Grande Prova- Alentejo tinto Potência com elegância: afinal é possível…

Alentejo tinto

Ao pensar num topo de gama do Alentejo, imediatamente no nosso imaginário surgem vinhos poderosos, carnudos, macios e densos. A qualidade nem se coloca em causa, está lá por defeito. Entretanto, existem muito mais estilos nos vinhos que representam a crème de la crème da região. E descobrimos vários nesta prova de mais de cinco […]

Ao pensar num topo de gama do Alentejo, imediatamente no nosso imaginário surgem vinhos poderosos, carnudos, macios e densos. A qualidade nem se coloca em causa, está lá por defeito. Entretanto, existem muito mais estilos nos vinhos que representam a crème de la crème da região. E descobrimos vários nesta prova de mais de cinco dezenas de tintos alentejanos.

Texto: Valéria Zeferino Fotos: Ricardo Palma Veiga

 

Sendo o Alentejo extenso e muito heterogéneo em termos de solos e clima, a diversidade dentro da região é enorme. Para além das zonas quentes e mais áridas, tem o litoral, temperado pela influência atlântica e Portalegre, onde altitude em combinação com um clima continental, confere uma frescura própria aos vinhos. Não é por acaso que nos últimos anos assinalou-se um investimento nesta zona. As serras de São Mamede, do Mendro, de Ossa moldam as condições microclimáticas dos territórios adjacentes. A falha da Vidigueira com escarpas orientadas no sentido Este-Oeste permitem que os ventos do Atlântico empurrem o ar frio, promovendo o arrefecimento significativo do ar à noite. Luís Cabral de Almeida, responsável pela enologia na Herdade do Peso, conta que isto acontece quase todos os anos: as temperaturas de dia podem chegar a 38-39˚C e à noite caem até 15-17˚C o que tem um efeito benéfico na composição das uvas.

O calor e a água (ou falta dela)

O clima quente e seco do Alentejo, em certa medida, beneficia os produtores. Luís Cabral de Almeida que já trabalhou noutras regiões onde a Sogrape tem produção, como o Douro, Dão e até na Argentina, considera o Alentejo uma região consistente, com baixa carga de doenças. Não é por acaso que no Alentejo há muita produção biológica. As características da região e a sua fama junto do consumidor motivam alguns produtores de outras regiões a investir no Alentejo. É o caso do projecto da Symington na Quinta da Fonte Souto em Portalegre e da Costa Boal na Quinta dos Cardeais, entre os mais recentes.

Por outro lado, a seca é capaz de comprometer não apenas a quantidade e a qualidade de uma ou outra colheita, mas colocar em causa a sobrevivência das videiras, pois na falta de água esta não tem forma de buscar os nutrientes do solo e distribuí-los de forma correcta na própria planta. Por isto, a rega é indispensável em muitas partes do Alentejo, sobretudo nos solos mais pobres e com baixa retenção de água.

Contudo, a rega não visa proporcionar à videira um acesso desmedido à água. O equilíbrio da área foliar e rega controlada são essenciais, sublinha Luís Cabral de Almeida. Até à fase do pintor (quando os bagos ganham cor) dá-se água à videira (quando a chuva não vem) para obter os nutrientes do solo, e construir a área foliar para garantir actividade fotossintética. A partir do pintor, limita-se a água, para a videira investir na maturação da fruta.

Por exemplo, o enólogo Pedro Hipólito tem um sistema de rega instalado na Herdade da Mingorra, pronto para qualquer eventualidade, mas nas vinhas velhas não tem sido preciso. Tem 7 talhões que nunca foram regados.

Entretanto, no Alentejo ainda existem vinhas de sequeiro, mas estas encontram-se plantadas em áreas muito especiais. Como conta António Maçanita, há zonas na região, onde as águas freáticas ficam mais perto da superfície, permitindo que as raízes das videiras possam chegar até lá. O produtor e enólogo Luís Louro, que em 2004 iniciou o seu projecto do Monte Branco, também tem algumas vinhas em sequeiro. Estas estão implantadas em solos mais profundos e relativamente férteis, num xisto argiloso, que tem melhor capacidade de retenção do que o xisto normal.

Tudo no sítio e momento certos

As castas certas no sítio certo + momento de vindima + filosofia do produtor: é este o segredo do sucesso. Conseguir potência no Alentejo é fácil, juntar a elegância, às vezes, é um desafio. Nos topos de gama a tentação de criar vinhos poderosos é natural e as principais castas também ajudam. A triologia de Alicante Bouschet, Aragonez e Trincadeira que predominam nos lotes de há 30 anos, proporcionam muita estrutura e potência, diz António Maçanita, enólogo e produtor com projectos em várias regiões do país. Cabernet e Syrah também ajudam à festa. As castas “mais fracas” como Castelão ou Alfrocheiro não são das mais presentes nos topos de gama. Mas há excepções.

Repetindo as palavras de Luís Louro, um vinho é um produto de vinha e filosofia. O principal foco é nas castas certas e na época de colheita. A principal preocupação é “colher maduro, mas nunca sobremaduro”.

António Maçanita partilha a sua experiência, referindo que Castelão, Tinta Carvalha e Alfrocheiro têm muita tolerância para o momento da vindima, enquanto o Moreto não. As castas tânicas como Aragonez, Alicante Bouschet ou Syrah se não forem vindimadas maduras, são verdes e difíceis.

As castas certas por vezes já se encontram numa vinha, sobretudo numa vinha velha bem adaptada ao local e que expressa o seu carácter único. Tivemos alguns exemplos interessantes nesta prova. O Chão dos Eremitas Os Paulistas, da Fita Preta, por exemplo, com as castas (curiosamente, não misturadas, o que facilita a vindima) Tinta Carvalha, Moreto, Castelão, Alfrocheiro e Trincadeira, plantadas há 50 anos.

A Vinha da Ira, da Mingorra, é uma pequena parcela de 2 ha, plantada nos anos 80. É um resultado da selecção massal  de uma vinha mãe da Vidigueira. Chamava-se o Talhão de Alfrocheiro e no início fez muita confusão, porque quando a uva chegava à adega, era óbvio que não se tratava só de Alfrocheiro, até porque tinha muita uva tintureira. Em 2004 fizeram uma biblioteca genética das castas que tinham nesta vinha e estavam lá 12 variedades misturadas, onde 50% era Alicante Bouschet, também Aragonez, Touriga Nacional entre outras. O Alfrocheiro só representa 7% da vinha. Vindima-se tudo junto e o Alicante Bouschet serve de referência para a colheita.

Na Herdade do Peso, da Sogrape, o conceito do vinho Parcelas é diferente do Reserva, ou do Revelado, que têm que ter um determinado perfil. Os vinhos da gama Parcelas podem ter um perfil próprio em função do ano, explica Luís Cabral de Almeida. Por exemplo o Parcelas Block 21 é 100% Alicante Bouschet.

Dos produtores entrevistados, há unanimidade que o futuro passa muito pelas castas de ciclo longo: Touriga Nacional, Petit Verdot, Tinta Miúda, como exemplo.

A filosofia do produtor começa na escolha de terrenos e castas e acaba na abordagem na adega e até no tempo do estágio em garrafa antes de lançar para o mercado. Os produtores como Julian Reynolds ou Luís Louro não abdicam deste estágio o que sempre se reflecte no momento da prova.

Os estilos dos tintos do Alentejo

 Normalmente fala-se de dois principais estilos de vinhos no Alentejo: um clássico (mais balsâmico, com bosque e resinas, com vegetal seco e até uma certa rusticidade) e um moderno, de grande polimento, com fruta mais imediata, mais intensa e mais presente.

Na realidade, o Alentejo é muito mais do que isto. Depois de provar mais de 50 vinhos, eu diria que existem quatro estilos: dois clássicos – um que consegue aliar potência à elegância (vinhos profundos, perfeitos em cada momento de contacto) e outro onde a potência predomina, com vinhos muito extraídos e alcoólicos, mornos e quase doces (secos tecnicamente, mas pela sensação da doçura de fruta sobremadura e muita presença de barrica). Estes últimos são bem-feitos e impactantes, impressionam ao primeiro gole, mas a partir do segundo o entusiasmo diminui.

Nos vinhos de estilo dito “moderno”, também há duas variações. Um é mais sensual e consensual, guloso, com fruta bonita, encorporando normalmente as “castas melhoradoras” no lote, como a Syrah ou Touriga Nacional. Uma espécie de Novo Mundo no Alentejo.

O outro “novo” estilo do Alentejo é uma regressão ao passado, dando protagonismo às castas antigas, com fruta simples e pura, sem o lustro da Touriga ou Syrah. Podem não ser tão consensuais, mas têm muito bom senso na sua essência, são pensados, ensaiados e bem interpretados. São elegantes com estrutura, extremamente precisos e sofisticados.

Com isto não pretendo dizer que tem que se excluir castas ou estilos. Há gostos para tudo. As tendências vêm e vão, e o que é realmente bom acaba por perdurar.

Castas: as nossas, as outras e o Alicante Bouschet

 De acordo com o cadastro da CVR Alentejo, nos últimos dez anos a área de vinha tem crescido, tendo aumentado 4.003 hectares (21%) e em 2021 ocupou 23.277 ha. As castas tintas predominam com 79%. A vinha nas sub-regiões D.O. representa 72% da área total do Alentejo e 74% da produção total de uvas da região.

Nas castas tintas é notória a importância adquirida pelo Alicante Bouschet, que aumenta em área e representatividade na região e, com menor intensidade, também a Syrah e Touriga Nacional. Em diminuição estão as castas Aragonez, Trincadeira e Castelão, que perdem área e expressão na área vitícola.

As castas dividem-se em dois polos principais: portuguesas típicas do Alentejo (Aragonez, Trincadeira) ou vindas de outras regiões como a Touriga Nacional ou Touriga Franca, e estrangeiras como o Cabernet Sauvignon, a Syrah ou o Petit Verdot.

E depois há Alicante Bouschet que é a casta estrangeira mais portuguesa. Entrou no país há mais de 100 anos e ganhou a cidadania e reconhecimento que nunca teve no seu país natal. Luís Cabral de Almeida compara o percurso do Alicante Bouschet em Portugal como o do Malbec na Argentina: ambas as castas são de origem francesa e ambas encontraram a sua expressão máxima nos países de adopção. Hoje, Alicante Bouschet é parte importante da tipicidade dos vinhos do Alentejo e está em franco crescimento na região, sendo a segunda tinta mais plantada.

Para Luís Louro, Alicante Bouschet é uma casta fantástica que conjuga potência e acidez se for colhida a tempo. Tem uma parcela na zona de sequeiro que dá óptimos resultados.

Para Luís Cabral de Almeida, Alicante Bouschet é a garantia de fruta, cor e sabor, mas há que lhe aumentar a complexidade. Considera que não adianta forçar a extracção através de remontagens, por exemplo, pois vai-se extrair o que tem de bruto e agressivo. Prefere aplicar o engaço maduro na fermentação, que confere ao vinho tanino de meio de boca, diferente do tanino da madeira que é mais lateral.

Frederico Rosa Santos sublinha que as uvas de Alicante Bouschet têm de estar bem maduras e muitas vezes só amadurece a parte fenólica com o grau alcoólico alto. Não se dá bem em todo o lado. Mais a sul de Beja é demasiado quente para o Alicante e a ondas de calor em Julho ou Agosto fazem com que não amadureça. Fica bem de Estremoz para cima.

Das castas portuguesas, Aragonez continua a ser a uva mais plantada (com 23% de encepamento), mas não é de todo a mais amada. Muitos produtores reconhecem as suas limitações, começando por ser altamente sensível à produção. Se não for controlada, não consegue amadurecer a parte fenólica e apresenta taninos verdes e duros. Também precisa de amplitudes térmicas significativas.

Pedro Hipólito, enólogo da Herdade da Mingorra, conta que quando temperatura se mantém durante algum tempo acima dos 35˚C, a videira fecha os estomas e deixa de funcionar. Ainda por cima, como se sabe, o Aragonez com o stress hídrico sacrifica folhas o que faz difícil a sua maturação posterior.

Usar o clone certo também é importante. Frederico Rosa Santos conta que quando decidiram plantar Aragonez na propriedade da família, foram buscar o clone de Tinta de Toro num viveirista em Navarra. A vinha, no seu máximo, produz 4 tn/ha.

A Trincadeira, outrora muito popular, mantém-se em 3º lugar com 14,9% de encepamento, mas está a perder posição. Os enólogos são da opinião que com produções elevadas, perde todo o carácter e torna-se muito vegetal, fazendo lembrar um “mau Cabernet do Alentejo”. É capaz de produzir excelentes vinhos mas tem que se descobrir o seu ponto de equilíbrio. A casta também não gosta do stress hídrico, embora o aguente melhor que o Aragonez mas, se for preciso, vai buscar água aos bagos desidratando-os.

Já Luís Louro defende esta casta polémica, afirmando que cada vez gosta mais dela. No lote com Alicante Bouschet tira-lhe a brutalidade. Basta 15% e já se nota a diferença, diz.

A Touriga Nacional é a 5ª casta mais plantada no Alentejo, ocupando 8% de encepamento e com tendência a crescer. Há muitos argumentos a favor, começando por ser de maturação longa o que traz vantagens no Alentejo. Frederico Rosa Santos reconhece que a casta aguenta muito bem a seca, e o bago está sempre túrgido. Aromaticamente agradável, mas às vezes no Alentejo torna-se um pouco enjoativa, com violetas em excesso e canela.

Ainda se fala pouco da Tinta Miúda que representa apenas 0,5% de encepamento da região, mas já há produtores atentos a esta casta. Luís Louro gosta dela porque é poderosa, com concentração e intensidade, é menos rústica do que o Alicante Bouschet, tem classe.

Das castas estrangeiras mais recentes destaca-se claramente a Syrah, cujas plantações têm vindo a crescer e que hoje em dia fica no 4º lugar com 12%.

Frederico Rosa Santos não tem dúvidas que Syrah se dá bem em todo o lado, variando em estilo. Pedro Hipólito repara que até num ano bem difícil como este, teve uma boa evolução. Luís Louro reconhece que é uma casta fácil, melhoradora, mas acha que se impõe muito e tira a identidade aos vinhos. António Maçanita admite que Syrah em monocasta pode expressar o terroir e é capaz de ser interessante, mas no lote marca demasiado. Melhora sim, mas desvirtua o perfil, como a Touriga Nacional.

Embora o Cabernet Sauvignon tenha chegado ao Alentejo mais cedo do que a Syrah e ocupe uma área significativa (4,4% do encepamento, 7ª casta mais plantada) a sua presença está lentamente a diminuir. Faz parte de muitos lotes, mas não identifica a região.

Pedro Hipólito explica isto pelo ciclo do Cabernet Sauvignon ser relativamente curto para o Alentejo. Com um tipo de taninos próprio e o lado herbáceo, a casta necessita de tempo de maturação. E no Altentejo os ciclos estão a encurtar. Antigamente vindimava-se de Setembro até quase início de Outubro e agora começa-se no início de Agosto. O Cabernet pode ter 15% de álcool e continuar vegetal o que de todo não se enquadra no perfil dos vinhos que procuram. Por isto, na Herdade da Mingorra, que fica a 15 km a sul de Beja, numa zona muito quente, acabou-se com o Cabernet Sauvignon.

Frederico Rosa Santos sempre teve reticências relativametne ao Cabernet no Alentejo. É demasiado quente para a casta, acredita. Os bagos relativamente pequenos rapidamente transformam-se em passas. Mas reconhece que em bons anos beneficia alguns lotes.

Uma estrela em ascenção é o Petit Verdot que se dá lindamente no Alentejo e agora ocupa 1,9% da plantação. Para Frederico Rosa Santos foi uma agradável surpresa depois de a ter provado durante um estágio em Bordeaux, onde não tem condições para amadurecer bem a parte fenólica, ficando muito dura e difícil. Por cá, a casta apresenta tanino maduro, sensação de boca e corpo, fica muito mais completa e equilibrada. E pode produzir imenso sem diminuir a qualidade. António Maçanita está de acordo e diz que o Petit Verdot funciona como um relógio suíço, sem problemas sanitários, muito no registo de Alicante Bouschet, ou seja, não marca demasiado, não passa por cima do perfil da região.

Os tintos do Alentejo, como se vê, são em si mesmo um mundo. Feito de corpo, maturação, vigor, mas também elegância, finura, frescura. Os estilos abundam, a qualidade também. É bom que assim seja: nenhum apreciador sai insatisfeito.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2022)

 

Tintos de luxo do Alentejo – Por menos de €30

Tintos do Alentejo

Clássicos ou modernos, com castas portuguesas ou internacionais, os vinhos do Alentejo surpreendem pela qualidade em estilos muito distintos. Demonstram uma diversidade de abordagens enológicas e talento de quem os faz, independentemente de serem produzidos por uma casa familiar, uma grande empresa ou uma adega cooperativa. E dão-nos a possibilidade de aceder a tudo isto […]

Clássicos ou modernos, com castas portuguesas ou internacionais, os vinhos do Alentejo surpreendem pela qualidade em estilos muito distintos. Demonstram uma diversidade de abordagens enológicas e talento de quem os faz, independentemente de serem produzidos por uma casa familiar, uma grande empresa ou uma adega cooperativa. E dão-nos a possibilidade de aceder a tudo isto por um preço sensato.

Texto: Valéria Zeferino

Fotos: Ricardo Palma Veiga

 A região do Alentejo não só contribui com 18% da produção nacional de vinhos (3º lugar a seguir ao Douro e Lisboa) mas também representa a maior quota do mercado, quase 40% em valor e 35% em volume. É por si só uma grande marca.

O Alentejo tem um papel importante na projecção da imagem de qualidade e classe dos vinhos portugueses no palco internacional. Embora não tenha beneficiado da histórica protecção regulamentar do Douro e tenha atravessado várias crises, encontrou o seu caminho para a excelência.

A fama nem sempre traz só coisas boas. Segundo o produtor e enólogo João Portugal Ramos, quando uma região se torna famosa, é sempre um objecto de cobiça, atrai novos investimentos. Por um lado é bom, mas existem dois tipos de operadores. Uns vêm para prestigiar a região, outros  procuram apenas fazer negócio, criando volume sem valor.

Tintos do Alentejo
A região do Alentejo é muito diversa em solos e climas e está dividida em 8 sub-regiões.

Zonas diferentes – qualidade transversal

A região do Alentejo caracteriza-se por 4 zonas distintas – Alto Alentejo mais a norte, Alentejo Central, Baixo Alentejo a sul e Alentejo litoral. Dadas às condições edafoclimáticas e históricas, é dividida em 8 sub-regiões.

Mais a norte, no Alto Alentejo, fica Portalegre situado no sopé da Serra de São Mamede. É bem diferente do resto da região devido a maior altitude – até 700 metros – que se traduz em precipitação abundante (cerca de 800 mm/ano) e maior continentalidade que promove grandes amplitudes térmicas diurnas e anuais. Os solos são maioritariamente de origem granítica com algum xisto. Teve grande impulso e investimento nos últimos 10 anos graças às suas características únicas.

No Alentejo central a serra da Ossa separa duas sub-regiões com tradição vitivinícola bem antiga. A norte fica Borba com maior precipitação e a sul está Redondo, protegida pela serra dos ventos nortenhos. As suas encostas e planícies onduladas são expostas a sul, proporcionando condições climáticas mais quentes e secas.

Junto à cidade de Évora localiza-se a sub-região com o mesmo nome. As vinhas estendem-se em zonas planas, com grande nível de insolação e cerca de 600 mm de precipitação anual.

A este, e até ao rio Guadiana, estende-se Reguengos, também com fortes tradições vitivinícolas. Na margem esquerda do Guadiana fica Granja-Amareleja, na zona com mais horas de sol de Portugal, com Verões muito quentes e dos mais secos de todo o Alentejo. A precipitação anual baixa aos 500 mm, sendo bastante desafiante, sobretudo em condições de aquecimento global.

Mais a sul, já no Baixo Alentejo, encontra-se a sub-região de Moura, a que tem menor área de vinha e também a Vidigueira, desde há muito famosa pela casta Antão Vaz e pela excelência dos seus vinhos brancos. Por muito distintas que sejam, de norte a sul, do litoral ao interior, em praticamente todas as zonas do Alentejo há produtores de topo e marcas conhecidas e respeitadas.

As grandes marcas

Alentejo é uma região de fama relativamente recente, mas tem os seus vinhos de culto e ícones históricos, cujo reconhecimento no mercado enalteceu a imagem da região, e também as estrelas em ascenção que projectam o seu futuro.

A Herdade das Servas, por exemplo, tem uma história ligada à produção de vinho, que abrange mais de três séculos, comercializando os seus vinhos em garrafa a partir de 1940. Na mesma época, já eram famosos os vinhos de talha da casa José de Sousa Rosado Fernandes, adquirida em 1986 pela histórica José Maria da Fonseca.

A história da Mouchão no Alentejo começou nos finais do século XIX com a plantação das primeiras cepas de Alicante Bouschet trazida de França. A construção da adega, iniciada em 1901 assinalou o novo século. Em 1954 foi lançado o primeiro vinho com a marca Mouchão que se tornou um dos ícones da região.

A Tapada do Chaves pode gabar-se de uma história secular, tendo plantado as suas primeiras vinhas em 1901 (castas tintas) e 1903 (castas brancas), e são das parcelas mais velhas no Alentejo, na sub-região de Portalegre.  Há três anos foi adquirida pela outra empresa de grande renome na região – Fundação Eugénio de Almeida. Fundada em 1963, é associada a três grandes marcas portuguesas: Cartuxa, criada ainda na década dos 80, Pêra Manca lançada em 1990, ambos num estilo bem clássico, com castas tradicionais alentejanas. O Scala Coeli surgiu em 2005 para expressar um estilo mais moderno.

Quando sararam as cicatrizes da revolução, na altura dos anos 80-90 aparecem mais marcas emblemáticas.

Em 1985, realiza-se a primeira colheita sob a marca Esporão e desde aquela altura a empresa associa arte ao vinho, convidando artistas portugueses para criar os rótulos dos Esporão Reserva e Private Selection – uma decisão de marketing inovadora na altura. Este ano, a marca Esporão foi reconhecida pela revista Drinks International como uma das 50 marcas de vinho mais admiradas do mundo, ficando em 13º lugar no ranking.

Júlio Bastos, proveniente de uma antiga família produtora de vinhos, assinala esta época com os seus famosos Garrafeiras da Quinta do Carmo (de 1985, 1986 e 1987). A marca hoje pertence à Bacalhôa, mas a partir de 2000 o produtor avança com um novo projecto – Dona Maria

João Portugal Ramos é uma figura incontornável no Alentejo, conhece a região como ninguém. Começou o seu percurso enólogico em 1980. Quando se deu o boom dos vinhos do Alentejo a partir de 1985, prestou consultadoria a várias casas conhecidas da região, e na década dos 90 arrancou com o seu próprio projecto em Estremoz.

Em 1986, Joaquim e Leonilde Silveira plantaram a sua primeira vinha na Tapada de Coelheiros, na zona de Arraiolos. O primeiro vinho chegou ao mercado em 1994 com o rótulo inspirado num tapete de Arraiolos com cenas de caça.

Em 1988 um casal americano-dinamarquês, Hans e Carrie Jorgensen, iniciaram a sua aventura de Cortes de Cima no Alentejo perto da Vidigueira. A Sogrape entra no Alentejo em 1991 e em 1996 adquire a Herdade do Peso para reforçar a sua posição na região promissora. Em 1994 o irreverente Miguel Louro estreou-se com vinhos de carácter desruptivo.

Na viragem do século, surgem os “millennials” da região a fazer uma nova história.

Catarina Vieira, realizando o sonho do seu pai, começou a plantar vinhas no Baixo Alentejo, entre a Vidigueira e Cuba, em 2001, e em 2007 o mercado conheceu a primeira marca da Herdade de Rocim – Olho de Mocho. É uma das casas mais dinâmicas e empreendedoras da reigão.

Em 2004 António Maçanita arranca com a Fita Preta, abraçando projectos desafiantes, criando vinhos com carácter vincado e marcas irreverentes que geram polémica e criam empatia. Em 2005 entra no palco a Herdade da Malhadinha, com os rótulos desenhados pelas crianças da família, e foi construída a adega da Herdade dos Grous, também no Baixo Alentejo.

Do outro lado da região, no Alto Alentejo, no mesmo ano arranca o projecto de Altas Quintas baseado nas vinhas de altitude. Há três anos a família Symington adquiriu esta propriedade com 43 hectares de vinha instalada entre os 490 e os 550 metros nos solos xistosos e graníticos e criou a marca Fonte Souto. Pedro Correia, o enólogo dos “não fortiticados” da Symington, afirma que “aquela zona pouco ou nada tem a ver com o Douro”. Em Portalegre acabaram a vindima apenas em meados de Outubro, quando no Douro já tinham acabado há tempo. Julho, Agosto e Setembro no Douro marcam pelas temperaturas extremamente elevadas e em Portalegre não aquece tanto e as noites estão mais frias.

Tintos do Alentejo
O Alentejo oferece um elevado nível de qualidade aliado a variedade de castas e estilos.

Grandes vinhos dão trabalho

Os vinhos de gama alta e média alta exigem muita atenção por parte dos produtores. A diferença está nas nuances e pormenores, que são infinitos.

O enólogo da Esporão, David Baverstock, afirma que os detalhes são indispensáveis quando se quer produzir grandes vinhos. Desde os cuidados a ter na viticultura à abordagem enológica – tudo em função da parcela e da casta. Os rendimentos não podem ultrapassar 4-5 tn/ha para maioria das castas e 7/8 tn/ha no caso de Alicante Bouschet. A separação das uvas destinadas para os vinhos de topo é feita na altura da vindima. Para vinificações usam cubas mais pequenas, que levam apenas 5 toneladas e não 50 como para Monte Velho, por exemplo. Usam lagares de mármore ou cubas rotativas (estas, por serem fechadas, funcionam bem na vinificação da Touriga Nacional, preservando melhor a sua parte aromática). David nota que as castas como Syrah, Alicante Bouschet e Touriga Nacional aguentam bem barricas novas, mas prefere as de maior dimensão (500 litros) “para uma fusão melhor e evolução mais lenta”.

Para António Maçanita, o vinho do Alentejo é textura, concentração “e até mais frescura do que no Douro”. O desafio é evitar passas, vindimar quase maduro. Logo que as uvas ganham cor (a fase do pintor), tira uns cachos mais atrasados para promover o amadurecimento mais homogéneo. Acompanha as parcelas de perto e apanha só o que já está maduro. Porque a mesma casta, nas parcelas distintas, amadurece nas alturas diferentes, vai colhendo um pouco de cada vez. A logística da vindima é complexa, mas vale a pena. Um lote de vinhos também não é estanque e pode variar em função do ano. Em seu entender, a Touriga Nacional no Alentejo não entrega qualidade todos os anos, por exemplo.

Preocupações com o álcool

Sendo o Alentejo uma região quente, inevitavelmente, surge a questão do teor alcoólico dos vinhos que ao longo dos anos tem tendência a subir (um tema transversal a várias regiões do país). Tirando uma parte dos consumidores adeptos dos vinhos “potentes”, existe uma preocupação geral e uma pressão internacional de várias companhias anti-álcool.

Os produtores estão cientes disto. David Baverstock confirma a preocupação sobre o tema, sobretudo a nível de aceitação comercial. Pessoalmente, acha que “até 15%, se a concentração permite, tudo bem, mais do que isto já é um exagero”.

Mesmo colocando de lado a questão do aquecimento global, muitas coisas mudaram ao longo das décadas. Supostamente para melhor. Com viticultura de antigamente e o objectivo de produzir mais, os vinhos não chegavam a 10,5-11% de álcool, por vezes adicionava-se mosto concentrado (sendo esta prática autorizada) para aumentar 1-2%. Aprendeu-se a controlar as produções, orientar a viticultura para a planta ser mais eficiente na sua capacidade fotossintética, escolheram-se clones menos produtivos, pratica-se monda de cachos… O resultado – álcool a mais.

“Agora queixamo-nos que Aragonez fica sem acidez”, – dá um exemplo António Maçanita, “mas é o Aragonez que fica sem acidez, ou aquele que nós seleccionámos para dar mais álcool?”

Castas e tendências

Segundo os dados do IVV, em 30 anos a área de vinha plantada no Alentejo duplicou (de 11.510 hectares em 1989 para 24.709 em 2019). Embora o património vitícola na região seja bastante jovem, nas sub-regiões de Portalegre, Granja-Amareleja e Vidigueira, sobretudo, existem vinhas centenárias.

A questão das castas portuguesas vs. internacionais e estilo clássico vs. moderno continua a ser pertinente. Uns produtores, como Paulo Laureano ou Duarte Leal da Costa defendem, desde sempre, as castas portuguesas.

Os números mostram que as castas nacionais como Aragonez e Trincadeira continuam a ser as mais plantadas, seguidas de Alicante Bouschet. Esta, embora seja de origem francesa, já se pode considerar tradicional no Alentejo pela sua longa história e méritos confirmados. Obtida por cruzamento de Grenache com Petit Bouschet nos meados do século XIX, terá sido trazida para Portugal no final do mesmo século e plantada na Herdade do Mouchão pela família Reynolds. O reconhecimento da casta pelos produtores e consumidores não foi imediato e só aconteceu nos anos 90 do século passado. Hoje, há mais Alicante Bouschet em Portugal do que em França, de onde é original e onde é praticamente desprezada.  Gosta de clima quente, precisa de muitas horas de sol, para amadurecer os seus taninos esmagadores. Com produção controlada e plantada no sítio certo, dá vinhos com estrutura e concentração, preparados para aguentar anos em garrafa.

Syrah apareceu na região há apenas duas décadas, pela mão dos proprietários da Cortes de Cima, onde a primeira vindima aconteceu em 1998 “incognitamente” porque não fazia parte de castas permitidas para a região. Hoje é a quarta casta mais plantada no Alentejo e continua a liderar a lista das castas mais utilizadas na reestruturação da vinha. A Cabernet Sauvignon também faz parte das primeiras 10 na lista de castas mais plantadas da região.

João Portugal Ramos refere que nos seus topos de gama dá preferência às castas portuguesas. Também gosta de Syrah, como uma casta melhoradora, e repara que “no Alentejo a Syrah é moldada pela região; ou melhor, o perfil da casta vai ao encontro do perfil do Alentejo.”

António Maçanita acha que esta abertura foi uma fase necessária para a região: mostrámos que conseguimos fazer as castas mais conhecidas como noutras regiões do mundo. O foco agora é recuperar equilíbrio. “As castas e os vinhos do século XXI não devem ser uma cópia do passado, mas uma integração gradual de castas que podem complementar o perfil.”

A verdade é que, como esta prova mais uma vez demonstrou, o Alentejo oferece um nível de qualidade aliado a diversidade de castas e estilos, como talvez nenhuma outra região do mundo. E poder aceder a estes vinhos por valores bastante razoáveis é, sem dúvida, um privilégio.

As uvas nacionais como Aragonez e Trincadeira continuam a ser as mais plantadas, seguidas de Alicante Bouschet.

Alentejo tinto até €8: Muita qualidade a preço acessível

O vinho do Alentejo é, de longe, líder nacional de vendas, apreciado pelos consumidores em todo o país. É ainda uma região com beleza paisagística que oferece enoturismo de excelência, quer em unidades hoteleiras, quer a nível de gastronomia. E por fim, o espírito inovador está presente em vários projectos desafiantes na região. TEXTO Valéria […]

O vinho do Alentejo é, de longe, líder nacional de vendas, apreciado pelos consumidores em todo o país. É ainda uma região com beleza paisagística que oferece enoturismo de excelência, quer em unidades hoteleiras, quer a nível de gastronomia. E por fim, o espírito inovador está presente em vários projectos desafiantes na região.

TEXTO Valéria Zeferino
FOTOS Ricardo Gomez

Desde o ínicio de produção de vinho no território que agora se chama Alentejo, pelos tartessos e fenícios, passaram várias épocas de ouro e crises profundas: invasão muçulmana; guerra de independência;  aposta de Marquês de Pombal no desenvolvimento da região do Douro com arranque de vinhas no resto do país; a praga da filoxera; primeira guerra mundial ou a campanha cerealífera do “Estado Novo”.

Nos últimos 30 anos, a dimensão de vinha cresceu de 11.510 para 24.709 hectares registados em 2019 (dados do IVV). Tem a segunda maior área de vinha em Portugal, a seguir ao Douro e ultrapassando a região do Minho.

Em termos de volume de produção, ocupa o terceiro lugar em Portugal com 1.092.617 hl, que corresponde a 18% de produção nacional a seguir às regiões do Douro (21%) e Lisboa (19%). O facto de ter maior área de vinha e produzir menos do que na região de Lisboa tem a ver com a produtividade média por hectare de vinha, que é inferior no Alentejo (cerca de 44 hl/ha versus 60 hl/ha em Lisboa).

Alentejo é a região mais presente no retalho em Portugal, com quota de mercado superior a 35% em valor, seguido pela região de Vinhos Verdes com mais de 18% e Península de Setúbal com 16,5%, valores registados em 2019. Em volume, a quota de mercado aumenta para 39,5% em 2019 e acima de 40% no ano anterior.

Alentejo ou Regional Alentejano?

O principal objectivo da DO (Denominação de Origem) Alentejo é preservar a identidade de uma determinada área de produção, enquanto a IG (Indicação Geográfica) Regional Alentejano alberga a possibilidade de alguma ousadia. Mesmo assim, a regulamentação a nível de DO não é estanque, tendo sido objecto na última década de várias alterações.

Em 2010 foram simplificadas as regras das 8 sub-regiões do Alentejo e introduziu-se o conceito de castas obrigatórias generalizadas a todas elas, que devem representar, isoladamente ou em conjunto, 75% do lote. Eram 9 brancas (todas tipicamente alentejanas) e 8 tintas, entre as quais para além de tradicionais (Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez, Cabernet Sauvignon, Castelão e Trincadeira) passou a figurar a estrela portuguesa Touriga Nacional e Syrah que conquistou produtores nacionais e entrou nos lotes alentejanos como uma casta melhoradora. Em 2014, ao leque de castas obrigatórias juntaram-se mais quatro, que bem representam a região: Grand-Noir (curiosamente, a casta esteve sempre presente no encepamento de Portalegre e em casas histórias de Reguengos, como José de Sousa), Moreto, Tinta Caiada e Tinta Grossa. Para além destas, existe uma lista de 47 castas, nacionais e estrangeiras, que podem ser utilizadas na elaboração de vinhos com DO, não ultrapassando 25%.

Obviamente, a IG oferece mais flexibilidade ao produtor: permite mais rendimento por hectare e muito mais castas à escolha. Quem quiser, pode fazer 100% Chenin Blanc, Chasselas, Vinhão ou Zinfandel.

Não existe grande diferença entre DO e IG em termos de qualidade exigida para aprovação.  Por exemplo, um vinho designado como Reserva tem de obter no mínimo 70 pontos e Grande Reserva 80 pontos (escala 0/100), independentemente se for para certificar como DO Alentejo ou Regional Alentejano.

Se analisar a produção só de vinhos tranquilos, sem tomar em consideração espumantes e licorosos, na última campanha de 2018/2019 há mais vinhos produzidos com DO do que com IG, sendo 591.407 hl versus 479.688 hl, respectivamente. Cerca de 75% são tintos e rosés. As sub-regiões de Reguengos e Borba representam o maior peso na produção da região.

Explorar a região de forma inovadora

Apesar de ter uma posição confortável no mercado nacional, a região não parou no tempo, promovendo várias iniciativas, quer a nível de produtores, quer a nível institucional.

Para além das sub-regiões conhecidas historicamente e com carácter diferenciador, como Vidigueira, Évora, Borba ou Reguengos, há projectos interessantes noutras zonas, como a DO Portalegre ou o litoral Alentejano, onde o clima é temperado pela altitude ou pela influência atlântica, respectivamente.

Outro projecto altamente inovador é o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo desenvolvido pela CVR Alentejana em parceria com a Universidade de Évora. Este programa pioneiro em Portugal visa a adaptação de melhores práticas na vinha e na adega para produzir uvas e vinho de qualidade e de forma economicamente viável, protegendo ao mesmo tempo o meio ambiente. Isto consegue-se através de optimização na gestão de energia e água na vinha e na adega, redução, reutilização e reciclagem de resíduos. Sendo o Alentejo uma região com disponibilidade de água limitada (que se pode agravar com as alterações climáticas), a gestão eficiente deste recurso torna-se particularmente relevante para os produtores.

Para dar um exemplo, no Alentejo, o consumo de água varia entre os 1,2 (nos casos mais eficientes) e os 14,4 litros de água por litro de vinho. As ferramentas previstas no programa permitirão a redução do consumo de água até os 0,75 e 1 litro de água por cada litro de vinho produzido. O melhoramento na eficiência energética levará à redução de consumo e custos associados; redução de emissões de gases que contribuem para o efeito de estufa; permitirá aliviar circuitos sobrecarregados (sistemas de frio ou aquecimento, sobretudo na vindima que é altura de maior consumo energético). O programa é de adesão voluntária e gratuita e actualmente conta com 396 membros.

A nível de enoturismo, recentemente foi inaugurado um novo espaço da Rota dos Vinhos de Alentejo, onde os interessados podem conhecer melhor a região, não só através de provas de vinhos, mas também de forma interactiva. É possível cheirar os aromas das castas principais da região; aprender mais sobre solos, cujas amostras estão disponíveis para observar; organizar uma viagem através de uma plataforma interactiva que disponibiliza informação sobre os produtores com aplicação de vários filtros (tem ou não restaurante ou unidade hoteleira, por exemplo).

O que são vinhos “até 8 euros”

A nossa prova centrou-se em vinhos tintos do Alentejo com preço médio de mercado igual ou inferior a €8. É muito curioso verificar que ao subir um degrau de preço, de 5 para 8 euros, por exemplo, já estamos num patamar diferente em termos de qualidade. Muitos dos vinhos nesta faixa de preços não são propriamente os vinhos de entrada de gama. No caso de alguns produtores mais pequenos, até os vinhos que abrem o portefólio produzidos em maior quantidade, nada têm a ver com os vinhos básicos e simples, normalmente associados a entradas de gama. Ao mesmo tempo não são vinhos caros, representando uma óptima oferta para um consumidor mais exigente.

O enólogo Ricardo Constantino, da Herdade das Servas, está seguro da importância deste segmento de preço para o consumidor. “Nem todos podem comprar vinhos caros. A gama de entrada pode ser mais simples, mais versátil e consensual; a gama média é para um consumidor mais esclarecido.” Se dos vinhos de entrada produzem 1.000.000 garrafas vendidas a 5 euros PVP, desta gama média fazem 150.000 garrafas de tinto (e 30.000 de branco). Procuram “alguma complexidade, algum tanino sem ser muito marcado, nem madeira muito presente, apenas para dar o equilíbrio a fruta”.

Na Herdade da Calada, o vinho Caladessa representa uma gama média, da qual produzem metade dos vinhos de entrada e o dobro dos topos de gama. Vendem mais no canal horeca no mercado interno. O enólogo Eduardo Cardeal repara que “os vinhos da gama média são importantes para o sustento das casas: têm uma margem maior, comparativamente às entradas de gama, acabam por ser uma mais valia.”

Segundo o enólogo Oscar Gato, a gama de monovarietais foi criada na Adega de Borba para dar resposta ao mercado que procura perceber melhor as castas que normalmente entram em lotes. Estes vinhos não estão nas grandes superfícies e, curiosamente, vendem-se muito bem na loja online da própria adega. Mas são quantidades limitadas. Do Senses Syrah, por exemplo, só produzem cerca de 5.000 garrafas.

No caso da HMR, Pousio Selection é um entrada de gama, mas de um patamar diferente. Como não conseguem competir com as adegas cooperativas e outros produtores de grande dimensão, não apostam no vinho de combate, não vendem os seus vinhos nas grandes superfícies e procuram que o preço não seja o factor principal na decisão de compra pelos seus parceiros e pelo consumidor final. Na definição do perfil deste vinho o enólogo Nuno Elias dá primazia à fruta em detrimento de estrutura. A gama Selection fazem 120.000 garrafas de tinto, 47.000 de branco e 20.000 de rosé que em conjunto representam mais de metade da produção total de 320.000 garrafas.

O vinho Carlos Reynolds também consubstancia a entrada de gama para Reynolds Wine Growers. Fazem 50.000 garrafas que representam 25% da produção. Segundo o enólogo Nelson Martins, pretende-se um vinho menos estruturado, com mais frescura e pureza de fruta.

O objectivo do projecto Bojador de Pedro Ribeiro é mostrar a elegância e autenticidade do terroir da Vidigueira, onde trabalha vinhas velhas em viticultura biológica. Começou pequeno e cresceu nos últimos anos, chegando a quase 400.000 garrafas, onde o entrada de gama representa cerca de 50%.

Mas quais são os factores que contribuem significativamente para que o vinho de qualidade possa ser acessível em termos de preço?

Uma viticultura com contas

A orografia relativamente plana do Alentejo e extensão de vinhas oferecem possibilidade de mecanização o que reduz o custo de produção. O clima quente e seco durante a maturação e vindima minimiza a carga de doenças na vinha. Não é por acaso que o Alentejo tem a segunda maior área de vinha em agricultura biológica (a seguir a Trás-os-Montes) com 991 hectares, o que corresponde a 28% da área de vinha em produção biológica em Portugal continental (de acordo com os dados mais recentes da Direcção de Agricultura e Desenvolvimento Rural).

Alguns produtores fazem a diferenciação logo na vinha, por castas e por parcelas. E não limitam tanto a produção, como para os vinhos de gama alta, procurando um compromisso entre várias componentes que contribuem para o produto final.

Eduardo Cardeal confirma que as produções por hectare são maiores, a monda dos cachos, se for necessária, é muito reduzida. Fazem segmentação na vinha, não é tanto em função da casta, como das parcelas. Uma parcela de Touriga Nacional produz 10 tn/ha e outra 5 tn/ha.

Nelson Martins também refere que “a vinha é trabalhada de maneira diferente. Por exemplo, em vez de limitar a produção de Alicante Bouschet ou Alfrocheiro a 4-5 tn/ha, deixam produzir até 7 tn/ha. Desta forma, as uvas também conservam mais acidez, o que é bom para vinhos gastronómicos”.

Nuno Elias tem opinião semelhante, ao dizer que a mesma casta em talhões diferentes pode ter produtividade e características bem distintas. Por exemplo, o Alicante Bouschet que entra no lote do Pousio Selection não é o mesmo que serve de base ao monovarietal.

Na Herdade das Servas a selecção de castas é feita em função do perfil de vinho desenhado para esta gama. Pretende-se alguma complexidade e tem que se sentir o contributo de cada casta. “Propositadamente utilizamos Cabernet Sauvignon e Trincadeira para transmitir alguma sensação vegetal para o vinho ser mais gastronómico, não apenas frutado. Alicante Bouschet para dar complexidade e Touriga Nacional para transmitir uma fruta mais fresca e boa acidez. A Touriga nunca entra na gama mais baixa”, repara Ricardo Constantino.

No caso da HMR a abordagem é diferente. “As castas seleccionadas para esta gama são menos taninosas e com boa fruta, como Alicante Bouschet, Syrah e Touriga Nacional. Por exemplo o Cabernet Sauvignon ou Petit Verdot não entram nesta gama”, explica Nuno Elias.

Cuidados na adega

Há várias formas de fazer vinho para atingir um equilíbrio entre custos de produção, qualidade do produto e preço moderado para consumidor. Os produtores com quem falámos, de um modo geral, têm cuidado com extracção, preferem uma maceração pré-fermentativa a frio, evitando a pós-fermentativa num ambiente mais extractivo por causa do álcool. Nuno Elias até prefere prensar logo quando acaba a fermentação para não extrair tanino em demasia.

As temperaturas de fermentação são geralmente mais baixas (22-25˚C) para não elevar a extracção de compostos fenólicos e realçar o componente frutado no aroma.

Na Reynolds, Nelson Martins presta especial atenção às leveduras e para os vinhos mais jovens, prefere as leveduras que aportam mais fruta. No início não usam Saccharomyces, adicionando-as para finalizar a fermentação e não deixar açúcar residual.

Pedro Ribeiro, pelo contrário, fermenta com leveduras indígenas e é apologista de enologia de intervenção mínima em termos de utilização de produtos enológicos. Porque o projecto nasceu pequeno, apenas 100.000 garrafas e a filosofia era esta. Hoje, quando o volume aumentou significativamente, é um risco assumido, sabendo que não pode continuar a crescer em volume para manter a filosofia.

Eduardo Cardeal, na Herdade da Calada, recorre à maceração carbónica das castas “com aromas primários clássicos – Touriga Nacional, Syrah, Touriga Franca, Alfrocheiro. Mas não faz o mesmo com a Tinta Caiada, por ter precursores de pirazina.”

Nuno Elias não faz maceração carbónica, mas coloca algumas camadas de bagos inteiros (depende de colheita e da maturação), o que impede contacto inicial com grainhas e películas e promove alguma fermentação intracelular para libertar os precursores aromáticos sem extrair tanino.

Obviamente, nesta faixa de preço há muitos vinhos que não estagiam em madeira. Também se utilizam madeiras alternativas, como aduelas, por exemplo, que são mais aproximadas às barricas pela sua grossura, comparativamente aos chips/aparas. O estágio em barricas, quando é praticado, ocorre em barricas usadas, onde às vezes estagia apenas uma parte do lote.

Segundo Eduardo Cardeal “a amortização de preço já foi feita nos vinhos de topos de gama.” Por isso o Caladessa estagia 12 meses em barricas usadas.

Na Adega de Borba existe um parque de 1.200 barricas; as novas destinam-se aos vinhos premium, as usadas servem para gama média, como é o caso do Senses Syrah que estagia 9 meses em barrica de carvalho. Existem regras internas para a reutilização das barricas, normalmente durante 7 anos.

Na Reynolds Wine Growers, para o estágio de vinhos mais jovens utilizam balseiros de carvalho de 10.000 litros que também não representam custo, nem marcam o vinho.

Na HMR, nos vinhos de entrada 80% do lote não vê barrica, mas no final engloba cerca de 20% de vinhos que estagiaram em barrica para reserva.

Pedro Ribeiro fermenta em cubas de cimento e balseiros de madeira, depois estagia 6 meses em barricas usadas de 500 litros para dar uma boa textura e não marcar muito o vinho.

Na Herdade das Servas para os vinhos de gama média prevêem um estágio bastante prolongado: um ano em barrica, mais um ano ou ano e meio em cuba para manter frescura e mais 6-8 meses em garrafa antes de lançar para o mercado.

Óscar Gato toca mais num aspecto importante que tem certo peso no PVP – os atributos do produto final que não têm a ver com a qualidade do mesmo, como é o caso das garrafas e dos rótulos. “Podíamos fazer uma garrafa ‘xpto’ com um rótulo pujante, mas nós escolhemos garrafas mais leves, ligeiramente troncocónicas e um rótulo adequado.”

É entusiasmante ver esta diversidade de abordagens e estilos, bom senso a par com alguns desafios pelo meio. O resultado está à vista: eleva-se a fasquia do “bom e barato” para “muito bom e acessível”.

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Artigo da edição nº37, Maio 2020