo para consumo próprio, a exemplo de muitas outras propriedades na região. O que aqui merece relevo, é que os seus proprietários souberam resistir à tendência geral da região nos anos 80 e 90 do século passado de abandono da vinha e porfiaram em manter a produção, entregando as uvas na adega cooperativa local. Mas foi só mais recentemente, em 2016, que Filipe Vasconcellos e sua irmã Teresa, com a morte de sua mãe assumiram a gestão da propriedade e resolveram ensaiar a produção de vinho engarrafado. Primeiro, de uma forma tímida, com o lançamento de 2000 garrafas e depois a pouco e pouco, à medida que estendiam a área de plantação até chegar hoje aos 18 hectares e com uma produção que anda em média nas 30 000 garrafas. Mas Filipe e Teresa tinham ideias claras do que queriam fazer e foram em contramão à tendência de reproduzir no Algarve as castas e os métodos que fizeram o sucesso dos vinhos alentejanos. Com vinhas muito velhas, algumas com mais de 90 anos e de produção exígua, resistiram ao impulso de as arrancar e fizeram delas a imagem de marca da sua casa. Negra Mole e Castelão nos tintos e Crato (Síria) nos brancos eram as cepas tradicionais do Algarve de antanho. E foram nestas que apostaram, com o incentivo entusiasmado da enóloga Joana Maçanita que assumiu a direção de enologia e que hoje dá a cara e, ouvindo como fala, o coração, pelo projecto.

 

 

Filipe Vasconcellos e a sua irmã Teresa assumiram, em 2016, a gestão da propriedade.

 

 

 

 

 

As vinhas novas entretanto plantadas respeitam esta filosofia da casa e reproduzem em alguns aspectos as condições das vinhas primitivas: castas misturadas, ou como hoje dizemos “field blend, pouca intervenção na vinha e na adega. Mas as preocupações na sustentabilidade e a aposta na produção biológica que está em vias de ser certificada são bem contemporâneas. Na prova que nos proporcionaram sob a sombra generosa de uma oliveira milenar (Filipe avançou que ela teria mais 2000 anos!) ficou muito claro o perfil pretendido dos vinhos ali produzidos. Joana Maçanita explicou que esta era a verdadeira identidade dos vinhos do Algarve e aquilo que defende ser o seu futuro. Vinhos brancos frescos e com boa acidez e tintos com pouca cor e também carregados de frescura, para se beberem no verão escaldante. Por isso a aposta vincada na Negra Mole, a porta bandeira dos vinhos algarvios, fazendo com ela os seus Claretes de Negra Mole, com os quais fizemos uma prova vertical muito interessante, lembrando os Pinot Noir. O espírito inquieto de Joana tem convencido os proprietários a avançarem por experiências desafiantes que também nos foram dadas a provar, como é o caso do Espumante de 2019, um pouco resinoso mas delgado na boca, um Palhete que junta Negra Mola com Crato, um Branco de Ânfora 2021 carregado de salinidade e outro Branco de Tintas 2021.

 

A casta Negra Mole é a grande aposta do projecto

Esta aposta tem sido bem conseguida, os grupos de visitantes (a maior parte estrangeiros) sucedem-se aos portões da propriedade e os vinhos do Morgado do Quintão são hoje um dos principais pontos de atracção na exploração do enoturismo, para o qual a casa está muito bem apetrechada com os seus pequenos chalés pitorescos e com o suporte de uma cozinha criativa e bem apresentada, baseada nos produtos e sabores tradicionais da região.

 

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2023)

Aliança: Como alfaiataria para espumantes

Aliança Espumantes

Foi em 2018 que a Aliança Vinhos de Portugal decidiu dar mais um passo na produção dos seus espumantes de topo na Bairrada, com a casta Pinot Noir. Em versão blanc de noirs (branco de uvas tintas), este “bruto natural” vem juntar-se à gama onde já se encontrava o Aliança Grande Reserva branco, um lote […]

Foi em 2018 que a Aliança Vinhos de Portugal decidiu dar mais um passo na produção dos seus espumantes de topo na Bairrada, com a casta Pinot Noir. Em versão blanc de noirs (branco de uvas tintas), este “bruto natural” vem juntar-se à gama onde já se encontrava o Aliança Grande Reserva branco, um lote de Chardonnay e Baga cuja colheita de 2018 sai também agora para o mercado.

No evento de apresentação de ambos, que teve como palco as Caves Aliança e o Underground Museum, em Sangalhos (concelho de Anadia) a equipa da casa proporcionou um dia totalmente dedicado a este tipo de vinhos. Mas, antes de uma prova de bases de espumante, de outra das várias colheitas do Grande Reserva branco e do novo espumante Pinot Noir, conduzidas pelo enólogo Francisco Antunes, foi visitada a nova vinha da empresa em Sangalhos — Quinta da Rigodeira II — concebida exclusivamente para originar vinhos base para os espumantes. E isto, na verdade, é coisa rara…

Aliança Espumantes

Em solo argilo-calcário, com algumas manchas arenosas, a Quinta da Rigodeira II teve os seus primeiros quinze hectares plantados em 2021, e mais nove já em 2023, sendo que para 2024/2025, estão previstos seis hectares adicionais. O que se encontra nesta vinha em início de vida, que terá este ano a sua segunda produção, são as castas mais emblemáticas na produção de espumantes da Bairrada: Baga, Chardonnay e Pinot Noir.

“Os clones deste Chardonnay e deste Pinot Noir são específicos para espumante. Já o material vegetativo da Baga, que provém da Estação Vitivinícola da Bairrada, é enviado para Itália, voltando enxertos já prontos para plantar”, elucidou Francisco Antunes. O director de enologia da Aliança, que chegará aos 30 anos de casa em Setembro de 2023, é actualmente um dos maiores especialistas em espumante do país. Também responsável pelos vinhos de outras regiões onde o grupo opera — Vinhos Verdes, Douro, Beira Interior e Dão — e pelas aguardentes, Francisco Antunes formou-se em Engenharia Agrícola na Universidade de Évora, e em Enologia em Bordéus.

“Queremos ter matéria-prima nossa, que possamos controlar totalmente, para o projecto dos espumantes de topo” afirmou, junto à vinha da Quinta da Rigodeira II, onde Eduardo Medeiro, vice-presidente executivo do grupo Bacalhôa (proprietário da Aliança Vinhos de Portugal), salientou ter sido “muito importante definir um foco para a Bairrada, nomeadamente os espumantes e a casta Baga”. Este incremento na região levou a que, segundo o viticólogo e director técnico Clemente Almeida, o custo da uva Baga passasse de cerca de 15 cêntimos, por quilo, para mais de 50 cêntimos em apenas 15 anos.

Aliança Espumantes

Francisco Antunes, director de enologia da Aliança, chegará aos 30 anos de casa em Setembro. É um dos maiores especialistas em espumantes do país.

De volta às caves, estiveram em prova três bases de espumante, de vinhos que sairão a partir de 2026: Quinta da Rigodeira 2022, um novo espumante que nasce na vinha agora plantada, de Baga, Chardonnay e Pinot Noir; Grande Reserva branco 2022 e Pinot Noir Grande Reserva branco 2022. Surpreendentemente, os três mostraram enorme equilíbrio e harmonia, a fugir da “agressividade” que se espera numa base de espumante. Depois da prova vertical do Grande Reserva branco — colheitas 2012, 2015, 2016, 2017 e a mais recente 2018 — chegou-se à estrela do dia. O Aliança Pinot Noir Grande Reserva branco 2018 viu o seu vinho base estagiar durante 5 meses, antes do engarrafamento, e permaneceu depois, “sur lies”, 43 meses em cave.

A Aliança produz, de acordo com Francisco Antunes, um milhão de garrafas de espumante por ano, das quais 156 mil são do Baga-Bairrada, outro produto “flagship” da empresa. Ainda segundo o alfaiate dos espumantes Aliança, em Setembro deste ano será lançado um vinho branco Bairrada Clássico, 100% Bical, proveniente de uma parcela descoberta na Quinta da Rigodeira… de 1931.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2023)

Domínio do Açor: À procura de Borgonha em terras de granito

Domínio do Açor

A tarefa de procura pelo terroir perfeito coube a Guilherme Correia, um sommelier brasileiro que mora em Portugal, já há alguns anos, e é bem conhecido na comunidade vínica pela sua competência profissional e delicadeza no trato. Trabalha na indústria do vinho há quase 30 anos e foi duas vezes o melhor sommelier do Brasil. […]

A tarefa de procura pelo terroir perfeito coube a Guilherme Correia, um sommelier brasileiro que mora em Portugal, já há alguns anos, e é bem conhecido na comunidade vínica pela sua competência profissional e delicadeza no trato. Trabalha na indústria do vinho há quase 30 anos e foi duas vezes o melhor sommelier do Brasil. Guilherme também é um dos sócios da distribuidora Temple Wines. Descobriu a Quinta Mendes Pereira (que estava à venda) situada junto à vila de Oliveira do Conde, no concelho de Carregal do Sal, rodeada de floresta, com um património fabuloso de vinhas velhas com mais de 60 anos, inseridas num ambiente com forte apelo cultural e histórico, onde ruínas milenares dos celtas e romanos assinalam os nomes das parcelas.

A sub-região Terras de Senhorim, onde a quinta está enquadrada, fica praticamente no meio da região do Dão, entre dois rios (Dão e Mondego), e goza de um mesoclima mais fresco do que nas zonas mais quentes e menos frio e húmido do que na Serra da Estrela. Os solos são de origem granítica, de textura arenosa e franco-arenosa, pobres em matéria orgânica e fraca capacidade de retenção de água, duas características que não induzem grande vigor na planta e naturalmente regulam a produção.

 

João Costa, enólogo residente, e Luís Lopes, enólogo consultor, partilham da visão de Guilherme Corrêa, um dos proprietários.

 

Os sócios desta aventura avançaram com aquisição da quinta em Maio de 2021, o ano que deu origem aos primeiros vinhos da Domínio do Açor. O nome do projecto é inspirado no conceito francês de “domaine” — sítio/propriedade com/dedicada à produção de vinho — mais associado à Borgonha, ao qual se junta o nome da Serra do Açor, moderador climático das vinhas daquela zona. A necessidade de ir para além de um “feeling”, motivou os sócios para contratar um dos maiores especialistas em solos, o Mr. Terroir chileno, Pedro Parra.

Como diferem as parcelas entre si? Quais têm o maior potencial? Como devem tratar as uvas de cada parcela na adega? Dos 11 plotes, através do estudo de granulometria e conductividade electromagnética dos solos, Pedro Parra identificou que mais de metade “corresponde” a Grand Cru e Premier Cru, os outros a Village e um não apresenta grande qualidade. Por muito potencial que o terroir tenha, a equipa de enologia tem que ser bem escolhida, partilhar a visão com o produtor e ser capaz de trazer o terroir até ao copo.

Domínio do Açor
Vinha da Ruína

Nesta aposta contam com o enólogo consultor Luís Lopes, formado em enologia na UTAD. Estagiou no aclamado Comte Lafon, na Borgonha, e posteriormente no Martinborough Vineyards, na Nova Zelândia. Em Portugal, era enólogo na Quinta da Pellada e apoiou o projecto de António Madeira e da Quinta das Marias. O papel do enólogo residente foi assumido por João Costa, natural do Dão e com ligação à agricultura familiar, que recentemente trabalhou na Quinta da Lomba (Niepoort), no Dão.

O primeiro vinho é um blend de Cerceal-branco, Malvasia Fina e Encruzado, mantido em inox quase um ano com borras finas. Ao lote juntraram-se mais 20% de Encruzado vinificado em barrica de 500 litros. Estágio sem sulfuroso, sobre borras, não passam a limpo, só tocam no vinho quando for para engarrafar, para fixar a tal “redução intelectual”, como lhe chamou Guilherme Correia. Deste vinho foram produzidas 3550 garrafas. O monovarietal de Cerceal foi originado pelas uvas da melhor parcela da vinha Ruína, feito só em inox. Fermentou com leveduras indígenas, pois gostaram mais do resultado final. Um ensaio com leveduras inoculadas não correu bem, “o vinho perdeu drama”, explicou Guilherme Correia. Foram produzidas apenas 230 garrafas magnum.

O monovarietal de Bical provém das vinhas velhas, plantadas nos anos 60 do século passado. Para a vinificação usaram 2 barricas usadas de 228 litros de Chenin Blanc. Demorou 2 meses para acabar a fermentação. Foram produzidas 677 garrafas. O Encruzado foi submetido ao estágio longo sobre borra, sem bâtonnage, em madeira maioritariamente nova mas “invisível”. Foram produzidas 1364 garrafas. O Jaen da melhor parcela fermentou com 30% de engaço no lagar (no granito com mais limo esta uva precisa de engaço). Ao fim de 10 dias prensaram na prensa vertical. A fermentação maloláctica ocorreu em inox e depois o estágio em barrica usada Taransaud de 400 litros. Foram produzidas 511 garrafas.

A Tinta Pinheira queima-se com sol e apodrece com chuva, razão pela qual perdeu a popularidade. É uma casta vegetal, e apesar de estar no solo delgado, não precisa de engaço. Delicada e tem uma presença texturada, precisa de delicadeza na vinificação. Provém só de uma parcela, desengaçada e vinificada em lagar. Pisada à mão… é mais uma infusão do que extração. Fez a fermentação maloláctica em inox, estagiou numa barrica de 500 litros e foi engarrafada sem colagem nem filtração. Foram produzidas 645 garrafas.

Este é um projecção com bom senso. Não só tem pernas para andar, como tem a cabeça para escolher o melhor caminho. A elegância, finesse e precisão dos vinhos são marcantes. Dá para acreditar que os amigos-produtores encontraram a sua Borgonha em terras de granito.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2023)

Lagoalva: Fernão Pires de primeira linha

Quinta da Lagoalva

A quinta possui cerca de 42 hectares de vinha (num total de 5.500 hectares com muitos outros cultivos e produções, desde cortiça a azeite, passando por cavalos), plantados junto ao rio Tejo e constituídos por uma grande variedade de castas, nacionais e mundiais. Como não poderia deixar de ser, dada a região onde está, as […]

A quinta possui cerca de 42 hectares de vinha (num total de 5.500 hectares com muitos outros cultivos e produções, desde cortiça a azeite, passando por cavalos), plantados junto ao rio Tejo e constituídos por uma grande variedade de castas, nacionais e mundiais. Como não poderia deixar de ser, dada a região onde está, as vinhas mais velhas são de Fernão Pires e têm cerca de 70 anos, sendo de destacar também as vinhas de Syrah, plantadas em 1984, das primeiras em Portugal. A longa tradição da Quinta da Lagoalva como produtora de vinho é atestada em 1888, na Exibição Portuguesa de Indústria, onde esteve presente com 600 cascos de vinho. Todavia, é mesmo a referida data de 1989 que consagra o primeiro registo como produtor engarrafador no IVV, então com a marca “Cima” (aliás, a propriedade girou muitos anos com a marca Lagoalva de Cima), com a primeira certificação atribuída pela Comissão Vitivinícola Regional do Tejo a ocorrer pouco depois, em 1992, então já como “Quinta da Lagoalva”. Mais de 3 décadas volvidas, e já com uma história significativa no universo vitivinícola português, elegeu 2023 como um ano de mudança. Essa mudança foi materializada, desde logo, no rebranding do logótipo e dos rótulos do seu portefólio de vinhos, que vão chegar ao mercado até ao final do ano, à medida que são lançadas novas colheitas. Actualmente, a produção de vinhos ronda as 650 mil garrafas, a representar cerca de 1,5 milhões de euros de faturação em 2022. As vendas em Portugal correspondem a 65% do negócio, sendo os restantes 35% alocados a mercados de exportação, com maior destaque para Alemanha, Bélgica, Brasil, China e Polónia.

Quinta da Lagoalva

A nova imagem foi desenvolvida pela agência portuguesa OM Design, em estreita colaboração com as equipas de enologia, comercial e enoturismo da Quinta da Lagoalva, num processo que demorou um ano a concretizar. Isso mesmo nos confirmou Pedro Pinhão, o actual coordenador de enologia do projecto que já leva 2 décadas ao serviço da Lagoalva, e que, desde há pouco tempo, beneficia da ajuda do jovem enólogo Luís Paulino. Os novos rótulos retratam a casa e palácio, e procuram homenagear o legado da icónica propriedade, com 830 anos de história e 660 hectares contíguos, e beneficiaram de contributos de toda a família (assumindo o legado histórico, os rótulos passaram a integrar a menção “Circa 1193”, data do primeiro registo da Quinta da Lagoalva).

A par deste rebranding foi lançado um vinho em estreia absoluta, nada menos nada mais do que um Grande Reserva Fernão Pires da colheita de 2021. As uvas deste Fernão Pires provêm da referida vinha velha com 70 anos, sujeitas a prensagem dos cachos inteiros, e fermentação em barricas usadas (de 2.º, 3.º e 4.º anos) de carvalho francês com capacidade 500 litros, nelas estagiando durante 12 meses com bâtonnage semanal durante 2 meses. A surpresa não vem propriamente do uso da casta, que é maioritária aliás na região, mas no facto de ser usada em estreme e logo posicionada como topo de gama, algo menos comum na região do Tejo, mas que é de aplaudir. Tanto mais que este lançamento se insere no âmbito do movimento de promoção desta casta, promovido pela Comissão Vitivinícola Regional do Tejo, a nível nacional e internacional, movimento que se aplaude com entusiasmo.

Foi também tempo de conhecermos as novas de parte do portefólio do produtor, caso dos colheitas do Lagoalva branco, rosé e tinto; Lagoalva Sauvignon Blanc; Lagoalva Reserva branco e tinto (ambos bi-varietais). Revelaram-se todos muito atraentes, sendo de destacar uma clara tendência para redução do álcool (vários vinhos abaixo dos 12%) e maior percepção da acidez (com uma excepção, todos os vinhos acima dos 6 g/L), aspectos que muito nos agradaram, e que revelam a atenção do produtor às novas tendência de consumo.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2023)

Trois: 1, 2, 3, Setúbal nasce outra vez

Trois Setúbal

Filipe Cardoso, Luís Simões e José Caninhas são os Trois, e querem mudar o Mundo. Pode não ser o Mundo inteiro, mas o mundo onde nasceram, cresceram e hoje trabalham: a Península de Setúbal. Além de uma amizade bonita, à qual a enternecedora diferença de idades confere carácter, o trio partilha uma visão muito única […]

Filipe Cardoso, Luís Simões e José Caninhas são os Trois, e querem mudar o Mundo. Pode não ser o Mundo inteiro, mas o mundo onde nasceram, cresceram e hoje trabalham: a Península de Setúbal. Além de uma amizade bonita, à qual a enternecedora diferença de idades confere carácter, o trio partilha uma visão muito única para os vinhos locais, sobretudo os não-fortificados, campo onde acredita haver potencial para se fazer muito melhor do que o ”bom vinho a bom preço” por que afina grande parte da região. E esta não é uma visão qualquer, mas sim a de três enólogos que falam com propriedade e que fazem, ou já fizeram, parte das equipas técnicas (e das famílias, nalguns casos) de importantes casas da Península de Setúbal, como Quinta do Piloto, Casa Horácio Simões, Quinta Brejinho da Costa ou Sociedade Vinícola de Palmela.

É convicção dos Trois que a região pode produzir, utilizando as vinhas certas e combinando de forma inteligente os métodos tradicionais e ancestrais com o conhecimento científico de hoje, grandes vinhos brancos e tintos, capazes de resistir ao teste do tempo e que espelhem verdadeiramente o carácter da Península de Setúbal e dos vários terroirs que a caracterizam. Para o comprovar, o primeiro vinho da Trois – Vinhos com Identidade, um Castelão de 2015, foi lançado em 2016, e a partir daí, ninguém os parou. O foco do projecto é, precisamente, esta casta tinta e a branca Fernão Pires, e também nas vinhas velhas, dos próprios e de viticultores com quem o trio mantém estreita relação. Estas estão localizadas em diferentes zonas e terroirs da região, desde as areias de Palmela às de Melides, passando pelos solos argilosos e calcários da Arrábida, mas, porque nem tudo é tão linear assim, e como explica Filipe Cardoso, “as zonas de transição também existem”, e algumas destas vinhas situam-se precisamente nesses locais.

Trois Setúbal

Agora, saem para o mercado mais três vinhos, as novas colheitas dos dois DOC Palmela Trois Curtimenta Fernão Pires e Trois Castelão, de 2021 e 2018, e um Moscatel Roxo de 2017, da marca de “entrada” Flor de Trois. O Fernão Pires (vinha com 40 anos), fermentado em lagar com curtimenta total e estagiado 12 meses em barricas de carvalho francês usadas, é o resultado da convicção destes enólogos de que a casta atinge o seu auge quando sujeita a vinificações mais tradicionais. Mas com uma advertência. “Um branco de curtimenta não tem de ter características de oxidação e cor dourada. Temos a sensação de que a generalidade das pessoas acha que é assim que deve ser um branco deste tipo, mas acreditamos que a curtimenta, como os nossos antepassados faziam, pode conferir coisas positivas e que não são necessariamente essas”, sublinha José Caninhas. O Castelão, de vinhas velhas, fermenta também em lagar e estagia um ano em barricas de carvalho francês usadas, e 6 meses, no mínimo, em garrafa. No copo, consegue-se sentir o seu lado clássico vinoso, mas num perfil de elegância e precisão que se coaduna com as exigências do mercado moderno. Era esse o objectivo com este vinho, e foi indubitavelmente cumprido. O Moscatel Roxo de Setúbal, por sua vez, vem responder à necessidade de um vinho deste género na gama Flor de Trois, com preço competitivo mas, de acordo com o trio, a mostrar alguma complexidade e sem se cair na tentação (frequente) de carregar na doçura.

Ao assistir à dinâmica entre os três enólogos, percebe-se que são pessoas muito diferentes, unidas por uma causa, e é isso — além dos excelentes vinhos que têm colocado no mercado, obviamente — que dá graça ao grupo. José Caninhas, uma década mais novo do que Filipe e Luís e com passado no sector agro-alimentar, assume-se como “rato de laboratório” e é nele que encontra conforto. A par disso, curiosamente, é através das emoções que sente os vinhos e admite que estes podem transportar-nos para locais e momentos específicos, “como a casa dos avós”. O copo do laboratório é o seu melhor amigo, e é neste que mais gosta de provar os vinhos. Por outro lado, Luís Simões imprime no grupo uma componente enológica “pura e dura”, fala sem rodeios e com a experiência que acumulou ao longo de anos na área. Já Filipe Cardoso harmoniza em si os dois lados, cruzando a experiência com a emoção, o que resulta no sorriso e boa disposição que apresenta onde quer que vá. Todos concordam: “Tentar dar o exemplo numa região, tem tanto de duro como de gratificante…”.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2023)

Mirabilis: Nascidos no Douro, feitos com Mundo

mirabilis

Dez anos antes destes vinhos serem feitos, em 2011, nasciam os primeiros Mirabilis, fruto do “sonho de criar um branco fora de série e um tinto disruptivo para o Mundo”, relembra Luísa Amorim, “um Douro que não se prendesse aos muros da Quinta Nova ou exclusivamente à tradição da região, num perfil mais internacional”. Em […]

Dez anos antes destes vinhos serem feitos, em 2011, nasciam os primeiros Mirabilis, fruto do “sonho de criar um branco fora de série e um tinto disruptivo para o Mundo”, relembra Luísa Amorim, “um Douro que não se prendesse aos muros da Quinta Nova ou exclusivamente à tradição da região, num perfil mais internacional”.

Em Maio, no Depozito, espaço de artesanato tradicional e contemporâneo em Lisboa, foram lançadas as edições de 2021, que surgem hoje com mais maturidade do que as antecessoras, por várias razões: o branco sai com mais tempo de estágio, e o tinto com um perfil aprimorado na elegância e selecção ainda mais minuciosa das barricas. Luísa Amorim dá-nos uma perspectiva bastante humana do processo de criação: “Quando somos muito novos, achamos que o mundo vai acabar amanhã, que temos de pôr as coisas cá fora rapidamente para provar o que valemos. Hoje, estamos noutra fase da vida, com mais maturidade e sabedoria, com ainda mais certeza do que queremos. Ao mesmo tempo, temos de ser muito conscientes e certeiros, fazer os vinhos com cuidado, porque hoje as exigências do mercado são outras, e Portugal cresceu em qualidade”.
Para Ana Mota, responsável de viticultura da Quinta Nova, 2021 foi um ano difícil para a vinha, mas, por outro lado, tendo perícia para ultrapassar as dificuldades, acabou por ser, como diz a própria, “uma dádiva”. “Foi um ano vitícola bastante chuvoso, com temperaturas amenas, e por causa disto os fungos deram-nos muito trabalho, mas conseguimos, com cuidado, trazer boas uvas para adega. Foi preciso estarmos muito atentos à vinha. Na vindima, tivemos de ter muita paciência, por causa da chuva”, descortina Ana Mota. Quanto ao Mirabilis branco, Ana Mota revela, contente, “cada vez mais, temos os nossos viticultores parceiros, das uvas brancas, a querer continuar com o nosso projecto, o que nos dá estabilidade. Além disso, da colheita de 2022 teremos mais algumas garrafinhas do branco, porque conseguimos mais 1,3 hectares de uma vinha muito velha, com características para Mirabilis”.

A complementar a perspectiva da viticultura, Jorge Alves, director de enologia, também considera que 2021 foi um ano de excelência: “Foi magnífico por vários motivos, trouxe-nos vinhos brancos mais minerais, intensos e com uma acidez bastante cintilante. A vindima foi um pouco mais tardia, o que não tem mal nenhum, excepto a parte das borboletas no estômago com medo dos apodrecimentos, até porque as uvas tiveram tempo extra de maturação, o que é importante para a combinação final. Foi também um ano em que os equipamentos deram um jeito enorme, mesas de triagem e tapetes de escolha ajudaram-nos a criar estes vinhos de enorme pureza aromática e gustativa”, afirma o enólogo.

 

O Mirabilis branco 2021 tem origem em vinhas velhas de altitude, muito ricas em Gouveio e com algum Viosinho, entre outras castas. Fermenta e estagia em barricas de carvalho francês e húngaro de 300 litros, 80% das quais, novas, com bâtonnage quinzenal. “O estágio de um ano em garrafa adiciona-lhe textura”, acrescenta Jorge Alves. Já o Mirabilis tinto 2021 tem a sua génese numa vinha a 10 metros da adega da propriedade da família Amorim, e traduz-se num lote de Tinta Amarela, em grande percentagem, com vinha centenária. Vinificado sem engaço, estagia 12 meses em barrica nova de carvalho francês e 5 meses em garrafa. “Este é o vinho mais ‘afrancesado’ da Quinta Nova, muito vegetal, mentolado, texturado. Provavelmente, é o nosso tinto com mais tensão e nervo, que fica mais no final de boca e envelhece de forma muito subtil. É um projecto lindíssimo”, confessa o enólogo.

A equipa da Quinta Nova aproveitou, ainda, o momento de lançamento destes vinhos para anunciar algumas novidades ao nível da vinha e da adega. Além de novas plantações com castas mais adaptadas às alterações climáticas, e de ajustes na geometria da vinha para maior adaptação a máquinas, uma experiência inovadora com o objectivo de combater a seca que se tem verificado no Douro: “Não fossemos nós produtores de cortiça… fizemos, nas vinhas centenárias, uma descava profunda e estamos a colocar aí uma quantidade muito significativa de granulado de cortiça. A cortiça é isolante térmica, e consegue reter água e humidade no solo durante mais tempo. Com a água da chuva, incha e faz um efeito tampão, retendo a humidade”, avança Ana Mota. Luísa Amorim, por sua vez, levantou o pano ao projecto da nova adega, que se encontra já numa fase bastante avançada. “Apenas ficaram as paredes, não restou uma peça interior nem um pavimento. Tudo isto para virmos a ter ainda melhores vinhos”, garante a administradora. A vindima de 2023 já será feita nesta nova adega.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2023)

Baías e Enseadas: da garagem para o mundo

Baías e enseadas

Daniel Afonso – uma pessoa genuína e apaixonada – é um verdadeiro garagista, com as cubas, barricas e uma prensa vertical justapostas num espaço minúsculo em Mercês (de Sintra), e com um carro velho à porta para ir às vinhas, espalhadas pela zona de Colares. O seu carácter terra-a-terra continua na genuinidade dos seus vinhos, […]

Daniel Afonso – uma pessoa genuína e apaixonada – é um verdadeiro garagista, com as cubas, barricas e uma prensa vertical justapostas num espaço minúsculo em Mercês (de Sintra), e com um carro velho à porta para ir às vinhas, espalhadas pela zona de Colares. O seu carácter terra-a-terra continua na genuinidade dos seus vinhos, que, nascidos num ambiente modesto, encontram o glamour no seu destino, servidos nos restaurantes estrelados do Algarve e Nova Iorque.
A ideia de fazer vinho nasceu muito cedo. “Desde que comecei conscientemente a gostar de vinhos, tive logo o sonho de fazer um vinho meu”, confessa Daniel Afonso. Em 2012 começou a realizar o seu sonho: fez a primeira surriba e no ano seguinte plantou três castas brancas, típicas da região de Lisboa — Fernão Pires, Arinto e Malvasia de Colares (que considera a melhor casta branca nacional) — a 5km do mar em linha recta. Em 2014 plantou mais 0,5 hectares acrescentando Castelão.
A vindima de 2015 serviu de ensaio e a de 2016 deu origem aos primeiros vinhos apresentados no mercado. A pouco e pouco, ia plantando mais vinha e mais castas: o Cercial que gosta pelo seu carácter e acidez e duas castas estrangeiras – Chardonnay e Pinot Noir – que no início pensou fazer só para si, mas as experiências de vinificação mostraram os resultados de tal modo promissores que ficou motivado a dar-lhes mais protagonismo.

Baías e Enseadas

Mas havia outro sonho: fazer um vinho DOC Colares, com Malvasia e Ramisco plantadas em chão de areia. Este demora mais tempo, porque a propria plantação em chão de areia é diferente. E este ano já conseguiu lançar o primeiro Colares Malvasia.
A abordagem enológica é simples. Sem desengaço, vai tudo para a prensa, onde acaba por ter uma pequena maceração porque o processo demora 7-9 horas. Fermenta com leveduras indígenas, um pouco de sulfuroso para impedir a fermentção maloláctica e retira a borra mais grosseira. A fermentação acaba nas barricas e lá os vinhos ficam de 6 a 8 meses, com bâtonnage. Nos tintos, as uvas também não desengaçadas, levam uma ligeira pisa a pé, ficando com alguns cachos inteiros. O estágio também é em barricas, durante cerca de 6 meses.
Neste momento, Daniel só faz os monovarietais a querer mostrar “o que cada casta fala da região”. Os vinhos da gama Escolha Pessoal estão sujeitos a uma selecção mais criteriosa em todos os passos desde a uva às barricas.
“Faço o melhor que posso e tento intervir o mínimo possível” – diz o produtor, não tendo intenção nenhuma de produzir vinhos funky para agradar os wine freaks. Não é por ser um produtor pequeno que vou atrás de modas. “Eu não quero ser diferente, quero representar a região”, afirma o vigneron com convicção, “quero que quando alguém prove os meus vinhos, diga ‘Isto só pode ser de Colares!’”.
Neste momento, tem quatro vinhas e precisa de aumentar a área. A produção de hoje conta com cerca de 8 mil garrafas, das quais 90% vai para a exportação: Estados Unidos, Inglaterra, Noruega e Bélgica. Em Nova Iorque, os Baías e Enseadas estão presentes em 70% dos restaurantes estrelados. No famoso Per Se, com três estrelas Michelin, só estão quatro vinhos brancos portugueses, um deles é o Baías e Enseadas Malvasia. Os 10% vendidos no mercado nacional estão principalmente presentes no Algarve, em restaurantes como o Vila Joya, A Ver Tavira, Al Sud e Bon-Bon.
Nos futuros planos estão um vinho rosé, um espumante e o Ramisco de Colares.

(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)