Casa da Passarella: Clássicos novos e experimentais sedutores

Há já alguns anos que o produtor Casa da Passarella nos confidencia que os seus vinhos esgotam muito depressa, sobretudo as denominadas entradas-de-gama que, no caso deste produtor do Dão, são praticamente já gama premium, com potencial guarda e a oferecer muito prazer. Ora melhor notícia não poderia haver num país (e mundo) com uma […]
Há já alguns anos que o produtor Casa da Passarella nos confidencia que os seus vinhos esgotam muito depressa, sobretudo as denominadas entradas-de-gama que, no caso deste produtor do Dão, são praticamente já gama premium, com potencial guarda e a oferecer muito prazer. Ora melhor notícia não poderia haver num país (e mundo) com uma imensidão de marcas, e logo para um produtor do Dão, região que, apesar da sua notoriedade, não tem sentido o apelo comercial de outras regiões.
Na verdade, a Casa da Passarella é uma história, e um farol, de sucesso: com um histórico de 130 anos na produção de uvas e vinhos de grande qualidade, no século passado para outros produtores da região e fora dela, a atual fase do projeto é, sem dúvida, ainda mais consistente e, porque não dizer, gloriosa. Com efeito, tudo em torno do projeto está pensado ao pormenor, desde a reabilitação das construções na propriedade à reestruturação de vinhas, passando pelo website no qual se pode ler uma verdade indesmentível: que a história da Casa da Passarella se cruza com a própria história do Dão! Brevemente abrirá um hotel que promete dar muito que falar e pôr a propriedade “de novo nas bocas do Mundo”, não fosse este um dos lemas do projeto.
Vinhos de nicho
Mas, para o enófilo, são sobretudo os vinhos que mais importam. E neste campeonato é mais que seguro dizer que todos os vinhos da Quinta da Passarella (e todos a partir de produção própria, diga-se) merecem prova atenta, com alguns deles a terem excelente relação preço-qualidade (destaque, neste tema, para as marcas A Descoberta e Abanico).
Por outro lado, e no que se refere a topos de gama, existem já verdadeiros best-sellers, caso do Villa Oliveira Encruzado (sobretudo na versão branco) e do ícone Casa da Passarella, um dos melhores tintos nacionais. Parte capital deste sucesso deve-se ao enólogo Paulo Nunes, há muito ligado à propriedade e ao Dão (ele que começou no Douro e oficia ainda na Bairrada, Trás-os-Montes e, mais recentemente, em Estremoz no Alentejo). Com efeito, Paulo Nunes tem conseguido potenciar, por um lado, a produção de vinhos a partir das muitas vinhas velhas da propriedade junto à Serra da Estrela e, por outro, a produção e lançamento de vinhos quase experimentais de nicho, em alguns casos como resultado de substituição de anteriores plantações. Talvez o melhor exemplo seja a casta Tinta Roriz que tem sido progressivamente expurgada da propriedade dando lugar, muitas vezes por enxertia, a outras castas como a Baga. Naturalmente, estes ensaios proporcionam uma dupla condição: permitem ao enólogo conhecer melhor o comportamento da casta e comprovar o acerto do perfil de vinificação escolhido, enquanto possibilita que o consumidor mais curioso vá provando vinhos únicos e muito originais.
Futuro risonho
Sob a chancela O Fugitivo, no passado foram lançados, e provados, edições de Tinta Pinheira, Bastardo e Uva-Cão, bem como um espumante de Baga e um branco de curtimenta, sendo agora lançados uma coleção de três tintos, um Tinta-Amarela, um Tinto Cão e um Baga. Com o passar dos anos, Paulo Nunes assume já ter um significativo conhecimento das vinhas da Casa da Passarella, pelo que o futuro não pode ser outro que não risonho. Difícil mesmo é superar o nível já alcançado!
(O autor escreve segundo o acordo ortográfico)
Artigo publicado na edição de Julho de 2024
Enoturismo: Vinilourenço – No Douro mais intenso

Já muito se escreveu sobre o Douro, mas nunca me canso de o ler, de o visitar, de o ver, de o cheirar e de o apreciar. A região demarcada do Douro oferece sempre sensações diferentes. A cada visita uma nova história. Na realidade não existe um só Douro, existe um território que vislumbra várias […]
Já muito se escreveu sobre o Douro, mas nunca me canso de o ler, de o visitar, de o ver, de o cheirar e de o apreciar. A região demarcada do Douro oferece sempre sensações diferentes. A cada visita uma nova história. Na realidade não existe um só Douro, existe um território que vislumbra várias cenografias naturais, que nos instiga constantemente a visitar, a ficar, a calcorrear os caminhos tão belos como desafiantes, alicerçado em mirantes e miradouros que testemunham a sua própria magnitude.
No Douro há uma relação umbilical entre vinho e território, uma relação que não é meramente física, mas muito envolvida na cultura e nas pessoas. Ser do Douro é motivo de orgulho que só quem lá vive sente. Este casamento entre vinho e território identifica as origens, o vinho torna-se num embaixador único, levando uma mensagem sobre a terra, as gentes e a cultura. Se há destino onde se adormece e acorda a pensar em vinho e em tudo o que rodeia é exatamente nesta região.
Na realidade visitar o Douro é uma experiência única para os verdadeiros amantes de vinho. Aqui têm a oportunidade de provar excelentes vinhos, mas também de explorar uma paisagem deslumbrante, rica em história, cultura e tradição vinícola. Se pensarmos em toda a história do Douro e das suas gentes só me ocorre uma palavra – notável.
O Douro é também um território de produção onde a origem conta. Com condições climáticas muito próprias, um solo que exige um trabalho árduo e um modo ímpar de trabalhar a terra, o Douro forma uma paisagem magnífica e torna-se berço de vinhos memoráveis com uma enorme capacidade de guarda quer no âmbito dos tranquilos e espumantes, quer no âmbito dos fortificados, Portos e Moscatéis. Não foi por acaso. Foi com muito mérito que o Alto Douro Vinhateiro fez e faz parte do património da UNESCO, desde 2001, como paisagem cultural evolutiva e viva.
Na realidade e à medida que se vai percorrendo este destino turístico e vinhateiro, sente-se que os vinhos e os territórios formam um ser único, de vasos comunicantes, de montanhas “encorpadas”, de aromas estonteantes, paisagens deslumbrantes, onde “taninos” complexos e elegantes, constituem os néctares que vamos provando. Este casamento virtuoso entre vinha, vinho e turismo, que designamos de enoturismo, faz deste território um destino de visita obrigatória.
A interacção entre territórios funcionalmente distintos, mas interdependentes e, por isso, mais fortes na sua presença e afirmação no mundo, constitui o mote para a visita que alegremente fizemos ao Douro Superior. Confesso, o meu Douro preferido.
Por estas terras os solos são, na sua quase globalidade, derivados de xistos e algum granito. As amplitudes térmicas são um pouco mais acentuadas do que em locais de clima mediterrânico típico, com mais precipitação e temperaturas mais amenas. Assiste-se a vinhas plantadas em altitude que contribuirão para a elaboração de vinhos mais frescos, com acidez desafiante. Por estas razões e sobretudo pela admiração que tenho pelo Douro, decidi realizar esta viagem de cheiros e sabores que me levaram a um produtor de vinhos do Douro – Vinilourenço, que expressa na perfeição as sensações que acabei de descrever.
Produtor familiar
Foi com Horácio Lourenço que tudo começou, com a plantação das primeiras vinhas há cerca de quatro décadas, impulsionando a base da empresa. O amor à terra e o gosto pela agricultura obrigaram-no a embrenhar-se no mundo da vinha e do vinho, concretizando o sonho que sempre teve de ser viticultor. A sua actividade principal, a construção civil, não lhe permitia uma dedicação a tempo inteiro. Começou por isso, a incentivar o seu filho Jorge Lourenço para a missão de ir mais além do que só comercializar as uvas que colhiam. Desde logo procurou que assumisse os destinos e a estratégia da empresa de fazer os seus próprios vinhos, criando as suas marcas.
Imbuído do espírito empreendedor do pai, ávido de aprender e de levar a “bom porto” o negócio da família, Jorge Lourenço, de temperamento vivo, assume de forma abnegada as rédeas da empresa. Entendeu que os ensinamentos do pai, apesar de importantes, necessitavam se ser complementados com mais conhecimento técnico. Aprender mais e de forma consistente passou a ser mote que lhe veio proporcionar as qualificações mínimas necessárias perante a “empreitada” que tinha pela frente. Concluiu o ensino secundário com mérito, inscreve-se num curso de jovem empresário e mais tarde numa pós-graduação em Enoturismo. Irrequieto e irreverente, é Jorge Lourenço quem hoje assume a administração da Vinilourenço, de corpo e alma, e já lá vão duas décadas, para felicidade do pai, que vê no seu filho a concretização do sonho que teve há 40 anos.
A adega, construída em 2003, situa-se na localidade do Poço do Canto, Concelho da Meda. Tem vindo a ter várias ampliações. É em 2020 que sofre uma remodelação profunda, aumentando a capacidade de produção de vinho e armazenagem para cerca de 800.000 litros. Nesta altura já Jorge Lourenço estava convicto que o turismo seria importante fonte de rentabilidade complementar à comercialização do vinho. Nasceu assim a actividade de enoturismo na empresa.
A família Lourenço sempre respeitou os métodos ancestrais, mas percebeu em boa hora que o mercado consumidor estava a mudar. Neste sentido, dotou a adega de todos os equipamentos necessários à produção de vinhos de qualidade, aliando a metodologia tradicional da utilização dos lagares de granito, à mais moderna vinificação em cubas de aço inox, algumas delas concebidas pelos técnicos da empresa em parceria com o sector das metalomecânicas. Cientes da tradição do Douro de colocar vinhos em estágios médios e prolongados, utilizam barricas de carvalho para os seus grandes vinhos.
A adega e as vinhas
A adega dispõe-se por quatro pisos, adaptados à orografia do local: no piso “0”, está localizada uma loja de vinhos para venda directa, armazém de apoio, escritórios, e um espaço para provas e eventos vínicos, com cerca de 100m2, equipada com cozinha e um terraço panorâmico para se poder desfrutar da ampla vista da paisagem rural, e um vidro suspenso com vista para a sala de barricas; o piso -1 está destinado a estágio de vinhos em cubas de aço inoxidável de diferentes capacidades, que permitem realizar os lotes pretendidos em grande ou pequeno volume e o estágio de vinhos em barricas de carvalho, utilizadas para os vinhos de qualidade superior; o piso -2 destina-se a receção das uvas, vinificação, engarrafamento e rotulagem; por fim, no piso -3, a adega dispõe das condições ideais para estágio e conservação, com capacidade de armazenamento de produto acabado.
As vinhas da empresa totalizam cerca de 50 ha e estão dispersas por várias parcelas, que chegam a distar entre si mais de duas dezenas de quilómetros, nas freguesias do Poço do Canto, Meda, Vale da Teja, Sebadelhe e Pocinho. Este facto tem o inconveniente de não permitir adoptar o conceito de “Quinta” e de elevar, significativamente, os custos de produção, mas em contrapartida tem a enorme vantagem de dispor de vinhas com uma grande diversidade de condições ambientais, que permitem explorar as castas de forma muito criativa e produzir vinhos com os mais variados estilos.
As cotas dos vinhedos variam entre os 130 e 700 m, tanto em terrenos de encosta com forte declive, como em zonas planálticas, levemente onduladas. Há vinhas armadas em patamares de uma, duas ou mais filas de videiras, com orientações solares muito variáveis, e vinhas contínuas, planas ou de declive suave, com uma única exposição.
Os solos de origem xistosa – típicos do Douro – ocorrem nas zonas de cota mais baixa, junto ao rio Douro, na maior parte das zonas de cota intermédia e, ainda, em algumas cotas altas da freguesia do Poço do Canto. Os solos de transição, com origem no xisto e granito, e os de origem granítica – típicos da Beira – ocorrem nas zonas altas, já na fronteira do Douro Superior com a Beira Interior. Os solos xistosos, de maior fertilidade e menor acidez, têm maior capacidade de retenção de água e dão origem, em regra, a maiores produtividades, proporcionando menor stress hídrico às videiras em anos secos e quentes. Os solos de origem granítica, de menor fertilidade, dão origem a grandes vinhos, particularmente quando há ocorrência de alguma chuva em setembro.
O desafio é entender não um, mas os vários terroirs que a empresa possui, e perceber, de forma empírica, mas também científica e técnica, o resultado dos mostos que originam para fazer blends de várias castas, de várias proveniências, altitudes, exposição solar, produção por parcela, etc.
Turismo de vinho
O enoturismo é a mais recente aposta da Vinilourenço, alicerçada numa estratégia ligada à autenticidade do atendimento das gentes deste Douro (Superior) e no serviço dos produtos mais genuínos. O espaço possui uma loja de vinhos para compra imediata e possibilidade de envio para o domicílio do visitante. Tem ainda um armazém de apoio e um espaço para provas e eventos vínicos, com cerca de 100m2, onde se pode degustar os produtos locais e regionais e ainda, sob reserva, realizar refeições. Neste sentido, o espaço tem uma cozinha equipada para a promoção da gastronomia duriense e um terraço panorâmico para poder desfrutar da ampla vista da paisagem rural que rodeia a adega.
O que mais me impressionou foi a recepção afável e profissional com que fui brindado. É fácil chegar à Vinilourenço, numa viagem pelas paisagens deslumbrantes do Douro. Tive a sorte de me “perder” pelo caminho, já que usufruí da beleza natural do meio envolvente de um mundo rural ainda preservado. O GPS recomenda-se.
Existe um conjunto interessante de programas que possibilitam e preconizam uma experiência inesquecível. A visita inicia pela apresentação do ADN da empresa, a sua história, a adega, os vinhos e os terroirs que possui. De seguida realiza-se o percurso pela adega, que termina na tradicional prova de vinhos, que varia de acordo com o programa escolhido. Aconselho vivamente a visita a algumas das vinhas que a empresa possui, pois é lá que o vinho nasce, é aí que se percebe a complexidade dos vinhos deste produtor. E se for na companhia do Jorge Lourenço (é muito provável que aconteça) vai sentir-se, no seu entusiasmo, o amor que tem pela terra e pela história que a família Lourenço foi construindo nos últimos 50 anos. Mas para um enófilo e gastrónomo que se preze, provar (e beber) sem comer a experiência não será completa, pelo que sugiro um programa que inclua Wine & Food no terraço.
Para quem necessitar de realizar algum evento empresarial ou eventualmente agendar uma experiência com um grupo de turistas, o espaço está preparado para grupos de 10, 20 e 30 pessoas sentadas. Existe ainda, como motivo de interesse, a visita aos 12 ha de olival e 0,5 ha de amendoal. Para além dos programas estabelecidos, a Vinilourenço está actualmente a criar todas as condições para poder oferecer alojamento turístico, Spa nature e espaço de restaurante no meio de uma das vinhas, num quadro natural que vai fazer as delícias dos privilegiados que conseguirem viver a experiência de comer, beber e dormir em perfeita sintonia com o mundo rural. Um local para ser muito feliz!
CADERNO DE VISITA
COMODIDADES
– Carregamento para carros elétricos
– Kids friendly
– Línguas faladas: espanhol, inglês e francês
– Loja de vinhos com espaço de bar / provas / refeições
– 40 lugares sentados
– Parque para automóveis
– Provas livres e comentadas (ver programas)
– Possibilidade de realizar refeições
– Turismo acessível
– Wifi disponível
– Visita à adega
– Visita às vinhas
– Visita ao Douro
EVENTOS*
- Almoços de família, lançamento de um produto, aniversários e datas especiais
- Eventos Team Building
- Festas particulares
- Jantar de empresa ou de negócios
- Possibilidade de criar o próprio evento
- Possibilidade de fazer eventos de empresas para os seus colaboradores
- Possibilidade de fazer Provas cegas
- Reuniões
- Workshops
* sob reserva
EXPERIÊNCIAS À MEDIDA*
– Cursos de introdução ao vinho
– Pic nic vínico
– Seja enólogo por um dia
* sob reserva
PROGRAMAS
Prova Colheitas:
– Dois Vinhos Douro DOC (opção de escolha marca D. Graça ou Fraga da Galhofa); Preço de prova: €10 por pessoa; Nº de pessoas: mínimo duas.
Prova Blend:
– Um Espumante Blend e três vinhos Reserva (Fraga da Galhofa Tinto Reserva, Fraga da Galhofa Branco Reserva, D. Graça Tinto Grande Reserva Vinhas Antigas); Preço de prova: €25 por pessoa; Nº de pessoas: mínimo duas.
Prova Cega Terroir:
– Cinco vinhos Monovarietais; Preço de prova: €35 por pessoa; N.º de pessoas: mínimo duas.
Full turn – visita a vinhas, adega e prova de vinhos:
Ponto de encontro na Vinilourenço; Transporte providenciado pela Vinilourenço; Visita guiada às vinhas; Brinde nas vinhas com um dos vinhos da casa; Visita guiada à adega; Surpresa.
Duração: 1h30
Idiomas: Português e Inglês.
Disponível: De Segunda a Sexta das 11h00 – 18h00 e sábados das 9h30 – 12h30.
Hora de início: 11:00 horas, 14:00 horas, 16:30 horas.
Nº de pessoas:(sob consulta)
Preço: €40 (por pessoa)
Esta actividade inclui guia, visita guiada, prova de vinhos, loja de vinhos.
HORÁRIO
Segunda a Sexta das 9h00 – 18h00
Sábado 9h30 – 19h00
VINILOURENÇO
EN324 – Poço do Canto
Meda 6430-335
Telefone: 279 883 504
e-mail: geral@vinilourenco.com
site: www.vinilourenco.com
(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)
Kabuki: Um restaurante japonês com sotaque português

Já tinha lá ido algumas vezes, sempre em contexto profissional e a impressão geral foi de franco agrado, tanto pelas propostas gastronómicas como pelo serviço de vinhos exemplar. É um daqueles sítios que guardamos na nossa bucket list para visitar mais tarde e com calma. Notícias recentes tinham anunciando a saída quase simultânea do chefe […]
Já tinha lá ido algumas vezes, sempre em contexto profissional e a impressão geral foi de franco agrado, tanto pelas propostas gastronómicas como pelo serviço de vinhos exemplar. É um daqueles sítios que guardamos na nossa bucket list para visitar mais tarde e com calma. Notícias recentes tinham anunciando a saída quase simultânea do chefe Paulo Alves e do sommelier Filipe Wang e fizeram-me hesitar. Será que… Por isso, foi com um misto de curiosidade e de dúvida metódica que aceitei o convite para visitar, de novo, o belo espaço que se acolhe naquelas que foram as Galerias Ritz, de saudosas memórias. E ainda bem que o fiz. Recebeu-me Vitor Jardim, director do restaurante desde a sua abertura, e, afinal, a garantia de continuidade do conceito e do padrão da qualidade.
A minha visita começou no bar, que também serve alguns petiscos e fica no piso intermédio dos três que compõem o espaço, onde, com mestria e criatividade, o barista Telmo Santos tem vindo a desenvolver novos cocktails (com e sem álcool), dos quais tive a oportunidade de provar dois. Comum a todos eles é a base das bebidas japonesas, a que este profissional acrescenta sabores e aromas frutados e plenos de frescura. Fiquei fã, devo confessar. Depois desta introdução descemos para a sala de jantar, um espaço cativante e acolhedor dominado por uma barra para oito comensais, por detrás da qual um impressivo mural origina um contraste entre a exuberância das cores e as linhas sóbrias da restante decoração. Naquela noite fui informado que o novo chefe, Sebastião Coutinho, não estava, o que, por um lado, me privou de o conhecer e de trocar algumas impressões com ele mas, por outro, me ajudou a tirar a prova dos nove.
Observar um restaurante estrelado sem o chefe executivo presente é, muitas vezes, a receita certa para uma refeição decepcionante. Não foi de todo o caso e isso afinal só abona em favor de uma equipa competente e bem lubrificada. O menu Kabuki que experimentei (125€ com seis momentos) começa de uma forma misteriosa com a apresentação de uma bento box, uma caixa negra lacada, aberta à frente do cliente, que contém seis aperitivos tão sugestivos à vista como deliciosos. Seguiu-se salmonete e algas, irrepreensível de frescura e delicadeza, para continuarmos com um Akami Caviar, em que o atum foi tratado à sua mais alta expressão. A influência portuguesa foi bem visível no “À Bulhão Pato”, o prato seguinte, onde o lírio, as amêijoas e o molho se casaram de forma harmoniosa. O prato seguinte, barriga de atum, ovas e raspa de atum foi, para mim, o menos conseguido. Mas isso não desilustrou uma refeição que, no seu conjunto, esteve em grande nível. O serviço de vinhos, agora da responsabilidade do sommelier Miguel Ribeiro, apresentou propostas acertadas de harmonização, que passaram por um espumante de Monção e Melgaço, um branco Donzelinho do Douro, um Riesling da Alsácia e um saké servido a preceito. Está bem e recomenda-se o “novo” Kabuki que, com Sebastião Coutinho, levou a influência mediterrânea a um toque mais português.
Kabuki
Morada: Rua Castilho 77 B – Lisboa
Tel.: 212 491 683 / 935 010 535
Experience (1º piso) – Só almoços, de terça a sexta-feira das 12:30 às 15:00 horas
Bar Kikibari (Piso intermédio) – Terça a sexta das 12:30 às 00:00 horas
Sala Principal (Piso de baixo) – Só jantares, de terça a sábado das 19:30 às 00:00 horas
Harmonias: Delícias (muito) doces disponíveis para casar

Tarte de maçã Deve ser o bolo que faço há mais tempo, desde que me comecei a aventurar de forma sistemática na cozinha. Representa, além disso, o produto culinário mais “dás-me a receita” de todos. Não sei que magia vêem as pessoas nas receitas, quando o que mais conta é a volta que se dá, […]
Tarte de maçã
Deve ser o bolo que faço há mais tempo, desde que me comecei a aventurar de forma sistemática na cozinha. Representa, além disso, o produto culinário mais “dás-me a receita” de todos. Não sei que magia vêem as pessoas nas receitas, quando o que mais conta é a volta que se dá, e tem mil variáveis. Agora toda a gente faz a receita da Bimby – que é boa e funciona – como se fosse um salvo conduto para apresentar perante os pares, em jeito de competição. Eu nunca fui competitivo quanto a culinária. É um total desperdício de tempo. Exceptuando a maravilhosa tarte de maçã em massa folhada que se fazia na incrível Machado, em Caldas da Rainha, trata-se de uma tarte com maçã laminada no topo e base massuda de composição variável. Após algumas investidas no assunto harmonização, aponto com alguma segurança o branco de curtimenta – vulgo orange – como campeão. A maçã está muito exposta e a fruta secundária e oxidativa do vinho adora brincar com ela. A melhor experiência foi com Avesso de Baião, corpo e conteúdo a mostrar muito boa adequação.
Pastel de nata
Se a vida dá muitas voltas, a história não faz sequer intervalos. Em 1834, como é sabido, foi decretada a extinção das ordens religiosas, seguindo-se a expropriação e expulsão de religiosos e religiosas. Nos Jerónimos, a pequena ventura que ali grassava e que era a venda dos pequenos pastéis de nata inspirados nos pastéis de leite da Infanta Dona Maria, tornou-se rapidamente sustento da comunidade monástica. Em 1837 viria a nascer a Real Fábrica dos Pastéis de Belém, aproximadamente no mesmo local onde a encontramos hoje. Aspectos técnicos e um concurso de contornos difusos impedem-me de opinar sobre se serão ou não verazes e conforme a receita de então. Mas certo é que se trata de um bolo que perdurou até aos nossos dias. Representa hoje um ícone da diáspora portuguesa em todo o mundo. Sendo a massa folhada da taça que suporta a custarda feita com manteiga e levada a mais de 380ºC, o resultado tem destino marcado com um moscatel de Setúbal com mais de vinte anos. Copioso em açúcar e com uma acidez pronunciada, consegue a um tempo corte e harmonia. Madeira Malvasia poderá ser também hipótese a considerar.
Pão de ló
O pão de ló é um caso muito sério e, tal como o pastel de nata, o original, o primeiro de todos, perde-se nas brumas do tempo. As variantes hoje já incluem o de chocolate e quase todos levam doce ovos ou outra espécie de recheio. O meu padrão é aquele sobre o qual me debruço e é seco, fofo e foi feito em forno de lenha, exactamente como o de Margaride. De receita secular, configura standard forte do grande “sponge cake” português. Desde muito novo é o meu favorito, e com os anos fui fazendo experiências de harmonização com vinho e outras bebidas. Antes de avançar para a maridagem, há que identificar alguns aspectos determinantes para a bondade da ligação entre vinho e comida. O forno de lenha confere complexidade ao bolo pelas notas fumadas e de caruma seca que introduz, e os ovos fazem-se sentir. Além disso, existe um fundo de manteiga neste e na maioria das variantes da receita, o que lhe dá um gosto especial. Não hesito em recomendar a ligação com um estreme novo da casta Chardonnay, pelo património de pastelaria e notas amanteigadas que a casta oferece. Comece as suas experiências com vinhos pouco elaborados e depois vá “complicando”. Esperam-no anos de boas surpresas.
Duchesse
Também conhecido entre nós como duchese, é um bolo que está na linha do famoso Paris-Brest e consta de massa choux recheada com chantilly, decorado com maior ou menor intensidade com fios de ovos. Nas pastelarias tradicionais tem invejável procura e são raros os apreciadores que não os coloquem no topo das suas preferências. Tem tudo para ser comido à mão mas, na verdade, é mais indicado para comer com um garfo, pelos imprevistos que podem surgir. Confesso que é dos bolos que mais me intriga pela popularidade. Os portugueses não são muito dados a lanchar longamente numa pastelaria e vejo muitas vezes um duchese ao lado de um expresso, tanto na mesa como ao balcão. Curiosamente, o café é belíssima companhia, pelo óbvio contraste de texturas e pelo equilíbrio da doçura com os amargos do café. Excelente fica também com um rosé estruturado da região dos vinhos verdes ou de outra região que lhe garanta mineralidade e frescura. A minha melhor experiência aconteceu há pouco tempo, com o transmontano Valle Pradinhos, um rosé pronto para muitos desafios e o duchese é um deles.
Macarron
Estamos na zona da alta pastelaria quando falamos destas delícias de duas metades e recheios diversos. Tudo o que pensava saber sobre o assunto, com experiências diversas em pastelarias famosas pela Europa fora, fui forçado a rever com severidade quando conheci a Marbela, em Esposende. O grande chef pasteleiro Rui Costa tem ali o seu quartel e é de uma criatividade a toda a prova. Passar uma manhã com ele é uma grande instrução, pois trabalha com a maior naturalidade as soluções mais complexas que se possa imaginar e os macarrons são de antologia. Conheci-o há cerca de 15 anos e nunca mais perdi o contacto. Inesquecível a vez em que o assunto foi macarrons. Comparei com muitos outros e os dele tinham duas particularidades: duração e sabor. A massa de amêndoa de que as metades são feitas bate, em resultados, todas as outras e no seu caso coloca o recheio e aromáticos em primeiro plano sempre com crocância irrepreensível. Um Colheita Tardia do Tejo – do Casal Branco – faz uma ligação maravilhosa.
Pudim do Abade de Priscos
Começo pelo detalhe do presunto que, segundo a receita original, tem de ser “gordo, do de Chaves”. O dito presunto difere de todos os outros pelo facto de ser curado enguitado e não pendurado, ficando por isso com gordura entremeada mais rica e forte. Cinquenta gramas dessa gordura é tudo o que o pudim exige, além de 15 gemas de ovo, 500 gramas de açúcar amarelo, vidrado de um limão, pau de canela, um cálice de vinho do Porto e a arte culinária para o fazer na forma perfeita. A proteína animal é determinante e tem o incrível efeito temperador e integrador dos restantes ingredientes. É surpreendente a força e, ao mesmo tempo, a sublimidade do pudim. Quem o provou bem feito nunca mais esquece a experiência feliz. Experimentei com vários tipos de vinho do Porto e a minha preferência vai para o branco velho, o mesmo que gosto de utilizar para fazer o pudim. A ligação é sublime e a recombinação de sabores e aromas é surpreendente à medida que vamos explorando a sobremesa. Apesar de ser tido como altamente calórico, quando é bem feito fica equilibrado e aprecia-se-lhe o recorte elegante, sem excessos.
Pavlova de morango
A pavlova nasceu na Nova Zelândia há cerca de cem anos, criação do chef pasteleiro do hotel onde ficou hospedada a bailarina russa Ana Pavlova. Em jeito de homenagem à sua leveza, como se perfumasse o ar que graciosamente agitava ao dançar, assim nasceu esta sobremesa, hoje replicada no mundo inteiro e declinada das mais diversas formas. A estrutura merengada de suspiro, associada a frutos frescos, foi a imagem que surgiu na mente do chef de que nunca saberemos o nome. Sobretudo quando a canícula se faz sentir, a dicotomia doce-fruta tem um efeito particularmente refrescante. O suspiro e o morango reagem bem um com o outro e quase se podia dizer que uma outra sobremesa se cria no palato. O resultado é surpreendente pela forte textura sentida. Por outro lado, a acidez dos morangos pronuncia-se e pede complemento copioso. A harmonização correcta passa por um rosé igualmente copioso. Das diversas experiências feitas, a mais clara e acertada foi com o rosé da Quinta do Monte d’Oiro, produzido a partir de uvas da casta Syrah. Equilíbrio perfeito, aniquilação recíproca.
Crista de galo
Os livros de receitas dos conventos estão repletos de notas e mão de obra de pessoas que estavam em funções durante o dia e de tarde e de noite estavam em suas casas. São por isso repositórios de conhecimentos, detalhes e saberes que viviam tanto fora como dentro do complexo monacal. O corolário bom desta itinerância foi a secularização crescente do receituário, o que é em si mesmo já uma explicação para a disseminação rápida das delícias fora de portas. A Casa Lapão em Vila Real tem uma longa história e tem origem no convento de Santa Clara de Vila Real. No início do séc. XX, Miquelina Cramez, amassadeira, casa com Francisco Delfim, de alcunha Lapão por ser atarracado e bochechudo como os naturais da Lapónia. Criaram juntos a padaria Lapão. A costureira que os visitava tinha uma irmã no convento e, extinto este, conservou os segredos da doçaria que ali se praticava. Miquelina dedica-se desde logo à produção das verdadeiras Cristas de Galo e outras delícias que ainda hoje se fazem. A ferramenta com que se cortam tem mais de duzentos anos, e o melhor vinho para as comer é um bom moscatel de Favaios. Excelente acidez e perfil único, especialmente os que a Adega de Favaios está a fazer.
Marron glacé
Pode parecer capricho, mas não é. Somos terra de soutos, o mesmo é dizer de castanheiros e até tonéis e pipas para fazer e armazenar vinho outrora se faziam em castanho. A castanha é, além disso, primordial na nossa alimentação. Há que não esquecer que a batata é assunto recente no Velho Mundo. Tanto assim é que muitos pratos da grande tradição são ainda acompanhados por castanha e batata no mesmo tacho. O marron glacé – castanha glaceada – é a maior homenagem que se pode fazer a essa pérola antiga e ainda continua a ser francamente popular em França e até se vende em caixas como se de bombons se tratasse. Por cá a história é mais tímida, mas não é por isso que deixo de lhe fazer as loas. Há que escolher a variedade certa. É importante que tenham dureza e corpo para aguentar a cozedura ligeira e o tratamento posterior. Nunca consegui fazer de forma satisfatória, mas conheço mãos que as fazem com a maior naturalidade. Podem levar vários banhos em calda de açúcar, em dias sucessivos e o resultado é sublime. Maridagem competente oferece o abafado Five Years da Quinta da Alorna. Impossível comer apenas um.
Torrão real de Portalegre
O convento de São Bernardo em Portalegre foi fundado no início do séc. XVI, pelo Bispo da Guarda, para albergar “jovens sem dote” mas de muita virtude. Desenvolveu-se ali muito receituário, algum ainda por desbravar mesmo após a conversão em monumento nacional, em 1910, e com os livros de receitas devidamente salvaguardados. Conheci Ana Tomás numa hora feliz em pleno estúdio da RTP. Ela havia sido contemplada com um prémio pelo desempenho com os rebuçados de ovo de Portalegre, autêntico trabalho de chinês que aparentemente conseguia fazer na perfeição às centenas. Conheci melhor o seu trabalho em encontros diversos e dei com o seu torrão real, autêntica obra de arte, resultado do talento e de muito estudo e experimentação. Gemas, natas, amêndoa e açúcar estão no coração do torrão real de Portalegre e são vários os que tentam a sorte na produção do dito, mas o melhor para mim permanece o que sai das mãos de Ana Tomás. Pede harmonização valente e viril, e confirma toda a sua glória com um vinho Madeira Bual de 40 Anos.
Manjar branco
Termino o elenco doceiro à procura de casamento feliz com a delícia mais delicada: manjar branco. Juntamente com outra doçaria típica de Portalegre, não leva ovos e a história funde-se com a prática secular da mantença sustentável. O nome não podia estar mais correcto, pois é feito a partir de galinha e respectivo caldo, portanto sobras de cozinhados que em vez de ir para o lixo ganham glória e atingem pináculos de sabor. Entre os ingredientes estão ainda arroz ou farinha de arroz, leite e açúcar. As aparas de galinha são brevemente cozidas para depois se passar por água fria e desfiar fininho. Em lume muito brando, leva-se tudo a cozer mexendo sempre e quando começa a engrossar apaga-se o lume e continua a mexer-se até arrefecer. Coloca-se e serve-se em tacinhas esta maravilha e na hora de servir polvilha-se com açúcar. A versão mais feliz desta receita foi-me proporcionada pela mãe do chef José Júlio Vintém, de enorme talento culinário. Um doce feito a partir de proteína animal que nos leva ao céu. Como ligação vínica, proponho um Arinto de Portalegre com mais de três anos.
(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)
Quinta do Carvalhido: Um projecto de família

O lugar, um vale rodeado de montanhas onde sulca o rio Tua perto de Abreiro, é encantador. É isso que se sente quando se observa a paisagem a partir da sala e da varanda da casa principal da família proprietária da Quinta do Carvalhido, parcialmente voltada para jusante do curso de água e para as […]
O lugar, um vale rodeado de montanhas onde sulca o rio Tua perto de Abreiro, é encantador. É isso que se sente quando se observa a paisagem a partir da sala e da varanda da casa principal da família proprietária da Quinta do Carvalhido, parcialmente voltada para jusante do curso de água e para as colinas de encostas, plantadas sobretudo com vinha e oliveiras e cobertas de mato. Fica longe, muito longe mesmo, a mais de quatro horas da capital, mas sabe bem estar ali, bem longe dos ruídos e da balbúrdia dos grandes centros urbanos. Terá sido certamente esta uma das razões que levaram Maria de Fátima Mendonça e Moura e o seu marido, Pedro Drummond Borges, a decidir investir na sua recuperação, quando a primeira recebeu a propriedade em herança da família, que é da região, em 2013.
“Nessa altura eu e a minha mulher fomos muito claros com os nossos filhos, quando lhes dissemos que queríamos investir nela, mas avançámos com a concordância de todos”, conta Pedro Drummond Borges, homem de negócios com vários franchisings da McDonalds desde 1997. Conta que, na altura, não tinha nenhum conhecimento de agricultura, mas como toda a sua vida tinha sido movida pela sua curiosidade em aprender, e pelo espírito empresarial que leva à construção de coisas, decidiu envolver-se na recuperação da propriedade, que tinha inicialmente 20 hectares, dos quais 5,4 de vinha e três de olival.
Os trabalhos começaram pela parte agrícola da quinta, com o apoio do viticólogo José Miguel Telles, que fez um projecto com tudo o que teria de ser feito para tentar recuperar algumas vinhas velhas e reconverter outras, que foi sendo desenvolvido entre 2014 e 2017. Neste último ano começaram a reconversão das vinhas, já com o apoio do consultor de enologia, Francisco Baptista. “Quando falei com ele, fui muito claro”, conta Pedro, dizendo que lhe comunicou que estava muito interessado em entrar no mundo dos vinhos, desde que conseguisse estar na parte superior da qualidade. “Nessa altura nem tinha grande quantidade de uva, pois tinha de cumprir o benefício legal de Vinho do Porto e sobrava pouca área de vinha para produzir vinhos DOC Douro”, conta.

As primeiras experiências
A primeira experiência de produção de vinhos decorreu com uvas da colheita de 2017. Resultou num tinto produzido com as castas Touriga Nacional e Touriga Franca, engarrafado em 2019. Foram 1500 garrafas, as mesmas das duas colheitas seguintes, feitas sobretudo para procurar perceber se o perfil e a qualidade dos vinhos se mantinham ao longo dos anos. No final desse tempo, a equipa chegou à conclusão que estava preparada para dar o salto em termos comerciais, porque a qualidade vinho estava no segmento alto, aquele que tinha sido pré-determinado para o negócio da Quinta do Carvalhido.
Os vinhos das três primeiras colheitas tinham sido vendidos com facilidade, “o que não era difícil, porque a quantidade era muito pequena”, comenta Pedro Drummond Borges. Então foi necessário repensar a forma de a empresa e os seus vinhos estarem no mercado, já que isso implicavam novos investimentos, que avançaram, de novo, após decisão familiar.
Entretanto foi lançado um branco Quinta do Carvalhido, de 2021, e foi introduzida uma gama Colheita, de entrada, com a marca Carvalhido, lançada a partir de 2022, que inclui um branco, um rosé e um tinto. “Foi mais uma forma de despertarmos a atenção do mercado para a nossa marca”. E foi assim que a produção passou das 1500 garrafas nos primeiros três anos para as seis mil, em 2022 e 10 mil, no ano passado.
Em 2023, foi criada mais uma marca, para se posicionar entre a referência de topo e a de base, a Quinta do Carvalhido Concrete, cujos vinhos foram os primeiros a ser feitos na adega da quinta, um branco, um rosé e um tinto que estagiam em cubas de cimento. “Considerámos que o mercado estava com apetência para este tipo de vinhos e achámos que era uma boa forma de criar alguma diferenciação em relação ao que já estava a ser feito, embora outros produtores já tenham elaborado vinhos desta forma”, explica Pedro Borges. Diz, depois, que a sua empresa entrou agora em fase de amadurecimento, já que as três gamas lhe permitirão mostrar os vinhos que faz, e trabalhar para alcançar o reconhecimento do mercado.
Em 2023 foi criada a marca Quinta do Carvalhido Concrete, com vinhos estagiados em cubas de cimento.
Imagem e comunicação
“Temos tido o cuidado de explicar aquilo que estamos a fazer a todas as pessoas com que vamos interagindo, na distribuição, nas garrafeiras e na restauração e fizemos investimentos que considerámos importantes na selecção dos formatos e na rotulagem das garrafas”, explica Tiago Drummond Borges, filho de Pedro e “chief operating officer” da Quinta do Carvalhido, acrescentando que tudo é cuidado para realçar o posicionamento alto da marca. “É onde queremos que ela seja reconhecida e é para esse tipo de consumidores que queremos falar”, defende. “Claro que isso depende também do nosso trabalho de aproximação ao mercado”, salienta o pai. Para de investimento em comunicação, construíram um site e estão a implementar uma rede de distribuição em Portugal.
“Optámos por ter distribuidores pequenos, mais focados nas marcas que têm, por região do país, para ir trabalhando com eles com uma proximidade maior, de forma a percebermos como é que o mercado vai respondendo aos nossos produtos”, conta Tiago, acrescentando que foi assim que fecharam o Algarve, Porto, Leiria e Coimbra, e Lisboa com mais dificuldade. “É um mercado muito competitivo, onde se vendem 60-70% dos vinhos em Portugal”, explica, acrescentando que se foi apercebendo, com as apresentações que foi fazendo nas empresas de distribuição da capital, “que estas estão muito mais preocupadas com o preços do que as outras, devido à concorrência, o que fez com que este processo na capital levasse mais tempo”, conta Tiago, acrescentando que hoje têm o país praticamente coberto.
A Quinta do Carvalhido deverá vender 15 mil garrafas em 2024, uma evolução contida e assente com os “pés no chão”. “Não podemos ser demasiado ambiciosos, porque não temos capacidade ainda para responder a grandes aumentos de procura”, defende Pedro Drummond Borges. “Com a agência de comunicação, o site e as empresas que nos tratam das redes sociais, temos ido pé ante pé a todas as áreas, para criar curiosidade em relação à nossa casa e às nossas marcas”, conta o gestor, salientando que o objectivo, para o futuro, “daqui a dois a três anos”, é dar o salto e partir para outros voos, como a exportação. “Mas é, para mim, muito importante, ter um negócio sustentável em Portugal, antes de ir para fora”, diz. “Tenho de ter o mínimo de reconhecimento antes de avançar nesse sentido”, afirma.
Vinha e olival
Hoje a empresa tem 16 hectares de vinha, dos quais 13 hectares integram a propriedade principal, a que se juntam mais três situados na Verdeana, a 10 quilómetros da Quinta do Carvalhido. O encepamento é sobretudo de tintas, das castas Touriga Nacional, a Touriga Franca e a Tinta Roriz. A percentagem de uva branca ainda é pouco elevada, e são plantações mais recentes, apesar de Pedro Drummond Borges querer plantar mais quatro hectares nas zonas mais altas da propriedade, numa área que vai ser reconvertida. O seu objectivo é chegar aos 22/23 hectares de vinha, porque acredita que vai ter sucesso com a venda dos seus vinhos e tem de ter capacidade de resposta, em termos de produção, ao acréscimo das solicitações do mercado.
No início, a área de olival tinha apenas três hectares. Mas hoje já cresceu, por força de aquisição de parcelas vizinhas, para os 10, o que obrigou pai e filho a pensar em criar mais uma linha de negócio, a do azeite. “Vou fazer, aqui, exactamente o que fiz com o vinho, ou seja, estudar, planear e procurar conhecer e perceber, até ter a certeza de que o meu azeite tem a qualidade necessária que permita fazer investimento de mercado”, diz Pedro, acrescentando que, a jusante da produção, também fará o mesmo que fez com o vinho, começando por escolher a garrafa e quem faz os rótulos. “A nossa experiência com o vinho pode ajudar-nos bastante com este caminho”, defende.
(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)
CAZAS NOVAS: A virar a região do Avesso

A região dos Vinhos Verdes apresenta uma longa e curiosa história. Muito longe vão os britânicos tempos em que os elegantes vinhos tintos, de cor aberta, eram embarcados a partir da foz do rio Lima, em Viana do Castelo, rumo a longínquas paragens. Mais tarde, esses mesmos tintos evoluíram para colorações bem mais fechadas e […]
A região dos Vinhos Verdes apresenta uma longa e curiosa história. Muito longe vão os britânicos tempos em que os elegantes vinhos tintos, de cor aberta, eram embarcados a partir da foz do rio Lima, em Viana do Castelo, rumo a longínquas paragens. Mais tarde, esses mesmos tintos evoluíram para colorações bem mais fechadas e retintas, servidos em alvas malgas capazes de estabelecer uma melhor ligação com a característica gastronomia tradicional minhota.
Esses novos tintos “de pintar a malga”, mais ao gosto das gentes do Minho, não receberam a mesma aceitação fora da região e o seu consumo ficou mais limitado às zonas de produção. Ainda assim, com a lenta passagem do tempo, alguns produtores ganharam elevada reputação e a procura os seus vinhos era grande, sendo transacionados por quantias bem interessantes, na época.
Na década de sessenta, a tradição começou a ganhar outras colorações. As produções de vinho branco começaram a aumentar anualmente e com elas iniciou-se uma reconquista de novos mercados. Ainda assim, a produção declarada de vinho branco, nesta época, oscilou entre os duzentos e cinquenta mil e os quinhentos mil hectolitros, enquanto a dos tintos chegou a ultrapassar os dois milhões de hectolitros. A mudança estava em curso.
Vinte anos mais tarde, o prolífico e reputado agrónomo Amândio Galhano escreveu sobre a enorme reestruturação das vinhas da região e apontava para a escolha das castas brancas, como a Trajadura e a Loureiro, em detrimento das tintas, Vinhão e Brancelho. A preferência pelas primeiras estava em linha com a procura dos mercados urbanos e internacionais por vinhos com características mais acídulas e frutadas.
No início da década de noventa assistiu-se a uma verdadeira revolução, os vinhos brancos ultrapassariam, pela primeira vez na história da região, a produção dos tintos. No final desse mesmo decénio, a produção declarada de tintos representou apenas 40% do total.
No seguimento desta radical mudança assistiu-se a uma curiosa especialização e alinhamento em função dos principais vales que abraçavam os rios da região. A norte, o vale do rio Minho continuou a especializar-se na casta nobre de elevado potencial enológico, a Alvarinho. No vale do rio Lima e zonas adjacentes a Braga, Penafiel e Lousada dedicaram-se mais especificamente às castas Loureiro, Pedernã (Arinto) e Trajadura. No extremo sul da região pontifica um imponente e extraordinário rio ibérico, o Douro. Nas suas margens que integram a região sub-região de Baião predominam a Azal e a Avesso.
No ano de 2022 a revolução encontra-se absolutamente normalizada: segundo dados da CVR dos Vinhos Verdes, a comercialização dos vinhos tintos cifrou-se em apenas 4% do total.
Baião, Avesso e Cazas Novas
A sub-região de Baião é uma das nove sub-regiões dos Vinhos Verdes e localiza-se no extremo sul, na fronteira com a região do Douro. Integra os concelhos de Baião e parte dos concelhos de Resende e Cinfães. Neste território encontram-se os solos mais pobres da região que, aliados ao clima muito quente no verão e mais frio e seco no inverno, são perfeitos para a evolução da casta Avesso, conhecida pela necessidade de calor para o desenvolvimento da sua maturação tardia. Em função do tempo de colheita, as uvas da casta podem demonstrar atributos de expressão aromática, acidez, frescura e concentração, revelando potencial enológico para vinhos com capacidade de envelhecimento.
O veículo em que nos deslocámos para conhecer o projecto Cazas Novas já conhecia a longa montanha russa e o lânguido serpentear da Serra do Marão e da Estrada Nacional 101, entre a saída da A4 e o vale do rio Douro. Os muitos quilómetros percorridos nos dois sentidos desta estrada já desgastaram muitas vezes os calços de travões, pneus e a caixa de velocidades de muitos visitantes, quase sempre com as vinhas da região do Douro como destino. No entanto, desta vez o destino seria um pouco mais a jusante do que o costume.
À espera, na localidade de Mínguas, próxima de Santa Marinha do Zêzere, em pleno vale do Douro, estava Vasco Magalhães, um dos quatro sócios e responsável pelo departamento de marketing e vendas do projeto Cazas Novas.
Cunha Coutinho, outro associado e principal impulsionador do projecto vitivinícola Cazas Novas, assume-se como um empreendedor com investimentos em diferentes áreas de negócio, mas tem procurado manter a ligação ao que verdadeiramente o apaixona, a terra. A enologia está a cargo de Diogo Lopes, uma personalidade da nova geração de profissionais que se encontra igualmente envolvido em outros projectos no Alentejo, Douro, Lisboa e Açores. Por fim, o mais recente sócio da parceria, André Miranda, que aporta toda a sua experiência enquanto produtor na terra onde nasceu, mais precisamente na região dos Vinhos Verdes.
O projecto Cazas Novas, criado em 2008, tem o seu centro nevrálgico na Quinta de Guimarães, património da família Cunha Coutinho há sete gerações, referiu Vasco Magalhães. Esta propriedade, juntamente com a Quinta das Cazas Novas e ainda duas outras debruçadas sobre o Douro, a Quinta do Adro e Quinta das Tias, agregam um património florestal e agrícola superior a 100 hectares, dos quais 24 são dedicados exclusivamente à viticultura da casta Avesso.
O Avesso domina
Esta é a maior área dedicada ao encepamento desta casta branca portuguesa, revela Vasco Magalhães, um verdadeiro tesouro concentrado num local considerado como de excelência para a expressão desta variedade tão exclusiva. O seu nome é ele próprio um enigma, sugerindo uma ideia de aversão ou hostilidade a algo. A casta não está entre as mais produtivas e, é um facto, fora do seu terroir de excelência, a viticultura não é fácil. Também por aí se define a sua exclusividade.
Vasco não tem dúvidas de que esta zona de transição entre os Vinhos Verdes e o Douro, e já com o rio como influência, com vinhas de encosta em solos de granito que enfrentam amplitudes térmicas elevadas, origina vinhos únicos, sem paralelo em qualquer outra região, que se caracterizam pela sua frescura, mineralidade e potencial de evolução. É o território da Avesso, casta que a Cazas Novas pretende guindar ao patamar de excelência e reconhecimento que a Alvarinho e a Loureiro já alcançaram.
O primeiro vinho engarrafado surgiu em 2008, Cazas Novas colheita, com a curiosa soma de 3333 garrafas. A partir de 2011, já com o apoio do enólogo Diogo Lopes e de Vasco Magalhães, desencadeou-se o estudo da casta Avesso e a base para o atual projecto vitivinícola. Este desenvolvimento motivou a introdução no mercado de duas novas referências: o Cazas Novas Pure e o Cazas Novas Origem.
Anualmente, as três referências que compõem o projecto perfazem cerca de trinta mil garrafas, sendo vinte e duas mil do Cazas Novas colheita, seis mil do Cazas Novas Pure e duas mil da referência topo de gama, Cazas Novas Origem.
Os resultados, são desde já, muitíssimo prometedores. E num futuro mais ou menos próximo será muito interessante perceber até que ponto o projecto Cazas Novas está, de facto, a mudar a percepção dos vinhos desta casta, dentro e fora da região.
(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)
Ilha de Santa Maria: O renascimento de uma paisagem vinhateira única

Não é difícil a alguém apaixonar-se pela paisagem de vinhas da Ilha de Santa Maria, nos Açores. Esta primeira visita, que decorreu num tempo especial para a ilha e as suas pessoas, quando foram apresentados publicamente os sua primeiros vinhos, lançados depois de muitos anos em que a sua produção chegou praticamente a zero, foi […]
Não é difícil a alguém apaixonar-se pela paisagem de vinhas da Ilha de Santa Maria, nos Açores. Esta primeira visita, que decorreu num tempo especial para a ilha e as suas pessoas, quando foram apresentados publicamente os sua primeiros vinhos, lançados depois de muitos anos em que a sua produção chegou praticamente a zero, foi surpreendentemente positiva.
A vitivinicultura faz parte da história da ilha desde o seu povoamento, há mais de 500 anos. Inicialmente o Verdelho era a casta mais abundante e a produção de uva e vinho destinava-se ao autoconsumo, para subsistência dos seus habitantes. “Foi, também, a forma de aproveitar os terrenos marginais de encosta da ilha”, conta Duarte Moreira, presidente da Agromariensecoop – Cooperativa de Produtos Agro-Pecuários da Ilha de Santa Maria.
Segundo Rui Andrade, 44 anos, vogal na direcção da Agromariensecoop, e um estudioso da história da viticultura da ilha, “os primeiros povoadores trouxeram com eles vinho, com certeza, porque é uma bebida enraizada na cultura e tradições portuguesas”. Conta, também, que está comprovado que a estrutura das vinhas actuais já existiam há mais de 400 anos e que a sua produção era já significativa, servindo provavelmente também para abastecer os barcos que aportavam na costa da Ilha de Santa Maria onde ficava a capital dos Açores nessa época, porque era nela onde estava o capitão donatário de todas elas. A actividade vitivinícola da época é atestada pelos diversos lagares rupestres da ilha, escavados na rocha.
Quem é Duarte Moreira?
Natural da Ilha de Santa Maria, Duarte Moreira, 58 anos, é o presidente da Agromariensecoop. Descendente de uma família de agricultores, cresceu no mundo rural até frequentar Universidade dos Açores na Ilha Terceira, onde se licenciou em Engenharia Zootécnica. Regressou depois à sua ilha natal para integrar o serviço de Desenvolvimento Agrário secretaria da Agricultura dos Açores. Em 1996 passou a chefe de Divisão do serviço, onde esteve até 2008, sempre ligado à parte técnica e bovinicultura de carne, em conjunto com a gestão do serviço. Entretanto geriu também a empresa de família, a Quinta das Quatro Canadas, com o irmão, que se dedica à bovinicultura de carne, que vendeu há cinco. Desde 2008 é o presidente da Agromariensecoop, cuja actividade inclui, entre outros, o abate de bovinos de carne, a transformação de produtos locais em doces e compotas, principalmente de meloa, que é certificada, mas também de mel e, agora, a produção de vinho.
Trabalho duro
A descoberta da história da produção vitivinícola da ilha até ao seu quase desaparecimento, cerca dos anos sessenta do século passado, devido sobretudo a condições sociais e económicas, é aliciante. O trabalho na vinha era e ainda é duro, hercúleo e certamente penoso devido às dificuldades de acesso aos currais de encosta onde se desenvolvem as vinhas, à baixa produtividade de cada pé, em cada curraleta, ao seu difícil maneio, vindima e transporte das uvas colhidas, ladeira abaixo, para serem transportadas depois, muitas vezes de barco até Vila do Porto, porque não até meados do século passado não havia outra forma de o fazer, devido à dificuldade de acesso por terra.
A produção de vinho chegou a ser enviada para outras ilhas do arquipélago, o continente e outros países há alguns séculos. Mas o aparecimento de pragas como a filoxera e doenças como o míldio e o oídio originaram o desaparecimento das variedades de videira europeia no final do século 19, princípio de 20, e a sua substituição por produtores directos vindos do continente americano, como o Isabella e o Jacquez, “que produziam tanto que as pessoas se esqueceram da videira europeia”, conta Duarte Moreira. Entretanto, como o vinho de cheiro de Santa Maria tinha qualidade e a produção era excedentária, era vendido também para S. Miguel para ser misturado com o desta ilha, “para lhe dar mais cor e grau”. Mas esse negócio foi decaindo no século passado até que, em meados dos anos 60, o vinho passou a ser feito apenas por algumas habitantes da ilha para autoconsumo e a ter má qualidade. “Era intragável”, afirma Duarte Moreira. Com o tempo, as pessoas desaprenderam de tratar das vinhas, de fazer o vinho e perdeu-se o conhecimento tradicional.
Projecto de recuperação
Em 2021, a Agromariensecoop foi desafiada a integrar o projecto de recuperação da paisagem vitivinícola da Ilha de Santa Maria, com o objectivo de criar condições para receber as uvas, transformá-las e produzir vinhos. Depois de algum tempo de estudo, o projecto de investigação e desenvolvimento em meio empresarial Santa Maria Wine Lab, que teve início em 2022, com cubas pequenas e material apenas para investigação e experimentação, deu origem aos vinhos apresentados publicamente agora, que foram produzidos sob a responsabilidade do enólogo residente da cooperativa, João Letras. “O projecto também serviu para transmitir conhecimento aos viticultores porque, sem eles, não podia ser desenvolvido”, explica Duarte Moreira, acrescentando que o pagamento das uvas é feito de forma a envolvê-los na produção de vinhos da ilha e incentivá-los a empenhar-se na recuperação da sua paisagem vitivinícola ancestral, que se estava a perder. “O objectivo, para a além de ter mais um produto que contribua para a economia da ilha, é tentar recuperar uma paisagem que inclui um património histórico edificado único, feito por gerações com um esforço heróico, que faz parte da cultura da ilha e poderá gerar também mais valias a nível do enoturismo, com visitas às vinhas e à adega, onde poderão provar o vinho produzir a partir das vinhas das encostas das ilha”, explica Duarte Moreira, acrescentando que o negócio do vinho também pode ser interessante para a cooperativa, por aportar mais um sector de produção ao seu negócio, diversificando fontes de receita essenciais à economia de num meio tão pequeno como o da ilha.
Actualmente estão envolvidos no projecto mais de 30 viticultores, mas o potencial é superior. Só nas baias da Maia e de S. Lourenço, as duas paisagens protegidas da vinha na ilha, há cerca de 80 hectares de vinha e, no total da ilha, falando apenas nas baías tradicionais, cerca de 120 hectares. A produção média por hectare actual anda no quilo de uva por pé, para as castas nobres. Mas poderá crescer com uma viticultura mais profissional. Hoje é o enólogo João Letras que faz o acompanhamento no campo, mas a cooperativa pretende contratar mais um engenheiro agrónomo ou agrícola para apoiar os viticultores. “É fundamental essa ajuda, porque as pessoas deixaram de fazer o maneio da vinha que esteve praticamente abandonada e precisam de reaprender”, defende Duarte Moreira, acrescentando que têm sido já desenvolvidas acções de formação com técnicos da ilha e de fora.
Uma das grandes dificuldades ao desenvolvimento deste projecto é a mão de obra, já que é extremamente difícil trabalhar nas vinhas das baías de Santa Maria, e a sua mecanização ainda está longe de ser alcançada, apesar de o desenvolvimento da tecnologia ser constante e já haver a hipótese de utilizar drones para tratamentos fitossanitários. Mas como as vinhas precisam de mão de obra e na ilha não há capacidade de resposta, “provavelmente terá de ser recrutada mão de obra noutras origens”, como já acontece em Portugal Continental.
Vinhos com personalidade
Desde o início do processo de recuperação do património e da tradição vitivinícola de Santa Maria, todo o projecto de desenvolvimento do Santa Maria Wine Lab, para a transformação das primeiras uvas, estudo dos vinhos produzidos e lançamento dos primeiros três vinhos certificados, um branco de uvas tintas, um monocasta de Verdelho, desde sempre a casta mais tradicional da ilha, e um rosé feito com base em quatro castas tintas, todos frescos e elegantes, delicados, com o perfil mineral e alguma salinidade comum aos vinhos de outras ilhas açorianas, por vezes com alguma pederneira mas também com fruta delicada, mostram que o trabalho feito de recuperação dos vinhedos tradicionais da ilha, alcantilados em currais em algumas das suas encostas viradas para o Oceano Atlântico, até agora resultou e teve sucesso. Mas ainda há muito a fazer para recuperar as suas vinhas tradicionais, cerca de 120 hectares, plantando mais área, para produzir um maior volume de uvas e garantir o fornecimento anual de vinhos, para que a ilha consiga responder às solicitações futuras dos mercados, que irão surgir em relação aos vinhos de Santa Maria.
Para já, a Agromariensecoop, que tomou em mãos o projecto e o seu desenvolvimento, com o apoio do Governo Regional Açoriano, tem envolvido agricultores incentivando-os a produzir uvas, quando muitos tinham deixado de o fazer, para depois as transformar em vinho com o apoio de João Letras. Alentejano chegado há pouco mais de um ano à ilha, está muito empenhado no conhecimento das suas tradições vitivinícolas ancestrais e no desenvolvimento deste projecto. O seu principal desafio, desde que iniciou o projecto tem sido a viticultura, porque as vinhas ficam em declive e são de acesso difícil, é preciso ensinar e garantir que todas as operações de maneio da vinha são feitas, e ainda há problemas climáticos como a salga, que decorre quando os ventos que sopram do mar transportam e depositam água salgada sobre as plantas, o que pode originar a perda de produção se não chover nas 24 horas seguintes. Já “a produção de vinho é simples: é mostrar aquilo que a uva tem”, explica, de forma clara e simples, João Letras.
Quem é João Letras?
Com 31 anos, o enólogo da Agromariensecoop licenciado em Bioquímica e mestre em Viticultura e Enologia pela Universidade de Évora, fez também uma pós-graduação em Segurança Alimentar na sua Faculdade de Medicina Veterinária para complementar as áreas de viticultura e enologia. Fez vários estágios de vindima, onde passou pela Herdade das Mouras, Casa Relvas, Dona Maria e Fundação Abreu Calado, onde se iniciou como enólogo residente antes de se mudar para a Herdade da Comporta, onde trabalhou três anos antes de surgir o desafio do projecto das vinhas e vinhos de Santa Maria, que quis abraçar. Diz que decidiu mudar, porque achou que estava com a idade certa para abraçar o desafio de produzir vinhos atlânticos, que sempre tinha tido vontade de fazer e porque a vitivinicultura da Ilha de Santa Maria era um “diamante em bruto” que podia moldar à sua maneira.
Novo roteiro de enoturismo
Para já, o enólogo, tem usado os seus conhecimentos de viticultura e enologia para produzir vinhos com qualidade, distintos, a expressar não só as características das ilhas, mas também um terroir que é realmente único, por incluir uma paisagem moldada por mãos humanas ao longo de séculos, nas encostas da ilha de Santa Maria. Pelo menos pela mostra dos vinhos lançados quando lá estive, durante uma festa que decorreu na presença do secretário Regional da Agricultura dos Açores, António Ventura e de algumas dezenas de pessoas mais, envolvidos no projeto, ou não, no Ponta Negra, o único restaurante da Baía de S. Lourenço, uma daquelas onde o património vitícola já se encontra em franca recuperação, em conjunto com a da Maia.
A Ilha de Santa Maria produz sobretudo bovinos de carne para venda em vivo ou em carcaça, tem a sua produção de mel certificada, tal como a sua meloa e um queijo de ovelha de pasta semimole que vale mesmo a pena experimentar. Bom peixe, restaurantes que sabem preparar comida bem cozinhada, e para todas as carteiras, diversos caminhos pedestres marcados para quem gosta de caminhar são algumas das ofertas de uma ilha que prepara agora a sua oferta de enoturismo, já que o futuro está já ali, a acrescentar às rotas de natureza de terra e mar já existentes, que incluem a observação de cetáceos e jamantas, entre outros.
“Estamos a desenvolver, já para este verão, um projecto de roteiro turístico que irá envolver as empresas locais que desenvolvem este tipo de ofertas, com visita à adega e prova de vinhos e uma pequena prova complementar de enchidos e queijos da ilha de Santa Maria”, conta Duarte Moreira. Uma primeira rota, ainda em projecto para ser concretizado, deverá contribuir para aumentar o afluxo de turistas a Santa Maria e juntar o útil, a produção de vinhos de qualidade, para assegurar o pagamento das uvas aos agricultores e remunerá-los da forma adequada, ao agradável que é o aumento de receitas da ilha, com a futura venda dos seus vinhos, também nos mercados externos, e do aumento das receitas com os turistas que irão, a partir de agora, visitar também a ilha motivados pelo seu património vitícola e pela qualidade dos seus vinhos.
(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)
Nova era na Quinta do Sampayo

Ora a “Hospedeira Casa do Sr. L.S.” a que Almeida Garrett se refere, nas suas “Viagens na Minha Terra” é precisamente a Casa de Luíz Sampayo (L.S.), aquando da sua visita à quinta, em Julho de 1843. De facto, as raízes históricas da Quinta do Sampayo remontam a 1718, existindo registos históricos de produção de […]
Ora a “Hospedeira Casa do Sr. L.S.” a que Almeida Garrett se refere, nas suas “Viagens na Minha Terra” é precisamente a Casa de Luíz Sampayo (L.S.), aquando da sua visita à quinta, em Julho de 1843. De facto, as raízes históricas da Quinta do Sampayo remontam a 1718, existindo registos históricos de produção de vinho desde essa data.
Em Junho de 1860, D. Pedro V atribui o título de I Visconde do Cartaxo a Luiz Teixeira de Sampayo, conservando a actividade vinícola na Quinta do Sampayo, havendo, inclusive, registos do vinho já nessa altura ser engarrafado e rotulado sob a insígnia dos Viscondes do Cartaxo.
A Quinta do Sampayo é propriedade do Grupo Agroseber desde 1995. Localiza-se no concelho do Cartaxo, na União das Freguesias do Cartaxo e de Vale da Pinta, a menos de uma hora de Lisboa. O passado dia 23 de maio de 2024 marcou o início de uma nova era para a Quinta do Sampayo.
Ana Macedo – e restante equipa – apresentou, perante uma vasta plateia de convidados, todas as novidades da Quinta, honrando-se o passado e as suas memórias, mas brindando-se à mudança, ao futuro e, sobretudo, a novos princípios! Segundo Ana Macedo, filha de José Macedo (responsável maior pela grande transformação da Quinta), que assumiu desde Novembro de 2022 a decisão de reerguer a Quinta do Sampayo, após 10 anos de estagnação: “Voltar à Quinta do Sampayo significa honrar a visão do meu Pai e, de alguma forma, continuá-la, à luz da minha própria visão do que a Quinta pode ser, da marca que pode deixar na região e nos vinhos produzidos. É uma honra receber-vos hoje. A nova era da Quinta do Sampayo começa hoje, neste momento tão importante e especial para nós”.
O plano passa, pois, por colocar a Quinta do Sampayo de volta ao mapa vínico nacional, bem como estabelecer-se como referência no panorama do enoturismo.
Ana de Macedo assumiu a decisão de voltar a reerguer a quinta após 10 anos de estagnação.
Vinhos de excelência
Para o efeito conta com uma equipa composta por Marco Crespo, enólogo, Alberto Miranda, viticólogo, Renata Abreu, consultora comercial, bem como a chef Justa Nobre, responsável pela oferta gastronómica dos eventos.
Alberto Miranda revelou-nos que “a missão é ambiciosa: criar vinhos de excelência. Para isso, e desde que se tomou a decisão de retomar a produção de vinhos na Quinta do Sampayo, preservando a sua essência, apostámos numa nova abordagem: o RIR – Renovar, Inovar e Rejuvenescer.” Atentos às novas tecnologias, a novos métodos de produção, mas também às alterações climáticas e à sustentabilidade, a Quinta do Sampayo renovou equipamentos, apostou na diminuição da contaminação dos solos, promove activamente a biodiversidade, entre outras estratégias, que visam atingir os objetivos propostos.
Por seu turno, Marco Crespo, enólogo da Quinta do Sampayo partilhou que se pretende “um crescimento sustentável nas vinhas, que têm uma capacidade de produzir até 1 milhão de litros de vinho”. Ainda longe desses números, claro, Marco Crespo defende uma estratégia a longo prazo para que se aposte na qualidade dos vinhos produzidos e disponíveis no mercado, mas também na renovação do olival com uma idade média de 50 anos, que permitirá, mais tarde, num intervalo de 3 a 5 anos, avançar para a produção de azeite.
Renata Abreu, consultora comercial com historial e provas dadas em nomes importantes do panorama vínico português, definiu o posicionamento dos vinhos apresentados como pertencentes ao segmento médio. Serão distribuídos pelos canais tradicionais para posicionar e construir a marca, quer seja nos distribuidores regionais, canal HoReCa ou através do retalho especializado, permitindo assim um crescimento sustentado e de forma orgânica.
Foi ainda revelado que, o projecto de enoturismo avança, para já, sem alojamento, mas concentrado nas visitas à Quinta, provas de vinhos e eventos enogastronómicos corporativos e/ou privados. A Quinta do Sampayo dispõe de uma cozinha profissional, que contará com o selo de qualidade da chef Justa Nobre, e espaços próprios para a organização de eventos.
Uma menção especial é devida aos novos rótulos, que pretendendo traduzir a identidade da Quinta do Sampayo, conseguem transmitir uma dualidade visual bastante agradável, isto é, a casa principal da Quinta rodeada pelo tracejado dos campos das vinhas é, ao mesmo tempo uma impressão digital em tamanho gigante… precisamente a nova identidade da renovada Quinta do Sampayo!
(Artigo publicado na edição de Julho de 2024)