O fascínio de Arruda dos Vinhos

Edição nº12, Abril 2018 Quinta de S. Sebastião A história vínica da Quinta de São Sebastião não é longa, pouco ultrapassando a década. Mas, pelo seu notável percurso, este projecto já fez levantar muito sobrolho, não só pelo sucesso e qualidade dos seus vinhos como pelo constante investimento em vinha. TEXTO António Falcão FOTOS Ricardo […]
Edição nº12, Abril 2018
Quinta de S. Sebastião
A história vínica da Quinta de São Sebastião não é longa, pouco ultrapassando a década. Mas, pelo seu notável percurso, este projecto já fez levantar muito sobrolho, não só pelo sucesso e qualidade dos seus vinhos como pelo constante investimento em vinha.
TEXTO António Falcão
FOTOS Ricardo Palma Veiga
Arruda dos Vinhos é uma região com grandes tradições no vinho, ou não esteja o néctar no nome da vila. E nenhum produtor está tão integrado com Arruda – vinicamente falando – como a Quinta de São Sebastião. De facto, dos casarios da quinta avistam-se a curta distância os meandros de Arruda e António Parente, o proprietário, não esconde o seu amor pela região. Porque foi aqui que escolheu viver e porque foi aqui que decidiu, no início do século, fazer o seu vinho. Nesta terra.
Diz ele no próprio site da empresa: “A minha ligação com a terra vem das memórias de infância, em especial da paixão pelos cavalos, pela sensação de liberdade e pela relação de afinidade que estes exigem. É este o espírito com que me dediquei à produção do vinho da Quinta de S. Sebastião.” Mas existe outro objectivo: “Colocar no mapa a região da Arruda dos Vinhos. Isto é, conquistar o reconhecimento nacional e internacional com vinhos de qualidade inquestionável e com uma identidade própria que só a região da Arruda pode dar. As nossas conversas anteriores mostram bem este sonho do empresário, mais conhecido pela sua actividade na área da produção televisiva, especialmente na ficção e, em particular, telenovelas. O sonho existiu, e, claro, nasceu a obra…
A Quinta de São Sebastião
A quinta é muito bonita e vê-se que a arquitectura original terá séculos de idade. Está, contudo, primorosamente restaurada e preservada. Dos inúmeros imóveis construídos mais tarde constam um picadeiro para treino e exibição de cavalos e um sem-número de boxes para os animais. A sala de provas está exactamente no picadeiro, estrategicamente colocada para se verem os espectáculos de dressage que fazem as delícias dos visitantes. Para aquecer um dia frio que anunciava a Primavera, uma acolhedora lareira enche-nos a alma.
A quinta possui vários anexos, mas, para além do existente no picadeiro, destacamos uma sala com dois lagares de calcário. Não são usados porque a pedra é porosa e acabaria por dar maus odores à sala. E agradecem os milhares de vinhos que por lá estão, judiciosamente arrumados em prateleiras. Coisas antigas, está bom de ver, alguns de produtores locais já desaparecidos. É nesta sala que fazem muitas refeições, das profissionais às que juntam muitos actores e actrizes do panorama televisivo nacional, dois dos quais foram nomeados embaixadores de marcas da casa (Ricardo Carriço e Bárbara Norton de Matos). E já existem mesmo vinhos feitos pelos próprios, com pisa a pé em recipientes de plástico. As garrafas resultantes vão ser vendidas para solidariedade.
Saímos para a rua e o olhar leva-nos para as vinhas adjacentes à quinta. Ficamos imediatamente impressionados pela inclinação da encosta, um cenário pouco comum abaixo do Douro. A encosta termina, no topo, com uma fortificação da época das invasões francesas (Linhas de Torres). Chama-se Forte do Cego, mas também foi conhecido por Forte de S. Sebastião. Mas, reza a história, acabou por tomar o nome da propriedade que ali existe, Casal do Cego, local onde terá habitado a famosa Bruxa de Arruda (curandeira de maleitas e maus olhados e mãe de 19 filhos!). Hoje dominam as silhuetas das torres eólicas e as enormes pás a girar.
Mas vamos às vinhas e aos vinhos, que são o motivo da nossa visita. É um sorridente Filipe Sevinate Pinto que nos recebe. Ele é quem dirige toda a produção da casa.
As vinhas próprias e as dos outros
As vinhas da quinta foram plantadas no inicio do século. O estudo coube ao técnico Tiago Carvalho, que na altura escolheu o encepamento. A maior parte da vinha da quinta está plantada em encosta virada a Oeste, por isso parcialmente protegida da humidade que chega do Atlântico, a cerca de 30 quilómetros a Leste. Filipe disse-nos que têm plantado mais vinha, em terrenos posteriormente adquiridos, ali à volta.
O primeiro vinho data de 2007, mas foi só em 2012 que o projecto começou a tomar um rumo mais sério. Nesta altura eram apenas 60 toneladas de uvas! Este ano já passaram a fasquia do milhão de garrafas (1,1 milhões, para ser mais correcto), o que dará cerca de 1.400 toneladas de uva. Como foi possível? É fácil. À medida que o projecto foi avançando com sucesso, foi necessário adquirir uvas para comportar o aumento nas vendas. Na região nem sequer é difícil arranjar quem produza e as propostas são muitas.
Filipe disse-nos que a parte mais difícil foi mesmo escolher os fornecedores e os locais. E são seis os fornecedores, cada um em seu local. Há vários tipos de solos, incluindo planícies de aluvião, e diversas exposições, altitudes (até aos 450 metros) e diferentes castas. Tudo judiciosamente escolhido, com ajuda de análises aéreas, cortesia do técnico António Cláudio, especialista em microzonagem. Filipe aumentou assim substancialmente a amplitude de terroirs para montar todos os anos um conjunto de vinhos. E não é pouco: falamos de cerca de 80 hectares de vinha exterior à Quinta de São Sebastião (que tem apenas 10 hectares)!
Com os anos, Filipe vai começando a conhecer todas estas parcelas e sabe escolher o que vai para onde. Mesmo considerando que os anos não são todos iguais e existem sempre afinações. Felizmente que os viticultores já estão adaptados às exigências da casa, que os apoia em pontos-chave, como as podas e a produtividade. E a Quinta de São Sebastião tem sempre uma palavra a dizer em novas plantações, especialmente na escolha das castas. O Cercial, por exemplo, é uma casta rara nesta região, mas tem dados bons resultados e não chega o que existe. Mas pode-se optar também por variedades internacionais, como o Sauvignon Blanc, que também nunca chega para as encomendas. Ou o Merlot, que se dá aqui muito bem. Mas, diz-nos Filipe, “não queremos disparar para todo o lado”. Mensagem recebida. Vamos até à adega.
Adega (muito) folgada
Sem querer construir uma adega na própria quinta, António Parente decidiu utilizar na altura um dos três enormes armazéns de um parque instalado na periferia de Arruda dos Vinhos. Que são propriedade sua, de um anterior negócio de máquinas industriais. O parque contém um edifício à entrada que funciona como loja de vinhos, mas todos os equipamentos começaram num dos armazéns que foi embelezado com desenhos nas paredes, cortesia do pintor António Bustorff, amigo da casa. Para além dos vinhos e dos cavalos, António Parente revela assim uma terceira paixão, a arte.
“Isto é o lado pragmático da produção”, revela Filipe ao apresentar a adega, de aspecto espartano. “Temos toda a tecnologia, mas sem excessos.” Não falta, assim, espaço para barricas e para muitas mais cubas.
Filipe disse-nos que, com o aumento na produção, o projecto de vinhos foi crescendo todos os anos e já se estendeu a outro dos armazéns, que foi alvo de isolamento térmico. É aqui que funciona a linha de engarrafamento e rotulagem. E, até 2019, este espaço vai levar mais uma unidade de vinificação, mas ainda não está decidido o que vai acontecer em concreto. “Vai ser o mercado a decidir: se vamos criar uma nova gama, se a expansão das actuais.”
Seja como for, tudo é feito com custos controlados: “O António Parente sabe muito bem o quer e investe de forma sensata”, realça Filipe, que acrescenta: “E eu também não sou gastador.” A adega produz cerca de 15% de rosés, 35% de brancos e o resto vai para tintos.
Os vinhos
O projecto comporta várias marcas, mas assenta fundamentalmente em duas: S. Sebastião e Quinta de S. Sebastião. A primeira, feita em maior quantidade (e a preço mais baixo), usa normalmente um lote contendo uma casta nacional e uma internacional, mas também existe um ou outro monovarietal. “O objectivo é retratar a região”, diz Filipe. Esta gama será também “muito competitiva e pode crescer em valor”, diz Filipe.
Quanto aos vinhos Quinta de S. Sebastião, são feitos exclusivamente com as uvas da quinta, como manda a lei. Mas todos têm um denominador comum: frescura. Ou, se quiserem, acidez. O clima temperado permite, por exemplo, que “na adega não entre um grama de ácido tartárico”, garante Filipe Sevinate Pinto. Os terrenos também não têm falta de água e a prova está que, em 2017, um ano que quase todo o país sofreu com a seca, por aqui esteve-se à vontade. Foi, aliás, um ano de belíssima produção.
Para domar um pouco a acidez e dar um maior volume de boca aos brancos, o enólogo usa regularmente a agitação de borras, operação chamada battonage. Outra vantagem desta intervenção é que se evita o uso de açúcares residuais, que amaciam os vinhos e os tornam mais consensuais. “Temos sido fiéis até agora a esta lógica, mesmo nos vinhos de entrada de gama”, diz-nos Filipe. A boa acidez também dá vinhos longevos e por isso só agora vão começar a colocar os brancos de 2017 no mercado: “Os vinhos agradecem”, garante o técnico. Do que provamos, não podemos concordar mais. Outra dominante nos vinhos, tintos, brancos e rosés, está na excelente ligação à mesa: são vinhos muito gastronómicos.
Do portefólio não conta, contudo, um espumante. Mas Felipe não está desatento: “Está mesmo a pedi-las.”
Em velocidade de cruzeiro
Entre o grupo de produtores de maior sucesso na região de Lisboa, este será dos que tem maior presença no mercado português. Cerca de 60 por cento da produção fica cá. O restante vai para a China, Angola, Brasil, Colômbia ou Canadá. A estratégia é um pouco diferente do normal: “Costumo dizer que nós não exportamos, criamos marca em cada país”, diz Suzana Seabra Lima, a marketing manager da casa. Existem países onde têm, inclusive, embaixadores, figuras públicas que dão a cara pela marca. O projecto está assim em velocidade de cruzeiro e podemos afirmar que António Parente vê o seu sonho em realização. Mas apostamos que está longe de ficar por aqui…
111 Vinhos, o novo espaço de vinhos em Lisboa

Já abriu ao público a 111 Vinhos, um novo espaço em Lisboa para provar, comprar e beber vinho e para petiscar. Fica na Rua da Sociedade Farmacêutica, 20 A, junto ao Marquês de Pombal, e, para além da sala da loja, inclui ainda uma esplanada no pátio de 230 metros quadrados que pode ser alugado […]
Já abriu ao público a 111 Vinhos, um novo espaço em Lisboa para provar, comprar e beber vinho e para petiscar. Fica na Rua da Sociedade Farmacêutica, 20 A, junto ao Marquês de Pombal, e, para além da sala da loja, inclui ainda uma esplanada no pátio de 230 metros quadrados que pode ser alugado para eventos.
Diogo Pereira e Bruno Almeida, proprietários de uma distribuidora, são os rostos por trás do novo projecto, que, na sua página de Facebook, assume como missão “facilitar o acesso, conhecimento e compreensão da riqueza dos vinhos portugueses, bem como das diferenças e especificidades de cada região e suas castas”. Mais informação em www.111vinhos.pt ou facebook.com/111Vinhos. Contactos: 213 540 347 / comercial@111vinhos.pt.
Fulgor lisboeta

O percurso da Casa Santos Lima é, no mínimo, brilhante. Graças a uma gestão cuidada e rigorosa, vem crescendo desde a sua fundação nos tempos modernos, há menos de 30 anos. Com muitos, muitos prémios à mistura… TEXTO António Falcão NOTAS DE PROVA João Paulo Martins FOTOS Ricardo Palma Veiga QUANDO chegámos à Quinta […]
O percurso da Casa Santos Lima é, no mínimo, brilhante. Graças a uma gestão cuidada e rigorosa, vem crescendo desde a sua fundação nos tempos modernos, há menos de 30 anos. Com muitos, muitos prémios à mistura…
TEXTO António Falcão NOTAS DE PROVA João Paulo Martins FOTOS Ricardo Palma Veiga
QUANDO chegámos à Quinta da Boavista, a cerca de 15 quilómetros a leste de Torres Vedras, a azáfama estava no auge, por causa das vindimas. A sede da Casa Santos Lima (CSL) exibe um alargado conjunto de edifícios, onde pontua a recente adega que contrasta, de forma elegante, com os imóveis de traça mais antiga que quase a rodeiam.
José Luís Oliveira da Silva não estava mas chega pouco depois, montado numa moto 4. Tinha acabado de vir das vinhas, controlando trabalhos e verificando maturações.
Ninguém suspeitaria de que estamos a falar de um ex-executivo, com trabalho internacional, transformado em produtor de vinhos. Até 1990, o mundo profissional deste gestor girava à volta da finança. Em grande parte localizado em Londres, uma das maiores praças financeiras mundiais. A partir desse ano, José Luís e uma tia ficaram com esta quinta e o gestor decide mudar de vida.
Do património constavam 60 hectares de vinha, usada sobretudo para fazer vinhos a granel, que por aqui eram produzidos por familiares desde o século XIX. O encepamento tinha pouco interesse para quem quisesse fazer vinhos mais ambiciosos. José Luís ficou assim com um problema: o que fazer? Estudar foi uma das vias, mas a outra foi ouvir quem já estava no mercado há muitos anos. O experiente e pragmático Luís Pato foi, por exemplo, um grande auxílio, que José Luís ainda hoje agradece.
Uma das primeiras resoluções foi assim a completa reestruturação da vinha, com a entrada de novas castas, consideradas mais nobres e com maior interesse enológico. Muitas experiências foram feitas, umas com grande sucesso, outras nem por isso. Mas a filtragem gerou a qualidade.
A área de vinha foi também crescendo e, com ela, foi-se alargando o portefólio ampelográfico. A CSL chegou a ter a maior colecção de monovarietais do país. Hoje a quinta tem 250 hectares e um larguíssimo leque de castas, tintas e brancas. A área de terra também cresceu, claro, e a última ‘grande’ aquisição foi na freguesia da Bemposta, em direcção ao Atlântico. A propriedade não tinha vinha e por isso foram plantados mais 40 hectares. Se tal não fosse suficiente, nestes últimos anos a empresa foi produzindo vinhos em outras regiões do país, através de compra ou parcerias com famílias locais. Hoje, para além de Lisboa, a Casa Santos Lima produz e vinifica no Alentejo, Douro e Vinhos Verdes. E também no Algarve, um dos projectos mais recentes, mas que tem sido dos mais bem-sucedidos. No total, explora directamente cerca de 400 hectares de vinha!
A aposta na internacionalização
Pelo caminho, a Casa Santos Lima foi lançando novos vinhos, abraçando outros mercados. “As coisas foram acontecendo sem qualquer plano”, revelou-nos o homem forte da CSL. Mas começaram bem, com o mercado londrino, onde o gestor fez as primeiras vendas. Rapidamente se estendeu a outros países, conquistando consumidores como poucas empresas do sector. Hoje o portefólio de marcas supera a centena e as vendas os milhões de garrafas. A esmagadora maioria dos vinhos (cerca de 90%) vai para exportação, para perto de 50 países nos 5 continentes. E a Casa Santos Lima é hoje a empresa que mais vinhos certifica na CVR de Lisboa.
Talvez a sua marca principal seja a qualidade geral que os néctares ostentam, apesar de, na sua maioria, serem vinhos de preços bastante acessíveis. A amostra que avaliamos em baixo constitui uma pequena parte do portefólio total e estão todos dentro de segmentos superiores em termos de preço.
A nível internacional, poucos produtores portugueses podem ombrear com a notoriedade que a CSL possui. O sucesso dos vinhos não é o único factor aqui em consideração. A aposta é muito forte em concursos internacionais (milhares de euros anuais) e a CSL tem conseguido ocupar lugares cimeiros no único ranking conhecido de empresas de vinhos de todo o mundo. Em 2016 ficou em 3º lugar, este ano em 2º!
Em termos de vinhos, a CSL tem também lugar de destaque: o seu tinto Valcatrina 2014 ficou em 15º lugar da lista dos 100 mais medalhados, o melhor entre os portugueses e alcançando o primeiro lugar mundial se apenas considerarmos tintos de lote. Outro vinho da casa, o Colossal Reserva tinto 2014, ficou em 25º lugar.
Um feito impressionante se considerarmos que o ranking World Ranking Wines and Spirits é elaborado com base nos resultados dos concursos internacionais de vinhos ocorridos durante o respectivo ano. Quantas mais e melhores medalhas recebem os vinhos de um produtor, mais sobe a posição no ranking desse mesmo produtor. O ranking é elaborado pela Associação Mundial de Jornalistas e Escritores de Vinhos e Licorosos.
Pode argumentar-se que a constante presença nos concursos ajuda (e muito) a esta posição. Ou pode ainda considerar-se que muitos e prestigiados produtores não enviam vinhos para concursos e/ou que alguns que o fazem não enviam os seus melhores e mais caros vinhos. É verdade e abundam esses casos. Mas, não havendo um ranking mais fiável, este é o melhor indicador que conhecemos sobre a valia vínica de uma empresa…
Avançar passo-a-passo
Nada foi feito com grandiosidade ou ostentação. Tanto a(s) adega(s), como a vinha (área e encepamento) foram crescendo à medida das necessidades. Ou seja, não foram feitos investimentos desnecessários. Só em 2014 foi construída a nova adega na Quinta da Boavista e nesta altura está a ser terminado um generoso espaço de armazenamento, com muitos milhares de metros quadrados de área coberta. Pelo meio, José Luís foi usando antigos espaços de armazenamento na região, que levaram remodelações para acomodar muitos milhares de litros de vinho.
A enologia na região de Lisboa está a cargo Diogo Sepúlveda, um jovem técnico que, a julgar pelos produtos, está a liderar uma equipa de adega de grande qualidade. A equipa de campo é também bastante jovem, tal como quase toda a restante equipa, incluindo a bonita e completa loja de vinhos.
Usar o que está bem
Tentamos resumir em pouco espaço uma história com quase 30 anos. Muito mais haveria para contar e certamente muito mais existirá para a frente. Com crescimentos constantes, ano após ano, a Casa Santos Lima ainda irá dar muito que falar. O mercado nacional, outrora pouco relevante na organização, vai ser alvo de maior atenção para o futuro, uma boa notícia para os enófilos nacionais. A ingressão comercial nos Estados Unidos está a correr tão bem que o mercado americano será já este ano o maior da casa. Há por isso ainda muito espaço para crescer. Nada que faça José Luís Oliveira da Silva ficar com mais alguns cabelos brancos: o líder de toda esta operação já está habituado a desafios complicados e provou que sabe como os conseguir superar. Mas, refere ele, “há mais de 20 anos, não imaginava estar onde estamos hoje. Foi acontecendo…”
Os Corvos de Lisboa
Às oito da manhã do passado dia 24 de Agosto, pudemos assistir a uma das vindimas mais ‘sui generis’ deste país. Presentes o vereador da Câmara Municipal de Lisboa (CML) José Sá Fernandes, de tesoura na mão, e o líder da Casa Santos Lima, José Luís Oliveira da Silva, representando, respectivamente, a entidade proprietária da vinha (a CML) e a empresa que a explora. Estamos na chamada Vinha do Aeroporto e o vinho que dela sairá também já tem nome: Corvos de Lisboa.
Os próprios vindimadores estavam surpresos com a actividade constante dos aviões que aterravam ali ao pé, a menos de um quilómetro de distância. Mais perto ainda, o trânsito da congestionada 2ª Circular ajudava a criar um ruído ambiente que certamente contrasta com a calma a que estão habituados os vindimadores presentes, vindos da zona de Alenquer.
Toda a uva foi apanhada nesse dia, recolhendo-se cerca de 15 toneladas de Arinto, Tinta Roriz e Touriga Nacional, dos dois hectares de vinha. “E até poderia ser mais, mas a passarada (pombos bravos, rolas, estorninhos, entre outros) fartou-se de comer uvas”, dizia-nos José Vicente, um dos dois jovens técnicos que orientavam os trabalhos de vindima, realizados por uma equipa de 20 pessoas. João Duarte era o outro.
As uvas foram para a adega da Casa Santos Lima, ao pé da Aldeia Galega da Merceana, onde foram vinificadas. Esta é a segunda vindima e o vinho proveniente da primeira estará prestes a sair para o mercado (e para CML, que vai ficar com uma parte). Esta vinha tem ainda sido usada como educação para crianças e idosos. Neste último grupo, por exemplo, têm surgido reacções muito interessantes de gente que há muitas décadas não pisava uma vinha e ali teve hipótese de regressar, nem que seja por momentos, a felizes tarefas de infância em outros lugares do país. Só isso já faz valer a pena ter plantado esta vinha…
6 perguntas a José Luís Oliveira da Silva
A Casa Santos Lima tem vindo a crescer ano após ano. Quais são os factores chave para conseguir singrar em mercados tão competitivos?
Procuramos surpreender o cliente pela positiva, entregando uma qualidade acima do que ele esperaria pagar. Isto foi acompanhado de uma política multimarca e multi-região, que suscita mais oportunidades de negócio. Por exemplo, um consumidor que quer provar um vinho do Algarve acaba por provar também outros do portefólio. Depois temos vinhos muito diferentes, graças a mais de 50 castas (só aqui, em Alenquer). Finalmente, a imagem também contribuiu: temos da mais clássica à mais moderna, do popular ao sofisticado. E assim muitas pessoas não se apercebem de que duas garrafas nossas, lado-a-lado, vêm do mesmo produtor.
Que importância tem a viticultura na criação dos preços? E na qualidade dos vinhos?
Muita. Precisamos de escala na viticultura. Para além da área, que é grande, a região de Alenquer tem condições extraordinárias para a produção de uvas de qualidade, com vales que mantêm humidade para a devolver à planta ao longo do ano. E isso permite-nos, por exemplo, não precisar de rega, o que, logo à partida, é uma economia de custos. Esta vantagem é transferida, em termos de preço, para o consumidor final.
A enorme variedade de marcas e vinhos leva a que alguém já tenha dito que “é tudo igual”. Como reage a essas críticas?
Ignoro ou não dou muita importância. Ficaria preocupado se os nossos importadores e consumidores tivessem essa opinião. Pelo número de castas e de operações de adega – altura de vindima, método de vinificação, o tempo e o tipo de estágio (madeira nova ou usada, por exemplo), lote final, etc – fazemos vinhos diferentes, mesmo que o estilo possa ser semelhante. Isso tem sido confirmado em muitos concursos internacionais e em críticas de revistas especializadas. E várias vezes contra vinhos que à partida seriam bem mais prestigiados… Por outro lado, o cliente não gosta de ser enganado e se puder comprar qualidade por 10, não vai para o de 20. E se foi enganado uma vez, não volta lá.
No meio do portefólio, onde é que se ganha dinheiro?
Em cada garrafa, da maior produção à mais pequena. Será que eu poderia comercializar milhões de garrafas a 10 euros cada? Poderia, mas não ia vender. Esses vinhos chegam às prateleiras a preços fora do alcance da generalidade dos consumidores. Nós também produzimos vinhos para momentos mais especiais, mas produzimos sobretudo para consumo diário; ora, existem muitos mais dias ‘normais’ do que ‘especiais’. Repare ainda que a imagem de Portugal nos vinhos ainda não é a que desejaríamos. Por isso parto logo em desvantagem. A solução é oferecer melhores vinhos do que os meus concorrentes internacionais, ao mesmo preço.
Se a Quinta da Boavista estivesse em outra região, acha que a sua vida seria mais fácil?
Se a minha estrutura de clientes fosse nacional, seria uma mais-valia. Mas como é sobretudo estrangeira, os nomes das regiões não têm o peso que têm aqui. Nos mercados nórdicos, por exemplo, o vinho português que mais vende não é do Alentejo ou do Douro.
Se o consumidor estrangeiro não liga às regiões, porquê estender-se a outras fora de Lisboa?
Porque muitos dos nossos importadores (e eles sabem) nos pediam vinhos de outras regiões. Mas a única que surgiu de minha iniciativa foi o Algarve, por questões pessoais e familiares. As outras foram-me propostas. E posso dizer que somos regularmente confrontados com ofertas em outras regiões, mas não podemos fazer tudo ao mesmo tempo…