Horácio Simões: E viva a diferença

Horácio Simões

A  Casa Agrícola Horácio Simões iniciou a sua actividade em 1910 e resultou da partilha de terras e empresas pelo bisavô da geração actual, José Carvalho Simões, pelos três filhos que queriam trabalhar em vitivinicultura: Horácio, Dinis e Virgílio. Foram, assim, criadas três casas agrícolas, com áreas bem definidas para comercialização dos seus vinhos. Lisboa, […]

Casa Agrícola Horácio Simões iniciou a sua actividade em 1910 e resultou da partilha de terras e empresas pelo bisavô da geração actual, José Carvalho Simões, pelos três filhos que queriam trabalhar em vitivinicultura: Horácio, Dinis e Virgílio. Foram, assim, criadas três casas agrícolas, com áreas bem definidas para comercialização dos seus vinhos. Lisboa, Sul do Tejo e Sul da Península de Setúbal. A Horácio, o fundador da casa agrícola com o seu nome, calhou a segunda.

Mas há registos anteriores da actividade da família, quando José Carvalho Simões produzia uva e vinho por sua conta e risco, numa época em que era tradição produzir as uvas, transformá-las em vinhos e comercializá-los. Mas como Luís Simões, 45 anos, membro da quarta geração da família e enólogo da casa gosta de salientar, a prática agrícola do seu ancestral, e dos outros agricultores da região, incluía mais do que apenas a produção de vinho, numa época em que era necessário produzir frutas, legumes, carne e leite para as famílias sobreviverem.

Quando o fundador desta casa iniciou a sua actividade, o escoamento dos vinhos era feito em tabernas. Por isso, foi montando várias em diversas localidades do seu território, e desafiando os filhos dos seus empregados mais antigos para as gerir. “Iam vendendo o vinho e abatendo a conta do investimento feito pelo Horácio no estabelecimento, que acabava por passar para as suas mãos após alguns anos”, conta Pedro Simões, 50 anos, também membro da quarta geração da família e responsável pela viticultura e comercialização da empresa. Era uma forma antiga de fazer este negócio, que se manteve durante muitos anos, até ao fecho da última taberna montada pelo bisavô, a da Baixa da Banheira, apenas há um par de anos.

Nas vinhas da empresa estão plantadas as variedades brancas Rabo de Ovelha e Boal do Barreiro, tintas Castelão e Bastardo e Moscatel de Setúbal, Moscatel Roxo, algumas com mais de 100 anos

 

Dos barris para vinho engarrafado

Há cerca de 30 anos, a empresa deixou de vender vinho a granel e barris para passar a comercializá-lo engarrafado. Foi na altura em que Pedro e Luís começaram a trabalhar na empresa, que já só comercializava vinho em barris e charutos de madeira de 50 e 30 litros. “Qualquer um de nós dois ainda carregámos alguns, até em sítios bem complicados onde tínhamos clientes, como as escarpas de Sesimbra”, conta Pedro Simões.

Com o aproximar do fim do consumo de vinho nas tabernas, Pedro e Luis decidiram mudar para a venda de vinho em garrafa, porque sabiam que não teriam capacidade para competir com as grandes casas, que já eram especialistas na venda de vinhos em garrafão e noutros formatos de comercialização a granel. “Tivémos, desde logo, a visão de evoluir para o engarrafado”, salienta Luís. Para além disso, apostaram na produção e comercialização de vinhos com denominação de origem, em vez de entrarem primeiro com vinhos de mesa no mercado. “Acreditámos que tínhamos possibilidade, com as nossas vinhas e as nossas uvas, de produzir algo distinto que nos fizesse diferenciar no mercado como produtor de vinhos da região”, explica Pedro Simões.

Primeiro lançaram um regional tinto e branco, mais um Moscatel branco e Roxo. “E, a partir daí, o nosso trabalho foi sendo feito com base na nossa crença de que, apostando num trabalho sério e diferenciador, iriamos ter boa receptividade do mercado”, diz o irmão mais velho. Estavam, afinal, a seguir o conselho que o avô lhes tinha transmitido para a sua vida, para “não dependerem nem fazerem como os outros”.
O trabalho que fizeram, incluindo a forma como foram contactando e abrindo portas, andando acima e abaixo do país, abrindo muitas garrafas, foi originando a aceitação do mercado, mesmo em zonas menos tradicionais para o consumo de Moscatel, como o norte do país. Hoje é, segundo Pedro Simões, o melhor mercado deste tipo de vinhos da empresa.

O que é a Casa Horácio Simões?

Sediada na Quinta do Anjo, onde tem a sua adega e espaço de enoturismo, a empresa tem cerca de 30 hectares de vinha própria e adquire uvas de mais 30 ha a parceiros. “É uma realidade muito de minifúndio, em que a nossa maior parcela tem quatro hectares e a mais pequena meio hectare”, conta Pedro Simões, acrescentando que todas ficam em volta da Quinta do Anjo, no sopé da Serra do Louro, o que influencia o caracter distinto dos vinhos que a empresa tem no mercado.

Actualmente, a empresa exporta 30% da sua produção para destinos como o Brasil, Estados Unidos e praticamente para todos os países da Europa, mas apenas para estabelecimentos do canal Horeca e garrafeiras. Em Portugal, os vinhos são distribuídos pela Decante Vinhos.

 

O sucesso dos moscatéis

“Se há 20 anos alguém me perguntasse se vendia uma garrafa de Moscatel no Porto, dizia que eram malucos, porque não conseguia vender uma garrafa de Santarém para cima naquela altura”, afirma, salientando que o sucesso dos moscatéis não foi acompanhado, com a mesma intensidade, pelo dos vinhos tranquilos. “Hoje temos alguma dificuldade em mostrar que a Horácio Simões não é só Moscatel de Setúbal”, conta Luís Simões, explicando que o sucesso dos seus moscatéis se deve, também, à aposta da empresa na sua diferenciação, através do lançamento de referências produzidas com “novas forma de vinificação” e de terroirs diversos.

Até aí os consumidores conheciam o produto, mas não sabiam que a sua origem podia diferenciar as suas características e que uma forma diferente de vinificar se podia sentir no produto final. “Essa maneira de abordar a comunicação dos moscatéis foi a primeira forma de diferenciação da Casa Agrícola Horácio Simões”, revela Luís, acrescentando que a procura de inovações e a experimentação foi-lhes transmitida e incentivada pelo avô, Horácio Simões. E começou, há 30 anos, com a produção e comercialização de vinhos de castas internacionais engarrafados. Mas quando Pedro deu a provar o seu primeiro Castelão/Syrah, e lhe responderam que o vinho era muito bom, mas havia vários produtores com vinhos ainda melhores daquelas castas, decidiu não vinificar mais variedades internacionais na sua casa e apostar na produção e comercialização de vinhos de castas regionais, como forma de diferenciar a casa no mercado. Como é evidente, este processo implicou a procura dessas variedades, o seu estudo e o desenvolvimento de produtos com base nelas. “E mesmo que já tenha havido concorrentes que tenham lançado, depois, vinhos das mesmas castas, nós fomos os primeiros a fazê-lo”, diz Pedro Simões.

Há cerca de 30 anos, a empresa deixou de vender vinho a granel e barris para passar a comercializá-lo engarrafado

 

Os ensinamentos dos antigos

Foi o que aconteceu com os vinhos brancos da casta Boal, que estava plantada no meio das vinhas de Castelão da família. Depois de seleccionada, foi feito um estudo para conhecer melhor as suas características no campo, definir o seu maneio mais adequado e perceber as características dos vinhos que origina. O objectivo era “produzir, com base nela, um Reserva ou um Grande Reserva branco, um vinho diferenciador para a região produzido com uma casta regional”, conta Pedro Simões, acrescentando que a aposta na casta começou em 2007, mas o processo apenas terminou em 2020, com o reconhecimento do vinho pelo mercado.

Foi também com base em trabalho moroso que começaram a ser feitos vinhos com base no Bastardo e na Rabo de Ovelha, variedade cujos bagos gostava de comer quando ia com o avô à vinha. “Desde esse tempo que pensei em fazer um vinho da casta”, revela Pedro, acrescentando que todo o trabalho desenvolvido desde que a geração actual assumiu os destinos da casa está assente na mesma filosofia das gerações anteriores, de “fazer diferente, melhor”. “A sabedoria das gerações anteriores, que não tinham estudos, era suficiente para produzirem vinhos diferenciadores”, diz Luís Simões, acrescentando que os seus ancestrais sabiam, por exemplo, que “fazia sentido ter, numa vinha velha, castas brancas e tintas misturadas”.

Ensinamentos como estes, que lhes foram transmitidos pelas gerações anteriores e não pelos livros que foi estudando, contribuem, de forma significativa, para a forma como as coisas são feitas nesta casa agrícola. “O nosso caminho passa pelo uso de tudo o que aprendemos com os anteriores membros da casa e dos conhecimentos actuais para tirar o melhor de cada colheita”, acrescenta Pedro Simões, salientando que é isso que ambos querem engarrafar: uma vinha e um ano agrícola.

Horácio Simões

 

Os efeitos do tempo

Nas vinhas da empresa estão plantadas as variedades brancas Rabo de Ovelha e Boal do Barreiro, tintas Castelão e Bastardo e Moscatel de Setúbal, Moscatel Roxo, algumas com mais de 100 anos. Nestas, as vindimas seguem o ritmo de colheitas de sempre. “O aquecimento global pouco tem influenciado as datas de vindima”, conta Luís Simões. “O que os nossos registos nos dizem é que o Castelão está maduro a 15 de Setembro, mas pode ser a 14, 16 ou 18, variações tão pouco significativas, que nos demonstram que as datas de vindima se têm mantido ao longo do tempo”, acrescenta.

A primeira a ser colhida é sempre Moscatel Roxo, quando está no estado de maturação perfeito para a produção de licoroso. “Quando estava misturado com outras castas na vinha, as uvas quase nunca eram colhidas por serem as primeiras a amadurecer, e a ser comidas por pássaros e insectos”, conta Luis Simões. Mas não é o que acontece hoje. Seguem-se, após algum período de paragem, as brancas Boal e Rabo de Ovelha e, depois, o Castelão e o Bastardo, que é vindimado em duas fases. “Primeiro, em Agosto, quando tem 11 a 11,5% de álcool, para o tinto, e, em Setembro, para a produção de licoroso”, explica Pedro, acrescentando que a maior parte das vindimas de uma parte das castas foi antecipada em relação ao período tradicional, logo a seguir à Festa da Moita em honra de Nossa Senhora da Boa Viagem, em Setembro. “Aquilo que conhecemos sobre as castas de ciclos mais pequenos, mais temporãs, levou-nos a antecipar vindimas e os períodos de tempo em que decorrem para aproveitar aquilo que cada casta, e cada vinha, pode dar, para o tipo de vinho para aquilo que pretendemos produzir”, explica acrescentando que a sua adega está actualmente preparada para ir trabalhando e parando entre vindimas.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2025)

 

Vintage 1994: 30 anos de boa memória

Vintage

No ano de 1843, a cidade de Londres, ao acordar da modorra noturna, deparou-se com uma publicação anónima que apresentou um título invulgarmente longo, quando comparado com a métrica jornalística atual: A Word Or Two on Port Wine! Showing How, and Why, it is Adulterated, and Affording Some Means of Detecting Its Adulterations. Curiosamente, a […]

No ano de 1843, a cidade de Londres, ao acordar da modorra noturna, deparou-se com uma publicação anónima que apresentou um título invulgarmente longo, quando comparado com a métrica jornalística atual: A Word Or Two on Port Wine! Showing How, and Why, it is Adulterated, and Affording Some Means of Detecting Its Adulterations. Curiosamente, a única referência à sua intrigante autoria também se encontrou na primeira página: By one residing in Portugal for eleven years. Este folheto, cuja autoria terá sido, mais tarde, atribuída ao barão de Forrester, foi a faísca que acabou por incendiar uma enorme polémica genuinamente internacional sobre as práticas de vinificação da altura, tendo por pano de fundo uma aguda crise comercial.

Para o barão, no seguimento da muito famosa colheita de 1820 que apresentou vinhos invulgarmente “cheios, doces e saborosos”, foi desenvolvido um novo sistema de vinificação de encontro aos incontáveis pedidos dos consumidores e dos negociantes pela regularidade deste perfil. O argumento fundamental de Forrester era desconcertantemente simples e avassalador: “raras vezes se podia obter puro um tal vinho, sendo mui raras tão boas estações, recorreu-se à adulteração (…) a fim de produzir coisa que o imitasse (…); e os esforços entre muitos dos exportadores tendiam a que cada um exportasse vinho mais doce, encorpado e de mais cor que o do seu vizinho”. Na sua opinião, a adulteração dos vinhos estava ligada ao crescente uso de jeropiga, baga de sabugueiro e ao uso crescente de aguardente na fermentação, após a fermentação, no momento do carregamento para Vila Nova de Gaia e na ocasião do embarque para Inglaterra. Estes procedimentos, segundo o barão, estavam na génese da crise comercial verificada desde o início da década de quarenta. Forrester defendia precisamente o inverso, ou seja, o fabrico de vinhos “puros”, “secos”, “preparados com bastante fermentação” e com “pouca ou nenhuma aguardente”.

Pouco tempo depois surgiu um novo folheto, igualmente publicado de forma anónima, em Londres, que tentou refutar todas as considerações do primeiro. No seguimento, no Porto, em apoio ao folheto inicial foi difundida uma carta, através do Periódico dos Pobres do Porto, assinada por “um velho lavrador do Douro” na qual dava sustentabilidade total aos argumentos de Forrester. Os detratores do barão acusaram-no de provocar o descrédito do vinho do Porto e contrapunham que a aguardentação convinha ao aperfeiçoamento do produto para atender às solicitações do mercado e resistir à viagem para as ilhas britânicas.

Ainda assim, era no Douro que o Barão de Forrester tinha uma das suas maiores aliadas nesta causa, tratava-se da família Ferreira que, nesta altura, já granjeava uma enorme reputação no mercado dos vinhos. Curiosamente, estes mantinham inteligentemente uma dupla política comercial. Por um lado, existem registos revelando a venda de vinhos retintos e encorpados, a pedido expresso dos exportadores. Por outro lado, os melhores vinhos, provenientes da Quinta do Vesúvio, continuavam a produzir-se com muito menos aguardentação.

Apesar dos esforços do Barão de Forrester e dos seus apoiantes, o que acabou por prevalecer foi o denominado “gosto inglês” que deu preferência a vinhos retintos, fortes, encorpados e, acima de tudo, doces. A preferência por esse perfil característico acabou por ser cristalizada e assumida como a norma na categoria dos vinhos do Porto Vintage. Atualmente, o perfil destes vinhos foi vertido em forma de lei determinando o vinho do Porto Vintage como “…proveniente de uma só vindima, retinto e encorpado…”.

A masterclasse “Os 30 anos do Porto Vintage 1994” foi conduzida por Paulo Russel-Pinto um dos especialistas do IVDP

 

Uma inesquecível masterclass

 Esta colheita é um excelente exemplo do triunfo e herança do “gosto inglês”, mas poucas atingiram a pontuação e o estrelato internacional dos vinhos do Porto Vintage do ano de 1994.

A estratosférica pontuação atribuída por uma das principais revistas mundiais de crítica de vinhos (100 pontos a dois Vintage de 1994: Taylor’s e Fonseca), fez renascer o desejo pelo vinho do Porto no mercado norte-americano e mundial. Por cá, o Vintage foi descoberto pelos consumidores e transformado em produto de moda. Desta forma, as vendas das categorias especiais de vinho do Porto atingiram, na altura, novo pico de venda e um sucesso estrondoso. Muitos dos operadores esgotaram rapidamente as alocações do Vintage de 1994 programadas, muitas delas em apenas três meses, e com preços bem interessantes.

O segredo do sucesso desta colheita esteve relacionado com as condições climátericas ocorridas. Apesar do pobre início, a época de desenvolvimento das uvas foi razoável, com tempo seco, apenas interrompido por reduzidos períodos de chuva. Esta conjuntura redundou numa vindima uniforme e extraordinária e em vinhos que, 30 anos depois, nos envolvem os sentidos.

Isso mesmo comprovámos na atmosfera intimista do Salão Nobre do Instituto dos Vinhos do Porto e Douro, palco de uma das comemorações mais aguardadas do “Port Wine Day”: a masterclass “Os 30 anos do Porto Vintage 1994”. Esta foi conduzida por Paulo Russell-Pinto, um dos especialistas do instituto, e contou com a presença dos enólogos das empresas representadas. A plateia era constituída por várias classes de profissionais da fileira do mundo do vinho nacional e por alguns jornalistas. Paulo Russel-Pinto fez desfilar oito vinhos de empresas sobejamente reconhecidas pelos mercados nacionais e internacionais: Cálem, Churchill’s, Dow’s, Poças, Quinta do Noval, Ramos Pinto, Rozès e Taylor’s.

O Cálem Vintage 1994, apresentado por Carlos Alves, exibiu ainda uma cor rubi bastante intensa e opaca com as notas de fruta vermelha madura ainda bem marcadas. No palato, os taninos bem marcados, juntamente com a fruta bem madura conferiam uma prova intensa e prazerosa. Um exemplar ainda bastante jovem denotando equilíbrio entre álcool, acidez e açúcar. (19,5 pontos).

A uma das casas mais recentes na produção de vinho Porto coube a apresentação do Churchill´s Vintage 1994 proveniente de vinhas com mais de 50 anos de idade apresentou uma coloração levemente acastanhada evidenciando aromas a frutos secos, marmelada e alguma fruta vermelha. De perfil seco, fresco e de recorte muito fino, revelou uma faceta elegante. Um dos mais evoluídos em prova. (18,5).

Do universo Symington foi apresentado um vinho cujas uvas foram provenientes da Quinta do Bonfim (Cima Corgo) e da Quinta da Senhora da Ribeira (Douro Superior). Estas resultaram no Dow’s Vintage 2014, que se mostrou ainda retinto e opaco com aromas bem marcados a fruta vermelha compotada, especiarias e alcaçuz. Boa intensidade e equilíbrio entra a doçura e acidez. Ainda jovem e com boa capacidade de guarda. (19).

A batuta de Jorge Manuel Pintão, bisneto do fundador, concebeu o Poças Vintage 2014 de cor levemente acastanhada denotando aromas a pinho, frutos secos, mentol, tabaco e alguma fruta vermelha. O tanino firme e a acidez marcada conferem alguma intensidade e nervo à fruta compotada. Está num excelente momento para ser bebido. (18,5).

A Quinta do Noval, situada no vale Mendiz, apresentou um vinho que resultou da primeira colheita com a gerência do grupo internacional Axa-Milésimes, o Noval Vintage 2014 produzido com uvas provenientes de uma colina apenas, entre os 200 e os 400 metros de altitude. Opaco e retinto marcado por aromas balsâmicos, fruta preta e cacau. Muito persistente, intenso compaginando doçura e acidez com galhardia. (19).

Os Single Quinta são uma categoria menos conhecida pelo consumidor comum e representam a singularidade de um território com bastantes cambiantes. Desta forma foi apresentado, pela mão da Ramos Pinto, o Quinta da Ervamoira Vintage 1994 de cor bastante intensa, brilhante e rubi aparentando apenas uma leve evolução. Grande intensidade de aromas com destaque para a fruta madura, tabaco e algum balsâmico. No palato revelou fruta madura fresca e menta envolvidos por um tanino bem presente. Grande intensidade e volume. Um dos melhores em prova. (19,5).

O Rozès Vintage 1994 mostrou uma coloração menos intensa e acastanhada evidenciando aromas a marmelada e frutos secos. De perfil mais doce e concentração média, revelando estar a atravessar um período menos intenso. (18).

Para o final estava guardada a estrela do dia, provada em formato magnum, o que lhe conferiu impacto adicional. Tratou-se do Taylor’s Vintage 1994 de coloração bastante intensa e aromas ainda bastante fechados, mas bem marcados a fruta vermelha e preta. No palato mostrou bastante intensidade, fruta fresca e mentol. O tanino bem marcado e o perfil ainda fechado conferem um tempo de guarda bastante confortável. Um grande Vintage. (20).

 As implicações tardias de um folheto

 Na altura em que foram lançados e nos anos subsequentes, os Vintage de 1994 foram elevados ao pináculo superior do estrelato mediático nacional e internacional. Concomitantemente, a região do Douro aproveitando um enorme manancial vínico com 300 anos, transformou-se de forma definitiva.

Na década de noventa, atravessou uma época verdadeiramente dourada, Dirk Niepoort faz, em 1990, duas pipas de vinho para consumo e, em 1991, foi lançado, com enorme sucesso comercial, o Duas Quintas. Durante essa década muitas das marcas que hoje são incontornáveis na região (Quinta da Gaivosa, Quinta do Crasto, Quinta Vale D. Maria, Chryseia, Quinta do Vale Meão ou Quinta do Vallado) viram a luz do dia. Foi o ressurgimento definitivo dos “vinhos secos” a que o barão de Forrester se referia em 1843…

Ainda assim, esta fantástica prova de vinhos relembra, mais uma vez, com veemência e elegância, o triunfo da tradição dos vinhos do Porto Vintage. A história do Douro e dos seus vinhos é muito longa e envolta em muitos meandros…e ainda bem.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024)

Enoturismo: Caminhos Cruzados

Caminhos Cruzados

A história do vinho no Dão é mais do que uma simples sucessão de acontecimentos. É um emaranhado intrincado de natureza, cultura e tempo. A vinha, arraigada nas encostas escarpadas e nos planaltos graníticos, é um testemunho vivo da relação ancestral entre o homem e a terra. As raízes que se aprofundam no solo, buscando […]

A história do vinho no Dão é mais do que uma simples sucessão de acontecimentos. É um emaranhado intrincado de natureza, cultura e tempo. A vinha, arraigada nas encostas escarpadas e nos planaltos graníticos, é um testemunho vivo da relação ancestral entre o homem e a terra. As raízes que se aprofundam no solo, buscando a água e os nutrientes, espelham a própria busca do homem por significado e pertencimento.

Mosaico de tradições

A cultura vínica do Dão é um mosaico de tradições transmitidas de geração em geração. As mãos calejadas dos vinhateiros, moldadas pelo trabalho árduo, são a expressão de um saber ancestral, um conhecimento tácito que se perde nas brumas do tempo. A vindima, celebração da colheita, é um rito de passagem que marca o ciclo da vida e da natureza. É nesse momento que a uva, fruto da terra e do sol, se transforma em néctar divino.

As suas paisagens exuberantes e aldeias pitorescas constituem o palco onde a história se desenrola. Os castelos e as quintas, testemunhas silenciosas do passado, guardam os segredos de um tempo em que o vinho era sinónimo de poder e riqueza. As adegas, com suas barricas de madeira e aromas inebriantes, são templos dedicados ao culto de Baco. A vinha, com as suas paisagens exuberantes e a variedade de castas, é a primeira tela do artista vinícola. A escolha do local de cultivo, a orientação das fileiras, a poda e a adubação são decisões que moldam o caráter do vinho. O terroir, conjunto de fatores naturais que influenciam o sabor da uva, é a paleta de cores do artista, oferecendo uma infinidade de nuances e tonalidades.

O vinho do Dão é mais do que uma bebida, é uma expressão da alma da região. Cada garrafa conta uma história, um reflexo do terroir, do clima e do homem que o criou. A diversidade de castas e solos confere, aos vinhos do Dão, uma personalidade única e inconfundível. A cor, o aroma e o sabor são elementos que compõem a sua estética. Um vinho tinto encorpado e complexo pode ser comparado a uma pintura barroca, rica em detalhes e contrastes. Um vinho branco fresco e mineral pode lembrar uma aquarela, leve e delicada.

A filosofia do vinho ensina-nos a apreciar a simplicidade das coisas, a saborear cada momento e a encontrar beleza nas pequenas coisas. O ato de degustar um vinho é uma experiência sensorial e espiritual que nos conecta com a natureza e com a história. É um convite à reflexão sobre a vida e a passagem do tempo.

Na pincelada da minha escrita transborda um sentimento artístico pela felicidade que os vinhos do Dão me proporcionam. Nesta região sinto no vinho uma forma de expressão artística que une a natureza e a cultura.

Ao brindar com um vinho do Dão, celebramos não apenas a excelência de um produto, mas também a riqueza de uma cultura e a beleza de uma região. A vinha, o tempo e a alma do Dão estão inextricavelmente ligados, formando um património único e valioso que devemos preservar para as futuras gerações.

Inovação na tradição…

As minhas viagens pelo mundo do Enoturismo em Portugal têm-me proporcionado momentos inesquecíveis e gratificantes, ao conhecer a história e a tradição das regiões vitivinícolas, ao descobrir vinhos únicos, caminhar por vinhas exuberantes, onde a beleza se une à qualidade dos vinhos, admirar paisagens deslumbrantes e conhecer pessoas apaixonadas por essa arte milenar.

Na minha “árdua” felicidade de conhecer o país enoturístico, numa jornada introspetiva, numa espécie de convite à filosofia, à contemplação da existência e à busca por significados profundos no mundo do Vinho e porque não dizer da Gastronomia, escolhi o Dão para esta viagem.

Nesta região somos convidados a um diálogo íntimo com a natureza. A terra paciente oferece os seus frutos. A videira, símbolo da vida e da renovação, tece uma narrativa milenar, onde cada folha é um capítulo escrito pelo tempo. A cada passo, somos lembrados da nossa própria finitude e da impermanência de todas as coisas. O Dão é isto. É fantasia, é mistério. Obriga-me a viver como se amanhã fosse o último dia da minha vida.

A escolha estava feita – a Quinta da Teixuga e a sua Adega Caminhos Cruzados, encaixa-se “como uma luva“ neste espírito filosófico, na busca interminável do saber e do sabor. Nesta adega o vinho, que é o resultado de um processo alquímico entre a terra, o sol e o trabalho humano, revela-se como uma metáfora da vida. Assim como o vinho amadurece em barricas, transformando-se numa bebida complexa e multifacetada, nós também evoluímos com o tempo, moldados pelas experiências e pelas relações que estabelecemos.

Paixão pelo vinho

A Adega Caminhos Cruzados é mais do que apenas um local de produção de vinho. É um verdadeiro manifesto de paixão pelo vinho e pela sua região. Fica na Quinta da Teixuga, situada em Vilar Seco, concelho de Nelas, no distrito de Viseu, propriedade de 30 hectares no coração do Dão, e destaca-se pela sua arquitetura moderna e arrojada, que se funde perfeitamente com a paisagem circundante, desenhada pelo Arquiteto Nuno Pinto Cardoso

Na chegada à Adega Caminhos Cruzados percebe-se, de imediato, que se entra num espaço com claras preocupações estéticas e integradoras na paisagem rural. De forma natural, cria de imediato uma elevada expectativa do que se vai encontrar. A inovação da arquitetura funde-se com a tradição vínica da Região do Dão, como a de dois amantes num eterno tango, alicerçado num abraço apaixonado. A tradição vitivinícola guia a inovação pelos caminhos da história, enquanto esta, com sua energia vibrante, insufla nova vida nas raízes ancestrais. É nessa dança harmoniosa que a criatividade encontra a sua inspiração, e o futuro a sua essência.

Encontrei o Luis Filipe, coordenador do Enoturismo da Caminhos Cruzados, na empresa desde 2019, que orgulhosamente explica que começou como embaixador/promotor da marca na zona centro do país. Sente-se a sua paixão pelo que faz e representa. A quinta localiza-se em pleno planalto do Dão, em Terras de Senhorim, que são excelentes para a plantação de videiras e produção de uva, salienta. As amplitudes térmicas locais são apropriadas para a boa maturação das uvas e o seu lento amadurecimento dá origem a vinhos de aromas ricos e boa acidez, elegância e estrutura, diz também.

A Caminhos Cruzados surge do amor que a família Santos, natural de Nelas, têm à Região do Dão. É em 2012 que Paulo Santos, empresário têxtil, decide voltar a dar vida a esta tradição e criar uma empresa familiar, dirigida por Lígia Santos, a sua filha, que troca Lisboa e a advocacia pelo vinho e ruma a Nelas para dirigir os destinos do projeto.

Paulo Santos, que fazia vindimas em família e com amigos, desde cedo, produzindo vinho caseiro num pequeno lagar, salienta que, na adega produz vinho de qualidade, com uma vertente de tradição aliada ao modernismo e constante diferenciação que o mercado exige”. Desde o início, que a visão da Caminhos Cruzados foi surgir como “O Novo Dão” e a sua adega emergiu das vinhas da Quinta da Teixuga em 2017. Em algumas delas, cuja idade média é de 50 anos, podemos encontrar as castas tintas Touriga Nacional, Tinta Roriz, Jaen e Alfrocheiro e brancas Malvasia-Fina, Encruzado e Bical. É a partir desta riqueza varietal que são feitos os vinhos na adega. Os caminhos cruzados da vida podem proporcionar algo mágico e fantástico, experiências e vivências diferentes que nos transformam e enriquecem a alma. São como um labirinto cheio de surpresas e desafios, de complexidade e imprevisibilidade. É desta paleta filosófica que surge a ideia de designar a Adega de “Caminhos Cruzados”. “A sua estética inspira-se no logótipo da empresa, duas linhas que se cruzam, e encontra-se perfeitamente integrada no ambiente”, sustenta Luis Filipe com um brilho nos olhos de quem adora o que faz.

Um tesouro escondido

Escondida entre as serras do Caramulo, Montemuro, Buçaco e Estrela, a Quinta da Teixuga é um refúgio para os amantes do vinho que buscam experiências autênticas. Com 42 hectares de vinhas, a propriedade oferece um panorama único da viticultura portuguesa, onde a natureza e a tradição se entrelaçam.

As vinhas, situadas entre os 400 e 700 metros de altitude, beneficiam de um terroir excecional. Os solos xistosos e graníticos, aliados ao clima mediterrâneo influenciado pela altitude, conferem aos vinhos uma mineralidade e complexidade únicas.

Com o objetivo de preservar a alma do Dão, a Quinta da Teixuga investe na recuperação de vinhas velhas, com mais de 50 anos. Essas vinhas, verdadeiros tesouros, guardam um património genético único que se traduz em vinhos com uma identidade própria.

Em paralelo, a Quinta da Teixuga aposta na plantação de novas vinhas, com variedades que complementam as castas tradicionais do Dão, como a Touriga Nacional, Alfrocheiro, Jaen, Tinta Roriz, Encruzado, Bical, Cercial, Malvasia Fina e Verdelho. Consciente da importância da preservação do meio ambiente, a Quinta da Teixuga iniciou, em 2019, um projeto de conversão de uma parcela de vinha para a agricultura biológica.

 

Uma experiência única de Turismo, Gastronomia e Vinhos

Visitar a Quinta da Teixuga e a sua adega é uma viagem no tempo. Ao percorrer as vinhas e a adega, os visitantes podem conhecer de perto o processo de produção dos vinhos e apreciar a beleza da paisagem. Provar os seus vinhos é uma boa oportunidade para descobrir a sua complexidade e elegância.

Na adega Caminhos Cruzados todas as atividades começam com uma visita guiada, uma imersão nas paisagens e processos vitivinícolas da região do Dão. O circuito tem início no exterior, próximo das vinhas, onde os visitantes são contemplados com uma vista panorâmica da Serra do Caramulo. Nesse momento é apresentada a história da empresa, desde sua fundação, em 2012, até os dias atuais, além de uma breve e objetiva explicação sobre os vinhedos, que se estendem para além da Quinta da Teixuga. A visita inclui uma introdução às características geográficas e vitivinícolas da região do Dão.

Em seguida, os visitantes são conduzidos ao setor de produção, localizado no subsolo da adega. Neste espaço é explicada cada etapa do processo, desde a colheita até o processamento das uvas. O tour passa então pelas cubas de inox, onde são abordadas as diferenças entre os tipos de fermentação, destacando as distinções entre as cubas cilíndricas e as troncocónicas.

A visita continua pela área de enchimento e rotulagem, onde os participantes conhecem os processos de finalização do produto e podem observar o laboratório, onde a enóloga Carla Rodrigues realiza análises detalhadas e define os lotes finais dos vinhos.

O ponto alto da visita é a deslumbrante sala das barricas, que impressiona todos os que percorrem o seu interior. Neste espaço, os visitantes são apresentados aos diferentes estágios de envelhecimento em madeira, um processo essencial para a qualidade dos vinhos produzidos na adega. No final, as pessoas são direcionadas para o local onde participarão na atividade escolhida, encerrando uma experiência enriquecedora no mundo do turismo de vinhos.

Viagem gastronómica

A cozinha do restaurante está sob o comando do talentoso chef Miguel Vidal, que combina ingredientes regionais com influências da sua experiência internacional, oferecendo uma verdadeira viagem gastronómica, que destaca a autenticidade dos produtos locais com toques inspirados nas passagens por vários países.

Entre as suas especialidades encontram-se pratos como Bacalhau com broa, Escabeche de truta, Vitela em púcara de barro preto e o tradicional Arroz de carqueja em vinha d’alhos, que encantam pelo sabor e apresentação cuidadosa.

Além do cardápio regular, o chef oferece a possibilidade de se realizar experiências gastronómicas personalizadas. Com reserva prévia, pode criar menus exclusivos, ajustados às preferências e ocasiões específicas dos clientes, seguindo um conceito tailor made que garante um toque único em cada refeição. Para aproveitar esses almoços ou jantares especiais, acompanhados pelos vinhos da adega, é necessário agendar com pelo menos 24 horas de antecedência.

Seja através de uma visita breve ou de uma imersão completa, a Caminhos Cruzados proporciona uma experiência única: a alegria que surge da perfeita harmonia entre o vinho, a natureza e a inovação na tradição.

Caminhos Cruzados
A cozinha do restaurante está sob o comando do talentoso chef Miguel Vidal, que combina ingredientes regionais com influências da sua experiência internacional.

 

CADERNO DE VISITA

 COMODIDADES

– Kids friendly

– Línguas faladas: inglês, espanhol

– Loja de vinhos

– Diversas salas com capacidades máximas de 8 a 40 pessoas para diferentes atividades e refeições

– Parque para automóveis ligeiros e autocarros

– Provas comentadas (ver programas)

– Conceito open kitchen com o chef Miguel Vidal

– Turismo acessível

– Wifi gratuito disponível

– Visita às vinhas

Slow tourism (conceito de receber sem apressar o visitante, com abertura para poder caminhar livremente pela quinta ou apreciar um vinho à lareira, por exemplo)

EVENTOS

Corporativos

Atividades team building

Privados variados, incluindo aniversários, reuniões familiares, despedidas de solteiro (a) e batizados

 

PROGRAMAS DE ENOTURISMO

VISITA À ADEGA & PROVA DE 3 VINHOS

Duração média da experiência: 60 minutos

Horários: 11h/14.30h/16.30h de segunda a sábado

Limite mínimo de visitantes: 2

Limite máximo de visitantes: Não tem

Preço: 15€/Pax

VISITA À ADEGA, VINHA & PROVA DE 3 VINHOS PREMIUM

Tábua de enchidos e queijos. A tábua vegetariana necessita de marcação prévia de 24 h.

Duração média da experiência: 90 minutos

Horários: 11h/14.30h/16.30h de segunda a sábado

Limite mínimo de visitantes: 2

Limite máximo de visitantes: 28 sentados e 40 de pé

Preço: 30€/Pax

WINE AND FOOD

Atividade composta por visita à adega/quinta seguida de almoço vínico. As provas são harmonizadas com a gastronomia local. Opção vegetariana. necessita de marcação prévia de 48h

Duração da visita e almoço: 120-150 min

Horários: 12.30h de segunda a sábado

Limite mínimo de visitantes: 2

Limite máximo de visitantes: 28 sentados e 40 de pé

Preço: Almoço 50€/Pax; Jantar 55€/Pax

ENOLOGIA CRIATIVA

Nesta atividade o visitante poderá criar e engarrafar o seu próprio vinho, loteando e produzindo amostras para chegar ao perfil que gosta mais. No final leva a garrafa, para partilhar a experiência com os amigos ou família.

Duração média da atividade: 120 min

Horários: 11h/15h de segunda a sábado

Limite mínimo de visitantes: 2

Limite máximo de visitantes: 10 (equipas de 2)

Preço: 40€/Pax

PIQUENIQUE NA VINHA

Inclui prova de vinhos, um cesto de piquenique com uma garrafa de vinho, uma garrafa de água, compotas, pão regional, biscoitos, enchidos, queijo e fruta.

Duração da visita: Ilimitada.

Horários: A partir das 10.30h de segunda a sábado

Limite mínimo de visitantes: 2

Limite máximo de visitantes: Não tem

Preço: 40€ (2 Pax)

PROVA VINHO E CHOCOLATE

Nesta experiência, que agradará aos amantes de vinhos e de chocolates, são harmonizados cinco bombons com quatro vinhos.

Duração média: 90 min.

Horários: 11h/14.30h/16h de segunda a sábado

Limite mínimo de visitantes: 2

Limite máximo de visitantes: 20

Preço: 25€/Pax

PEDDY PAPER NA VINHA

O objetivo é passar um momento divertido com familiares e amigos a descobrir pistas no meio de uma vinha, através da leitura e descodificação de um road-book. Após o jogo, recupera-se a energia com a prova de um vinho na adega.

Duração média do jogo: 90 min

Horários: 11h/15h de segunda a sábado

Limite mínimo de visitantes: 2

Limite máximo de visitantes: Não tem

Preço: 20€/Pax

JOGO DOS AROMAS

O Jogo dos Aromas permite, aos jogadores, pôr à prova a sua capacidade de identificar os aromas do vinho, envolvidos em contexto vitícola.

Duração média do jogo: 90 min

Horários: 11h/14.30h/16.30h de segunda a sábado

Limite mínimo de visitantes: 2

Limite máximo de visitantes: 24

Preço: 20€/Pax

WINE SURPRISE

Partilha de o espaço da adega criar e oferecer surpresas aos outros.

WORKSHOPS

Possibilidade de participar em workshops temáticos criados pela Caminhos Cruzados, que são anunciados num futuro próximo.

EVENTOS CORPORATIVOS

Espaço único para eventos especiais, team buildings e formações com possibilidade de conhecer a adega e os seus vinhos.

CONTACTOS

Adega Caminhos Cruzados

Quinta da Teixuga, Estrada Municipal Algeraz – Carvalhal Redondo

3520-011 Nelas – Portugal

Tel.: +351 232 940 195

Email: enoturismo@caminhoscruzados.net

Responsável pelo Enoturismo – Luis Filipe

Notas

Aos domingos e feriados é necessária marcação prévia.

Preços especiais para crianças.

Nota: o autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Altas Quintas: Um regresso em grande

Altas Quintas

A Altas Quintas é uma marca alentejana bem conhecida e apreciada, estabelecida em 2004. Pertencia à família de João Lourenço que, em 2017, vendeu a propriedade (vinhas e adega) à Symington Family Estates, ficando com a marca e os stocks de vinho. Assim, manteve a actividade de viticultor e produtor de vinhos, embora numa escala […]

A Altas Quintas é uma marca alentejana bem conhecida e apreciada, estabelecida em 2004. Pertencia à família de João Lourenço que, em 2017, vendeu a propriedade (vinhas e adega) à Symington Family Estates, ficando com a marca e os stocks de vinho. Assim, manteve a actividade de viticultor e produtor de vinhos, embora numa escala menor, adquirindo a Herdade do Porto da Boga, localizada igualmente nas encostas da Serra de São Mamede. No entanto, por motivos de saúde, teve de abandonar esta actividade. Como António Ventura acompanhava a família neste projecto vitivinícola desde 2009, foi a ele que recorreram para lhes ajudar na venda da propriedade. E o enólogo sabia quem seria a pessoa ideal para dar continuidade ao projecto.

Vontade de investir

Recuando alguns anos (António Ventura já conta com mais de quatro décadas de carreira), houve um rapazinho que fez três vindimas com ele na Adega da Vermelha, na região de Lisboa. Este jovem chamava-se Ricardo Machado que, após a experiência dura da vindima, ficou “com o bichinho” do vinho. O facto de ter viticultores na família, desde o seu bisavô, também contribuiu para esta paixão e António Ventura tornou-se no seu mentor em tudo relacionado com vinhos. Ricardo formou-se em Engenharia de Gestão do Território e o seu rumo profissional levou-o para fora do país. Regressou há poucos anos como empresário de sucesso, viajado, com experiência internacional e contactos no mundo inteiro, mas sobretudo com vontade de investir em projectos no seu país natal.

Aconteceu como nos filmes, com duas linhas do enredo a desenvolverem-se de forma independente até se cruzarem num determinado momento, a partir do qual a história toma um novo rumo. António Ventura falou ao Ricardo Machado na possibilidade de adquirir o projecto Altas Quintas. Visitaram a propriedade e o empresário decidiu avançar com a sua aquisição, o que aconteceu no outono do ano passado.

Para além de António Ventura na qualidade de consultor, juntou-se, ao projecto, o enólogo Tiago Correia como responsável de produção, a contar com o apoio do enólogo-residente, Diogo Vieira. Todo o acompanhamento da vinha está à responsabilidade do viticólogo José Luís Marmelo, profundo conhecedor das vinhas e terroir de Portalegre.

A herdade compreende 156 hectares de área, dos quais 27 hectares de vinha (e mais cinco hectares em breve) na encosta da Serra de São Mamede. Ali, a Altas Quintas pratica uma viticultura regenerativa e de protecção integrada, deixando de mobilizar o solo, fazendo coberturas melhoradoras. Tudo isto para levar o melhor do terroir, preservando-o para o futuro. Ao mesmo tempo, a empresa faz parcerias com produtores que têm boas parcelas em locais especiais e acompanham-nos continuadamente, desde a poda até à vindima. Desta forma, a Altas Quintas tem acesso a uvas em todos os distintos terroirs da Serra de São Mamede (orgulhando-se de ser a única empresa a consegui-lo), em altitudes e exposições diferentes. Na adega, bem equipada, tiveram de expandir a área de vinificação de brancos e planeiam aumentar o espaço de estágio em barricas e talhas. Tudo isto para conseguir vinificar, em separado, todas as diferentes parcelas e assim avaliar o potencial de cada terroir.

A mente irrequieta de Ricardo Machado e a sua grande capacidade de identificar oportunidades de negócio, bem como a abertura para estabelecer parcerias e unir esforços para o bem comum, prometem muitas novidades, algumas tradicionais, outras mais arrojadas, nos próximos anos. Já começaram a produzir os vinhos kosher (quatro referências, cerca de 30 mil garrafas), porque claramente há mercado para isto, sobretudo nos EUA. Nos seus planos está igualmente fazer uma espécie de “vinho romano” adoçado com mel, outrora chamado mulsum.

Muitos projectos em marcha

E há mais ideias em carteira. Ricardo Machado tem outra propriedade, de grande dimensão, na região da Beira Alta, a Herdade de Vale Feitoso, com 7300 hectares, onde está a apostar na exploração florestal, pecuária e cinegética, neste último caso desenvolvendo uma indústria de tratamento e comercialização da carne de caça (veados, gamos e javalis, sobretudo) para lojas e restaurantes mais sofisticados. Nesta propriedade também irão plantar vinha, que poderá ir até 100 hectares. E dois hotéis em Monfortinho complementam a oferta e abrem uma vertente turística. Outro projecto em desenvolvimento fica nos Açores, mais precisamente na Ilha de São Jorge, em dois hectares de vinha na Fajã do Cavalete. E, obviamente, haverá algo na região de Lisboa, junto às origens de Ricardo Machado, local onde, com o seu pai, possui já 100 hectares de vinha. “Estou a divertir-me imenso com estes projectos”, confessa, com um sorriso, Ricardo. “Muita gente pergunta porque fui investir no interior. Mas em Altas Quintas e em Vale Feitoso eu não me sinto no interior, afastado de tudo. Estou próximo de Lisboa e de Madrid, no centro da Ibéria”, remata.

Para promover a visibilidade da marca, a Altas Quintas patrocinou já a Porsche Cup C6 Bank, que teve lugar em Portugal, no autódromo do Estoril, em Junho deste ano. E, em Setembro passado, três vinhos Altas Quintas acompanharam o jantar anual de uma das mais antigas e prestigiadas sociedades gastronómicas do Reino Unido, fundada em 1899, a Réunion des Gastronomes. É a primeira vez, desde a fundação da sociedade, que os vinhos tranquilos portugueses acompanham este jantar.

Voltando aos vinhos agora apresentados à imprensa. O espumante Viúva Le Cocq Reserva 2020 é feito de Verdelho, com estágio 18 meses antes de dégorgement. O Altas Quintas branco de 2023 é composto por Verdelho e Arinto em partes iguais, provenientes de vinha plantada a 600 metros de altitude. O estágio decorreu em barricas de carvalho francês durante seis meses. O lote do Altas Quintas Reserva branco de 2022 é composto pelas mesmas castas, mas o Verdelho entra com 60%. A fermentação teve lugar em barricas de carvalho francês, onde permaneceu por mais quatro meses, continuando depois nas cubas de inox. Já o Altas Quintas tinto 2022 resulta de um lote de Touriga Nacional (60%), Syrah (20%) e Alicante Bouschet (20%). Após maceração pré-fermentativa a frio durante 24 horas, a fermentação decorreu em pequenos lagares de 5 Ton, com pisa e delestage. O estágio posterior durou 12 meses em barricas de carvalho francês e depois em garrafa, antes de sair para o mercado. Para o Altas Quintas Reserva 2020 entrou Alicante Bouschet, com 50%, Touriga Nacional, com 30% e Syrah, com 20%. A maceração pré-fermentativa foi mais longa, durante 48 horas. A fermentação também decorreu em pequenos lagares de inox com delestage diária e depois ainda uma maceração pós-fermentativa durante três meses. O estágio em barrica contou com 16 meses e mais em garrafa. Para mais tarde ficou a apresentação dos topos de gama da casa, o Reserva-Do e o Obsessão.

A influência da altitude e do carácter da Serra de São Mamede sente-se claramente nestes vinhos, assegurando a sua frescura e o potencial de guarda. Altas Quintas, agora na versão 3.0, está de volta, e em grande.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024)

Valle de Passos: O renascer de uma marca

Valle de Passos

O concelho de Valpaços localiza-se no distrito de Vila Real, em Trás-os-Montes, a leste da serra da Padrela, entre os rios Torto e Caldo. Com 31 freguesias e aproximadamente 15.000 habitantes, possui uma altitude média de 600 metros, o que contribui para a produção de vinhos com elevada frescura e mineralidade, fruto também dos seus […]

O concelho de Valpaços localiza-se no distrito de Vila Real, em Trás-os-Montes, a leste da serra da Padrela, entre os rios Torto e Caldo. Com 31 freguesias e aproximadamente 15.000 habitantes, possui uma altitude média de 600 metros, o que contribui para a produção de vinhos com elevada frescura e mineralidade, fruto também dos seus solos graníticos.
A agricultura é uma das principais atividades económicas do concelho. O azeite, a batata, a castanha, o trigo, a fruta e claro, o vinho, são as principais produções agrícolas, sendo também importante a criação de gado. A cultura da vinha e do vinho, para além da importância histórica, assume também uma excecional importância social e económica, pela variedade e relevo das atividades que lhe estão ligadas. O nome de Valpaços, segundo alguns historiadores, é um derivado precisamente do vinho produzido neste vale durante o período Romano, denominado “vinho passum”, que seria um dos grandes vinhos do Império Romano. Daí o nome de vale passum, depois vale passos, hoje Valpaços. Curiosidades históricas que reforçam a aposta do grupo na região, “com o objetivo de fazê-la crescer de uma forma profissional e sustentada, associando o vinho aos enchidos e gastronomia”, reforça o administrador Álvaro Lopes.

A identidade da região

Tudo se iniciou em 2017 com a aquisição da Quinta Dona Adelaide, sala de eventos, ainda hoje palco para esse efeito, que será rebatizada Quinta Valle de Passos, concluindo assim o rebranding. Em paralelo é construído o hotel, cuja abertura coincide com a pandemia, em 2020. A compra da marca Valle de Passos e o lançamento dos primeiros vinhos culmina com a tão aguardada afirmação da presença do grupo Terras & Terroir na região de Trás-os-Montes. “Não conseguimos comprar a quinta e as uvas, mas ficámos com a marca Valle de Passos, identitária da região”, realça Álvaro Lopes. Na calha está previsto, junto ao Olive Nature, a construção de uma adega (neste momento as uvas são vinificadas em Montalegre) e a plantação de vinha própria. Para a criação dos vinhos Valle de Passos foi escolhido o enólogo Francisco Gonçalves, um dos técnicos que melhor conhece os terroirs e as castas de Trás-os-Montes, cuja vasta experiência na região é por demais reconhecida. “Queremos pegar no que é nosso e transportá-lo para a garrafa. Mostrar a identidade da região, pautando pela diferenciação através da utilização das castas que fazem parte dessa mesma identidade”, salienta o enólogo.

Valle de Passos

A Tinta Amarela e a responsabilidade social

Os vinhos são produzidos a partir de uvas adquiridas a viticultores selecionados. São cerca de 10 hectares de vinha, com predominância de Tinta Amarela, alguma Touriga Nacional e Tinta Roriz, enquanto a uva branca provém da freguesia de Carrazedo de Montenegro. A preocupação social é latente, pois trata-se de uma região com baixo rendimento económico, que vive da agricultura e tem muita dificuldade em escoar as uvas. “Pagamos melhor as uvas e ajudamos a alimentar famílias, comprando-as a quem não tem quem as compre”, conta-nos Hugo Fonseca, diretor de produção do grupo. Os primeiros quatro vinhos produzidos têm, por isso, matéria-prima de qualidade, tratada com carinho por quem é da região, com a casta Tinta Amarela como porta-estandarte. É a base de dois tintos e um rosé. O branco é feito de Gouveio, Arinto e Viosinho. “A Tinta, plantada em altitude e nestes solos, permite criar vinhos concentrados, mas simultaneamente leves, com enorme frescura”, destaca o enólogo Francisco Gonçalves. São quatro vinhos de uma boa estreia, que mostram o terroir. “Queremos que sejam vinhos daqui. Tal como os outros que produzimos noutros locais do país, é muito importante que falem o lugar. Esta região está pouco explorada, tem um elevado potencial e somos o primeiro grande grupo a apostar a sério em Trás-os-Montes”, refere Daniel Campos, diretor comercial do grupo. São vinhos gastronómicos, muito frescos, que acompanharam de forma brilhante o almoço preparado com mestria pelo chefe Adão Costa, harmonizando-os com uma seleção de iguarias transmontanas. “É muito importante apresentar qualidade nos vinhos entrada de gama. A base é fundamental para o cliente ficar agradado e querer experimentar novas referências”, remata Álvaro Lopes. E nós concordamos.

Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024)

Monte Xisto: Nicolau de Almeida, tudo em família

Nicolau de Almeida

O nome Nicolau de Almeida carrega uma grande história, como sabemos. A associação com o criador do Barca Velha é óbvia, mas o nome é bem mais antigo e remonta ao séc. XIX, quando havia uma empresa de Vinho do Porto, criada em 1870 e inscrita como exportadora em 1907, com o nome de A. […]

O nome Nicolau de Almeida carrega uma grande história, como sabemos. A associação com o criador do Barca Velha é óbvia, mas o nome é bem mais antigo e remonta ao séc. XIX, quando havia uma empresa de Vinho do Porto, criada em 1870 e inscrita como exportadora em 1907, com o nome de A. Nicolau de Almeida e Co.. A empresa foi posteriormente vendida à Real Companhia Velha e oficialmente extinta em 1973.
Na sede actual da empresa familiar que João criou com os filhos – Mafalda, Mateus e João -, em Gaia, estão expostos alguns rótulos dessa empresa de Porto, imagens deliciosas de uma estética que fez época no sector e teve, nos materiais de promoção da Ramos Pinto, um excelente exemplo.

Peso da história

Mas a família não carrega só o peso da história. Também carrega o peso das jóias, só que estas não estavam em exposição nas instalações que visitámos. Expliquemo-nos.
Duas famílias de vinho cruzaram-se quando Maria José Ramos Pinto Rosas casou com Fernando Moreira Pais Nicolau de Almeida, pais de João Nicolau de Almeida. O ramo Rosas vinha de uma tradição de ourives e sobressai o nome de José Rosas (pai de Maria José, avô de João) que, após estudos em Londres, regressou a Portugal em 1903 e interessou-se pela tradição da filigrana portuguesa aplicadas em esmaltes. Foi-lhe confiada a recuperação das jóias da Coroa em 1942. Em 1919 comprou e recuperou a Casa de Ronfe, em Lousada, onde nasceu o Verde que hoje provámos. A quinta de Ronfe está no ramo Rosas, primos, mas são os Nicolau de Almeida que fazem e comercializam o vinho.

Estamos então perante uma família desprendida, pouco apegada às pedras preciosas, mais preocupada com as preciosidades que da quinta do Monte Xisto, em Foz Côa, poderiam fazer nascer. O projecto começou do zero. A quinta era “virgem”, sem vinha e sem prévia utilização. Ali se decidiu plantar vinha e o projecto começou, e bem, tacteando, com quantidades moderadas que era preciso mostrar e o crescimento só foi ditado pela aceitação da marca no mercado. Deveria ser sempre assim, mas sabemos todos que há quem tenha outra visão, chamar-lhe-íamos a “mania das grandezas”, e se abalance num voo sem rede que, por norma, acaba mal. Aqui começaram com 3000 garrafas de Monte Xisto, depois subiram para as 5000 e estabilizaram a produção, dependendo da colheita, entre as 8 e 10 000 garrafas. No plantio não se procurou fazer diferente, antes mostrar que, também aqui, algumas castas clássicas poderiam dar bons resultados, como a Touriga Nacional e a Touriga Francesa, acrescidas de Sousão. A espinha dorsal do vinho assenta, desde o início na Touriga Nacional, sempre com uma percentagem entre os 50 e 60% do lote.

Qualidade consistente

O facto de a vinha estar no Douro Superior tem vantagens. Desde logo o ambiente seco é inibidor das doenças da vinhas, como oídio e também o míldio, e o clima tende a gerar uvas de qualidade praticamente todos os anos. Cicadela sempre houve, e vão-na tratando preventivamente com infusões e, para já, estão a ter bons resultados. É, assim, em virtude das condições climáticas, que a marca não teve qualquer interrupção desde que nasceu, em 2011. A prova mostrou que há, de facto, uma constância de qualidade, o perfil tende a ser muito semelhante, ainda que se possa notar aqui dois momentos importantes. Por um lado, a primeira colheita (2011) revelou um estilo mais evoluído, com os licorados a começarem a marcar terreno. Nada que impeça uma boa prova agora, mas a dizer-nos que a guarda prolongada em cave pode ser desaconselhada. Por outro, a mudança do estágio, das barricas para os foudres, marca claramente uma pequena nuance no estilo, com a madeira a perceber-se mais bem integrada no vinho desde que os depósitos maiores começaram a ser usados, a partir da colheita de 2019. O vinho ganhou um ar mais sério e misterioso, mas com um perfeito equilíbrio na boca.

Mais recentemente plantaram cepas de branco, com a aposta na Rabigato, de há muito uma casta apadrinhada por Mateus desde os tempos em que esteve ligado ao projecto Xistos Altos. As uvas destinam-se ao futuro Órbita branco. Plantaram também mais Tinta Francisca e Tinto Cão para a marca Oriente. A Tinto Cão era muito acarinhada pelo pai João quando, ainda na Ramos Pinto, se aventurou a fazer um Douro tinto apenas com a Tinto Cão, corria o ano de 1981. Nunca foi comercializado mas, como se vê, o “bichinho” ficou lá.

Nicolau de Almeida

Grande harmonia

A grande conclusão da vertical que fizemos não deixa dúvidas: enorme consistência de estilo e qualidade, um modelo encontrado que agora urge preservar. Diria que, à parte o 2011, todos os vinhos estão a dar excelente prova, com uma grande harmonia de aromas e sabores. Um prazer que não depende da idade.
Aproveitámos o momento para provar um Verde que tem origem numa quinta do ramo Rosas da família, em Lousada, e que tem como objectivo chegar um dia às 20.000 garrafas. Tem a originalidade de ser um varietal de Trajadura, casta pouco vista a solo, mas João sempre lhe apreciou o equilíbrio e a acidez mais moderada, até porque, como nos disse, “nunca gostei daquela acidez cortante dos Vinhos Verdes”. Por isso este branco faz maloláctica, uma prática muito pouco habitual na região. O rótulo reproduz o de 1935, em exposição nas instalações de Gaia.

Para completar a prova, ainda tivemos direito a um Porto branco seco que a empresa produz, com baixa graduação. Estava bem mais interessante do que da primeira vez que o tínhamos provado.
Um projecto de família, com os pés assentes no Douro e sala de visitas em Gaia porque, como se sabe, produzir bem é preciso, mas ainda mais necessário é vender e tornar a qualidade percebida pelo consumidor. Parece simples, mas é bem complicado.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024)

Estive Lá: Voraz – Cozinha com identidade

Voraz

Ē, desde há largos anos, que venho acompanhando o trajecto do Chefe Tiago Emanuel Santos, ex-professor de geografia que se apaixonou um dia pela cozinha e nunca a mais a largou. Os seus antecedentes académicos pesam bastante naquilo que nos chega à mesa quando provamos a sua comida fortemente identitária, com respeito absoluto pelo produto […]

Ē, desde há largos anos, que venho acompanhando o trajecto do Chefe Tiago Emanuel Santos, ex-professor de geografia que se apaixonou um dia pela cozinha e nunca a mais a largou. Os seus antecedentes académicos pesam bastante naquilo que nos chega à mesa quando provamos a sua comida fortemente identitária, com respeito absoluto pelo produto e pela relação com os seus fornecedores. E sente-se na forma como privilegia o local em detrimento do exótico e permanece fiel às suas raízes e às tradições em que cresceu.
A boa notícia, para os seus muitos admiradores, entre os quais me incluo, é que o Tiago, que já andou um pouco pelas sete partidas do mundo, se estabeleceu, há cerca de um ano, de armas e bagagens no Barreiro, e faz uma cozinha acessível, convivial, plena de sabores, cores e perfumes que nos remetem para recantos esquecidos da nossa memória, mas com um toque que nos baralha e desafia.
No mercado municipal do Barreiro, renovado e arejado, o Voraz ocupa quatro bonitos “corners”, estendidos em outros tantos balcões por entre as frutas legumes, os talhantes e as peixeiras do 1.º de Maio. Um dos espaços é dedicado ao sushi e à cozinha asiática, com Chefe próprio, onde se privilegia o peixe português sempre que possível, mas estava fechado no dia da nossa visita.
Sobrou-nos, afinal, aquilo que nos motivou a nossa ida: provar a “cozinha de território” do Tiago e do seu jovem Chefe, Bruno Xavier, que nos fez a honras da casa. A ementa está dividida em duas partes: uma dita “para partilhar” e outra “para devorar”. Mas isso é um eufemismo, porque afinal todas se podem partilhar (e nós fizémos isso) e todas são para devorar (oh se são!).

Começámos logo bem, com um couvert de primeira, com pão de centeio, manteiga dos Açores (uma das paixões não dissimuladas do Tiago) e azeitonas marinadas. Aqui o desafio é conter-nos, para não perdermos o apetite para o que vem a seguir. Aconselhados pelo Xavier, fomos para o talharim de choco com creme de castanha e barriga de porco crocante, uma das novidades recentemente introduzidas na carta. Como o nome indica, o choco vem cortado em fatias finas e o creme de castanha, cozido em caldo de frango, envolve, de forma harmoniosa, o conjunto a que os apontamentos da barriga de porco dão a graça ao conjunto. Brilhante foi prato seguinte, as vieiras com cogumelos shitake e molho wafu. Foi uma explosão de sabores na boca que nos deixou rendidos. A seguir veio a chora de bacalhau em arroz carolino cremoso de caras do dito, pleno de untuosidade e delicadeza. Quisemos provar ainda a língua de vaca corada em caril com tomate seco e maçã verde, outro prato que nos surpreende e desafia. Já cheios com tanta voracidade, a vontade era saltar as sobremesas. Mas o Tiago insistiu que provasse o pudim Abade de Priscos e confirmasse que também, nos doces, o Voraz pede meças aos melhores.

Não seria justo terminar sem falar dos vinhos, outra das paixões do Tiago Emanuel Santos, que já se aventurou a fazer um vinho nos Açores em parceria com um produtor local. Aqui a lista assenta sobretudo nos vinhos da Península de Setúbal (pensar local, mais uma vez), com propostas que fogem ao óbvio e ao dejá vu, mas fazem sentido em matéria de harmonização com esta cozinha, ao mesmo tempo simples no conceito e complexa em sabores e texturas. E tudo isto por preços que já não se usam.

Voraz
Mercado Municipal 1.º de Maio, Barreiro
Tel.: 961 838 235
Encerrado ao Domingo e Segunda- feira
Horários: 12:30 – 15:00; 19:30 – 23:00

Monte d’Oiro com marcas novas

Monte d’Oiro

O projecto foi iniciado por José Bento dos Santos e, na altura, ninguém o referenciava como estando ligado à produção vinhos. De facto, a ligação era mais emocional e gastronómica, uma vez que era comprador habitual de vinhos, sobretudo franceses, e a sua longa experiência entre tachos e fornos ajudavam, depois, a que os vinhos […]

O projecto foi iniciado por José Bento dos Santos e, na altura, ninguém o referenciava como estando ligado à produção vinhos. De facto, a ligação era mais emocional e gastronómica, uma vez que era comprador habitual de vinhos, sobretudo franceses, e a sua longa experiência entre tachos e fornos ajudavam, depois, a que os vinhos ganhassem mais esplendor com a sofisticação culinária que praticava. A quinta foi adquirida em 1987 e, com pequena área de vinha e objectivos ainda incertos, estudou-se o terreno, consultou-se quem sabia, analisaram-se castas e estilos e conseguiu-se chegar ao primeiro vinho, em 1997. Fechou-se assim o primeiro ciclo da história da quinta. Na primeira vindima participou o filho, Francisco, no mesmo ano em que entrou para a faculdade, ajudando o pai na quinta, mas sem qualquer intuito de vir a ser o continuador.

De 1997 a 2007 abriu-se um novo ciclo, com a construção da adega, houve um sucesso óbvio junto da crítica e dos consumidores, continuando a fase da experimentação. A ligação ao célebre produtor do Rhône, Michel Chapoutier, e a Grégory Viennois, abre um novo ciclo a partir de 2007. Planta-se muito mais vinha, inicia-se a experimentação em bio e Francisco vê-se cada vez mais envolvido. Houve um clic? Houve sim, como nos contou.
Quando foi pai e por via da profissão da mulher ser freelancer e não ter licença de parto, Francisco teve direito a cinco meses de licença, o que o levou a ter mais empenho na quinta, também porque Sophie Mrejen (Directora de marketing) também estava de licença de parto. A passagem do testemunho de pai em filho foi natural e óbvia e Francisco ficou a tempo inteiro a partir de 2012.

Fica sempre a pergunta: a passagem a bio valeu a pena? Há diferenças significativas? Francisco não tem dúvidas sobre a valia do método, pela maior resistência das plantas às adversidades climáticas. Mas alerta que isso só é possível porque tem alguém que passa todo o dia nas vinhas, controlando tudo o que se passa. Reconhece o mérito do bio mas, também diz, “é impossível marcar uma reunião com o João Duarte (o homem da viticultura), já que ele nunca está no escritório…”.

Actualmente estão a entrar na quarta década, agora com 30 ha de vinha, o que levou também a que se alargasse o portefólio para entrar na distribuição moderna: há agora a marca Monte d’Oiro, onde pontificam castas nacionais, o que se tornou importante, sobretudo nos mercados externos, e uma nova marca, Oiro, com uma pepita no rótulo, que podem ser varietais, com uvas das vinhas mais novas. A nova coqueluche é o Cabernet Franc e, diz Francisco, “não têm conta as garrafas desta casta que provámos de todo o mundo para perceber o que era e o que deveríamos fazer, claro, com a Graça Gonçalves, a nossa enóloga. O meu pai também participou nessa fase, que foi muito entusiasmante”.

Em termos de mercados externos, a China é um dos principais destinos do Reserva tinto. “Chegam a ir 15 000 garrafas de uma vez”, mas o vinho está um pouco por todo o lado, com a Mistral (Brasil) a ser a importadora mais antiga. Mas também tem vinho nos EUA, Canadá, Suíça. Hoje ainda se estão a lamber as feridas causadas pelo COVID 19, com perdas brutais na facturação. Mas a recuperação está em marcha. O ex-libris da casa? Continua a ser o Syrah do Monte d’Oiro Reserva, “apesar de não ser uma casta portuguesa”. Ao contrário de muitas vozes reprovadoras noutras regiões, aqui continua-se também a apostar na Tinta Roriz, a tal variedade que tem tanto de enigmática e maravilhosa, como de traiçoeira. E Francisco arrependeu-se da decisão de abandonar o trabalho que tinha nas águas de Portugal? “Nem pensar, nem me vejo a fazer outra coisa. Adoro este trabalho”, responde. Isto para o pai, confesso melómano, deverá ser (dizermos nós) música celestial…

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024)