Nêspera
TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga A grande virtude da nêspera é ser ruim. Devemos gostar da nêspera como gostamos daquele amigo caprichoso e mal-encarado. Para começar, é um fruto fugaz. Quando damos conta, já foi. Depende do clima e sabemos que o clima está a mudar, mas em Portugal aparecem normalmente só […]
TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTO Ricardo Palma Veiga
A grande virtude da nêspera é ser ruim. Devemos gostar da nêspera como gostamos daquele amigo caprichoso e mal-encarado.
Para começar, é um fruto fugaz. Quando damos conta, já foi. Depende do clima e sabemos que o clima está a mudar, mas em Portugal aparecem normalmente só entre Abril e Maio. Depois, acabou. Até para o ano. Bye, bye. Não comeste, tivesses comido.
Ora, devia haver uma comoção geral quando acaba a época, mas tristemente não é assim. A nêspera entra e sai das lojas e dos mercados sem que se oiça um lamento. Isto tem a ver com o facto de as pessoas comerem a nêspera ainda verde. As pessoas só gostam de coisas viçosas e brilhantes e uniformes, sejam humanos, sejam frutas.
Com a nêspera não é diferente. Mas devia.
A nêspera quer-se madura, já aquele maduro amachucado, vivido, eventualmente bicado de pássaros que sabem o que é bom, que sabem que por trás de uma ruga pode estar uma polpa doce, complexa, que sabe domar a acidez.
Nada se compara a essa experiência na boca e saiba que isso se reflecte no corpo. A nêspera está cheia de vitamina A, betacarotenos e outras coisas que ajudam a baixar o colesterol, a tensão arterial e a prevenir certos tipos de cancro.
Acresce que as nêsperas não são apetecíveis para cultivo intensivo. Lá está, são danadas: de apanhar, de conservar, de vender. Nem as pragas as querem. O que faz com que seja raro apanhar frutos com pesticidas ou inchados de fertilizantes e outros artifícios usados pela indústria, normalmente com prejuízo do sabor.
Ora, isto é impagável e por isso esteja atento. Procure nêsperas feias. Vai ser feliz.
PS: Se está a ler este texto no Norte de Portugal, sobretudo no Minho, é possível que conheça a nêspera por “magnório”. A designação muda também nos Açores, onde há quem lhes chame “mónica”. Mas atenção: existe um outro fruto, parecido, chamado magnório, que é de outra planta — conhecida como nespereira japonesa
Edição Nº13, Maio 2018