2020

É um número bem redondinho, o do ano que agora se inicia. E como é natural, todos esperam ou desejam que o novo ano seja melhor do que o anterior. Ao nível individual, as previsões não fazem sentido. “Prognósticos, só no final do jogo”, como dizia o outro. Mas sectorialmente, podemos sempre descortinar tendências. No […]
É um número bem redondinho, o do ano que agora se inicia. E como é natural, todos esperam ou desejam que o novo ano seja melhor do que o anterior. Ao nível individual, as previsões não fazem sentido. “Prognósticos, só no final do jogo”, como dizia o outro. Mas sectorialmente, podemos sempre descortinar tendências. No que vinho diz respeito, aqui deixo o meu contributo sobre o que podemos esperar de 2020.
Luís Lopes
Espumantes. As bolhas parecem estar, finalmente, a conquistar o coração e a boca dos portugueses. O mercado pede mais espumante e praticamente todos os produtores procuram incluí-lo no seu portefólio. Muitos esquecem, no entanto, que o espumante é um produto altamente especializado em termos de vinha, cave, equipamento e know-how. E que para se alcançar um patamar elevado, para além desses requisitos, é preciso dar-lhe tempo. E tempo é dinheiro. Porém, para quem quer um bom espumante a um preço muito acessível, o método “cuba fechada” é sempre uma boa solução, e com tendência para crescer.
Diferença. O consumidor de nicho ambiciona ser reconhecido enquanto tal. E para isso, nada como beber diferente. De tal forma o “conhecedor” valoriza a singularidade que, em alguns casos, a qualidade deixa de ser importante. Mas a qualidade e diferença são compatíveis e estão disponíveis no mercado, basta escolher os produtores que não abdicam da primeira para ter a segunda. Para atingir o factor distintivo tão valorizado no consumo de nicho, toda a diferença serve: altitude, atlântico, castas raras, orgânico, vegan, “natural”, talha, branco de curtimenta ou branco de tintas, pet nat. Separar o trigo do joio, é o desafio para o apreciador.
Marcas. O mercado não vive dos nichos. A esmagadora maioria dos consumidores quer beber vinho, não estatuto. Com as prateleiras inundadas de marcas e designativos, o cliente que procura ir além dos exclusivos super promocionados dos hipermercados, tentará defender-se com aquilo que conhece e que, normalmente, não o desaponta. As marcas que fizeram nome assente na consistência qualitativa e na boa comunicação, vão ser cada vez mais um porto seguro no revolto oceano de vinho. E fazer marca, construir marca, será também a forma dos produtores se defenderem e garantirem o futuro.
Aquisições. Para quem produz, o negócio tornou-se muito competitivo e difícil. Para ganhar dinheiro, dentro e fora de portas, é preciso ser-se muito talentoso e muito profissional. E mesmo para aqueles que são tudo isso, frequentemente, falta músculo financeiro. Um número considerável dos agentes do sector do vinho, em Portugal, arruma-se em dois tipos: os amadores, que não vivem de e para o vinho; e os de média dimensão, nem tão pequena que permita viver do mercado de nicho, nem suficientemente grande para alcançar economia de escala e capacidade de investimento. A solução é vender. Há muitos negócios, propriedades e marcas apetecíveis que irão mudar de mãos em 2020.
Sub-regiões. Afinal, elas existem. Depois do grito do Ipiranga dado por Monção e Melgaço, os produtores de outras sub-regiões começam a perceber a mais valia que pode haver na afirmação identitária de uma unidade geográfica mais pequena. E a pouco e pouco, as sub-regiões vão aparecendo nos rótulos e na comunicação empresarial: Lima e Baião, nos Vinhos Verdes, Douro Superior, no Douro, Portalegre e Vidigueira, no Alentejo, Serra da Estrela, no Dão, são algumas das que já iniciaram esse caminho. E a tendência será sempre o reforço dessas identidades regionais.
Sustentabilidade. É absolutamente incontornável. A consciência ambiental generaliza-se junto de produtores e consumidores. Cada vez mais, os primeiros sentem uma genuína necessidade de introduzir práticas e modelos amigos do ambiente, na vinha e na adega. E cada vez mais, os segundos querem saber que essas medidas são implementadas, mesmo que não estejam dispostos a pagar mais por um vinho “eco-friendly”. Todos somos escrutinados nas nossas acções e comportamentos ambientais. Sem fundamentalismos, que nada trazem de positivo para o ambiente e para o mundo, é bom que assim seja.
Edição nº 33, Janeiro 2020
30 anos não são 3 dias

Neste mês de dezembro de 2019 atinjo três décadas consecutivas de escrita sobre vinhos. Não sei se é muito ou pouco, mas talvez seja o suficiente para poder transgredir a regra de ouro do jornalismo (nunca se tornar o sujeito da notícia) e deixar aqui uma reflexão, tão lúcida quanto possível, sobre a minha passagem […]
Neste mês de dezembro de 2019 atinjo três décadas consecutivas de escrita sobre vinhos. Não sei se é muito ou pouco, mas talvez seja o suficiente para poder transgredir a regra de ouro do jornalismo (nunca se tornar o sujeito da notícia) e deixar aqui uma reflexão, tão lúcida quanto possível, sobre a minha passagem por esta profissão.
TEXTO Luís Lopes
Tenho 58 anos de idade, sou jornalista há 35 e escrevo sobre vinhos há exatamente 360 meses, sem interrupção. Não trocaria esta profissão por nenhuma outra e adorei todos (ou quase todos) os momentos que passei aprendendo, provando, conversando, visitando pessoas, vinhas, adegas, mercados, em Portugal e no mundo.
Ao contrário do que se vê por aí, eu não renego o passado e muito menos procuro reescrever a história, apagando ou omitindo factos e personagens à boa maneira estalinista (nos dias de hoje, com o digital, seria ainda mais fácil fazer desaparecer das fotos os antigos líderes do regime…). Pelo contrário, olho para trás com saudade, respeito e prazer. Orgulho-me de, em 1989, ter fundado a Revista de Vinhos (estão a ver, escrevi o nome e não fui fulminado por um raio…) e ter orientado essa publicação ao longo de quase vinte e oito anos. Tanto quanto me orgulho destes dois anos e meio enquanto director da Grandes Escolhas.
Ao longo da minha vida assisti à ascensão de muitos produtores, castas, técnicas enológicas, perfis de vinho, conceitos, padrões de consumo e modelos de negócio, e ao desvanecer de outros tantos. O meu trajecto profissional permitiu-me conhecer pessoas extraordinárias e criar com algumas delas relações de grande amizade. Aprendi (e continuo a aprender) muitíssimo com todos, desde o viticultor ao enólogo, do produtor ao vendedor na loja. Mas foi junto do consumidor que mais profundos ensinamentos recolhi. Perceber porque é que alguém prefere este vinho àquele é algo que continua a fascinar-me. Entender os mecanismos do gosto e tudo aquilo que condiciona a compra de uma garrafa é, para mim, uma verdadeira paixão.
Cometi erros de avaliação, certamente muitos. A todos os produtores que viram o seu esforço prejudicado por uma prova menos acertada, deixo aqui as minhas desculpas. Acreditem, porém, que sempre procurei escrever e provar com o máximo de concentração, isenção e profissionalismo. A classificação de um vinho encerra sempre alguma subjectividade e, também por isso, exige total sentido de responsabilidade, que deverá estar obrigatoriamente presente quando levamos um copo à boca. Nesse aspecto, estou de consciência tranquila.
Os projectos são feitos de pessoas, e na Revista de Vinhos e na Grandes Escolhas muitas foram aquelas e aqueles que ajudaram a tornar o sonho realidade. Alguns ficaram pelo caminho (ou por vontade própria ou porque a lei da vida não os deixou prosseguir), com outros continuo a trabalhar diariamente. A todos agradeço sentidamente o terem-me ajudado a fazer o que gosto e que espero continuar a fazer por muitos e bons anos, assim leitores e consumidores tenham paciência para me ler e ouvir.
Na última década, sobretudo, muitas vezes me questionaram sobre o que de mais significativo ajudei a mudar ou desenvolver no sector do vinho ao longo da minha carreira. Uma pergunta à qual tenho respondido, invariavelmente, da mesma forma: o progresso é feito de contributos colectivos, não individuais, e o que verdadeiramente me deu gozo foi poder assistir, na primeira fila, à fulgurante caminhada que o Portugal do vinho tem feito desde 1989. De agora em diante, porém, quando surgir a questão a resposta será outra. O contributo de que mais me orgulho, o meu legado, se quiserem, é presente e futuro e não passado: chama-se Mariana, tem 28 anos e é jornalista de vinhos.
Termino como comecei, solicitando a vossa indulgência por desperdiçar espaço editorial desta revista a falar sobre a minha pessoa, coisa que, como sabem todos os que minimamente me conhecem, não é algo que me agrade. Mas enfim, há momentos para tudo, e trinta anos não são três dias.
Edição n.º32, Dezembro 2019
Superior

A parte mais a montante do Douro português desde há muito demonstra ser berço de vinhos brancos e tintos de grande nível, vinhos que unem qualidade e carácter de forma singular e entusiasmante, como agora se viu mais uma vez em Vila Nova de Foz Côa, no Festival do Vinho do Douro Superior. Ainda assim, […]
A parte mais a montante do Douro português desde há muito demonstra ser berço de vinhos brancos e tintos de grande nível, vinhos que unem qualidade e carácter de forma singular e entusiasmante, como agora se viu mais uma vez em Vila Nova de Foz Côa, no Festival do Vinho do Douro Superior. Ainda assim, a regionalite (doença mais comum do que possamos pensar) teima em não reconhecer essa grandeza.
TEXTO Luís Lopes
As regiões vinícolas não são todas iguais, nem têm igual potencial para produzir, de forma recorrente e consistente, grandes vinhos. É por isso que, quando pensamos nos maiores vinhos de França, surgem na nossa mente os nomes de Bordeaux, Bourgogne ou Champagne e não os de Corbières, Cahors ou Saumur; do mesmo modo, em Espanha, pensamos em Rioja ou Ribera del Duero, não nas denominações de origem Ribera del Guadiana, Madrid ou Jumilla; e, já agora, em Itália, a notoriedade de Chianti, Barolo ou Brunello di Montalcino nada tem a ver com a de Sagrantino, Valtellina ou Montepulciano d’Abruzzo. Curiosamente, algumas destas regiões menos conhecidas do enófilo português, são extremamente bem-sucedidas enquanto exportadoras de vinho para todo o mundo. O que evidencia, mais uma vez, que o negócio do vinho é multifacetado, há muitos modelos para chegar ao sucesso e o vinho, enquanto produto, é, felizmente, democrático. Mas isso é outra estória, o tema, hoje, é a capacidade natural de uma região para produzir grandes vinhos.
É sabido que, na mesma zona e, frequentemente, até na mesma vinha, temos parcelas que originam vinhos excelentes e outras, vinhos vulgares. Mais óbvio se torna que, em regiões distintas essas diferenças de consistência qualitativa se avolumem. Isto é natural e não devia ser motivo de disputa regional. O que verdadeiramente me espanta é que, em regiões com várias décadas de provas dadas, com marcas de prestígio mundial e evidente notoriedade junto dos consumidores e opinion makers mais exigentes, a sua capacidade para atingir a grandeza seja constantemente questionada por profissionais do mesmo ofício.
Chamando as coisas pelos nomes. Que diversos enólogos e produtores do Douro manifestem publicamente o seu desprezo global e globalizante pelos vinhos do Alentejo (“são todos iguais”, “são vinhos fáceis”, “é a Austrália de Portugal”, etc.) é algo a que tenho, infelizmente, de me habituar, embora me custe aceitar que alguém avalie dessa forma uma região que, manifestamente, não conhece nem quer conhecer. Mas que profissionais durienses sedeados no Cima Corgo, experientes e de créditos firmados, continuem a afirmar que a sub-região do Douro Superior não está naturalmente vocacionada para produzir vinhos brancos e tintos de primeira grandeza, é algo que só posso atribuir a regionalite aguda (talvez a mesma que em tempos ostracizou o Baixo Corgo e agora já nele vê qualidades e vantagens). Como é que uma zona vitivinícola que viu nascer Barca Velha, Vale Meão, Touriga-Chã, Monte Xisto, Conceito, Vesúvio, Vargellas, Duorum, entre muitas outras marcas de referência, não tem consistência para produzir grandeza? Como é que uma sub-região tão diversa em termos de solos (do xisto ao granito), altitude (do nível do rio aos 750 metros), castas (já viram bem o que a Rabigato está ali a fazer?) pode ser uniformizada desta forma?
O Douro é demasiado complexo, vasto, diverso, para ser amarrado, enquadrado, classificado num estereotipo. Permitam-me um conselho: deixem de lado os preconceitos, mostrem-se superiores a isso, e partam de mente aberta a conhecer os muitos Douro que há por aí. Vão apreciar as surpresas que vos esperam.
Edição Nº26, Junho 2019
Tourigando

É a estrela mais brilhante na constelação das castas tintas portuguesas, impondo-se pela sua qualidade, versatilidade e personalidade. Há, porém, quem veja nela uma uva demasiado impositiva, excessivamente dominadora, podendo mascarar a identidade de uma região. Na verdade, a Touriga Nacional é tudo isso e mais ainda. Se fosse criada uma competição para escolher a […]
É a estrela mais brilhante na constelação das castas tintas portuguesas, impondo-se pela sua qualidade, versatilidade e personalidade. Há, porém, quem veja nela uma uva demasiado impositiva, excessivamente dominadora, podendo mascarar a identidade de uma região. Na verdade, a Touriga Nacional é tudo isso e mais ainda.
Se fosse criada uma competição para escolher a casta tinta autóctone que melhor representasse o Portugal do vinho, a Touriga Nacional nem precisaria de ir a jogo: ganharia, desde logo, por falta de comparência ou desqualificação dos potenciais concorrentes. Que variedades se perfilariam? Bom, as estatísticas iriam impor Aragonez/Tinta Roriz, já que é a uva tinta mais plantada entre nós. Mas quem se atreveria a eleger uma casta espanhola, que o mundo conhece como Tempranillo, para porta bandeira dos vinhos de Portugal? Além de que o escasso número de tintos 100% Aragonez existentes no mercado não dava para constituir uma equipa. Touriga Franca? Grande casta, sem dúvida alguma, para mim a que melhor representa o Douro, mas também não existem assim tantos exemplares estremes, além de que a Franca embirra com as correntes de ar, a altitude, a humidade, em suma, tem as suas exigências quando se trata de viajar. Castelão e Baga, as rainhas, respectivamente, das areias de Palmela e dos argilo-calcários da Bairrada? Não gostam de sair do sofá lá de casa. E a Trincadeira/Tinta Amarela menos ainda. Claro, não devemos esquecer a Alicante Bouschet, e até seria divertido espicaçar o orgulho dos franceses com esta casta que adoptámos, mostrando-lhes que fazemos com ela vinhos que eles, que a criaram, nem em sonhos realizam. Mas, na verdade, não poderíamos ir pelo mundo fora apresentá-la como “nossa”. Das portuguesas mais representativas, resta, portanto, a Touriga Nacional. E, convenhamos, não é pouco.
A uva a que damos a capa e o tema principal da Grandes Escolhas de Maio possui muitos e variados atributos. Em primeiro lugar, a sua óbvia qualidade. A consistência qualitativa desta variedade, na vinha e na adega, é muito grande. Tem as suas fragilidades, como todas (não há castas perfeitas), mas o resultado final é, geralmente, bom. Mais do que ser bom, é bom numa grande diversidade de solos, climas e exposições solares. Casta nascida no Dão, onde revela tudo o que tem, a Touriga adapta-se às múltiplas condições oferecidas pelo Portugal vitícola, mostrando-se tão confortável na atlântica Lisboa como no interior alentejano. A polivalência é outro ponto a seu favor: faz belos tintos, rosés e bases brancas para espumante. E, consoante a forma como a tratamos na vinha, faz vinhos orientados para distintos segmentos de preço, dos €5 aos €50.
Deixei propositadamente para o fim aquele que é o seu principal factor diferenciador, positiva e negativamente: a forte identidade. A Touriga Nacional, quando bem trabalhada (sem extrações excessivas), origina vinhos imediatamente reconhecíveis nos seus aromas e sabores. Discreta, é coisa que ela não é. E frequentemente, mesmo em minoria no lote, domina o resultado final, sobrepondo-se às outras castas, por vezes mascarando o perfil regional com a sua intensidade frutada e floral. Já em tempos o escrevi nestas páginas e não me importo de repetir: prefiro ter 20% de Cabernet num lote de Alentejo “clássico” (com Trincadeira, Alicante Bouschet, Aragonez) do que a mesma percentagem de Touriga a abafar as outras variedades.
A Touriga Nacional é a minha casta favorita? Não, de todo. Mas é a melhor que temos e a mais bem colocada para representar a grandeza vinícola de Portugal. É exuberante, vaidosa, impositiva, egocêntrica? Sim, claro. O Cristiano Ronaldo também.
Edição Nº25, Maio 2019
É o clima, idiota!

A frase célebre da campanha eleitoral de Bill Clinton (“It’s the economy, stupid!”), presta-se a muitas adaptações, e aplica-se quando é necessário reforçar a importância ou evidência de algo que o interlocutor não percebe ou não aceita. O clima está a mudar e não é para melhor. Há quem não admita, há quem não perceba […]
A frase célebre da campanha eleitoral de Bill Clinton (“It’s the economy, stupid!”), presta-se a muitas adaptações, e aplica-se quando é necessário reforçar a importância ou evidência de algo que o interlocutor não percebe ou não aceita. O clima está a mudar e não é para melhor. Há quem não admita, há quem não perceba e há quem esteja a fazer alguma coisa acerca disso.
Tenho 57 anos. Dizem-me que ao longo da minha vida já “assisti” a mais degelo polar do que qualquer geração que me antecedeu. É um pensamento assustador. Mas, por outro lado, o Ártico fica demasiado longe para ter um impacto directo no meu dia a dia…ou não! Os conferencistas do evento Climate Change Leadership realizado no passado mês de Março no Porto (e sobre o qual publicamos um trabalho nesta edição) foram unânimes: as alterações climáticas são absolutamente evidentes nas suas vinhas, nos seus vinhos e consequentemente, nas suas vidas. Estamos a falar, em muitos casos, de empresas centenárias com registos climatéricos de muitas décadas e onde não há memória da sucessão de fenómenos extremos como os que assistimos hoje em dia: incêndios florestais devastadores no Chile e na Califórnia (que queimaram milhares de hectares de vinhedos), vinhas congeladas em Abril na Catalunha, seca em Mendoza (o degelo primaveril na montanha já não gera a água suficiente), granizo intenso e frequente em Champagne. Vagas de calor, escaldão nas uvas, deficiências de maturação e carências de acidez um pouco por todo o lado.
Portugal não escapa, como é evidente. António Graça, investigador da Sogrape, aponta casos concretos: nas últimas duas décadas, na Europa, as zonas climáticas ideais para plantar Chardonnay transferiram-se cada vez mais para norte; no mesmo período, no vale do Douro, a Tinta Roriz tem vindo a aumentar significativamente o pH e a diminuir a acidez. Para continuar com Tinta Roriz, vai ser preciso mudar de clones. “O terroir está aterrorizado”, refere.
O principal problema está nos chamados gases de efeito de estufa , e nomeadamente no CO2, dióxido de carbono. O que fazer? Travar a progressão do CO2, por um lado; e gerir a mudança, adaptando vinhas e adegas. Como aponta Pau Roca, presidente do Office International de la Vigne et du Vin, trata-se de “redefinir o terroir e os modos de produção”. Miguel Torres, enólogo e investigador, patriarca da empresa familiar espanhola, mostra o que está a fazer desde há mais de uma década: reflorestação e preservação de floresta bio diversa (1.500 ha em Espanha, 700ha no Chile); armazenamento, racionalização e reutilização de água; adaptação dos vinhedos mudando bacelos, clones, sistemas de condução, densidade de plantação, sempre com o objectivo primordial de atrasar as maturações; plantação em altitude; recuperação de castas antigas, de maturação tardia, que resistem ao calor e mantém acidez; modificação total das adegas, a caminho da autonomia energética e hídrica; recuperação e reutilização do CO2 emitido pela fermentação; redução do peso das garrafas; renegociação com fornecedores e logística obrigando-os a um caderno de encargos mais “descarbonizado”.
Isto é o que a indústria do vinho (pelo menos, a esclarecida) já tem em marcha. E nós, enquanto consumidores, o que podemos fazer? Muito, a começar por coisas tão simples no nosso dia a dia como seja, por exemplo, rejeitar o plástico, optar por materiais reutilizáveis ou recicláveis, reduzir o desperdício (de água, de alimentos), preferir os vinhos em garrafas de vidro leve, diminuir as viagens de avião, escolher consumir produtos de proximidade.
A qualidade, e mesmo a viabilidade do vinho, depende do clima. Queremos que os nossos netos possam apreciar um vinho do Douro ou do Alentejo tal como nós os apreciamos hoje? Não é uma projecção catastrófica, é uma ameaça real. Há quem não acredite, há quem não se preocupe, há quem faça alguma coisa. E você?
Edição Nº24, Abril 2019
Reserva, mas não tanto

Os chamados “designativos de qualidade” fazem parte da vida de qualquer apreciador de vinho. Escolha, Reserva, Colheita Selecionada, são evidenciados na rotulagem e sugerem estarmos perante um produto de patamar vincadamente superior. Mas, olhando para o que está dentro da garrafa, o que é que o designativo de qualidade nos garante? Bom, na verdade, rigorosamente […]
Os chamados “designativos de qualidade” fazem parte da vida de qualquer apreciador de vinho. Escolha, Reserva, Colheita Selecionada, são evidenciados na rotulagem e sugerem estarmos perante um produto de patamar vincadamente superior. Mas, olhando para o que está dentro da garrafa, o que é que o designativo de qualidade nos garante? Bom, na verdade, rigorosamente nada.
TEXTO Luís Lopes
A Portaria 239/2012, do Ministério da Agricultura, define as “menções tradicionais”, entre elas os designativos Colheita Selecionada, Escolha, Reserva, Reserva Especial, Grande Reserva, Superior, etc. As diferenças entre eles são subtis, mas, basicamente, exige-se que estes vinhos tenham “características organoléticas destacadas” ou “muito destacadas”, ou seja, que a sua qualidade se demarque claramente da média. Em cima desta lei geral, cada CVR (organismo que gere a certificação em cada região) estabelece normas regionais que podendo ser mais restritivas que a lei geral, não podem nunca ser mais permissivas. Além disso, as CVR definem os critérios técnicos para aferir a “qualidade destacada”. Regra geral, passa por esses vinhos obterem mais alguns pontos na câmara de provadores que faz a certificação. Em teoria, tudo certo. O problema é a prática.
Se corrermos as prateleiras das lojas de retalho encontramos inúmeros exemplos de vinhos que ostentam orgulhosamente designativos de qualidade e que são vendidos a preços ridículos. Numa rápida pesquisa online de tintos Reserva até €3, deparei-me com vinhos que vão desde €1,99 (Dão e Tejo) a €2,99 (Alentejo), passando por valores intermédios, €2,29 (Lisboa) e €2,49 (Setúbal e Douro). Convenhamos: alguém acredita que vinhos vendidos a estes preços (IVA incluído!) possuem “qualidade destacada”? Geralmente são vinhos bem feitos, adequados ao valor que se pede por eles, mas, quase sempre, a única coisa que os diferencia de outro vinho do mesmo patamar qualitativo, é o sabor à madeira que lhes foi adicionada.
Os supermercados limitam-se a vender o que lhes é proposto, aos preços que conseguem negociar, os consumidores fazem as suas escolhas e mal nenhum viria ao mundo se tudo a isto se resumisse. Cada qual compra o vinho que quer (ou pode) e o que importa é que lhe saiba bem. O enorme problema são os efeitos colaterais destes Reservas “da treta”. O mais grave, é a banalização dos designativos de qualidade: se tudo merece “qualidade destacada”, então nada há que se destaque. Depois, a desinformação do consumidor: porquê comprar aquele vinho “colheita” por €5 se se pode comprar este “reserva” por €2,49? Acrescente-se a isto a autoviciação das câmaras de provadores: se para ser Reserva basta ter madeira, então só pode ser Grande Reserva um vinho que tiver muita (mesmo muita!) madeira. Finalmente, o descrédito internacional: um comprador que conhece o Reserva espanhol de 3 anos de idade e o Gran Reserva de 5 anos, olha para os Reserva portugueses como uma vigarice. Nos anos 80 estragámos, talvez para sempre, um excelente mercado, a Dinamarca, inundado com “Garrafeiras” miseráveis. É esta a imagem que queremos continuar a dar dos nossos vinhos?
Não há uma forma fácil de resolver isto, mas acredito não podem haver designativos de qualidade sem estágio obrigatório, que pode variar de região para região. Se um Reserva, por exemplo, só puder ser comercializado com dois ou três anos de idade, isso obriga o produtor a utilizar o designativo num vinho verdadeiramente bom, que não pode nunca ser vendido muito barato. Em paralelo, as câmaras de provadores regionais deverão melhorar e afinar o seu critério.
Nenhum produtor é obrigado a utilizar designativos de qualidade. Aliás, muitos dos mais caros e prestigiados vinhos portugueses não lhes fazem menção. Mas quando se envereda por este sistema de classificação, colocando a palavra Reserva (ou outra congénere) no rótulo, era bom que isso significasse alguma coisa.
Edição Nº22, Fevereiro 2019
O vinho tem muitas cores

Edição nº12, Abril 2018 Nunca apreciei extremismos – na política, no futebol, na vida. O vinho faz parte da vida (pelo menos da minha) e é com preocupação que assisto ao veicular de uma certa radicalização do gosto por parte de uma franja de consumidores/comunicadores supostamente exigentes. Tenho duas boas razões para não gostar de […]
Edição nº12, Abril 2018
Nunca apreciei extremismos – na política, no futebol, na vida. O vinho faz parte da vida (pelo menos da minha) e é com preocupação que assisto ao veicular de uma certa radicalização do gosto por parte de uma franja de consumidores/comunicadores supostamente exigentes.
Tenho duas boas razões para não gostar de radicalismos. A primeira, é que os radicais tendem a ver as coisas de forma simplista, a preto e branco, sem outras cores ou tonalidades. Ora, o mundo, a vida, o vinho, são muito mais complexos do que isso. A segunda, é que quem defende uma posição radical não tem, normalmente, qualquer tipo de abertura para acolher a opinião do outro. Para um extremista, existe uma verdade (que é, obviamente, a sua) e um lado certo (que é, naturalmente, o seu), e a mentira e o erro estão com todos os outros que não concordam consigo. Esta predisposição mental aplicada ao vinho é ainda mais difícil de sustentar. Como se existisse o vinho “verdadeiro”, por oposição ao “falso”…
Tendências (modas, se quisermos) sempre as houve no mercado de vinho. Mas nunca, até hoje, se assistiu à diabolização de determinados estilos de vinho ou práticas enológicas, e à censura pública dos seus produtores ou apreciadores. O discurso do vinho “politicamente correcto” é, sobretudo, veiculado por alguns bloggers e produtores e, por muito que me custe enquanto profissional da área, também comunicadores/jornalistas. Os efeitos sentem-se num mercado de nicho, muito longe do país real, mas não são por isso menos preocupantes.
Há poucas semanas, no final de mais um curso da Academia Grandes Escolhas, um dos participantes abordou-me para uns minutos de conversa. A dada altura, arranjou coragem para dizer o que lhe ia na alma: “Sabe, eu bebo vinhos de qualidade há muitos anos e gosto especialmente de tintos encorpados, vigorosos, vinhos com 14 graus e aquele toque da madeira. Mas agora na internet e nos jornais dizem que isso é mau, que os vinhos devem ter pouco álcool e nenhum sabor a madeira, e eu começo a sentir-me deslocado. Sou eu que estou errado e já não sei o que é bom?” Confesso que quase me obriguei a pedir-lhe desculpa pelo comportamento dos outros. Mas, ao invés, disse-lhe que não há vinho “certo” e vinho “errado” e que cada um deve beber o que verdadeiramente lhe dá prazer, sem prejuízo de ir experimentando propostas diferentes, porque a diversidade é uma das mais fascinantes características do mundo do vinho.
Há gente armada em polícia de costumes, a exercer “wine bullying” sobre produtores e consumidores
Ao que isto chegou! Na ânsia de se mostrar muito conhecedora, muito “fora da caixa” e “alternativa”, há gente armada em polícia de costumes e dedicada a exercer “wine bullying” sobre os produtores e consumidores que ainda não “viram a luz”. Esquecendo-se que, se atingirem os seus propósitos e todos começarem a pensar e a beber o mesmo, um dia os vinhos verdadeiramente alternativos serão os que têm 17% de álcool e 36 meses de barrica nova!
Equilíbrio. Numa única palavra, esta é para mim a qualidade mais importante de um vinho. Equilíbrio entre exuberância e contenção, entre corpo e leveza, entre garra e elegância, entre pureza e carácter. E o equilíbrio encontra-se (e encontro-o) em vinhos muito distintos entre si, distintos na origem, no conceito, no estilo. O vinho é uma paleta multicolorida. Não o queiramos reduzir a uma cor só. E, sobretudo, não aceitemos que nos digam que só o amarelo tem nobreza e virtude. O que seria do vermelho, do verde, do azul…
Tejo, os vinhos que faltavam

Editorial Março 2018 O Tejo é rio e é região de vinhos. Uma região diversa, mas com características muito próprias. Uma região que, nos últimos anos, fez nascer um bom número de vinhos de topo, fundamentais para alicerçar uma imagem global de qualidade. Com esses vinhos como bandeira, pode agora apostar na recuperação, comunicação e […]
Editorial Março 2018
O Tejo é rio e é região de vinhos. Uma região diversa, mas com características muito próprias. Uma região que, nos últimos anos, fez nascer um bom número de vinhos de topo, fundamentais para alicerçar uma imagem global de qualidade. Com esses vinhos como bandeira, pode agora apostar na recuperação, comunicação e promoção de uma identidade regional.
Algumas das mais famosas regiões de vinho do mundo têm o seu nome associado ao rio que as atravessa. Ribeira del Duero, em Espanha; Côtes du Rhone, em França; Mosel, Rheingau, Rheinhessen e Nahe, na Alemanha; Napa Valley, nos Estados Unidos da América; ou Mendoza, na Argentina, são apenas algumas das mais importantes. Em Portugal, avultam naturalmente o Douro, o Dão e o Tejo.
Foi nessa tradicional ligação entre rio e vinho que a antiga região do Ribatejo pensou quando, em 2009, resolveu mudar de nome para Tejo, libertando-se de eventuais conotações negativas do “Ribatejo vínico” no mercado nacional. Curiosamente, apesar da mudança, os produtores do Tejo mantêm com o rio uma relação tímida, ao contrário de outras regiões da Europa (incluindo o Douro) que ostentam os seus rios como factor identitário…
Esse distanciamento é tema que me levaria longe e que este espaço editorial não permite desenvolver. Fica para outra ocasião. O importante é focar o gigantesco salto qualitativo dos vinhos do Tejo ao longo da última década. As bases para isso sempre estiveram lá, na verdade. Quem assistiu à descoberta do bom vinho por parte dos consumidores lisboetas, no início da década de 90, lembra-se certamente do furor que nos restaurantes da capital fizeram certos brancos e tintos de marcas ribatejanas, algumas entretanto desaparecidas (D. Hermano, Quinta Grande), outras que hoje regressam ao seu melhor (Falcoaria, Casa Cadaval). Nesse primeiro assomo da qualidade dos vinhos do Tejo, é de inteira justiça recordar a “mão” de João Portugal Ramos, que orientava várias dessas casas. E, também a título de curiosidade, relembrar que uma boa parte desse sucesso inicial assentava em vinhos brancos de Fernão Pires, uma casta de enorme potencial, com forte identidade regional, e que, a meu ver, ainda não recebeu do Tejo toda a atenção que merece… Mais um tema que fica para segundas núpcias.
Em dois ou três anos, os vinhos que faltavam chegaram finalmente
Dos anos 90 até aos nossos dias, o Tejo revolucionou-se na vinha, na adega, na cultura vínica, com a qualidade média a subir em flecha. Porém, fazer bons vinhos a bom preço não chega para potenciar a imagem de uma região. Os vinhos bandeira são essenciais nesse processo e estes, apesar de existirem, eram até há bem pouco tempo em número insuficiente para fazer a diferença. Porém, em dois ou três anos, os vinhos que faltavam chegaram finalmente. Entre marcas mais clássicas e outras mais recentes, o Tejo tem hoje uma dúzia de nomes e vinhos que podem e devem constituir-se como cartão de visita e locomotiva da região. Permitam-me que destaque aqui apenas uma casa, a Companhia das Lezírias, não apenas pela notável transformação ali operada e que conduziu a alguns grandes vinhos, como também pelo facto invulgar de ser uma empresa estatal, ou seja, “de todos nós”, cujo sucesso deveria servir de exemplo para as suas congéneres.
Com qualidade média em alta e um razoável número de vinhos de topo, o que falta agora ao Tejo para obter o pleno reconhecimento do mercado? Arrisco uma sugestão: encontrar denominadores comuns (o rio, a Fernão Pires, lembram-se?), realçar factores pontuais diferenciadores (as vinhas velhas que poucos sabem que existem…), assumir a história (que nada tem que envergonhe, pelo contrário). Em suma, construir, reforçar e comunicar uma identidade. Eu iria por aí.