Almaviva – Velho e Novo Mundo no Chile

O projecto Almaviva foi pensado de raiz, resultando de uma joint-venture entre o velho e o novo mundo, um château em território chileno; eis Almaviva, um tinto cuja qualidade e consistência não se esquecem. TEXTO Nuno de Oliveira Garcia FOTOS Almaviva Ao contrário da vizinha Argentina, o Chile tinha pouca tradição de vinho até aos […]

O projecto Almaviva foi pensado de raiz, resultando de uma joint-venture entre o velho e o novo mundo, um château em território chileno; eis Almaviva, um tinto cuja qualidade e consistência não se esquecem.

TEXTO Nuno de Oliveira Garcia

FOTOS Almaviva

Ao contrário da vizinha Argentina, o Chile tinha pouca tradição de vinho até aos anos ’80 do século passado. Ainda hoje, o consumo de vinho no país é relativa¬mente residual, apesar da produção ter, entretanto, explodido, fazendo do Chile um dos grandes produtores mundiais (sétimo, mais precisamente). Nos anos 90, muitos produtores passaram a olhar para o Chile, sobretudo para a região de Maipo (não muito longe da capital, Santiago), como um destino dos seus investimentos. Para isso também contribuíam as excelentes condições do país, como sejam terrenos e mão-de-obra pouco dispendiosos, solos relativamente férteis, permitindo boas produções, e um clima tendencialmente mediterrânico, sem muitas oscilações, e temperado por influência do oceano pacífico.
Os dados revelam que em 1995 existiam cerca de vinte adegas e produtores no Chile; agora são praticamente trezentos…

UMA PARCERIA DE SUCESSO

Um dos projectos mais aliciantes desde o início, cuja primeira colheita foi a de 1996, foi o Almaviva, resultado de um acordo celebrado entre a Baronesa Philippine de Rothschild e Eduardo Tagle, ou melhor entre os gigantes empresariais Baron Philippe de Rothschild (França, Bordéus) e Vinícola Concha y Toro (Chile, Maipo). Como é sabido, o grupo Baron Philippe de Rothschild marcou presença vínica em vários países na viragem do século, numa clara política de dispersão de investimentos, quase sempre recorrendo a parcerias com produtores locais (inclusivamente em Portugal), sendo que Almaviva, a par do projeto americano Opus One, tem sido das mais bem-sucedidas.
A influência bordalesa, e a lógica de châteaux (a própria casa da propriedade tem inspiração francesa), foi sempre evidente, predominando no encepamento e no lote (é praticamente um field blend) o Cabernet Sauvignon, sempre maioritário. Igualmente relevante é a presença de Carménère, a casta rainha do Chile (mas francesa de origem), confundida no passado por Merlot. O ‘sal e a pimenta’ ficam a cargo do Cabernet Franc e do Petit Verdot, com a primeira casta a chegar quase aos 10% em algumas colheitas. No solo da propriedade – são 63 hectares em produção dos 68 totais da propriedade – é visível a presença de muita pedra rolada advinda do leite do rio Maipo e a pluviosidade raramente ultrapassa os 200ml. A propriedade, sita em Puente Alto, é muito próxima da vinha que produz outro ícone chileno – Don Melchor – o que atesta a grandeza deste terroir. Igualmente revelador da preponderância francesa, o escoamento dos vinhos é feito quase todo – cerca de 90% – para Bordéus, e daí para o mundo, com cerca de 5% a ser comercializado pela Concha & Toro e outros tanto que fica para consumo interno no Chile e alguns clientes privados muito especiais.

Vinha com a cordilheira nevada em plano de fundo.

NOME DE ORIGEM FRANCESA

Apesar do bonito nome soar espanhol, vem da literatura francesa clássica, pois o Conde de Almaviva era o herói das Bodas de Fígaro, a famosa comédia de Pierre-Augustin Beaumarchais, adaptada para ópera por Mozart. A marca é sinónimo do que melhor se faz no Chile, sendo agraciado com fama e prestígio dentro e fora do seu país. Em viagem que fizemos há algum tempo ao Chile, e na qual percorremos várias regiões, podemos comprovar isso mesmo. Almaviva é porventura o nome mais repetido no Chile quando se pergunta qual o ícone vínico que mais respeita a qualidade e consistência, ao lado de nomes famosos como Don Melchor, Viña Santa Rita Casa Real, Viña Montes Alpha M, Viñedo Chadwick e Lapostolle Clos Apalta.

PROVA VERTICAL: 2015 BRILHOU A GRANDE ALTURA

Recentemente tivemos a oportunidade de fazer uma pequena vertical do vinho a convite do importador nacional, a Luxury Drinks (www.luxury-drinks.pt), empresa que, como o nome indica, é especialista na importação de marcas de renome como Gaja, Ornellaia ou Domínio de Pingus. Das várias colheitas provadas, comprovou-se a excelência do ano 2015 (o vinho obteve 100 pontos na Wine Spectator, atribuídos por James Suckling), um tinto absolutamente sedutor, com uma prova de boca sedosa e leve-mente mineral; um verdadeiro must! A colheita de 2010 revelou-se jovem ainda, ou seja, a dar boas indicações quanto à longevidade da marca. Isto comprovou-se com a prova das colheitas de 1999 e 2000, ainda que estas revelassem um perfil mais bordalês e menos novo-mundista (inclusivamente com um toque de fenol volátil no 1999…). A mais recente colheita no mercado é a de 2016, mantendo um registo muito acessível e prazeroso, de enorme atração, mas sem a complexidade demonstrada no vinho de 2015.

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Edição Nº25, Maio 2019

Romanée-Conti, muito mais do que um vinho

Edição nº11, Março 2018 Passeio da Fama Na Borgonha há muitos produtores que atingiram a fama e o reconhecimento internacional. No entanto, nada se aproxima do prestígio deste domaine, cujo passado se confunde com o nascimento da Europa que hoje conhecemos. TEXTO João Paulo Martins FOTOS Cortesia do produtor Pode não ser o método mais […]

Edição nº11, Março 2018

Passeio da Fama

Na Borgonha há muitos produtores que atingiram a fama e o reconhecimento internacional. No entanto, nada se aproxima do prestígio deste domaine, cujo passado se confunde com o nascimento da Europa que hoje conhecemos.

TEXTO João Paulo Martins
FOTOS Cortesia do produtor

Pode não ser o método mais científico, mas é verdade que a importância de um tema pode ser aquilatada pela quantidade de bibliografia que sobre ele existe. A Borgonha será porventura a região vinícola sobre a qual se escreveu mais, aquela cuja história é tão rica e complexa que já não nos admiramos quando um novo livro sai a público. A história desta zona francesa, outrora autónoma (o Ducado existiu entre 880 e 1482) quando os duques se sobrepunham aos reis e os senhores feudais ditavam leis nas terras e sobre as gentes. A história da Borgonha confunde-se também com a das ordens religiosas (sobretudo nos séc. XII e XIII) que eram as principais detentoras de terra, actuando amiúde como senhores feudais. Beneditinos e Cistercienses disputavam (no verdadeiro sentido da palavra) as terras e o estudo minucioso das parcelas muito ficou a dever a esta rivalidade. Em 1363 o rei João, o Bom, entrega o ducado ao seu filho Philippe, o Audaz, tornando-se uma das personagens mais importantes do séc. XIV.
A parcela conhecida como Romanée-Conti mantém – o que é absolutamente extraordinário – a mesma delimitação desde 1512, pois vem bem indicada na declaração de rendimentos do priorado de Sant-Vivant. O nome pelo qual é conhecida actualmente remonta a 1794. Situa-se na comuna de Vosne Romanée e foi pertença do senhor de Conti, que a adquiriu em 1760. Diga-se que esta não era a única parcela tida como excepcional, uma vez que Jean-Baptiste Legoux (m. 1631) foi o primeiro proprietário conhecido da parcela La Tâche, também ela hoje pertença do Domaine de la Romanée-Conti (DRC).
O domaine é hoje gerido por Henry-Frédéric Roch e Hubert de Villaine, das duas famílias proprietárias. Aubert, em entrevista a uma publicação francesa, disse a frase que acabou por ganhar uma aura mítica: “Eu não sou enólogo, sou apenas o guardião do terroir!” Para além de dar um excelente título para uma entrevista, a frase encerra em si um conceito de vida e um respeito pela tradição que são dignas de nota.
A empresa DRC é proprietária de várias parcelas, umas em posse exclusiva – daí o termo Monopole que aparece na gargantilha das garrafas – como é o caso das parcelas Romanée-Conti e La Tâche, e outras em co-propriedade, detendo uma parte da vinha – como Corton, Richebourg, Romanée Saint-Vivant, Echézeaux Grandes Echézeaux (todos tintos) e Montrachet (branco), todos Grand Cru. A mais recente aquisição foram os 2,8 hectares em Corton, de onde se produzem entre 5 e 8.000 garrafas. Ocasionalmente foram editados vinhos de zonas que não têm aquela classificação, como Vosne-Romanée, editado em 1999 após um interregno de 60 anos, e identificado como 1er Cru Cuvée Duvault-Blochet, em homenagem ao fundador do domaine no séc. XIX. O DRC é ainda detentor de algumas linhas de videiras (linhas é o termo mais exacto) em Bâtard-Montrachet (parcela onde se produz um branco Grand Cru) mas o vinho produzido – em média 600 garrafas – é consumido no domaine entre visitantes e amigos.

Mais de 20 mil euros por garrafa

A parcela Romanée-Conti tem uma área que excede um pouco os 1,8 hectares. A produção, conduzida actualmente em método de agricultura biodinâmica, tem muitas oscilações mas pode ir das 6.535 garrafas (colheita de 1978) às 7.446 em 1990. A produtividade média rondará os 25 hectolitros/ha. A maior parcela do domaine é a vinha de La Tâche (6ha e 38.373 garrafas produzidas na colheita de 1996); a mais pequena é sem dúvida a área de Montrachet (branco), onde o domaine apenas tem 0,67ha do total dos 7,99ha da célebre vinha.
Actualmente, o tinto Romanée-Conti é, de longe, o mais caro vinho do planeta. Jaime Vaz, proprietário da Garrafeira Nacional, em Lisboa, tem (ou tinha, nunca se sabe…) este tinto à disposição dos clientes. Preço? €23.950 por uma garrafa de 1993! Caro? Naturalmente, mas a verdade é que estes preços exageradíssimos são mania recente. Repare-se: em 1963, quando os vinhos da colheita de 61 foram disponibilizados no mercado inglês, o Romanée-Conti estava (a preços convertidos) a 7€ a garrafa e La Tâche a 5,80€ a garrafa. Talvez assim se perceba melhor que Eça de Queiroz fosse consumidor/apreciador deste néctar: era muito bom mas não era incessível, como actualmente acontece.
Fruto de uma enorme especulação e da chegada ao mercado de novos-ricos das nações emergentes – Brasil, China, Rússia, Singapura – dispostos a tudo para terem uma destas garrafas, o vinho ganhou o estatuto de bebida mítica que, infelizmente, deixou de ser para beber mas antes para negociar e para comprar agora para vender mais caro no próximo leilão.
Já tive oportunidade de o provar por três vezes e é difícil fazer uma avaliação. A mais recente prova foi da colheita de 2005, quando foi bebido ao lado do La Tâche, Echézeaux e Romanée Saint-Vivant, também da mesma colheita. Muito bom? Claro, soberbo, glorioso, tudo o que se quiser. Muito diferente dos outros? Aqui tenho de dizer que não, porque a prova foi feita, creio que em 2009, quando, por força da juventude, os vários vinhos não mostravam todas as nuances que a idade lhes traria em termos de hierarquia. Erro nosso? Talvez, mas… nunca sabemos quando é que voltamos a ter a mesma oportunidade e por isso…
Como alguns outros vinhos, este pertence ao restrito grupo dos que há que beber ao menos uma vez na vida. Na minha lista este já tem um “visto”. O problema é que me faltam ainda uma mão-cheia de outros…