Trois: 1, 2, 3, Setúbal nasce outra vez

Trois Setúbal

Filipe Cardoso, Luís Simões e José Caninhas são os Trois, e querem mudar o Mundo. Pode não ser o Mundo inteiro, mas o mundo onde nasceram, cresceram e hoje trabalham: a Península de Setúbal. Além de uma amizade bonita, à qual a enternecedora diferença de idades confere carácter, o trio partilha uma visão muito única […]

Filipe Cardoso, Luís Simões e José Caninhas são os Trois, e querem mudar o Mundo. Pode não ser o Mundo inteiro, mas o mundo onde nasceram, cresceram e hoje trabalham: a Península de Setúbal. Além de uma amizade bonita, à qual a enternecedora diferença de idades confere carácter, o trio partilha uma visão muito única para os vinhos locais, sobretudo os não-fortificados, campo onde acredita haver potencial para se fazer muito melhor do que o ”bom vinho a bom preço” por que afina grande parte da região. E esta não é uma visão qualquer, mas sim a de três enólogos que falam com propriedade e que fazem, ou já fizeram, parte das equipas técnicas (e das famílias, nalguns casos) de importantes casas da Península de Setúbal, como Quinta do Piloto, Casa Horácio Simões, Quinta Brejinho da Costa ou Sociedade Vinícola de Palmela.

É convicção dos Trois que a região pode produzir, utilizando as vinhas certas e combinando de forma inteligente os métodos tradicionais e ancestrais com o conhecimento científico de hoje, grandes vinhos brancos e tintos, capazes de resistir ao teste do tempo e que espelhem verdadeiramente o carácter da Península de Setúbal e dos vários terroirs que a caracterizam. Para o comprovar, o primeiro vinho da Trois – Vinhos com Identidade, um Castelão de 2015, foi lançado em 2016, e a partir daí, ninguém os parou. O foco do projecto é, precisamente, esta casta tinta e a branca Fernão Pires, e também nas vinhas velhas, dos próprios e de viticultores com quem o trio mantém estreita relação. Estas estão localizadas em diferentes zonas e terroirs da região, desde as areias de Palmela às de Melides, passando pelos solos argilosos e calcários da Arrábida, mas, porque nem tudo é tão linear assim, e como explica Filipe Cardoso, “as zonas de transição também existem”, e algumas destas vinhas situam-se precisamente nesses locais.

Trois Setúbal

Agora, saem para o mercado mais três vinhos, as novas colheitas dos dois DOC Palmela Trois Curtimenta Fernão Pires e Trois Castelão, de 2021 e 2018, e um Moscatel Roxo de 2017, da marca de “entrada” Flor de Trois. O Fernão Pires (vinha com 40 anos), fermentado em lagar com curtimenta total e estagiado 12 meses em barricas de carvalho francês usadas, é o resultado da convicção destes enólogos de que a casta atinge o seu auge quando sujeita a vinificações mais tradicionais. Mas com uma advertência. “Um branco de curtimenta não tem de ter características de oxidação e cor dourada. Temos a sensação de que a generalidade das pessoas acha que é assim que deve ser um branco deste tipo, mas acreditamos que a curtimenta, como os nossos antepassados faziam, pode conferir coisas positivas e que não são necessariamente essas”, sublinha José Caninhas. O Castelão, de vinhas velhas, fermenta também em lagar e estagia um ano em barricas de carvalho francês usadas, e 6 meses, no mínimo, em garrafa. No copo, consegue-se sentir o seu lado clássico vinoso, mas num perfil de elegância e precisão que se coaduna com as exigências do mercado moderno. Era esse o objectivo com este vinho, e foi indubitavelmente cumprido. O Moscatel Roxo de Setúbal, por sua vez, vem responder à necessidade de um vinho deste género na gama Flor de Trois, com preço competitivo mas, de acordo com o trio, a mostrar alguma complexidade e sem se cair na tentação (frequente) de carregar na doçura.

Ao assistir à dinâmica entre os três enólogos, percebe-se que são pessoas muito diferentes, unidas por uma causa, e é isso — além dos excelentes vinhos que têm colocado no mercado, obviamente — que dá graça ao grupo. José Caninhas, uma década mais novo do que Filipe e Luís e com passado no sector agro-alimentar, assume-se como “rato de laboratório” e é nele que encontra conforto. A par disso, curiosamente, é através das emoções que sente os vinhos e admite que estes podem transportar-nos para locais e momentos específicos, “como a casa dos avós”. O copo do laboratório é o seu melhor amigo, e é neste que mais gosta de provar os vinhos. Por outro lado, Luís Simões imprime no grupo uma componente enológica “pura e dura”, fala sem rodeios e com a experiência que acumulou ao longo de anos na área. Já Filipe Cardoso harmoniza em si os dois lados, cruzando a experiência com a emoção, o que resulta no sorriso e boa disposição que apresenta onde quer que vá. Todos concordam: “Tentar dar o exemplo numa região, tem tanto de duro como de gratificante…”.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2023)

Trois: Um projecto de amigos, a sério e com risos à mistura

Os protagonistas desta história são três amigos de longa data: Filipe Cardoso, Luis Simões e José Caninhas, por ordem de idades, do mais velho para o mais novo. O mais novo, à parte menos uma década de idade, possui uma diferença fundamental para os outros dois sócios: José Caninhas não tem vinha nem tem grande […]

Os protagonistas desta história são três amigos de longa data: Filipe Cardoso, Luis Simões e José Caninhas, por ordem de idades, do mais velho para o mais novo. O mais novo, à parte menos uma década de idade, possui uma diferença fundamental para os outros dois sócios: José Caninhas não tem vinha nem tem grande histórico nessa área. Ao contrário, Filipe e Luis nasceram com as vinhas e cresceram a ouvir o jargão próprio da vitivinicultura. Os antepassados eram – e são – produtores de vinhos e sempre se mostraram interessados no tema. Sempre mostraram interesse em provar outros vinhos, outras realidades. Incluindo a nível internacional. “Os nossos pais viajaram muito a conhecer novas regiões e novos vinhos, incluindo para Bordéus. E nós íamos também, desde miúdos”, avança Luis Simões. De tal maneira que, quando estes jovens foram para a universidade, um para França e outro para Itália, estavam já familiarizados com muitas práticas. Caninhas, filho de professores, estudou em Santarém, na Escola Agrícola. Mas, como cresceu em Alcochete, sempre este ligado ao campo. E teve uma passagem pela gestão agrícola, onde conheceu muitos dos bons e grandes produtores de vinho nacionais, em todas as regiões. Temos por isso três escolas enológicas diferentes.

Hoje, Luis Simões faz, entre outros, os vinhos da empresa familiar Casa Agrícola Horácio Simões. Filipe Cardoso gere a Quinta do Piloto, também familiar. Caninhas trabalha com Filipe tanto na Quinta do Piloto como na Sivipa, uma empresa mais dedicada aos vinhos de grande consumo. Além da amizade profunda que os unem, os três têm outra coisa têm em comum: uma ideia própria de vinho que nem sempre se coaduna com aquilo que a região aparenta mostrar aos enófilos. “Também não queríamos traçar o mesmo caminho que a região”, garante Filipe, que acrescenta: “a nossa região é não muito rica em diferentes terroirs (serra e areias, por exemplo), como em castas típicas, casos do Castelão, Fernão Pires e Moscatel”. Ora, os “Trois” assistiam com pena à cada vez maior importação de castas estrangeiras para a Península de Setúbal. “Acho que se esteve a perder um pouco a identidade da região, embora reconheça que o caminho parece estar agora a mudar”, continua Filipe Cardoso. Na mente deles, alguma coisa teria de ser feita. E foi Luis Simões foi quem lançou o desafio aos amigos nesse famoso almoço.

No meio de um belo robalo com arroz de lingueirão, provavam um belíssimo Castelão de 2015 acabado de fermentar de um lote de vinhos das adegas respectivas. E os três puseram-se a imaginar o que fariam para tornar o vinho ainda melhor. Cada um tinha a sua opinião e, em vez de discutirem, decidiram avançar, repartindo o vinho entre os três. A seguir fariam um lote comum. “Cada um fez a sua interpretação do vinho e decidiu de acordo com isso”, diz-nos Luis Simões. O vinho tinha Castelão da Serra da Arrábida (do Horácio Simões) e outro das areias do Poceirão, das vinhas familiares da família Cardoso. “Um dá mais frescura e aroma mais elegante (o da serra), o outro mais concentração (o das areias)”, adianta Filipe. O da Quinta do Piloto foi vinificado em ânforas argelinas, sistema típico da casa, o de Luis Simões foi feito em lagares. Depois cada um dos três escolheu a barrica para onde iria o vinho e depois preparou-o para o lote final, em iguais percentagens. Nasceu assim o primeiro Trois, nome da marca, feito de apenas 3 barricas. Este vinho serviu também para marcar uma posição na região, dominada por produtores de grande envergadura. “Queríamos provar que também há lugar para os pequeninos, para vinhos de boutique, que puxem a região para cima”, afirma Filipe Cardoso. Ou seja, uma espécie de contra-corrente. E ao mesmo tempo ir buscar a essência da região, que em tempos tinha também um bom número de vinhos de guarda.

Considerando que ambas as casas agrícolas suportam, nem que seja logisticamente e na produção, o empreendimento Trois, não deixa de ser curiosa a forma como as respectivas famílias aceitaram esta aventura dos seus filhos. José Caninhas, que está de fora, diz que foi muito bem aceite, considerando-a “um complemento às respectivas casas e uma contribuição para algo maior”.

Nascem novos elementos

O primeiro Trois foi um sucesso incluindo a nível comercial. Logo a seguir nasceu o 2016, mas ainda não está no mercado. Na colheita de 2018 os três amigos decidem levar o projecto mais adiante, preparando um branco de Fernão Pires com curtimenta, aqui provado quase em exclusividade. A técnica de curtimenta era tradicional na região e a única coisa que os ‘Trois’ mudaram foi a vinificação com controlo de temperatura. “Não é consensual, mas não queremos que seja”, diz José Cainhas. Faltava a terceira componente típica da região, o Moscatel de Setúbal. E nasceu o Intemporal I, um fabuloso Moscatel Roxo, criado com vinhos das duas casas.

Ao mesmo tempo, Filipe, Luis e José decidem criar uma segunda marca. Nasceu assim a marca Flor de Trois, com vinhos menos ambiciosos e bem mais acessíveis de preço, mas sempre com castas nacionais e típicas da região.

Até agora, os Trois foram feitos com uvas das casas de Filipe e Luis. Mas isso não significa que assim tenha de ser sempre: “se identificarmos na região uma ou mais vinhas que valham muito a pena, pois poderemos trabalhar com essas uvas”, garante Filipe. E Luis acrescenta: “este é um projecto independente, não é um prolongamento da Casa Horácio Simões ou da Quinta do Piloto”. E José dá também uma achega: “aqui a liberdade é total, não temos conselhos de administração ou contas a prestar a ninguém, excepto a nós próprios”. Filipe acrescenta numa gargalhada: “e não há directores financeiros: aqui podemos torrar o dinheiro todo à vontade”. Isto não passa de galhofa, porque todos os três gerem projectos e já deram mostras que o sabem fazer. Estes vinhos são muito caprichados, é verdade, cheios de cuidados a nível de produção e na vestimenta. Os rótulos, por exemplo, são de pasta de papel com cor, ao contrário dos normais rótulos de papel, feitos industrialmente.

De resto, é apenas preciso que o projecto seja sustentável, para haver dinheiro para pagar as uvas, comprar barricas e quaisquer outros produtos ou serviços necessários. O José Caninhas, dizem os sócios, é quem tem os pés mais assentes na terra e quem puxa às vezes os dois sonhadores à realidade. “Nós gostamos é de fazer vinho, o que está para lá é mais complicado”, reconhecem Filipe e Luis a rir. De tal maneira que ambos não sabem sequer se o restaurante onde surgiu esta associação tem os vinhos Trois. Mas garantem que vão investigar.

O projecto Trois é isso mesmo: um projecto em construção. Os três amigos ficam contentes com isso, até porque vão ganhando experiências que, de outro modo, seriam difíceis de conseguir. E mantêm a identidade da região. O mote da empresa, inscrito nas garrafas, diz assim: “honrar a memória e o trabalho”. Neste aspecto, termina assim Filipe: “respeitamos demasiado os nossos antepassados para querermos ser agora os únicos donos da razão”.

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Edição nº 34, Fevereiro de 2020