A Talha

Depois de décadas de total abandono, em que as talhas de barro serviram a decoração a edifícios particulares e públicos, este vasilhame de barro volta a estar na moda pela mão de vários produtores alentejanos e não só. TEXTO João Afonso O vasilhame da Antiguidade A origem é greco-romana e nestas civilizações tinha várias utilizações […]

Depois de décadas de total abandono, em que as talhas de barro serviram a decoração a edifícios particulares e públicos, este vasilhame de barro volta a estar na moda pela mão de vários produtores alentejanos e não só.

TEXTO João Afonso

O vasilhame da Antiguidade
A origem é greco-romana e nestas civilizações tinha várias utilizações desde a armazenagem e transporte de azeite, cereais e preparados de peixe, à fermentação, acondicionamento e transporte de vinho. As suas capacidades variavam entre várias dezenas a alguns milhares de litros.

A talha em Portugal
Em Portugal houve 3 centros principais de construção artesanal de talhas de barro: S. Pedro de Corval em Reguengos de Monsaraz, Campo Maior e Vidigueira (Vilalva e Cuba). As suas formas variavam consoante a zona de origem e o talheiro executante. Normalmente eram feitas em pequenas séries e cada série demorava cerca de 5 meses a concluir. Depois de concluídas eram besuntadas por dentro com pez derretido.

O vinho de outrora
O vinho de talha era feito de uva branca, tinta ou mistura de ambas. A técnica de fabrico e as partes sólidas da uva utilizadas (película, grainhas e engaços) variava entre regiões. Normalmente eram vinhos simples para beber muito jovens, mas há exemplo de excelentes vinhos de talha extremamente longevos. As diferenças de qualidade eram enormes. Na obra conjunta de António Augusto de Aguiar, Villa Maior e Ferreira Lapa, publicada em 1867, o vinho de talha era criticado, como antiquado…

O vinho de talha do Séc. XXI
Hoje há talhas antigas e modernas, com vários formatos e para vários fins: fermentação, estágio ou ambos, apresentando diferentes níveis de porosidade consoante o tipo de revestimento. E ao lado de vinho modernos de talha de perfil mais frutado e complexo coexistem outros, mais raros, feitos ainda “à moda antiga” que conservam toda a cultura passada. É muito interessante conhecer os dois estilos.“O vinho de talha é principalmente tradição. Se recuarmos às raízes de produção e consumo, era produzido pelas pequenas famílias agrícolas para seu consumo anual. Produzia-se tarde, por vezes em Outubro, e entre o S. Martinho e Natal era o momento em que era mais apreciado. A partir da Páscoa já não havia vinho ou este tinha mais defeitos que virtudes. Para se perceber melhor o que é este vinho, é apreciá-lo quando se “abre a talha”, e o vinho sai da ânfora para o alguidar, sendo bebido de seguida. Na garrafa já não é a mesma coisa. O vinho à saída da talha é o mais ‘verdadeiro’, e, na minha opinião, é ele que representa a tradição.”

* Enólogo – Adega Cooperativa de Borba

Edição Nº23, Março 2019

 

Amphora Wine Day foi sucesso no Rocim

Texto: Mariana Lopes Fotos: cortesia Rocim Dia de São Martinho é dia de abertura das talhas no Alentejo. A 11 de Novembro, celebra-se o momento mais esperado da milenar tradição vivitinícola alentejana, da prática que faz parte do dia-a-dia da população, sobretudo nas zonas mais rurais, a produção do vinho de talha. Até esta altura, […]

Texto: Mariana Lopes
Fotos: cortesia Rocim

Dia de São Martinho é dia de abertura das talhas no Alentejo. A 11 de Novembro, celebra-se o momento mais esperado da milenar tradição vivitinícola alentejana, da prática que faz parte do dia-a-dia da população, sobretudo nas zonas mais rurais, a produção do vinho de talha. Até esta altura, as massas vínicas aguardam pacientemente dentro da ânfora.
Foi para marcar o acontecimento que Catarina Vieira e Pedro Ribeiro organizaram, na Herdade do Rocim, situada entre Vidigueira e Cuba, no Baixo Alentejo, uma autêntica festa do vinho de talha, uma espécie de “open day” onde 23 produtores de todo o país (e até do estrangeiro) e o próprio Rocim partilharam os seus vinhos, vinhos esses que em algum momento do processo de vinificação estiveram dentro de uma ânfora. Porque isto do vinho de talha não é de todo linear, e tem mais diversidade do que se pensa. Quer seja de talhas portuguesas, espanholas, italianas ou de qualquer outra nacionalidade, mais tradicionais ou mais modernas, vinhos só com fermentação no recipiente de barro, só com estágio ou com ambos, em contacto mais ou menos tempo com as películas e engaços, as possibilidades são imensas. Todos os produtores presentes no Amphora Wine Day atestaram esta diversidade, vindos de várias regiões, com alguns estreantes na matéria.

Catarina Vieira e Pedro Ribeiro

É o caso do projecto XXVI Talhas, de Vila Alva, uma pequena freguesia do concelho de Cuba, que embora assente numa antiga tradição familiar, nasceu como marca em 2018 e já tem um branco e um tinto muito interessantes (Branco do Tareco e Tinto do Tareco), de castas antigas do Alentejo. Já a Lusovini esteve no evento com o seu recém-lançado Tapada do Coronel Vinho de Talha, da Serra de S. Mamede, em Portalegre, e até com um vinho de talha do Dão que ainda não está no mercado. Também Joana Santiago deu a provar o vinho Santiago na Ânfora do Rocim, uma colaboração bem-sucedida entre os dois produtores com Alvarinho da região de Monção e Melgaço e ânfora do anfitrião da festança. Dos Vinhos Verdes veio Márcio Lopes com o seu Selvagem, um branco original de antigas vinhas de enforcado e de grande nível. Titan do Douro foi também um nome novo, um vinho de Luís Leocádio. Entre outras novidades estiveram também casas mais experientes no assunto, como Esporão, José de Sousa, Casa Relvas, Adega Cooperativa da Vidigueira, Amareleza, etc. De fora do país vieram Rocco di Carpeneto, de Itália, Sebastien David e Stéphane Yerle, de França, Zorah Wines, da Arménia, e Rendé Masdéu, de Espanha.
Após a prova livre de todos estes vinhos e mais alguns, cerca de uma hora antes do encerramento, deu-se o ponto alto do dia, a abertura das talhas do Rocim, dos vinhos brancos e tintos. Com o cante alentejano em plano de fundo, o público assistiu com entusiasmo enquanto o adegueiro introduziu a torneira de madeira no orifício um pouco acima da base da primeira talha, momentos antes do líquido cristalino começar a verter para uma pequena selha de barro vermelho. À porta da adega, contabilizaram-se mais de 1000 entradas, bem acima das cerca de 850 esperadas, um sucesso que fez justiça à irrepreensível organização.