Quinta da Perdonda: Paulo Nunes (e amigos) entregam-nos Dão e mais Dão
Ainda que sem a pujança que a região merece (sendo esta, naturalmente, uma opinião estritamente pessoal), o Dão tem registado um crescente número de novos produtores, muitos deles focados na qualidade e num posicionamento estratégico alto. De uma década para cá, vimos nascer ou consolidar projetos como Taboadella, MOB, Textura, Quinta da Lomba e, mais […]
Ainda que sem a pujança que a região merece (sendo esta, naturalmente, uma opinião estritamente pessoal), o Dão tem registado um crescente número de novos produtores, muitos deles focados na qualidade e num posicionamento estratégico alto. De uma década para cá, vimos nascer ou consolidar projetos como Taboadella, MOB, Textura, Quinta da Lomba e, mais recentemente, Domínio do Açor. E, antes destes, mas não tão distante, assistimos também ao renascimento da Quinta da Passarella que, em conjunto com dezenas de produtores implantados na região desde os anos 80 e 90, formam um significativo acervo de qualidade vínica. Mais recente ainda é o produtor Quinta da Perdonda, cuja figura principal é Paulo Nunes, enólogo que também oficia na já referida Quinta da Passarella, bem como noutros produtores de Trás-os-Montes ao Alentejo, passando pelo Douro e Bairrada.
Perdonda, palavra de pronunciamento arrevesado, quererá significar “pedra redonda”, não escondendo assim a sua origem na sub-região da Serra da Estrela, conhecida pelos solos graníticos, recortados por parcelas de floresta e pedras de grande dimensão. A propriedade é sita mais concretamente em Paços da Serra, entre Seia e Gouveia, com maior proximidade para esta última, um dos lugares mais a este da região vínica (mais a este e com maior altitude só existe pasto). Mais do que uma quinta propriamente dita, pelo menos no estado desprotegido em que os sócios a encontraram, falamos de uma pequena propriedade de quatro hectares a 700 m de altitude, quase toda em encosta.
Com solos relativamente férteis e predominância para os típicos graníticos da região, tem a particularidade de estes virem, a espaços, em barro, ou seja, e simplificando (não entrando nos detalhes da dimensão das partículas do solo), verdadeiras argilas graníticas. A existência de muita água em redor da propriedade é uma mais-valia, diz-nos o enólogo e produtor, garantindo que, assim, as vinhas estarão, no futuro, bem adaptadas ao aquecimento global cada vez mais sentido na região. Por falar em vinhas, estas remontam a 1948, data da plantação do talhão (n.º 1) com vinhas mais velhas. Também no que toca às castas, a diversidade é a palavra chave, encontrando-se, nos brancos, Barcelo, Semillon, Fernão Pires e Uva Cão, e, nos tintos, muita Jaen, Baga e Tinta Amarela, entre muitas outras brancas e tintas.
A propriedade foi comprada em 2016 com mais dois sócios: Paulo Pinheiro (dono do restaurante Casa Arouquesa em Viseu) e Francisco Batista. De lá para cá, e aos poucos, tem vindo a ser reconstruída a adega (os primeiros vinhos foram vinificados em produtores vizinhos), e tudo indica que a colheita de 2024 já será vinificada na nova adega que conta com cinco pequenos lagares, um por cada parcela ou talhão na quinta. Com efeito, a propriedade, apesar de pequena, com três hectares de vinha, tem cinco talhões todos diferentes – ao nível da altitude, do solo, o ano de plantação, e até do encepamento (uns com mais Baga, outros com mais Jaen e Tinta-Amarela) – tornando-se essencial vinificá-los em separado para melhor ir conhecendo o potencial de cada um. Em comum, todos os talhões têm uma mesma característica, que é a presença de muita uva branca, chegando a um máximo de quase 20%. Para já, provámos dois tintos de 2018 e dois brancos de 2020, todos muito promissores. Uma descoberta!
* Este autor escreve segundo o acordo ortográfico
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)
Castelão Extreme é a nova marca dos vinhos da Península de Setúbal
A Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal (CVRPS) criou uma nova categoria de vinhos da região, a Castelão Extreme. O objectivo é “preservar e valorizar as vinhas velhas da casta, em que a região é pródiga”, explica Henrique Soares, presidente da instituição. O Castelão é uma das castas mais plantadas no país, ocupando 9.159 […]
A Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal (CVRPS) criou uma nova categoria de vinhos da região, a Castelão Extreme. O objectivo é “preservar e valorizar as vinhas velhas da casta, em que a região é pródiga”, explica Henrique Soares, presidente da instituição.
O Castelão é uma das castas mais plantadas no país, ocupando 9.159 hectares, 40% dos quais na Península de Setúbal. Na sequência de mais uma actualização do registo vitícola da região e da procura de parcelas de vinha velha desta variedade, a CVRPS concluiu que o seu território preserva 342 parcelas de vinha velha com mais de 40 anos, que perfazem 600,28 hectares, que correspondem a cerca de 16% do Castelão da região. Em face disso, decidiu avançar com a sua preservação, criando, para isso, uma marca colectiva que ajude a diferenciar e valorizar os vinhos com esta origem no mercado.
“Após o seu registo definitivo e a aprovação do seu regulamento de utilização em vinhos de Denominação de Origem Palmela e Indicação Geográfica Península de Setúbal, poderemos vir a certificar os primeiros vinhos habilitados a ostentar esta marca”, conta Henrique Soares, acrescentando que a marca Castelão Extreme só pode ser utilizada em vinhos oriundos de parcelas de vinha integralmente plantadas com a casta, com estágio mínimo de 36 meses, dos quais pelo menos 12 meses em garrafa.
Lourenço Charters reforça equipa de enologia da Ferreirinha
A Casa Ferreirinha, produtor de vinhos do Douro e do Porto, anunciou recentemente o regresso de Lourenço Charters à Sogrape, para reforçar a equipa de enologia dos vinhos do Douro, liderada por Luís de Sottomayor. O enólogo, com experiência em França, na África do Sul e Austrália, já havia passado pela Sogrape entre 2020 e 2021, […]
A Casa Ferreirinha, produtor de vinhos do Douro e do Porto, anunciou recentemente o regresso de Lourenço Charters à Sogrape, para reforçar a equipa de enologia dos vinhos do Douro, liderada por Luís de Sottomayor.
O enólogo, com experiência em França, na África do Sul e Austrália, já havia passado pela Sogrape entre 2020 e 2021, e regressa agora à empresa para se dedicar em exclusivo ao Douro e contribuir para a afirmação da Casa Ferreirinha como referência do panorama dos vinhos portugueses.
Desde a sua fundação, há mais de 70 anos, apenas três enólogos assumiram a liderança da equipa de enologia da Casa Ferreirinha: Fernando Nicolau de Almeida, José Maria Soares Franco e, desde 2007, Luís de Sottomayor. São nomes que fazem parte da história desta casa que, ao longo dos anos 90, chegaram a trabalhar em conjunto. Lourenço Charters passa agora a integrar a equipa de Luís de Sottomayor.
Quinta do Perdigão: Uma família, uma vinha e alguns segredos
A aventura do arquitecto começou em 1997. À época, José Perdigão desenhava projectos, mas de uvas e vinho pouco entendia. Isso não o impediu de se apaixonar por esta propriedade, que estava como uma folha em branco onde é suposto desenhar um projecto. Hectares eram 10 e casa era uma, em ruínas. Foi verdadeiramente começar […]
A aventura do arquitecto começou em 1997. À época, José Perdigão desenhava projectos, mas de uvas e vinho pouco entendia. Isso não o impediu de se apaixonar por esta propriedade, que estava como uma folha em branco onde é suposto desenhar um projecto. Hectares eram 10 e casa era uma, em ruínas. Foi verdadeiramente começar do zero: na reconstrução, no plantio e na aquisição de conhecimentos. Diz-nos que “como de vinho não sabia nada de nada, fui para Bordéus aprender, mas, de início, tivemos aqui apoio e conselhos de técnicos locais, como Ari di Mari, Carlos Silva e Paulo Nunes. Agora sou eu e a minha filha Mafalda que orientamos os trabalhos da vinha e adega”.
Mas José não esquece a tese, que abraça sem rebuço, que “é o meu paladar e o meu gosto que devem presidir aos vinhos. O apoio dos técnicos é fundamental do ponto de vista analítico, mas a sensibilidade para saber qual é o caminho a seguir, essa cabe ao produtor”. Fica a dúvida sobre qual será o método mais eficaz para que a sensibilidade se expresse, mas José tem receita própria: “levanto-me de manhã, antes de tomar banho ou sequer lavar dos dentes, sento-me aqui a provar os vinhos e a tentar encontrar os descritores que melhor expressam os aromas e características da prova de boca”. O resultado dessa “meditação matinal” vem depois expresso nos contrarrótulos, onde dá conta dos aromas e sabores que descobriu no vinho.
“De manhã, antes de tomar banho ou sequer lavar dos dentes, sento-me aqui a provar os vinhos e a tentar encontrar os descritores que melhor expressam aromas e sabores”
TOURIGA PRIMEIRO, ENCRUZADO DEPOIS
Nesta zona de Silgueiros não faltam vinhas e produtores conhecidos. Uma verdadeira comunidade onde entra uma propriedade com 120 hectares de vinha da família Santos Lima (mas que apenas vende as uvas) e, mais à frente, a Quinta de Lemos. Embora hoje o branco de Encruzado seja uma das bandeiras da casa, a verdade é que, de início, a intenção era apenas fazer vinho tinto, não aceitando o conselho do Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão (Nelas), que apontava para que o plantio devesse recair apenas nos brancos. “Nem um pé!”, disse José que, quando um jornalista inglês o visitou e perguntou se não tinha branco ele afirmou, “tenho sim senhor é white wine, a cadela”. Mais tarde percebeu que era um erro, tal como percebeu que aqui não é terra de Tinta Roriz e as cepas desta casta foram re-enxertadas em Encruzado. Para felicidade de “bichos” diversos, já que, em tempos, José Perdigão teve aqui alguns cavalos, mas agora só uma égua que, conta-nos, “adora os bagaços de Encruzado e não sai da porta da adega enquanto não lhos dermos”.
Começaram por plantar Touriga Nacional com dois porta-enxertos e uma vinha também em pé-franco, material vegetativo fornecido pelo Centro de Estudos. Ao lado da Touriga veio a Jaen e depois o Alfrocheiro. Passados estes anos, existe a convicção que a Touriga Nacional é a casta que melhor se expressa nesta zona. “Com ela já ganhámos todos os prémios”. As uvas da vinha de pé-franco são usadas para o espumante. Porquê só para espumante, atendendo a que são tão poucos os vinhos de pé-franco no país? A resposta parece ter as mesmas reticências que em tempos houve em relação ao Encruzado: “já temos um portefólio alargado, era mais um vinho, mais rótulos, mais caixas e achamos que, em espumante, o facto de ser pé-franco é um factor diferenciador”. Estamos em crer que é uma questão de tempo até porque, diz o arquitecto, “a filoxera não anda por aqui, ainda que a produtividade da vinha de pé-franco seja baixa”.
O primeiro branco só surgiu em 2009 e o “teimoso” Encruzado em 2010. A filha Mafalda também teve os mesmos receios quanto ao branco. “Inicialmente fui contra, porque tive medo que o branco acabasse por ser um tiro no pé, pois não tínhamos uvas nossas que pudéssemos controlar. Só quando plantámos e pudemos estar perto é que avançámos”, seguindo assim a política da casa, ou seja, temos de ter tudo aqui à nossa frente. O que não vemos não nos interessa e, por isso, não plantámos mais vinha”. Por aqui também se percebeu que é fundamental saber escolher o local próprio para cada casta. A Alfrocheiro, por exemplo, “se não estiver boa exposição que a livre da humidade, pode ser um desastre”. A orientação da vinha no sentido norte/sul ajuda ao bom arejamento e saúde dos cachos (o que pudemos constatar in loco.) O produtor é peremptório: no Dão o vinho é sempre excelente ou muito bom; abaixo desse patamar é erro do produtor!
VINHOS QUE DESAFIAM O TEMPO
Visitámos a quinta nas vésperas do início da vindima, ainda sem a natural confusão que ela proporciona. “O mais trabalhoso é o rosé, que não permite qualquer erro. Quer na vindima quer na adega, há que ter uma atenção constante”, diz-nos, e é preciso ter paciência para saber esperar porque, por exemplo, “quer a Touriga Nacional quer a Encruzado, se forem vindimadas demasiado cedo perdem toda a expressão varietal. Por isso não ligamos nenhuma ao alarido que aqui na terra se levanta assim que surgem as primeiras chuvas e desata tudo a vindimar à pressa. Nós procuramos provar as uvas para determinar a vindima. Se chove ou não chove, logo se vê.”
A vinha apresentava, este ano, uma carga normal. Mas em anos muito produtivos faz-se uma primeira monda para rosé. A primeira edição remonta a 1999 e essa colheita foi aqui também objecto de prova, ao almoço, mostrando estar numa forma surpreendente. Nessa refeição provámos vários vinhos de colheitas anteriores e a conclusão é fácil, pois são vinhos que aguentam muito bem a prova do tempo, conservando vigor, estrutura e frescura. A vinha está em produção bio e isso obriga a uma atenção constante, por vezes com pulverizações duas vezes por semana. Mafalda está optimista quanto à resposta que a ciência está a dar no sentido de trazer para o mercado produtos que são amigos do ambiente e que evitam o uso de químicos agressivos para a vinha e para o solo. Mas para isso, relembra, “é preciso estar sempre aqui”.
Na adega procura-se intervir quando necessário mas, recorda Mafalda, “as primeiras fermentações são muito stressantes porque, à conta da limpeza, higienização da adega e da não inoculação de leveduras, essas fermentações demoram muito a arrancar, às vezes quatro a cinco dias. Felizmente não temos tido problemas”. São fermentações em inox e estágios em barrica, essencialmente usada, mas também alguma barrica nova, nomeadamente para a Touriga Nacional.
Também por aqui se contraria tendência, que é também uma moda, de vender os vinhos excessivamente caros. Perdigão não alinha nessa correria aos preços altos: “sou contra os vinhos muito caros, porque o vinho não deve ser um produto de luxo. As pessoas têm de procurar perceber e poder usufruir de um vinho. Somos vignerons, só vendemos o que produzimos das nossas uvas e temos sido amplamente reconhecidos pela qualidade dos nossos vinhos”. Assim deveria ser sempre, dizemos nós.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)
IVDP e GNR combatem práticas ilícitas no setor vitivinícola
O Instituto dos Vinhos do Porto e do Douro (IVDP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR) assinaram um protocolo de colaboração para reforçar o combate a actos ilícitos associados à entrada irregular de produtos vitivinícolas no mercado nacional e internacional. O documento estabelece uma cooperação estratégica que procura assegurar a protecção do sector vitivinícola e […]
O Instituto dos Vinhos do Porto e do Douro (IVDP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR) assinaram um protocolo de colaboração para reforçar o combate a actos ilícitos associados à entrada irregular de produtos vitivinícolas no mercado nacional e internacional. O documento estabelece uma cooperação estratégica que procura assegurar a protecção do sector vitivinícola e garantir o seu funcionamento regular.
O protocolo engloba três áreas de intervenção principais, formação, sensibilização e fiscalização, e acções direcionadas para aumentar a eficácia e coordenação entre o IVDP e a GNR, visando a prevenção e combate a práticas ilícitas que afectam o mercado vitivinícola.
No domínio da formação, o IVDP será responsável pela criação de materiais formativos destinados aos militares, com vista à identificação mais rápida e ágil de infracções específicas ao sector vitivinícola. No capítulo da sensibilização, as duas entidades comprometem-se a realizar campanhas informativas e de consciencialização dirigidas à comunidade, promovendo o conhecimento e a valorização do sector, e a importância da existência de um mercado vitivinícola regulado. O IVDP será responsável pela criação e dinamização de materiais e conteúdos informativos, cabendo à GNR a realização de ações comunitárias para disseminação desses materiais.
Relativamente à fiscalização, caberá à GNR pôr em prática ações com vista à detecção de infracções no setor. Está previsto que, por meio de acções coordenadas, as duas entidades colaborem nessas operações, garantindo uma resposta mais eficaz no combate a actividades ilícitas.
Beira Interior distinguiu os melhores vinhos
São já conhecidos os vinhos premiados no concurso “Escolha da Imprensa” integrado na feira Vinhos & Sabores da Beira Interior que decorreu em Pinhel de 15 A 17 de Novembro, certame organizado pelo Município de Pinhel e pela CVR da Beira Interior. Este concurso, que contou com a colaboração da Grandes Escolhas, foi aberto a […]
São já conhecidos os vinhos premiados no concurso “Escolha da Imprensa” integrado na feira Vinhos & Sabores da Beira Interior que decorreu em Pinhel de 15 A 17 de Novembro, certame organizado pelo Município de Pinhel e pela CVR da Beira Interior.
Este concurso, que contou com a colaboração da Grandes Escolhas, foi aberto a vinhos brancos, rosados, tintos e espumantes de produtores presentes na feira e contou cerca de 60 vinhos inscritos que foram avaliados por um júri de especialistas que incluiu jornalistas, bloggers, sommeliers e restaurantes.
Na hora de revelar os resultados o director do concurso Luis Lopes, enalteceu a grande qualidade média dos vinhos da Beira Interior, assente nas suas castas identitárias, sobretudo a Síria e Fonte Cal para os vinhos brancos e a Rufete para os tintos, o que lhes confere um forte caracter e grande frescura, a que não é alheio a altitude média das suas vinhas.
De acordo com o regulamento, foram distinguidos com o Grande Prémio Escolha da Impresa na categoria Vinhos Brancos o Aforista Beira Interior Reserva 2022, da Agrodaze e na categoria Vinhos Tintos o Beyra Beira Interior Grande Reserva 2021, de Rui Roboredo Madeira Vinhos.
Foram ainda revelados e entregues os respectivos diplomas aos vinhos distinguidos com o Prémio Escolha da Imprensa.
Nos brancos: Souvall Villamayor Beira Interior Grande Reserva 2023, Quinta do Cardo Biológico Beira Interior Síria Grande Reserva 2021, Boa Pergunta Beira Interior Colheita Selecionada 2022, doispontocinco Beira Interior 2020, Quinta Vale do Ruivo Beira Interior 2022, Quinta da Ribeira da Pêga Beira Interior Síria 2022, Quinta da Biaia Biológico Beira Interior Síria Reserva 2020, Castelo Rodrigo Beira Interior Síria 2023 e Ethos Natureza da Serra Terras da Beira 2022. Nos vinhos rosados foi premiado o Bal da Madre Biológico Beira Interior Touriga Nacional 2023. Na categoria Vinhos Tintos, os distinguidos foram: Quinta dos Termos Talhão da Serra Beira Interior Rufete Reserva 2021, Anjo da Guarda Beira Interior Grande Reserva 2021, Beyra Vinhas Velhas Beira Interior 2022,
Entrevinhas Beira Interior Touriga Nacional Reserva 2022, Solares de Pinhel Beira Interior Grande Reserva 2021, Raya Terras da Beira 2018, Raya Terras da Beira 2018, Quinta do Cardo Biológico Beira Interior Superior 2021, e Casas Altas Beira Interior Rufete 2021.
A cerimónia de anuncio dos resultados e entrega dos diplomas decorreu durante o primeiro dia da feira Beira Interior Vinhos & Sabores.
Quinta dos Frades: Os segredos das vinhas velhas
Nunca me canso de percorrer a estrada que segue a margem esquerda do rio Douro entre o Pinhão e a Régua, mesmo nesta época do ano, a da vindima, em que há muito mais veículos na estrada e gente por terras do Douro. É difícil resistir a não parar para mais uma foto a uma […]
Nunca me canso de percorrer a estrada que segue a margem esquerda do rio Douro entre o Pinhão e a Régua, mesmo nesta época do ano, a da vindima, em que há muito mais veículos na estrada e gente por terras do Douro. É difícil resistir a não parar para mais uma foto a uma paisagem única que muda com as estações do ano, ainda por cima agora que há mais pessoas nas vinhas a fazer o seu maneio, e a colher as uvas porque estão no ponto certo de maturação e é preciso levá-las à adega.
A certo ponto da estrada, na margem esquerda, é difícil não notar a Quinta dos Frades. Pela sua extensão, pelo seu edificado histórico, sempre bem pintado e de ar sólido, e pelas suas vinhas, que acompanham as curvas do rio e da serra, aqui e ali entremeadas com jardins, pomares, hortas e áreas de bosque. As suas origens parecem remontar ao século 13, depois de as terras terem sido doadas aos monges do Mosteiro de Santa Maria de Salzedas. Depois de séculos de gestão monástica, a propriedade foi arrematada em hasta pública por Jerónimo Souza, 1º Barão de Folgosa, permanecendo na sua família durante mais um século até ser por Delfim Ferreira, um dos investidores e industriais mais importantes da economia portuguesa do século passado, que detinha, entre outras, a Companhia Hidroelétrica do Norte de Portugal, empresa que fornecia electricidade aos distritos de Braga, Bragança, Vila Real e Viseu. Foi, depois, encetado um processo de reabilitação e modernização das infraestruturas de produção e lazer da Quinta dos Frades.
Mas a propriedade era, sobretudo, uma quinta de fim de semana, onde os bisavós de Aquiles Ferreira do Brito, 53 anos, administrador delegado da Predial Ferreira & Filhos, empresa proprietária das Quintas dos Frades, em Folgosa, e do Castelo, em Santa Marta de Penaguião, vinham de tempos em tempos. “Naquela altura não se olhava muito para as despesas de manutenção”, diz o responsável, acrescentando que o início do segundo milénio e a estagnação do benefício, “que era aquilo que apoiava muito a agricultura no Douro, e com os custos a subir, entendeu-se que a empresa devia investir na criação de uma marca de vinhos de mesa”. Isso aconteceu quando foi convidado, por outro membro desta empresa familiar, para gerir a empresa e encetar esse novo caminho. A primeira colheita comercializada foi a de 2011, e todo o processo iniciado naquela altura contribuiu para colocar a empresa e a suas marcas no radar do mercado.
Os primeiros vinhos
Os primeiros vinhos foram produzidos com o apoio dos enólogos Anselmo Mendes e João Silva e Sousa e, mais tarde, apenas com o primeiro. Depois foi preciso começar a vendê-los e Aquiles de Brito entrou, no mercado, “inicialmente com o apoio de alguns distribuidores regionais, fazendo algumas provas e apresentações, procurando destacar que os nossos eram vinhos de valor acrescentado e não para vender em volume”, conta, acrescentando que as marcas foram surgindo, depois, no portefólio da Quinta dos Frades à medida que se iam conhecendo as vinhas e as características das suas parcelas. Algumas foram dando origem às referências que existem actualmente. Mas o processo aconteceu sem uma metodologia sustentada para a sua criação e construção. Por isso, marcas da empresa como a Vinha dos Deuses ou Vinha dos Santos não têm hoje nenhuma explicação ou ligação à casa, que permita, a quem compra os vinhos, fazer essa associação, revela Aquiles de Brito, salientando que está agora a desenvolver, com a sua equipa e o apoio de uma empresa especializada, um projecto de mudança de imagem. “Estamos agora a realizar um trabalho de marketing, imagem e comunicação que contribua para evidenciar a Quinta dos Frades como produtora dos seus vinhos, que não existia até agora”, explica.
Segundo Liliana Mendes, 43 anos, designer gráfica na Quinta dos Frades desde 2021, a ideia de mudar a imagem da quinta e das suas marcas de vinho teve, como objectivo, “criar uma unidade entre elas através da ligação de cada uma à quinta”. Assim, e quando o processo estiver concluído, em cada uma das referências de vinhos da empresa será evidenciada a marca umbrela, Quinta de Frades, em relação a cada uma das outras. Com esta integração, clientes e consumidores passarão a saber que todos os vinhos são produzidos pela Quinta dos Frades, o que não acontecia até agora. Como é evidente, o objectivo é promover e solidificar a imagem da empresa no mercado como produtora de vinhos do Douro e do Porto, para que possa continuar a crescer num mercado onde isso não é fácil para um produto como o vinho.
“Mas nós temos a vantagem de possuirmos uma história já longa por detrás e de termos construído, durante os últimos anos, uma identidade no mercado, lançando vinhos todos os anos, ou seja, estando presentes, o que tem contribuído para que os nossos já sejam conhecidos”. Hoje são colocados no mercado nacional pela Direct Wine, empresa do grupo Fladgate Parternship, principalmente para a restauração. Para além disso, só estão nos supermercados Apolónia, no Algarve, no El Corte Inglès, no E.Leclerc de Lamego, “uma referência onde toda a gente do Douro está, e mais um outro supermercado que me pede, pontualmente”, diz Aquiles de Brito, defendendo que não quer trabalhar com a grande distribuição. Para este responsável, ainda há muito muito trabalho a fazer em Portugal, o principal mercado da empresa, para cimentar a marca.
Quanto à exportação, que decorre apenas para o Brasil e pontualmente para outros mercados, “vai certamente lugar a isso, mas só depois de estar devidamente estruturado e cimentado no mercado nacional”, explica. Adepto de apostar na qualidade, na história por detrás da empresa e das suas marcas, para continuar a trilhar “um caminho que tem sido difícil, moroso, lento, com algum sucesso”, salienta “há que continuar a trabalhar e comunicar aquilo que fazemos bem e as nossas diferenças”.
Mais de 30 castas
A empresa tem, hoje, nas duas propriedades que a compõem, cerca de 240 hectares, dos quais 110 de vinha. Na Quinta dos Frades “há mais de 30 castas, de uma vinha onde as variedades predominantes são a Tinta Amarela, a Touriga Franca e, agora, a Touriga Nacional após a reconversão mais recente”, conta Diogo Lopes, 46 anos, enólogo da Quinta dos Frades, que tem um total de 75 ha de vinha. Uma parte significativa, de cerca de 20 hectares, é vinha velha. “A nossa é, na verdade, muito velha, pois uma parte significativa tem mais de 100 anos, o que faz dela a nossa jóia da coroa”, salienta.
Há mais 35 hectares na Quinta do Castelo, em Santa Marta, no Baixo Corgo, que estão a ser restruturados, porque a empresa quer apostar mais na produção de vinhos a partir de castas brancas. “Queremos puxar muito pela identidade dos tintos do Cima Corgo, na Quinta dos Frades e, na Quinta do Castelo, queremos apostar na frescura, nas castas brancas, no potencial que existe por explorar nos brancos do Baixo Corgo e duriense como um todo”, explica Diogo Lopes. Por isso, está a ser feita a reconversão de muitas variedades tintas para brancas, e “a multiplicação das castas mais enraizadas no Baixo Corgo, como a Códega do Larinho, o Avesso e o Arinto”. Para Diogo Lopes, “há espaço para fazer brancos com muito mais caracter, e é isso que queremos fazer”.
Vinha velha e muito velha
Trabalhar com vinha velha no Douro é sempre um grande desafio, e um trabalho pesado por ser manual, que obriga a um maior controlo e mais atenção durante o ciclo vegetativo das plantas, numa época em que há cada vez mais fenómenos extremos durante o verão, com picos de calor e outros fenómenos associados ao escaldão. “Temos tentado minimizá-los através de uma gestão mais equilibrada da forma como controlamos a vegetação, para protegermos os cachos dos fenómenos extremos, que têm sido cada vez mais constantes nos últimos anos e serão mais permanentes no futuro”, diz o enólogo, acrescentando que ainda há um longo trabalho a fazer, ao nível da viticultura, para conhecer e diferenciar todas as suas parcelas de vinha. A sua área extensa e as suas muitas exposições podem constituir uma mais-valia para o trabalho a realizar na adega, com uvas com características diferenciadas conforme as suas origens a poderem contribuir, após o estudo dos vinhos que originam, para originar vinhos diferenciados. O futuro o dirá.
Diogo Lopes conta que entrou na Quinta dos Frades há um ano, cheio de ideias. “Já apresentei um plano de trabalho ao Aquiles de Brito, que contém tudo aquilo que acredito que podemos fazer em conjunto nos próximos anos. Isso implica estudar tudo, ou seja, conhecer a Quinta dos Frades em todos os seus ambientes e recantos, porque acredito que ainda não se explorou todo o seu potencial”, conta. “É esse trabalho que a quinta merece”, afirma. Estudar para conhecer e individualizar as suas parcelas “irá também contribuir para podermos fazer a nossa própria multiplicação vegetal com o material genético que aqui existe, que é a nossa grande mais valia” explica.
Diogo Lopes acredita que, na Quinta dos Frades, há potencial, não só para produzir um vinho de Vinhas Velhas, mas também das suas parcelas mais especiais. Também pensa em apostar em alguns vinhos varietais, sobretudo das castas que se destacam mais na Quinta de Frades, como a Tinta Amarela, a que mais destaca na propriedade, “também por ser e espinha dorsal dos nossos vinhos, porque consegue manter uma acidez muito boa e resistir, melhor que outras, ao efeito do calor”. É ela que dá um caracter mais vegetal aos vinhos da quinta, enquanto o toque de lápis acabado de afiar é mais um carácter da vinha velha, como foi demonstrado na prova que fiz. “E queremos fazer vinhos do Douro, do cima Corgo, com este perfil puro e clássico, que identifica os vinhos da quinta”, diz ainda Diogo Lopes.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)
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Quinta dos Frades
Fortificado/ Licoroso - 2017 -
Comendador Delfim Ferreira Grande Reserva
Tinto - 2015 -
Dona Silvia
Tinto - 2017 -
Quinta dos Frades
Tinto - 2016 -
Vinha dos Deuses
Tinto - 2019 -
Vinha dos Santos Colheita
Tinto - 2020 -
Vinha dos Deuses
Rosé - 2023 -
Dona Silvia
Branco - 2020 -
Vinha dos Santos Colheita
Branco - 2022
Periquita: Muito mais do que uma marca
No ano em que a José Maria da Fonseca celebra os 190 anos de casa, sua marca mais emblemática – Periquita – foi objecto de um rebranding sob o mote “Moderno desde 1850”. É apresentada agora com uma imagem renovada e bem conseguida, que alia um estilo moderno com um toque de classicismo, resultando numa […]
No ano em que a José Maria da Fonseca celebra os 190 anos de casa, sua marca mais emblemática – Periquita – foi objecto de um rebranding sob o mote “Moderno desde 1850”. É apresentada agora com uma imagem renovada e bem conseguida, que alia um estilo moderno com um toque de classicismo, resultando numa estética tradicional refinada.
Conta a história que o fundador da casa mais antiga da Península de Setúbal (1834), José Maria da Fonseca, adquiriu a propriedade em Azeitão chamada Cova da Periquita, na década de 1840, onde plantou varas de Castelão que havia trazido muito provavelmente do Ribatejo.
Embora a data exata da primeira colheita não possa ser confirmada, sabe-se com certeza que em 1850 o Periquita já era produzido. Prova disso é uma carta desse ano, na qual José Maria da Fonseca escreve a um amigo: “Gostava que provasses o meu Periquita.”
Foi o primeiro vinho engarrafado em Portugal, e com ele nasceu o conceito que hoje chamamos de “marca” (e que foi oficialmente registada em 1941). O nome que corresponde à identidade de um vinho e desperta as expectativas do consumidor.
As garrafas vieram da Inglaterra, a concepção dos primeiros rótulos do Periquita foi da autoria de um artista parisense e as rolhas eram seleccionadas por um técnico catalão. Foi um passo visionário. O vinho engarrafado que ostenta um rótulo, ao invés do vinho vendido a granel, para além de chegar ao destino mais protegido da adulteração, serve de embaixador da casa que o produziu, da região e do país.
Em 1881 deram-se as primeiras exportações de Periquita para o Brasil. A colheita de 1886 recebeu a medalha de ouro na Exposição de Vinhos de Berlim em 1888.
Na década de 1940 surge o conceito de Reserva, “que não tem nada a ver com os Reservas de hoje” – explica Domingos Soares Franco, o vice-presidente da empresa e a 6ª geração da família. “Nos anos bons guardava-se uma parte em cave e lançava-se mais tarde”, com 5-7 anos de estágio. “Reservavam-se cerca de 1000 caixas de 12 e, nesta altura, estaremos a falar da produção do Periquita de mais de 100.000 caixas, ou seja cerca de 1 milhão e meio de garrafas”. O Periquita e o Periquita Reserva, originalmente, eram o mesmo vinho. O Reserva de hoje é um vinho completamente diferente do Periquita “colheita”.
Embora o Periquita tenha nascido como Castelão, a força da marca era tal que se tornou na sinonimia da própria casta na região (hoje permitida apenas para a Península de Setubal). Nos anos 40-50 do século passado deixou de ser Castelão a 100%, juntando a Trincadeira que o pai de Domingos Soares Franco, Fernando Soares Franco, gostava muito, e Aragonez. Décadas depois deixa de ser blend, sobretudo porque ambas as castas mostram grande susceptívidade às doenças da vinha, e a Trincadeira ainda por cima “é uma casta muito aneira e desidrata de um dia para outro”. Na viragem do século volta a ser um blend, para o qual a Trincadeira e Aragonez vêm de uma vinha plantada no início dos anos 90. Na colheita de 2022, o Aragonez foi substituído por Alicante Bouschet (14%), a acompanhar Castelão (47%) e Trincadeira (39%). Deste vinho produzem-se actualmente cerca de 450 000 garrafas.
Acompanhando a evolução e as exigências dos mercados, a família do Periquita cresceu. Em 2004 foi lançado o Periquita branco, inicialmente para o mercado sueco. A nova época do Reserva começou com vindima de 2004, lançado em 2007 também com foco no mercado sueco. Como o tempo, o sucesso estendeu-se para o Brasil e a Noruega. Na sua composição, o Reserva tem 54% de Castelão, 28% de Touriga Nacional e 18% de Touriga Francesa; estagia mais tempo (oito meses) do que o Periquita original em madeira de carvalho francês (usada) e americano (nova). Deste vinho fazem-se cerca de 600 000 garrafas.
Em 2007 surgiu o Periquita rosé e, em 2008, foi criado o Periquita Superyor, lançado em 2012 como um topo de gama da família dos Periquita.
Regresso ao Clássico
Os tempos mudam, a tecnologia evolui e a abordagem enológica adapta-se. Hoje em dia, as uvas são desengaçadas, as fermentações ocorrem em cubas de inox e não em lagares e o estágio passa a ser em barricas de carvalho francês e americano em vez de tonéis grandes de madeira usada. Neste contexto, é natural que mais cedo ou mais tarde surja a vontade de regressar às origens sem intromissão na evolução natural das coisas.
O regresso ao passado sucedeu pela primeira vez na colheita de 1992, quando Domingos Soares Franco fez um lote de vinho “como antigamente: em cubas de cimento com engaço, sem controlo de temperatura e com estágio em tonéis” com o intuito de ser lançado anos mais tarde, por volta de 1998-1999. Entretanto, o vinho acabou por ser apresentado ao importador nos Estados Unidos em 1995, demasiado cedo para mostrar todo o seu potencial. Obviamente, não teve o sucesso esperado. “Foi o jantar mais caro da minha vida”, lembra-se com risos Domingos Soares Francos, que fez uma viagem de ida e volta a Califórnia sem vender uma única garrafa. O Periquita Clássico teve várias colheitas, incluindo as de 1994, 1995, 1999, 2001 e 2004, ano em que decidiram descontinuá-lo. No entanto, nas suas viagens aos mercados de exportação, sobretudo no Canadá e nos Estados Unidos, Domingos Soares Franco sentiu que havia interesse crescente por este conceito. Assim, em 2014 voltaram a fazer o Periquita Clássico, que está ainda disponível no mercado. O 2015 será lançado em breve, permanecendo o 2017 em estágio. A identidade do perfil também é assegurada pelas uvas provenientes de uma vinha com quase 40 anos, implantada em solos argilo-calcários numa vale da Serra da Arrábida. Do Clássico produz-se entre 8 e 9 mil garrafas.
O Castelão das areias e do argilo-calcário
Voltando à Periquita, neste caso, à casta Castelão, um cruzamento natural da casta tinta Portuguesa Alfrocheiro com a casta branca, chamada Sarigo em Portugal e Cayetana Blanca em Espanha.
Graças a José Maria da Fonseca, a casta não só ganhou popularidade na região, como se tornou identitária, embora tenha perdido terreno a favor de outras castas. Quanto aos dados estatísticos, Domingos Soares Franco referiu que, de acordo com a CVR da Península de Setúbal, na região existem 7100 ha de vinha, dos quais 60% castas tintas, o que corresponde a 5050 há, com 3015 ha de Castelão, sendo cerca de 80-100 ha de vinhas velhas com mais de 40 anos.
Domingos Soares Franco explica que o perfil dos vinhos varia consoante o solo: do argilo-calcário os vinhos apresentam “fruto mais exuberante quando jovens, menos álcool, mais acidez e corpo mais fino”, enquanto das areias revelam “fruto mais concentrado, notas de eucalipto, mais álcool e maior estrutura”. Nos anos 40-50, as uvas vinham predominantemente do argilo-calcário e algumas das areias, nos anos 60-70, o argilo-calcário deminui e hoje quase tudo é de areia. Na sua opinião, o lote ideal seria de Castelão com 65% do argilo-calcário e 35% das areias.
Uma prova histórica
Uma prova destas, como a que tive oportunidade de fazer nunca aconteceu antes e dificilmente será repetida. Provámos 14 vinhos a atravessar décadas desde 1940 até 2022, contextualizados pelo grande mestre e figura carismática Domingos Soares Franco, com presença do seu irmão e presidente da empresa, António Soares Franco, António Maria e Sofia Soares Franco da 7ª geração e Paulo Hortas, director de Enologia e Viticultura.
“Se fizermos uma viagem no tempo, é provável que encontremos uma viagem de Periquita” – dizem na José Maria da Fonseca, pois com 174 anos de história, o Periquita acompanhou grandes mudanças e acontecimentos no mundo. Assim, durante a prova, fizemos uma retrospectiva dos últimos 84 anos.
Em termos globais, o ano 1940 foi marcado pela invasão da Alemanha na Europa Ocidental. O Periquita de 1940, marcado na gargantilha como Reserva no seu conceito antigo, apresentou uma cor ainda intensa a lembrar mogno, muito alinhado e vivo no aroma com compotas, marmelada, especiaria, passas acompanhadas por notas de cogumelos, terra húmida e musgo a evidenciar a evolução. Carnudo, com boca bem composta e cheia de frescura, onde o tanino já se tornou sedoso pelo tempo mas assegurou a vida do vinho. Com mais de 80 anos este vinho é uma bela surpresa (17,5)!
Em 1954 aconteceu o Golpe Militar no Paraguai e foi inaugurado o Estádio da Luz. O Periquita de 1954, também marcado como Reserva, mostrou-se mais acastanhado na cor e amadeirado no aroma, com sugestões de tâmaras, alcarávia, madeiras envernizadas e molho de soja; com corpo mais magro do que o vinho anterior e o tanino consumido pelo tempo, mas ainda com frescura e um certo carácter (16,5).
Em 1959, Fidel Castro tomou posse em Cuba e, em Portugal, foi inaugurado o Cristo Rei em Almada. E também foi um grande ano, quer em Portugal, quer em Bordéus. Deste ano provámos dois vinhos. Um deles marcado com letras “J” e “P”. Segundo Domingos Soares Franco, as garrafas eram exactamente iguais, mas numa com as letras que mal se vêm estava assinalado “JMF” e noutra “ACP”. Eram dois lotes diferentes e calcula-se que um era proveniente das vinhas da José Maria da Fonseca, do argilo-calcário e outro dos solos arenosos da Adega Cooperativa da Palmela, onde na altura se comprava vinho. Isto confirma-se pelo estilos diferentes dos vinhos.
O 1959P com muita cor e laivos mogno, com fruta ainda de grande definição a lembrar framboesas e amoras, especiaria, nuances florais, um vinho intenso, elegante com tanino presente que promove a longevidade, e frescura fantástica (18). O 1959PJ com fruta mais delicada, notas de cogumelo, musgo, pão de centeio, alcarávia, fumo e folha de louro, revelou menos corpo, acidez espevitada, tanino mais tenaz envolto numa textura de veludo (17,5).
Em 1961 John Fitzgerald Kennedy tomou posse como presidente dos EUA e Iuri Gagarin foi o primeiro cosmonauta no espaço. O Periquita 1961 revela a cor mogno intenso, com bastante fruta a lembrar ameixa e cereja desidratada, especiaria, flores secas a lembrar lavanda, cogumelos e eucalipto, muito balsâmico. Denso, com amplitude e frescura, longo e bem persistente no sabor (17,5).
Em 1965, os Estados Unidos entraram na Guerra do Vietname e o cosmonauta soviético Alexei Leonov realizou a primeira caminhada espacial. Em 1966, Indira Gandhi foi eleita a primeira-ministra da Índia, sendo a primeira mulher indiana a assumir o cargo e os Beatles lançaram o seu álbum icónico “Revolver”. Nesta altura Portugal encontrava-se em plena Guerra Colonial.O Periquita 1965 infelizmente tinha TCA. O Periquita 1966, de cor mogno atijolado, mostrou-se denso e cheio, intenso com notas iodadas, tinta da China, castanhas, molho de soja, fruta discreta e mais evidente no retronasal (16,5).
O ano de 1970 marcou o início de uma série de crises económicas globais e, em, Portugal morreu António Salazar. O Periquita 1970, com uma cor atijolada, balsâmico com fruta compotada, especiaria, alcarávia, bastante directo, mantendo o foco, ligeiramente metálico, com boa frescura e leve amargo no final (16,5).
Em 1976 teve início a ditadura na Argentina, Steve Jobs lançou a Apple e Jimmy Carter foi eleito presidente dos Estados Unidos. O Periquita 1976 revelou muita fruta compotada, marmelada, especiaria doce, framboesa, algum cogumelo também. Parece-se com o 1970, mas é mais cheio, mais redondo e macio, com boa estrutura de tanino polido, e muito guloso (17).
Em 1985 foi assinado o Tratado de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias e Mikhail Gorbachev assumiu o cargo de Secretário-Geral da União Soviética. O Periquita 1985, também marcado como Reserva, apresentou um ligeiro toque de rolha.
Em 1990 deu-se a reunificação da Alemanha, o fim do Apartheid na África do Sul e Tim Berners-Lee propôs a criação da World Wide Web. O Periquita 1990 marcou pela fruta presente e notas caramelizadas, cogumelos, especiaria, fumo, madeiras exóticas, pimenta preta, doce de amora, com bastante volume, ambiente escuro, cheio, guloso e aveludado por tanino maduro e redondo (17).
Em 2007, a Apple lançou o primeiro iPhone e ocorreu o colapso do mercado imobiliário dos EUA. O Periquita 2007 representa um lote de Castelão (75%), Trincadeira (15%) e Aragonez (10%). A maior parte das uvas provém do solo arenoso e 5% do argilo-calcário. De cor granada, revela muita amora e pimenta preta, figo maduro, alguma canela, alcarávia, leve musgo e eucalipto. Alinhado e elegante, muito bonito e em grande forma. Tanino fino e tudo muito polido. (16,5). Deste vinho foram produzidas mais de 1 milhão de garrafas.
Em 2011 acabou a Guerra do Iraque, Bin Laden foi assassinado e Portugal tornou-se membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU. O Periquita 2011 foi o último feito por Domingos Soares Franco, que continua como o enólogo inspirador mas, segundo ele próprio, não intervém nas decisões da equipa de enologia. É um lote de Castelão (50%), Trincadeira (40%) e Aragonez (10%), também maioritariamente do solo arenoso. De cor granada, fruta doce e compota, no fundo folhas de louro, algum tomilho e orégãos. Está numa fase ascendente, com tudo interiorizado, mas ainda com muita força, parece mais novo. Chá, bergamota, acidez não tão pronunciada como no 2007 (16,5). Foram produzidas 375 000 garrafas.
Em 2022 começou a guerra da Ucrânia e ocorreu a morte da Rainha Isabel II. No Periquita 2022 o Alicante Bouschet substituiu Aragonez no lote com Castelão e Trincadeira.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)