Luís Pato e Mário Sérgio Nuno: Os amigos da Baga
Há 20 anos, a esmagadora maioria das empresas e produtores apontava a Baga como a razão principal da perda de mercado da Bairrada. Dezenas de variedades entraram então na denominação de origem e a Baga perdeu a posição dominante. Hoje, no entanto, ganhou estatuto de nobreza, é crescentemente utilizada nos vinhos mais cotados da Bairrada […]
Há 20 anos, a esmagadora maioria das empresas e produtores apontava a Baga como a razão principal da perda de mercado da Bairrada. Dezenas de variedades entraram então na denominação de origem e a Baga perdeu a posição dominante. Hoje, no entanto, ganhou estatuto de nobreza, é crescentemente utilizada nos vinhos mais cotados da Bairrada e experimentada fora da região. Globalmente, que motivos encontram para esta alteração na forma de encarar a Baga por parte de produtores e consumidores?
LP – Para responder a isso é preciso contextualizar o momento que se vivia há pouco mais de duas décadas. Logo após a sua demarcação, em 1979, a Bairrada passou a rivalizar com o Dão como as duas mais importantes regiões de vinhos. Uma marca como Frei João era encontrada em todo o lado. Mas o vinho de Baga era fornecido às empresas engarrafadoras pelas cooperativas, que pagavam em grau/quilo. E a cepa de Baga dá bastante uva, pelo que os produtores produziam o máximo possível. E depois, havia outra desvantagem: o vinho tinto era duro, ácido, era preciso esperar por ele, o tinto de Baga não se vendia jovem. O mercado passou a procurar menos Bairrada e as maiores empresas da região apostaram na introdução de castas estrangeiras como a “salvação” do negócio.
Pessoalmente, nunca me incomodei muito com isso. Sempre achei que, independentemente do que cada um plantasse, a economia, o mercado, se encarregaria de resolver o assunto e definir qual o melhor caminho. E a verdade é que resolveu. Hoje estamos a voltar à Baga, como casta diferenciadora e como casta que acrescenta valor. A razão para o retorno à Baga? Aí, sem puxar a brasa à minha sardinha, acredito que os Baga Friends foram os principais responsáveis, individualmente e enquanto organização. O outro impulso para a mudança de atitude em relação à Baga, foi quando se descobriu que a casta podia originar espumantes de grande qualidade.
MSN – Desde que me iniciei como produtor que assisto e participo em colóquios e debates sobre a região e é verdade que a Baga era apontada por muitas das maiores empresas e cooperativas como a desgraça da Bairrada. Algo que nunca entendi, embora reconheça que nós todos, enquanto produtores, tivemos uma quota de responsabilidade na quebra de confiança da região relativamente à Baga. Primeiro, num determinado período, houve uma reestruturação vitícola que se apoiou em enxertos pouco adequados à casta, demasiado produtivos. Por outro lado, a instalação da Sogrape na região, no final dos anos 70, com adega vinificação para rosé (sobretudo), e a pagar bem as uvas, levou os pequenos produtores a entregar a colheita, deixando de vinificar para vender a granel às caves. Muita da melhor Baga desapareceu aí.
LP – Lembro-me que, para esses debates, a Comissão Vitivinícola trouxe grandes nomes da viticultura e enologia francesa, que depois de estudarem as vinhas e os vinhos concluíam, invariavelmente, que a Baga era o caminho. Mas os locais achavam que não, diziam que os franceses não queriam que plantássemos Cabernet e Merlot para evitar a concorrência que lhe iríamos fazer! (risos)
MSN – No entanto, já desde os anos 80 e 90 havia produtores a fazer vinhos de Baga de excelente qualidade. Deixando de lado o caso do Luís e o meu, refiro, entre outros, Casa de Saima, Sidónio de Sousa, Gonçalves Faria, Quinta da Dôna. Isso deveria ser indicador mais do que suficiente de que afinal era possível fazer coisas muito boas com Baga, bastava trabalhá-la na vinha para produzir qualidade e não quantidade. É claro que era muito mais fácil colocar uma vinha a produzir Merlot em quantidade e de forma consistente. Mas isso não nos traria valorização nem futuro. No fundo, sempre faltou uma visão estratégica para a região.
O que mudou? Estou de acordo com o Luís, os Baga Friends foram determinantes na viragem, não porque tenham feito realizações ou eventos especialmente importantes, mas porque deram um sinal de confiança para quem cá estava. E foram (e são) individualmente, exemplos de sucesso com Baga, mostrando que é com esta casta que podemos valorizar economicamente a região.
Como se comporta a Baga na vinha, quais os seus principais defeitos e virtudes?
LP – O principal problema da Baga é o excesso de produção, sobretudo quando enxertada em bacelos vigorosos ou plantada em locais menos adequados. Mas uma coisa é a produção da Baga para tinto, outra é para espumante. Quando utilizada para espumante, a produção “ideal” é completamente diferente. Dez toneladas/hectare, para espumante, não é nada de mais, antes pelo contrário. Mas para fazer um Baga de superior qualidade já não serve.
Para os detractores da Baga, a pior característica da uva é o facto de ter a película fina e apodrecer facilmente com a chuva na altura da vindima, a partir da segunda quinzena de setembro, que é quando está madura. E tudo piora se estiver plantada em terrenos de areia, onde as videiras, carentes, se “embebedam de água”, absorvendo de imediato as primeiras chuvas. Já na argila e calcário, as raízes levam vários dias até receberem a água. Por acaso, neste aspecto, o aquecimento global, até tem ajudado, hoje a chuva no equinócio é mais rara. Mas, mais uma vez, quando se pensa em Baga para fazer espumante, esse problema nem existe, pois as uvas são colhidas muito mais cedo. A maior virtude vitícola da Baga é ser muito resistente ao oídio e ao míldio. É uma casta muito bem adaptada a esta região, foi formatada pela natureza, está aqui há séculos…
MSN – Para mim é inquestionável que a Baga tem um comportamento completamente diferente no argilo-calcário e na areia. A Baga é uma casta de argilo-calcário, de preferência de encosta ou meia-encosta, para não ter problemas de excesso de humidade. Mas muitos desses terrenos foram abandonados por serem difíceis de mecanizar. No início da década de 90, quando veio dinheiro para a vinha, muita gente abandonou a Baga dos terrenos mais complicados de trabalhar e plantou-a nas zonas baixas de areia. Um erro tremendo. Mas isso também se explica pela pequena propriedade, dispersa por muitas parcelas. As pessoas não faziam só vinha, tinham batata, milho. Possuiam um único tractor que servia para tudo, mas não conseguia entrar nas encostas de barro…
Para além da resistência às doenças, uma grande vantagem da Baga, quando plantada nos solos certos, de argila e calcário, é que dificilmente tem problemas de stress hídrico, mesmo nos anos mais secos e quentes. E a Baga resiste muito bem ao escaldão.
O trabalho efectuado ao nível do apuramento dos clones de Baga foi importante para vocês ou, quando plantam uma nova vinha de Baga, preferem confiar na reprodução das melhores cepas das vinhas antigas?
MSN – As duas situações são importantes. Ao longo dos últimos anos, nas vinhas que originam os meus melhores vinhos, tenho feito uma seleção das melhores videiras, para tirar varas e enxertar nas vinhas novas. São cepas que conheço, sei o que dali vai sair. Mas a Estação Vitivinícola da Bairrada tem feito um óptimo trabalho de selecção clonal que eu tenho usado também em algumas plantações. Eu trabalho com algum empirismo, a experiência é importante para mim, mas respeito muito a ciência, não há evolução sem ciência.
LP – A selecção clonal é fundamental para a Baga. E dou um exemplo. Em 1990 plantei a vinha da Quinta do Moinho. E verifiquei que as uvas eram muito mais regulares em termos de maturação, muito mais homogéneas no cacho, do que antes. A história de que a Baga amadurecia mal era também devida a não se ter feito um trabalho de selecção clonal. Infelizmente, nessa época, a Estação Vitivinícola, em vez de trabalhar para melhorar a Baga, seleccionando os melhores clones, por imposição dos agentes económicos entreteve-se a estudar e plantar Cabernet Sauvignon… Quando resolveu apostar na Baga o resultado foi imediato. Sou fiel adepto da selecção clonal, mas não devemos ter só um clone à disposição, devemos poder escolher entre clones mais ou menos produtivos, com bago mais pequeno ou cacho menos fechado, etc.
MSN – Para a região evoluir, é crucial haver um estudo rigoroso sobre a Baga e, nomeadamente, sobre a maturação. Porque o resto, ela tem tudo: cor, corpo, tanino, acidez. Se for feita uma selecção no sentido de obter clones com maturação um pouco mais precoce, para fugir às chuvas, será o ideal. É que ainda há muita vinha de má qualidade na Bairrada. E as pessoas que tem vinhas más de Baga, acham que o problema é da casta, não acreditam que ela pode ser excelente com os clones certos nos locais certos.
Esse é um trabalho que a Estação Vitivinícola deveria desenvolver, orientando os viticultores para clones adequados ao seu modelo de negócio, clones adequados a vinhos tintos e clones adequados a espumantes, estes necessariamente mais produtivos.
O Luis foi o primeiro produtor em Portugal a mencionar as vinhas velhas na rotulagem como elemento diferenciador. Também o Mário Sérgio, desde há muito, comunica as vinhas velhas como mais valia qualitativa em alguns dos seus vinhos. As vinhas velhas da Bairrada, onde a Baga se destaca, fazem realmente a diferença? E porquê?
LP – As vinhas velhas fazem diferença. Primeiro, produzem menos. Depois, são conduzidas num sistema típico da Bairrada, amparadas numa estaca, em que ficam em três dimensões com os cachos dispersos e arejados. Agora, com a mecanização, já ficam em duas dimensões, mais apertadas e por vezes com os cachos sobrepostos. E finalmente, as raízes são mais profundas o que lhes proporciona um superior nível de resiliência. Por exemplo, na Vinha Barrosa as cepas são muito velhas e nos anos de calor extremo ela quase não sente nada…
MSN – Eu acredito que, na vinha velha, o enraizamento profundo é mesmo o factor qualitativo mais importante. É que nem sempre a vinha velha produz pouco… Como o Luís já referiu, há muitos exemplos de vinhas velhas plantadas com porta enxertos que fomentam o vigor e a produção, e que originam fruta de baixa qualidade. Por isso, eu prefiro, de longe, uma vinha nova (15, 20 anos) plantada num local de excelência do que uma vinha velha mal concebida e no local errado. O local, o terroir, é o fundamental.
Como caracterizam, então, o terroir ideal para a Baga?
LP – Em poucas palavras, meia-encosta, solo argilo-calcário e exposição este-sul-poente. A exposição norte é para vinhos brancos.
MSN – Eu também procuro sempre a exposição sul-poente. Da experiência que eu tenho, a Baga de argilo-calcário sofre pouco com o calor, não tem problema em estar virada para o sol. Por vezes, mesmo nas épocas mais secas, basta levantarmos umas pedras na vinha e encontramos humidade…
E, na Bairrada, onde estão, em vosso entender, esses locais de excelência?
LP – Para mim, as melhores zonas da Bairrada para fazer grandes tintos de Baga são Silvã, Enxofães, Murtede, Ventosa, Óis, Ancas e também, a zona já a caminho do Luso, Vacariça.
MSN – Os meus locais preferidos são muito coincidentes com os do Luís, acrescentando aí Barcouço, Pisão, e, mais a sul, Ourentã, Cordinhã e Souselas, que originam um estilo de Baga diferente daquele que nós produzimos aqui. Mas dentro destas zonas, há de tudo. Em Ancas, por exemplo, de um lado da estrada temos areia, do outro existe barro. No Pisão, temos aquelas encostas cheias de argilo-calcário, mas também zonas cobertas de areia de pinhal. A heterogeneidade de solos é enorme.
Falemos de adega e de vinho. Aos 72 anos de idade, Luis é desde há décadas apontado como revolucionário. E Mário Sérgio, ainda que mais jovem (54), ganhou notoriedade como conservador/clássico. Apesar dos vossos conceitos e vinhos serem bem distintos chegam aos mesmos consumidores e são valorizados no mercado por essa assinatura de identidade. Em termos de Baga e Bairrada, o que é ser revolucionário ou rebelde, o que é ser clássico ou conservador? Ou colocando as coisas de forma mais simples, como gostam de trabalhar a Baga na adega?
LP – Logo que comecei a trabalhar em vinhos procurei levá-los para fora da região e do país. E percebi que muitos consumidores, gostando dos vinhos, os achavam algo adstringentes e difíceis, só amaciando com a idade. Aí, a minha “rebeldia” foi procurar perceber como tornar a Baga mais redonda e apreciada desde cedo. Eu fazia uma quantidade grande de vinho tinto e não podia esperar dez anos para o vender. Fazendo a monda de cachos para antecipar a maturação fenólica, utilizando o desengace (tirar o lenho do cacho antes da fermentação), com controlo de temperatura, a minha preocupação foi sempre fazer os vinhos mais elegantes. Mas sempre com Baga, não com Merlot! Aí sou um tradicionalista como o Mário! Há dois anos um crítico internacional disse-me que os vinhos que agora faço são tão redondos e elegantes que já não vão durar o mesmo que antes. E eu respondi-lhe que sim, tem razão, agora só vão durar 30 anos e não 40. Mas para mim chega, já cá não estarei! (risos)
MSN – Eu tenho uma dimensão muito menor do que o Luís [28 para 55 hectares de vinha] e trabalho também por isso de maneira diferente. Basicamente, quando comecei a engarrafar, na colheita de 1987, prossegui o trabalho dos meus avós na adega que eles mesmo fizeram. A dimensão é muito importante aqui, determina tudo. E apesar de os meus vinhos serem mais difíceis para os consumidores que os provam pela primeira vez, a minha dimensão permite-me ir ao encontro dos apreciadores que os valorizam precisamente por isso. Acredito que há mercado para todos os estilos, desde que o vinho seja de qualidade. O meu classicismo vem assim de aproveitar o que já havia: manter os lagares, manter o engaço, utilizar para estágio os grandes e velhos tonéis de madeira. Madeira nova, ali não entra! (risos)
Fazem vinhos de Baga há muitos anos e, naturalmente, a experiência e as exigências de qualidade, levam à evolução. Quais foram as principais mudanças que fizeram na vossa forma de trabalhar a Baga?
MSN – No meu caso, claramente, a grande mudança foi feita na viticultura, sobretudo com a monda de cachos. Ainda tive a sorte de trabalhar dez anos com o meu avô, que me ensinou muito, mas quando comecei a deitar cachos para o chão fui quase excomungado. A monda permitiu uma maturação muito mais regular e acabou com aquela história de “em cada década há dois bons anos de Baga”. Os cuidados na vinha fizeram, na Quinta das Bágeiras, a grande diferença. Depois, o facto de termos um alambique para fazer aguardente e, a partir de determinada altura, termos começado a produzir espumante rosé, permitiram fazer duas ou três passagens na vinha em cada vindima, deixando apenas a melhor Baga para os tintos. De resto, em termos de vinificação, houve muito poucas alterações no processo de vinificação desde 1987. Talvez, a utilização de barricas velhas borgonhesas para o estágio do Pai Abel tinto seja a mais relevante. Claro, fomos aprimorando um ou outro detalhe, mas nada de mais.
LP – Quando comei a fazer o vinho em casa da minha sogra, era em lagares. Em 1980 fui a Bordéus e fiquei fascinado com a remontagem mecânica. O pessoal que trabalhava na adega era mais velho do que eu sou hoje e era complicado e até perigoso andarem em cima do lagar. Fiz então os primeiros vinhos em cuba, ainda com engaço. Na vindima de 1985 comecei a desengaçar. Depois, em 1988 iniciei as fermentações com controlo de temperatura. Em 1989, começaram as experiências de monda (apesar dos professores de viticultura serem, na época, contra a monda…) que só ficaram afinadas em 1995. A partir de 2001, comecei utilizar os cachos da monda para fazer espumante branco de uvas tintas. Hoje, os meus tintos são feitos com cepas que tiveram 50 a 70% de monda.
MSN – Para fazer um tinto a sério, a Baga tem de produzir pouco. Por isso, os Bairrada de Baga só podem ser caros…
Mas a Baga não serve só para tintos. Como avaliam o desempenho da casta no espumante e nos rosés?
LP – Na Bairrada podemos produzir uvas de Baga para espumante muito mais baratas do que para um tinto. Assim, em minha opinião, o espumante de Baga pode alavancar o negócio de vinho da Bairrada em todo o mundo. Desde que os agentes económicos não pensem que vender espumante é vender aos preços miseráveis que encontramos no nosso mercado…
O Baga em espumante é uma categoria fantástica para colocar, sobretudo, no mercado externo. Porque lá fora pagam melhor do que cá aquele nível de qualidade. De qualquer forma, mesmo por cá, o espumante Baga já tem um preço médio acima do espumante Bairrada feito de uvas brancas. E tem mais carácter. Assim, eu vejo o espumante Baga como o produto que vai espalhar o nome da casta e a sua origem. É no espumante Baga que vamos conseguir fazer volume, criar massa crítica. Depois, os grandes tintos serão a cereja no topo do bolo.
MSN – Eu utilizo apenas 5 ou 10% de Baga no meu espumante branco de entrada de gama. Todos os outros espumantes brancos Bágeiras são “blanc de blancs”, só uva branca, porque acredito que a Bairrada tem condições extraordinárias para fazer vinhos brancos e bases para espumantes brancos. Por isso, quando penso na Baga em espumante, penso em rosé. Acho que é aí que ela pode expressar melhor as suas qualidades, em termos de fruta e complexidade. Mas ressalvo que, na Quinta das Bágeiras, não temos ainda um histórico que me permita ser definitivo sobre isto. Vamos continuar a experimentar, claro, mas a minha grande aposta com a Baga é o vinho tinto, primeiro, e o espumante rosé, depois.
O grupo Baga Friends foi criado em 2008 com o objectivo de criar um núcleo duro que ajudasse a promover a região e a casta. Como avaliam os resultados obtidos?
LP – Os resultados são visíveis. Acho que os Baga Friends conseguiram inverter a imagem da Baga na região, levámos os outros produtores a reconhecer que afinal a Baga identificava a Bairrada. Hoje, todos querem ter um vinho de Baga.
MSN – Os Baga Friends são, acima de tudo, um exemplo. Assim como eu vi o Luís Pato a fazer monda e resolvi experimentar e avaliar os resultados, também os produtores da região viram este grupo de produtores, com preços médios bem acima dos seus, conquistar notoriedade no mercado nacional e internacional com vinhos de Baga. E acho que mesmo sem fazer muita coisa, porque nós não fizemos muitos eventos ou acções de comunicação, os Baga Friends acabaram por mudar o modo da Bairrada encarar a Baga. E a mudança veio através do seu exemplo individual e colectivo, isso é incontornável.
LP – Até o sucesso do espumante Baga-Bairrada junto dos agentes económicos e consumidores beneficiou da notoriedade que os Baga Friends trouxeram à casta…
Como sabem, desde 2002, numa garrafa que ostenta a denominação de origem Bairrada pode estar um vinho de uma enorme variedade de castas nacionais e internacionais. Nestas condições, qual a melhor forma de destacar e comunicar a identidade da Baga e da região?
LP – Com tanta casta, eu nem sei como uma câmara de provadores regional consegue detectar se é Bairrada ou não… O Bairrada é Merlot, Syrah, Petit Verdot, Baga, Cabernet? Se juntarmos a isto o facto de a Baga, hoje, significar talvez menos na vinha da Bairrada do que as outras castas tintas juntas, pode estar aí a explicação para o meu vinho mais puro de Baga, o Pé Franco plantado em solos de argila e calcário, ter reprovado na câmara de provadores. E não por questões analíticas, por não cheirar a Baga! A enormidade de castas que foi admitida para DOC teve como consequência que um vinho de Baga hoje não é reconhecido pelos provadores regionais.
Quer isso dizer que, por um lado, temos uma maior notoriedade da casta Baga, mas por outro, uma perda de identidade regional devido às muitas castas exógenas admitidas?
LP – Exactamente, sem dúvida alguma.
MSN – Não devia ter acontecido. Até porque a Bairrada tem o que muito poucas regiões têm: a possibilidade de produzir, comunicar e vender várias categorias de produto: espumante, branco, tinto… Não consigo entender porque é que um produtor da Bairrada, sobretudo se for de pequena dimensão, aposta em vinhos elementares de Cabernet, Syrah ou Merlot. Onde vai fazer a diferença? Ainda se for misturado com Baga… Não sou fundamentalista quanto aos varietais de Baga, até porque sabemos que a Bairrada, tradicionalmente, tem outras castas misturadas na vinha, Jaen, Tinta Pinheira, Castelão, Bastardo, etc. Mas comunicar a sua identidade, nesta região, através de uma casta estrangeira? Não percebo.
É possível fazer marcas de volume, na Bairrada, em torno da Baga, ou as características da casta e da região, nomeadamente o minifúndio, tornam isso muito difícil?
LP – É difícil fazer tintos de grande volume na região. A Bairrada vitícola é pequena (bem menor do que era há 15 anos) e os custos de produção da Baga são elevados.
MSN – Na década de 80, as Caves de São João vendiam 600 mil garrafas de Frei João de muito bom nível. O Frei João era uma grande marca associada a uma grande consistência de qualidade. Só que, entretanto, boa parte das vinhas que o sustentavam desapareceram ou foram plantadas outras castas. Hoje, seria impossível fazer Baga de qualidade naquela quantidade. Também por isso, acredito que os tintos de Baga na Bairrada devem ser vinhos especiais, vinhos cuidados e valorizados pela qualidade, carácter e identidade regional.
Há quem diga que, internacionalmente, Baga é mais conhecida que Bairrada, e o Luís Pato até tem alguma “culpa” no assunto. Isso é bom ou mau?
LP – Eu acho que é bom. É que, apesar de poder existir noutras regiões, a Baga é praticamente indissociável de Bairrada. Portanto, quando se fala de Baga, fala-se quase sempre de Bairrada. E a casta tem uma enorme vantagem internacional: é mais fácil de identificar do que a região e é muito simples de pronunciar em qualquer língua. É uma boa marca.
MSN – Nós não temos só Baga na região. Temos outras castas tintas e temos, acima de tudo, vinhos brancos de nível mundial. Mas a Baga é a nossa casta identitária e devemos associar sempre a casta à região. É o mesmo que o Alvarinho. Hoje planta-se Alvarinho em todo o país, mas para o consumidor português, Alvarinho é Monção e Melgaço. E a Bairrada ainda tem a sorte de a Baga ser menos adaptável do que o Alvarinho, viaja pior para outras regiões. Também há Pinot em muito sítio, mas Pinot a sério é Borgonha. Por isso, bem trabalhada, a Baga pode abrir caminho para comunicar a Bairrada e os outros grandes vinhos que aqui fazemos.
Por último, exceptuando os vinhos de ambos, que tintos de Baga escolhem para a vossa mesa?
LP – Os outros vinhos dos Baga Friends (Sidónio de Sousa, Quinta de Baixo, Filipa Pato e Quinta da Vacariça), e também Outrora, Vadio, Kompassus…
MSN – Acho que estamos sintonizados nas escolhas (risos). Mas dentro do estilo que eu mais gosto, acho que se destacam Sidónio de Sousa, Kompassus, Filipa Pato e Outrora.
(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2021)
#17 – Quinta das Bágeiras Garrafeira tinto 2016
vinho da casa #17 – Quinta das Bágeiras Garrafeira tinto 2016
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