BUCELAS, CARCAVELOS, COLARES: A cintura verde de Lisboa

De outros tempos mantêm o nome e o prestígio, mas onde havia tradições agrícolas dominam agora as pressões imobiliárias. Em Bucelas, Carcavelos e Colares, a vinha luta agora pela sobrevivência. Roteiro enoturístico pela cintura verde que enfrenta a maré de betão da zona metropolitana de Lisboa. TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga Em Oeiras, […]
De outros tempos mantêm o nome e o prestígio, mas onde havia tradições agrícolas dominam agora as pressões imobiliárias. Em Bucelas, Carcavelos e Colares, a vinha luta agora pela sobrevivência. Roteiro enoturístico pela cintura verde que enfrenta a maré de betão da zona metropolitana de Lisboa.
TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga
Em Oeiras, um hectare de terra em zona urbanizável pode custar entre um e dois milhões de euros. Que ainda prosperem vinhas é quase inimaginável, mas os terrenos da Estação Agronómica Nacional resistem à pressão urbanística e é aqui que se mantém erguida a bandeira do histórico vinho Carcavelos. Em Colares, há menos de 20 hectares de vinha em chão de areia, em tempos a imagem de marca da região. Até em Bucelas os ecos da expansão urbana se fazem ouvir há já algum tempo. Pode a viticultura resistir na franja de uma grande cidade?
A resposta não é fácil, nem linear, mas os sinais apontam para que sim. Haverá até quem diga que a viticultura, em particular, e a agricultura, em geral, são indispensáveis para conter os delírios urbanísticos e preservar a identidade dos locais. Nos últimos tempos, o processo de extinção dos vinhos da periferia lisboeta parece ter sido travado. Ainda é cedo para cantar vitória, mas as notícias são animadoras.
No que ao enoturismo diz respeito, a proximidade de um grande centro populacional – para mais, no centro da atenção mediática mundial – é um manancial de oportunidades. Resta aproveitar a maré humana que todos os dias desagua em Lisboa e saber cativá-la com propostas interessantes. E este processo parece estar a ser (ainda) mais lento do que o da recuperação do entusiasmo pela vitivinicultura. Normalmente, a prioridade é dada ao vinho e só depois vem o enoturismo. Mas neste cenário, as receitas e notoriedade que se garantem através dos turistas podem ser a verdadeira locomotiva para os vinhos da cintura verde da capital.A região é Bucelas, mas, para quem vai de Lisboa pela A8 ou A9, nem é preciso fazer o caminho todo: A-das-Lebres fica logo ali, junto a Loures. E a Quinta das Carrafouchas está na linha da frente, não só da actividade enoturística como também vitivinícola – num dos seus extremos já cresce uma pequena urbanização. São quatro hectares de vinha (3,5 tinta e 0,5 branca) e um mundo de surpresas que se escondem por trás da longa fachada cor-de-rosa estendida ao longo da estrada.
Entramos por uma sala de provas, com painéis de cortiça para os turistas assinarem e um balcão de madeira africana e pedra que já conta mais de 80 anos. Cá fora, uma extensão do espaço, para dias mais quentes; a seguir um salão para eventos com decoração rústica e onde as mesas redondas são, na verdade, bobinas de cabos eléctricos; no exterior, uma zona coberta limitada por paredes de vidro para apreciar a paisagem de copo na mão. Um dia, essa paisagem incluirá o rebanho de ovelhas saloias, uma espécie em risco de extinção, pastando por ali. As ovelhas já existem, o terreiro está a ser preparado.
É assim nas Carrafouchas: há sempre alguma coisa a ganhar forma. Mas também há sempre alguma coisa a acusar os efeitos do tempo. Nos últimos anos, a propriedade foi ganhando espaços funcionais para o turismo, mas o seu verdadeiro encanto está na profusão de recantos românticos que nos transportam para outros tempos. A construção actual data de 1714, mas já havia edifícios no local antes disso.
Descemos um caminho que bordeja as vinhas e damos de caras com um tanque rodeado em anfiteatro por painéis de azulejo representando as quatro estações. A água chega de uma mina encaixada num retábulo com uma enorme bacia em pedra e mais azulejos do século XVIII (num deles, são bem visíveis enormes garrafas de vinho num recipiente com água – a preocupação com as temperaturas de serviço não são uma modernice!). Mais à frente, um enorme tanque de 20x10m também semi-rodeado de muros ornamentados; colina acima encontramos uma nascente encaixada num pequeno edifício quadrangular, com azulejos, claro. Junto à casa, para lá de uma sebe de cedros, a surpresa de um jardim romântico de planta semicircular. O pátio exterior, com chão em calçada portuguesa e painéis de azulejos na varanda sobranceira. E a surpresa final da bem preservada capela.
Ainda um relance pela adega antiga, com o lagar e os velhos pipos de madeira, antes de regressar à sala de provas. Mesmo às portas de Lisboa, há muito para descobrir. Não esquecendo os vinhos, claro.
QUINTA DAS CARRAFOUCHAS
R. Francisco Franco Cannas, A-das-Lebres, Santo Antão do Tojal
Tel: 917 262 385
Mail: quintadascarrafouchas@gmail.com
Web: www.quintadascarrafouchas.com
A prova de vinhos (dois tintos e um branco, com petiscos regionais) custa 15 euros por pessoa, se incluir visita ao património da quinta o preço passa para 25 euros. Solicita-se marcação antecipada. O proprietário recebe pessoalmente, todos os dias (das 9 às 20h de segunda a sexta, das 9 às 12h e das 18h às 21h aos sábados e domingos).
Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2
AVALIAÇÃO GLOBAL: 17
Há edifícios em volta praticamente em todas as direcções e lá fora, para além dos muros de pedra e dos portões (abertos), há carros a circular, gente que se apressa a caminho sabe-se lá do quê, um supermercado com grandes letreiros. Mas aqui, nos terrenos da Estação Agronómica Nacional, entre oliveiras, cedros e vinhas, um ventinho frio soprando de norte, o brilho do mar cintilando ao longe para lá das colinas, estamos noutro mundo.
Estamos em Oeiras e quase soa a bónus que nestes terrenos cresçam as uvas que mantêm viva a tradição de um vinho generoso à beira da extinção. Mas é assim mesmo. Com 12,5 hectares de vinha (castas: Galego Dourado, Ratinho e Arinto, nas brancas; Castelão e Trincadeira, nas tintas) e duas adegas funcionais, a Câmara Municipal de Oeiras é, neste momento, o único produtor com actividade continuada que faz DOC Carcavelos, o mais esquecido dos nossos grandes vinhos licorosos.
A visita começa na Adega do Casal da Manteiga, instalada num edifício de planta hexagonal que era, a um tempo, infra-estrutura produtiva (abrigava os animais de trabalho e espaços para manteigaria e queijaria) e um local de lazer (a torre que remata o edifício funcionava como pavilhão de caça para o Marquês de Pombal (também conde de Oeiras) e seus convidados. Agora, uma das alas serve de adega, a outra está repleta de barricas, em galerias onde ainda são visíveis as antigas manjedouras em pedra.
Mas é mais abaixo, no vale, que esta dupla função produtiva e de lazer se afirma de forma mais evidente, testemunhando o pensamento pragmático do Marquês e exibindo soluções arquitectónicas e conceptuais que hoje parecem evidentes, mas que teriam o seu quê de revolucionário no século XVIII. A segunda adega, a Adega do Palácio, ocupa um edifício que inclui o recuperado Lagar de Azeite e ambas as infra-estruturas são contíguas ao palácio e seus jardins românticos cruzados pela ribeira da Lage.
Com 70 metros de comprimento e orientação Norte-Sul, a adega auto-ventila-se por acção dos ventos dominantes e a frescura no Verão é assegurada pela mina de água que corre por baixo do chão. Em cima, um telhado “flutuante” deixava espaço para a secagem de cereais, o que funcionava como isolamento natural. As surpresas aparecem por todo o lado – na casa de banho das senhoras, por exemplo (uma parte das instalações alberga escritórios dos serviços da câmara), ainda são visíveis vestígios dos antigos lagares em pedra.
Entre as duas adegas, há quase 1200 barricas e é neste cenário que provamos os vinhos, com a novidade de um Carcavelos tinto (10 Anos) que em breve sairá para o mercado. Cá fora, silêncio e luz. No total, a Quinta do Marquês tem 135 hectares murados. Um oásis de verde no mar de betão.
VILLA OEIRAS
Adega Casal da Manteiga
R. da Mina, Tremês (GPS: 38º 42′ 16,04″ N, 9º 19′ 13,72″ W)
Adega do Palácio Marquês de Pombal
R. Aqueduto 222, Oeiras (GPS: 38º 41’ 34,44” N, W 9º 18’ 52,54” W)
A filosofia de animação turística do Palácio do Marquês está a mudar e, com ela, também os horários e os programas de enoturismo. Para informações actuais, consultar o site da Rota dos Vinhos Bucelas, Carcavelos e Colares (www.rotadosvinhosbcc.com), a Confraria do Vinho Carcavelos (Paulo Rocha: 912 714 554 / 924 014 860) ou a Câmara Municipal de Oeiras (www.cm-oeiras.pt).
Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 1,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 3
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2
AVALIAÇÃO GLOBAL: 17
De uma região que esteve à beira da extinção para outra que também parece ter escapado a esse destino. Em Colares, onde nunca foi fácil fazer vinho, a pressão imobiliária levou ao desaparecimento de muitas vinhas e o sector acabou reduzido a um punhado de produtores. Hoje, há menos de 20 hectares plantados em chão de areia, a imagem de marca destes vinhos feitos em cima do mar. Também aqui, tal como acontece em Bucelas e Oeiras, a natural preocupação com a sobrevivência tem deixado o enoturismo para segundo plano. Mas as coisas estão a mudar e Colares, neste particular, segue na frente.
A Adega Regional de Colares, fundada em 1931, é a mais antiga adega cooperativa do país (hoje tem cerca de 35 sócios) e um destino turístico com movimento muito significativo – são dezenas de visitantes, em média, por dia, levando os números anuais para cima dos 20.000. Mesmo quem chega sem aviso tem acesso à adega dos tonéis, que se estende a partir do espaço da loja ao longo de dezenas de metros. Estão aqui mais de 90 tonéis, o maior dos quais com capacidade para 19.590 litros – a capacidade total é de 700.000 litros. A lista de madeiras (tropicais) usadas nos depósitos é, só por si, um achado: câmbala, macaúba, vinhático…
Se é um enoturista viajado, não se espante se a visão lhe trouxer à memória o Moscatel de Setúbal – o edifício onde se encontra pertenceu, em tempos, à José Maria da Fonseca, que aqui tinha um armazém, e a traça arquitectónica é semelhante à que encontramos em Azeitão. Hoje, a Adega de Colares produz cerca de 100.000 litros anuais (só uma pequeníssima fracção provém de chão de areia, como se imagina; o resto é do chamado chão rijo, terrenos argilo-calcários) e a sua capacidade de armazenamento fala-nos de um passado em que Colares era uma generosa fonte de vinho para todo o país.
A visita guiada leva-nos pelos espaços sociais que estão a ser dinamizados (salas com capacidade para receber até 600 pessoas), pelos jardins e acessos que ligam os vetustos edifícios do complexo murado. E desagua na adega, uma verdadeira montra da evolução tecnológica do sector da vinificação – encontramos, lado a lado, equipamento técnico moderno e antigo (lagares em cimento, depósitos em inox, cubas troncocónicas em madeira com taça para remontagem automática), o que permite explicar a evolução das técnicas ao longo do tempo.
De regresso à loja, podemos optar por uma das várias provas disponíveis no cardápio e saborear o carácter único de uma região cheia de história. É uma bela forma de encerrar o périplo pela cintura verde de Lisboa, porque em nenhum outro lugar ele é tão intenso como aqui, na face Norte da serra de Sintra.
ADEGA DE COLARES
Alameda Cel. Linhares de Lima 32, 2705-351 Colares
Tel: 219 291 210
Mail: geral@arcolares.com
Web: www.arcolares.com
As visitas guiadas (com prova de dois vinhos) custam 15 euros por pessoa e estão sujeitas a marcação prévia e disponibilidade. Mas quem aparecer na loja sem aviso pode sempre dar uma volta pela adega dos tonéis e decidir depois se pretende fazer alguma das provas disponíveis, com preços que vão dos 4 aos 10,65 euros por pessoa. Horário: de segunda a sexta, das 9h30 às 12h e das 14h30 às 17h. Eventos para grupos com preços sob consulta.
Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 1,5
AVALIAÇÃO GLOBAL: 17
ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Não faltam opções para reconfortar o estômago neste périplo pelos arredores de Lisboa e seus sobreviventes vínicos. O carácter cosmopolita da região permite encontrar de tudo um pouco, mas escolhemos três restaurantes que simbolizam outros tantos estilos: o toque regional do Barrete Saloio, em Bucelas; a cozinha mais elaborada da Casa da Dízima, em Paço de Arcos; e a pureza dos produtos do mar do Adraga, na Praia da Adraga. Sempre com bons vinhos a acompanhar. Bom apetite!
BARRETE SALOIO – R. Luís de Camões 28-30A, Bucelas; 219 694 004
CASA DA DÍZIMA – R. Costa Pinto 17, Paço de Arcos; 214 462 965
ADRAGA – Praia da Adraga, Sintra; 219 280 028 / 961 910 833
Edição nº14, Junho 2018
O fascínio de Arruda dos Vinhos

Edição nº12, Abril 2018 Quinta de S. Sebastião A história vínica da Quinta de São Sebastião não é longa, pouco ultrapassando a década. Mas, pelo seu notável percurso, este projecto já fez levantar muito sobrolho, não só pelo sucesso e qualidade dos seus vinhos como pelo constante investimento em vinha. TEXTO António Falcão FOTOS Ricardo […]
Edição nº12, Abril 2018
Quinta de S. Sebastião
A história vínica da Quinta de São Sebastião não é longa, pouco ultrapassando a década. Mas, pelo seu notável percurso, este projecto já fez levantar muito sobrolho, não só pelo sucesso e qualidade dos seus vinhos como pelo constante investimento em vinha.
TEXTO António Falcão
FOTOS Ricardo Palma Veiga
Arruda dos Vinhos é uma região com grandes tradições no vinho, ou não esteja o néctar no nome da vila. E nenhum produtor está tão integrado com Arruda – vinicamente falando – como a Quinta de São Sebastião. De facto, dos casarios da quinta avistam-se a curta distância os meandros de Arruda e António Parente, o proprietário, não esconde o seu amor pela região. Porque foi aqui que escolheu viver e porque foi aqui que decidiu, no início do século, fazer o seu vinho. Nesta terra.
Diz ele no próprio site da empresa: “A minha ligação com a terra vem das memórias de infância, em especial da paixão pelos cavalos, pela sensação de liberdade e pela relação de afinidade que estes exigem. É este o espírito com que me dediquei à produção do vinho da Quinta de S. Sebastião.” Mas existe outro objectivo: “Colocar no mapa a região da Arruda dos Vinhos. Isto é, conquistar o reconhecimento nacional e internacional com vinhos de qualidade inquestionável e com uma identidade própria que só a região da Arruda pode dar. As nossas conversas anteriores mostram bem este sonho do empresário, mais conhecido pela sua actividade na área da produção televisiva, especialmente na ficção e, em particular, telenovelas. O sonho existiu, e, claro, nasceu a obra…
A Quinta de São Sebastião
A quinta é muito bonita e vê-se que a arquitectura original terá séculos de idade. Está, contudo, primorosamente restaurada e preservada. Dos inúmeros imóveis construídos mais tarde constam um picadeiro para treino e exibição de cavalos e um sem-número de boxes para os animais. A sala de provas está exactamente no picadeiro, estrategicamente colocada para se verem os espectáculos de dressage que fazem as delícias dos visitantes. Para aquecer um dia frio que anunciava a Primavera, uma acolhedora lareira enche-nos a alma.
A quinta possui vários anexos, mas, para além do existente no picadeiro, destacamos uma sala com dois lagares de calcário. Não são usados porque a pedra é porosa e acabaria por dar maus odores à sala. E agradecem os milhares de vinhos que por lá estão, judiciosamente arrumados em prateleiras. Coisas antigas, está bom de ver, alguns de produtores locais já desaparecidos. É nesta sala que fazem muitas refeições, das profissionais às que juntam muitos actores e actrizes do panorama televisivo nacional, dois dos quais foram nomeados embaixadores de marcas da casa (Ricardo Carriço e Bárbara Norton de Matos). E já existem mesmo vinhos feitos pelos próprios, com pisa a pé em recipientes de plástico. As garrafas resultantes vão ser vendidas para solidariedade.
Saímos para a rua e o olhar leva-nos para as vinhas adjacentes à quinta. Ficamos imediatamente impressionados pela inclinação da encosta, um cenário pouco comum abaixo do Douro. A encosta termina, no topo, com uma fortificação da época das invasões francesas (Linhas de Torres). Chama-se Forte do Cego, mas também foi conhecido por Forte de S. Sebastião. Mas, reza a história, acabou por tomar o nome da propriedade que ali existe, Casal do Cego, local onde terá habitado a famosa Bruxa de Arruda (curandeira de maleitas e maus olhados e mãe de 19 filhos!). Hoje dominam as silhuetas das torres eólicas e as enormes pás a girar.
Mas vamos às vinhas e aos vinhos, que são o motivo da nossa visita. É um sorridente Filipe Sevinate Pinto que nos recebe. Ele é quem dirige toda a produção da casa.
As vinhas próprias e as dos outros
As vinhas da quinta foram plantadas no inicio do século. O estudo coube ao técnico Tiago Carvalho, que na altura escolheu o encepamento. A maior parte da vinha da quinta está plantada em encosta virada a Oeste, por isso parcialmente protegida da humidade que chega do Atlântico, a cerca de 30 quilómetros a Leste. Filipe disse-nos que têm plantado mais vinha, em terrenos posteriormente adquiridos, ali à volta.
O primeiro vinho data de 2007, mas foi só em 2012 que o projecto começou a tomar um rumo mais sério. Nesta altura eram apenas 60 toneladas de uvas! Este ano já passaram a fasquia do milhão de garrafas (1,1 milhões, para ser mais correcto), o que dará cerca de 1.400 toneladas de uva. Como foi possível? É fácil. À medida que o projecto foi avançando com sucesso, foi necessário adquirir uvas para comportar o aumento nas vendas. Na região nem sequer é difícil arranjar quem produza e as propostas são muitas.
Filipe disse-nos que a parte mais difícil foi mesmo escolher os fornecedores e os locais. E são seis os fornecedores, cada um em seu local. Há vários tipos de solos, incluindo planícies de aluvião, e diversas exposições, altitudes (até aos 450 metros) e diferentes castas. Tudo judiciosamente escolhido, com ajuda de análises aéreas, cortesia do técnico António Cláudio, especialista em microzonagem. Filipe aumentou assim substancialmente a amplitude de terroirs para montar todos os anos um conjunto de vinhos. E não é pouco: falamos de cerca de 80 hectares de vinha exterior à Quinta de São Sebastião (que tem apenas 10 hectares)!
Com os anos, Filipe vai começando a conhecer todas estas parcelas e sabe escolher o que vai para onde. Mesmo considerando que os anos não são todos iguais e existem sempre afinações. Felizmente que os viticultores já estão adaptados às exigências da casa, que os apoia em pontos-chave, como as podas e a produtividade. E a Quinta de São Sebastião tem sempre uma palavra a dizer em novas plantações, especialmente na escolha das castas. O Cercial, por exemplo, é uma casta rara nesta região, mas tem dados bons resultados e não chega o que existe. Mas pode-se optar também por variedades internacionais, como o Sauvignon Blanc, que também nunca chega para as encomendas. Ou o Merlot, que se dá aqui muito bem. Mas, diz-nos Filipe, “não queremos disparar para todo o lado”. Mensagem recebida. Vamos até à adega.
Adega (muito) folgada
Sem querer construir uma adega na própria quinta, António Parente decidiu utilizar na altura um dos três enormes armazéns de um parque instalado na periferia de Arruda dos Vinhos. Que são propriedade sua, de um anterior negócio de máquinas industriais. O parque contém um edifício à entrada que funciona como loja de vinhos, mas todos os equipamentos começaram num dos armazéns que foi embelezado com desenhos nas paredes, cortesia do pintor António Bustorff, amigo da casa. Para além dos vinhos e dos cavalos, António Parente revela assim uma terceira paixão, a arte.
“Isto é o lado pragmático da produção”, revela Filipe ao apresentar a adega, de aspecto espartano. “Temos toda a tecnologia, mas sem excessos.” Não falta, assim, espaço para barricas e para muitas mais cubas.
Filipe disse-nos que, com o aumento na produção, o projecto de vinhos foi crescendo todos os anos e já se estendeu a outro dos armazéns, que foi alvo de isolamento térmico. É aqui que funciona a linha de engarrafamento e rotulagem. E, até 2019, este espaço vai levar mais uma unidade de vinificação, mas ainda não está decidido o que vai acontecer em concreto. “Vai ser o mercado a decidir: se vamos criar uma nova gama, se a expansão das actuais.”
Seja como for, tudo é feito com custos controlados: “O António Parente sabe muito bem o quer e investe de forma sensata”, realça Filipe, que acrescenta: “E eu também não sou gastador.” A adega produz cerca de 15% de rosés, 35% de brancos e o resto vai para tintos.
Os vinhos
O projecto comporta várias marcas, mas assenta fundamentalmente em duas: S. Sebastião e Quinta de S. Sebastião. A primeira, feita em maior quantidade (e a preço mais baixo), usa normalmente um lote contendo uma casta nacional e uma internacional, mas também existe um ou outro monovarietal. “O objectivo é retratar a região”, diz Filipe. Esta gama será também “muito competitiva e pode crescer em valor”, diz Filipe.
Quanto aos vinhos Quinta de S. Sebastião, são feitos exclusivamente com as uvas da quinta, como manda a lei. Mas todos têm um denominador comum: frescura. Ou, se quiserem, acidez. O clima temperado permite, por exemplo, que “na adega não entre um grama de ácido tartárico”, garante Filipe Sevinate Pinto. Os terrenos também não têm falta de água e a prova está que, em 2017, um ano que quase todo o país sofreu com a seca, por aqui esteve-se à vontade. Foi, aliás, um ano de belíssima produção.
Para domar um pouco a acidez e dar um maior volume de boca aos brancos, o enólogo usa regularmente a agitação de borras, operação chamada battonage. Outra vantagem desta intervenção é que se evita o uso de açúcares residuais, que amaciam os vinhos e os tornam mais consensuais. “Temos sido fiéis até agora a esta lógica, mesmo nos vinhos de entrada de gama”, diz-nos Filipe. A boa acidez também dá vinhos longevos e por isso só agora vão começar a colocar os brancos de 2017 no mercado: “Os vinhos agradecem”, garante o técnico. Do que provamos, não podemos concordar mais. Outra dominante nos vinhos, tintos, brancos e rosés, está na excelente ligação à mesa: são vinhos muito gastronómicos.
Do portefólio não conta, contudo, um espumante. Mas Felipe não está desatento: “Está mesmo a pedi-las.”
Em velocidade de cruzeiro
Entre o grupo de produtores de maior sucesso na região de Lisboa, este será dos que tem maior presença no mercado português. Cerca de 60 por cento da produção fica cá. O restante vai para a China, Angola, Brasil, Colômbia ou Canadá. A estratégia é um pouco diferente do normal: “Costumo dizer que nós não exportamos, criamos marca em cada país”, diz Suzana Seabra Lima, a marketing manager da casa. Existem países onde têm, inclusive, embaixadores, figuras públicas que dão a cara pela marca. O projecto está assim em velocidade de cruzeiro e podemos afirmar que António Parente vê o seu sonho em realização. Mas apostamos que está longe de ficar por aqui…
111 Vinhos, o novo espaço de vinhos em Lisboa

Já abriu ao público a 111 Vinhos, um novo espaço em Lisboa para provar, comprar e beber vinho e para petiscar. Fica na Rua da Sociedade Farmacêutica, 20 A, junto ao Marquês de Pombal, e, para além da sala da loja, inclui ainda uma esplanada no pátio de 230 metros quadrados que pode ser alugado […]
Já abriu ao público a 111 Vinhos, um novo espaço em Lisboa para provar, comprar e beber vinho e para petiscar. Fica na Rua da Sociedade Farmacêutica, 20 A, junto ao Marquês de Pombal, e, para além da sala da loja, inclui ainda uma esplanada no pátio de 230 metros quadrados que pode ser alugado para eventos.
Diogo Pereira e Bruno Almeida, proprietários de uma distribuidora, são os rostos por trás do novo projecto, que, na sua página de Facebook, assume como missão “facilitar o acesso, conhecimento e compreensão da riqueza dos vinhos portugueses, bem como das diferenças e especificidades de cada região e suas castas”. Mais informação em www.111vinhos.pt ou facebook.com/111Vinhos. Contactos: 213 540 347 / comercial@111vinhos.pt.
Fulgor lisboeta

O percurso da Casa Santos Lima é, no mínimo, brilhante. Graças a uma gestão cuidada e rigorosa, vem crescendo desde a sua fundação nos tempos modernos, há menos de 30 anos. Com muitos, muitos prémios à mistura… TEXTO António Falcão NOTAS DE PROVA João Paulo Martins FOTOS Ricardo Palma Veiga QUANDO chegámos à Quinta […]
O percurso da Casa Santos Lima é, no mínimo, brilhante. Graças a uma gestão cuidada e rigorosa, vem crescendo desde a sua fundação nos tempos modernos, há menos de 30 anos. Com muitos, muitos prémios à mistura…
TEXTO António Falcão NOTAS DE PROVA João Paulo Martins FOTOS Ricardo Palma Veiga
QUANDO chegámos à Quinta da Boavista, a cerca de 15 quilómetros a leste de Torres Vedras, a azáfama estava no auge, por causa das vindimas. A sede da Casa Santos Lima (CSL) exibe um alargado conjunto de edifícios, onde pontua a recente adega que contrasta, de forma elegante, com os imóveis de traça mais antiga que quase a rodeiam.
José Luís Oliveira da Silva não estava mas chega pouco depois, montado numa moto 4. Tinha acabado de vir das vinhas, controlando trabalhos e verificando maturações.
Ninguém suspeitaria de que estamos a falar de um ex-executivo, com trabalho internacional, transformado em produtor de vinhos. Até 1990, o mundo profissional deste gestor girava à volta da finança. Em grande parte localizado em Londres, uma das maiores praças financeiras mundiais. A partir desse ano, José Luís e uma tia ficaram com esta quinta e o gestor decide mudar de vida.
Do património constavam 60 hectares de vinha, usada sobretudo para fazer vinhos a granel, que por aqui eram produzidos por familiares desde o século XIX. O encepamento tinha pouco interesse para quem quisesse fazer vinhos mais ambiciosos. José Luís ficou assim com um problema: o que fazer? Estudar foi uma das vias, mas a outra foi ouvir quem já estava no mercado há muitos anos. O experiente e pragmático Luís Pato foi, por exemplo, um grande auxílio, que José Luís ainda hoje agradece.
Uma das primeiras resoluções foi assim a completa reestruturação da vinha, com a entrada de novas castas, consideradas mais nobres e com maior interesse enológico. Muitas experiências foram feitas, umas com grande sucesso, outras nem por isso. Mas a filtragem gerou a qualidade.
A área de vinha foi também crescendo e, com ela, foi-se alargando o portefólio ampelográfico. A CSL chegou a ter a maior colecção de monovarietais do país. Hoje a quinta tem 250 hectares e um larguíssimo leque de castas, tintas e brancas. A área de terra também cresceu, claro, e a última ‘grande’ aquisição foi na freguesia da Bemposta, em direcção ao Atlântico. A propriedade não tinha vinha e por isso foram plantados mais 40 hectares. Se tal não fosse suficiente, nestes últimos anos a empresa foi produzindo vinhos em outras regiões do país, através de compra ou parcerias com famílias locais. Hoje, para além de Lisboa, a Casa Santos Lima produz e vinifica no Alentejo, Douro e Vinhos Verdes. E também no Algarve, um dos projectos mais recentes, mas que tem sido dos mais bem-sucedidos. No total, explora directamente cerca de 400 hectares de vinha!
A aposta na internacionalização
Pelo caminho, a Casa Santos Lima foi lançando novos vinhos, abraçando outros mercados. “As coisas foram acontecendo sem qualquer plano”, revelou-nos o homem forte da CSL. Mas começaram bem, com o mercado londrino, onde o gestor fez as primeiras vendas. Rapidamente se estendeu a outros países, conquistando consumidores como poucas empresas do sector. Hoje o portefólio de marcas supera a centena e as vendas os milhões de garrafas. A esmagadora maioria dos vinhos (cerca de 90%) vai para exportação, para perto de 50 países nos 5 continentes. E a Casa Santos Lima é hoje a empresa que mais vinhos certifica na CVR de Lisboa.
Talvez a sua marca principal seja a qualidade geral que os néctares ostentam, apesar de, na sua maioria, serem vinhos de preços bastante acessíveis. A amostra que avaliamos em baixo constitui uma pequena parte do portefólio total e estão todos dentro de segmentos superiores em termos de preço.
A nível internacional, poucos produtores portugueses podem ombrear com a notoriedade que a CSL possui. O sucesso dos vinhos não é o único factor aqui em consideração. A aposta é muito forte em concursos internacionais (milhares de euros anuais) e a CSL tem conseguido ocupar lugares cimeiros no único ranking conhecido de empresas de vinhos de todo o mundo. Em 2016 ficou em 3º lugar, este ano em 2º!
Em termos de vinhos, a CSL tem também lugar de destaque: o seu tinto Valcatrina 2014 ficou em 15º lugar da lista dos 100 mais medalhados, o melhor entre os portugueses e alcançando o primeiro lugar mundial se apenas considerarmos tintos de lote. Outro vinho da casa, o Colossal Reserva tinto 2014, ficou em 25º lugar.
Um feito impressionante se considerarmos que o ranking World Ranking Wines and Spirits é elaborado com base nos resultados dos concursos internacionais de vinhos ocorridos durante o respectivo ano. Quantas mais e melhores medalhas recebem os vinhos de um produtor, mais sobe a posição no ranking desse mesmo produtor. O ranking é elaborado pela Associação Mundial de Jornalistas e Escritores de Vinhos e Licorosos.
Pode argumentar-se que a constante presença nos concursos ajuda (e muito) a esta posição. Ou pode ainda considerar-se que muitos e prestigiados produtores não enviam vinhos para concursos e/ou que alguns que o fazem não enviam os seus melhores e mais caros vinhos. É verdade e abundam esses casos. Mas, não havendo um ranking mais fiável, este é o melhor indicador que conhecemos sobre a valia vínica de uma empresa…
Avançar passo-a-passo
Nada foi feito com grandiosidade ou ostentação. Tanto a(s) adega(s), como a vinha (área e encepamento) foram crescendo à medida das necessidades. Ou seja, não foram feitos investimentos desnecessários. Só em 2014 foi construída a nova adega na Quinta da Boavista e nesta altura está a ser terminado um generoso espaço de armazenamento, com muitos milhares de metros quadrados de área coberta. Pelo meio, José Luís foi usando antigos espaços de armazenamento na região, que levaram remodelações para acomodar muitos milhares de litros de vinho.
A enologia na região de Lisboa está a cargo Diogo Sepúlveda, um jovem técnico que, a julgar pelos produtos, está a liderar uma equipa de adega de grande qualidade. A equipa de campo é também bastante jovem, tal como quase toda a restante equipa, incluindo a bonita e completa loja de vinhos.
Usar o que está bem
Tentamos resumir em pouco espaço uma história com quase 30 anos. Muito mais haveria para contar e certamente muito mais existirá para a frente. Com crescimentos constantes, ano após ano, a Casa Santos Lima ainda irá dar muito que falar. O mercado nacional, outrora pouco relevante na organização, vai ser alvo de maior atenção para o futuro, uma boa notícia para os enófilos nacionais. A ingressão comercial nos Estados Unidos está a correr tão bem que o mercado americano será já este ano o maior da casa. Há por isso ainda muito espaço para crescer. Nada que faça José Luís Oliveira da Silva ficar com mais alguns cabelos brancos: o líder de toda esta operação já está habituado a desafios complicados e provou que sabe como os conseguir superar. Mas, refere ele, “há mais de 20 anos, não imaginava estar onde estamos hoje. Foi acontecendo…”
Os Corvos de Lisboa
Às oito da manhã do passado dia 24 de Agosto, pudemos assistir a uma das vindimas mais ‘sui generis’ deste país. Presentes o vereador da Câmara Municipal de Lisboa (CML) José Sá Fernandes, de tesoura na mão, e o líder da Casa Santos Lima, José Luís Oliveira da Silva, representando, respectivamente, a entidade proprietária da vinha (a CML) e a empresa que a explora. Estamos na chamada Vinha do Aeroporto e o vinho que dela sairá também já tem nome: Corvos de Lisboa.
Os próprios vindimadores estavam surpresos com a actividade constante dos aviões que aterravam ali ao pé, a menos de um quilómetro de distância. Mais perto ainda, o trânsito da congestionada 2ª Circular ajudava a criar um ruído ambiente que certamente contrasta com a calma a que estão habituados os vindimadores presentes, vindos da zona de Alenquer.
Toda a uva foi apanhada nesse dia, recolhendo-se cerca de 15 toneladas de Arinto, Tinta Roriz e Touriga Nacional, dos dois hectares de vinha. “E até poderia ser mais, mas a passarada (pombos bravos, rolas, estorninhos, entre outros) fartou-se de comer uvas”, dizia-nos José Vicente, um dos dois jovens técnicos que orientavam os trabalhos de vindima, realizados por uma equipa de 20 pessoas. João Duarte era o outro.
As uvas foram para a adega da Casa Santos Lima, ao pé da Aldeia Galega da Merceana, onde foram vinificadas. Esta é a segunda vindima e o vinho proveniente da primeira estará prestes a sair para o mercado (e para CML, que vai ficar com uma parte). Esta vinha tem ainda sido usada como educação para crianças e idosos. Neste último grupo, por exemplo, têm surgido reacções muito interessantes de gente que há muitas décadas não pisava uma vinha e ali teve hipótese de regressar, nem que seja por momentos, a felizes tarefas de infância em outros lugares do país. Só isso já faz valer a pena ter plantado esta vinha…
6 perguntas a José Luís Oliveira da Silva
A Casa Santos Lima tem vindo a crescer ano após ano. Quais são os factores chave para conseguir singrar em mercados tão competitivos?
Procuramos surpreender o cliente pela positiva, entregando uma qualidade acima do que ele esperaria pagar. Isto foi acompanhado de uma política multimarca e multi-região, que suscita mais oportunidades de negócio. Por exemplo, um consumidor que quer provar um vinho do Algarve acaba por provar também outros do portefólio. Depois temos vinhos muito diferentes, graças a mais de 50 castas (só aqui, em Alenquer). Finalmente, a imagem também contribuiu: temos da mais clássica à mais moderna, do popular ao sofisticado. E assim muitas pessoas não se apercebem de que duas garrafas nossas, lado-a-lado, vêm do mesmo produtor.
Que importância tem a viticultura na criação dos preços? E na qualidade dos vinhos?
Muita. Precisamos de escala na viticultura. Para além da área, que é grande, a região de Alenquer tem condições extraordinárias para a produção de uvas de qualidade, com vales que mantêm humidade para a devolver à planta ao longo do ano. E isso permite-nos, por exemplo, não precisar de rega, o que, logo à partida, é uma economia de custos. Esta vantagem é transferida, em termos de preço, para o consumidor final.
A enorme variedade de marcas e vinhos leva a que alguém já tenha dito que “é tudo igual”. Como reage a essas críticas?
Ignoro ou não dou muita importância. Ficaria preocupado se os nossos importadores e consumidores tivessem essa opinião. Pelo número de castas e de operações de adega – altura de vindima, método de vinificação, o tempo e o tipo de estágio (madeira nova ou usada, por exemplo), lote final, etc – fazemos vinhos diferentes, mesmo que o estilo possa ser semelhante. Isso tem sido confirmado em muitos concursos internacionais e em críticas de revistas especializadas. E várias vezes contra vinhos que à partida seriam bem mais prestigiados… Por outro lado, o cliente não gosta de ser enganado e se puder comprar qualidade por 10, não vai para o de 20. E se foi enganado uma vez, não volta lá.
No meio do portefólio, onde é que se ganha dinheiro?
Em cada garrafa, da maior produção à mais pequena. Será que eu poderia comercializar milhões de garrafas a 10 euros cada? Poderia, mas não ia vender. Esses vinhos chegam às prateleiras a preços fora do alcance da generalidade dos consumidores. Nós também produzimos vinhos para momentos mais especiais, mas produzimos sobretudo para consumo diário; ora, existem muitos mais dias ‘normais’ do que ‘especiais’. Repare ainda que a imagem de Portugal nos vinhos ainda não é a que desejaríamos. Por isso parto logo em desvantagem. A solução é oferecer melhores vinhos do que os meus concorrentes internacionais, ao mesmo preço.
Se a Quinta da Boavista estivesse em outra região, acha que a sua vida seria mais fácil?
Se a minha estrutura de clientes fosse nacional, seria uma mais-valia. Mas como é sobretudo estrangeira, os nomes das regiões não têm o peso que têm aqui. Nos mercados nórdicos, por exemplo, o vinho português que mais vende não é do Alentejo ou do Douro.
Se o consumidor estrangeiro não liga às regiões, porquê estender-se a outras fora de Lisboa?
Porque muitos dos nossos importadores (e eles sabem) nos pediam vinhos de outras regiões. Mas a única que surgiu de minha iniciativa foi o Algarve, por questões pessoais e familiares. As outras foram-me propostas. E posso dizer que somos regularmente confrontados com ofertas em outras regiões, mas não podemos fazer tudo ao mesmo tempo…
