Ser Bio Lógico

Recentemente, em conversa com um viticólogo, este dizia-me, em tom alarmado, que as análises de solo de uma vinha biológica a que prestava consultoria técnica apontavam para uma quantidade de cobre 10 vezes superior ao máximo aconselhado. Literalmente, o solo estava, desde há muito, intoxicado com cobre. TEXTO João Afonso Para quem não está dentro […]

Recentemente, em conversa com um viticólogo, este dizia-me, em tom alarmado, que as análises de solo de uma vinha biológica a que prestava consultoria técnica apontavam para uma quantidade de cobre 10 vezes superior ao máximo aconselhado. Literalmente, o solo estava, desde há muito, intoxicado com cobre.

TEXTO João Afonso

Para quem não está dentro do assunto “tratamentos de vinha”, o cobre é um dos principais produtos usados em Modo de Produção Biológico (MPB) e, juntamente com o enxofre, forma a famosa calda bordalesa (bouille-bordelaise, descoberta por Alexis Millardet ainda no séc. XIX), a primeira mistela ou cura a ser descoberta para as doenças criptogâmicas do oídio e do míldio chegadas à Europa em meados do século XIX.

O cobre é um bactericida, algicida e fungicida com aptidão especial para combater o míldio, um fungo que tem algo de alga, já que necessita de água (e não humidade) para se desenvolver. Mas tal como o enxofre, não tem qualquer poder de penetração na planta, como o têm os químicos de síntese usados na actual viticultura convencional. Uma boa chuvada (mais de 10 l/m2) lava estes produtos arrastando-os para o solo ficando a planta desprotegida à espera de nova e urgente pulverização, em especial se o tempo húmido ou chuvoso se mantêm.

Em anos como o 2016 ou 2018, com primaveras extremamente chuvosas e húmidas, um viticultor Bio, consciencioso e previdente, poderá ter feito até 12 tratamentos preventivos, mas, se este viticultor conhecesse o impacto destes tratamentos na vida do solo da sua vinha, teria feito bastante menos. Mas, claro está, arriscava-se a perder parte ou a totalidade da produção ou teria de intercalar tratamentos preventivos com químicos sistémicos (que penetram na planta e são curativos) e perder assim a chancela de “Modo de Produção Biológico”.

Todos os tratamentos, biológicos, biodinâmicos ou convencionais são moléstia para as videiras. São intrusivos: para a defender, atacam-na também, além de acrescentarem compostos e componentes quase sempre indesejáveis ao mosto e vinho final. O ideal para o viticultor, e para os vinhos na generalidade, seria não haver qualquer necessidade de tratamento nas vinhas. Mas tal não é possível, pelo menos em anos de primavera húmida e chuvosa como 2016 ou 2018.

Com a crescente pressão ambiental criada pelo uso de químicos de síntese nos tratamentos fitossanitários da vinha e pela cada vez maior adesão do consumidor a produtos vindos de agricultura “Biológica” (*), tem havido uma lenta mas consistente transição da viticultura convencional, feita com base em químicos de síntese produzidos por multinacionais gigantescas como a Monsanto, Bayer ou Belchim, para uma viticultura dita Biológica com muito menos impacto ambiental com base nos tradicionais e, à partida inócuos, enxofre e cobre. Mas a verdade poderá ser um pouco diferente…

 

A ameaça cobre
Segundo o número de Abril 2019 da Revue des Vins de France, que transcrevemos aqui em parte, a França da vinha “Biológica” anda de candeias às avessas com a Comunidade Europeia que legislou a partir de 1 de Fevereiro de 2019 a permissão de utilização de um máximo de 4 Kg de cobre por hectare e por ano, com um total de 28 kg em 7 anos. Ou seja, pode usar mais cobre nuns anos do que noutros, mas em 7 anos não pode ultrapassar os 28 kg/hectare. A legislação anterior permitia os 6 kg hectare com um máximo de 30 kg em 5 anos.

Esta significativa redução (feita sem avisar ninguém), vem colocar algumas regiões limítrofes, como o Jura, fora da luta biológica contra fungos em anos como o de 2016 que exigem maior quantidade de cobre do que o agora permitido.

A guerra contra o tradicionalíssimo cobre assume proporções políticas e muitos “vignerons” chegam a acusar a EFSA (European Food Safety Authority) de estar mais pronta a proibir o cobre que o tristemente célebre e cancerígeno herbicida glifosato. Quando os viticultores Bio eram 3% dos vignerons franceses, o cobre nunca foi problema. Mas hoje que são 18% o cobre é um veneno a abater – sublinha Patrick Guiraud, presidente da Sudvinbio. E nos corredores de Bruxelas os lobbys da indústria fitossanitária não param de tentar mexer os cordelinhos para acabar com o cobre na vinha – esta é a acusação feita pela vanguarda Bio francesa. Todos teriam preferido uma redução para os 5 kg/ hectare, mas a legislação europeia foi mais castradora.

Longe vão os tempos, da primeira metade do século passado, em que os viticultores franceses chegavam aos 50 kg por hectare de cobre ao ano. Não fora o surgimento dos novos produtos de síntese e o uso e abuso do cobre poderia ter envenenado todos os solos vitícolas de França. No final dos anos 90 a União Europeia legislou e limitou o seu uso a 8 kg / hectare. Em 2006 baixou para os 6 kg e agora para os 4 kg.

 

Proteger ou envenenar?
Para termos uma ideia do que significam estes  números, segundo o Manual de Fertilização das Culturas do nosso INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária), um terreno com valores muito baixos de cobre tem menos de 0,3 mg de cobre por Kg de solo. Com valores baixos, de 0,4 a 0,9 mg, médios de 0,9 a 7 mg, altos de 7,1 a 15 mg e muito altos acima de 15 mg por Kg de solo.

Em França, o organismo publico Groupement d’Interet Scientifique (GIS) SOL, analisou, entre 1998 e 2010, dezenas de milhares de amostra de solos das diversas regiões francesas e concluiu que os solos com mais cobre são os vitícolas e os solos da Bretanha (neste caso por causa do estrume usado na fertilização).

Dos solos vitícolas, os campeões do cobre são Bordéus e o Languedoc-Roussillon, com taxas para lá dos 322 mg/Kg (cerca de 20 vezes acima do máximo aconselhável!). Mas análises mais recentes nos solos da última região, feitas pelo INRA (Institut Nacional de la Recherche Agronomique) de Montpellier, encontraram mais de 1 000 mg/Kg de solo. Muito assustador!

Do cobre que entra no solo, 5 a 10% é absorvido pelos organismos que nele habitam (bactérias, animais, cogumelos, plantas). É o chamado cobre bio disponível. Se a proporção de mg de cobre por quilo de solo é desproporcionada e excessiva, o cobre torna-se tóxico para a vida que ele sustenta.

A natureza do solo também é crucial para a toxicidade do cobre: solos calcários e argilosos têm menos cobre bio disponível pois este liga-se ao mineral, mas nos solos arenosos ou graníticos o cobre solubiliza-se e encontra-se mais bio disponível.

Segundo o INRA, verifica-se uma diminuição da vida microbiana a partir de 30 a 50 mg de cobre bio disponível por quilo de solo ácido e a partir de 50 a 100 mg sobre solos calcários ou argilosos. E é por esta razão que o Biológico pode ser, em anos climáticos extremos, pouco lógico.

Há vários métodos para diminuir a utilização de cobre (tisanas de cavalinha, urtiga e consolda em biodinâmica, ou uso de substâncias que estimulam as defesas da planta) mas nenhum o evita na totalidade. Há que saber gerir o cobre. Ser Bio lógico é ainda mais importante que ser Biológico.

(*) Segundo o último estudo Vinexpo/IWSR, o mercado dos vinhos convencionais terá crescimento próximo do zero a partir de 2022. Pelo contrário o aumento de vendas de vinhos biológicos terá um aumento de vendas de 2 dígitos. Um importador de vinho para EUA prevê que dentro de 20 anos o Bio será a norma (Abril – Revue des Vins de France, B.S.).

O Oídio

Na maior parte do território, o perigo do Míldio e Podridão estão mais ou menos afastados com o tempo seco e quente. Mas o Oídio espreita sempre uma oportunidade de comer parte ou a totalidade da vindima. TEXTO João Afonso De todas as maleitas da vinha, o Oídio é a mais persistente em todo o […]

Na maior parte do território, o perigo do Míldio e Podridão estão mais ou menos afastados com o tempo seco e quente. Mas o Oídio espreita sempre uma oportunidade de comer parte ou a totalidade da vindima.

TEXTO João Afonso

De todas as maleitas da vinha, o Oídio é a mais persistente em todo o ciclo vegetativo. É um fungo de inspiração golfista, ou seja, até ao último buraco (leia-se última semana antes da vindima) tudo pode acontecer.
O míldio e a podridão necessitam de condições atmosféricas de chuva e humidade mais ou menos extremadas para se manifestarem, mas para o oídio bastam por vezes subtis orvalhadas, ou humidade persistente do ar superior a 40%, para que nos últimos dias se perca uma boa parte da qualidade da vindima.
O nome do bicho é Uncinula necator. Entrou em Inglaterra em 1845 e até 1851 invadiu fulminantemente toda a Europa. O choque foi talvez mais brutal do que o da filoxera, com quebras de produções vitícola aterradoras. Até à década de 50 do século passado o enxofre era a única defesa contra o predador. Hoje temos uma simpática panóplia de produtos sistémicos (penetrantes e circulantes) e, claro está, o velho amigo enxofre nas versões molhável (pulverizações) e pó (polvilhações). Acima de todos os anti-oídio está o arejamento e insolação das uvas. Quanto mais expostos ao ar, ao vento e ao sol estiverem os cachos, melhor se defenderão do fungo.
Orvalhadas e nevoeiros matinais, locais baixos protegidos do vento, são a “sua praia”.
O povo dá-lhe o nome de “cinza”. E é basicamente o que é necessário para o reconhecer – a sugestão de cinza nas folhas e bagos de uva. Há que estar sempre bem atento, principalmente desde a prefloração até ao fecho dos cacho (final do crescimento do bago).

 

Os tratamentos tardios contra o oídio com enxofre, a partir do fecho do cacho, são de evitar, pois este enxofre pode dar origem a sulfídrico no vinho (hidrogénio sulfito), cheiro a esgoto, a ovos podres. Quando as uvas entram na adega com oídio, dependendo do nível de ataque, vão interferir no vinho final com desequilíbrios de prova e um cheiro característico a fungo (ortho cresol). Com uvas brancas deve-se clarificar o mais depressa possível, eventualmente usar um carvão e nas uvas tintas, fazer pouca maceração e retirar o vinho o mais depressa possível das massas.

*Enólogo

Edição Nº25, Maio 2019

 

O engarrafamento

Um dos mais determinantes passos na produção de vinho. Estamos na época do ano em que há “engarrafamentos” nos engarrafamentos de vinho. Todos querem ter cubas ou depósitos vazios para receber a próxima vindima e é uma azáfama de Norte a Sul na compra de garrafas, rolhas e prestações de serviços. Texto: João Afonso O […]

Um dos mais determinantes passos na produção de vinho. Estamos na época do ano em que há “engarrafamentos” nos engarrafamentos de vinho. Todos querem ter cubas ou depósitos vazios para receber a próxima vindima e é uma azáfama de Norte a Sul na compra de garrafas, rolhas e prestações de serviços.

Texto: João Afonso

O engarrafamento tem por fim acondicionar o vinho num vasilhame que assegure a conservação das suas características organolépticas por um período de tempo mais ou menos longo.

Passos e atos

O enxaguamento é o primeiro passo importante do engarrafamento. Deverá ser rápido, eficaz e, acima de tudo, a água utilizada deverá ser de ótima qualidade ou mesmo ser esterilizada ou ozonada.

O enchimento pode ser considerado, como o momento de maior importância no processo de engarrafamento. Deve ser estéril e garantir que o vinho contacta o mínimo com o oxigénio. A enchedora deve manter um débito constante de enchimento, sem reduções ou interrupções e não pode formar espuma dentro da garrafa.

No fim a rolhagem. A rolhadora faz um ligeiro vácuo no gargalo, que evita a oxidação do vinho e pressão no interior da garrafa antes de introduzir a rolha com rapidez. O espaço em vazio deixado entre o vinho e a rolha deve cumprir as normas especificadas no modelo da garrafa.
Com os equipamentos existentes nas linhas de engarrafamento actuais podemos ao mesmo tempo que engarrafamos, ‘pasteurizar’ o vinho, retirar álcool por osmose inversa, retirar acidez volátil, estabilizar o vinho…. Só ainda não se consegue transformar um “entrada de gama” num “super premium”. Mas com tempo….

António Ventura, enólogo

A opinião de António Ventura

Para além de alguma contaminação, que em boa parte está excluída pela grande eficácia dos equipamentos modernos e também pela profissionalização deste sector e respetivos serviços, a grande preocupação num engarrafamento é o oxigénio. Devemos evitar ao máximo a sua intrusão no vinho no ato de enchimento da garrafa, ou com azoto ou com vácuo. Principalmente nos vinhos brancos. Um engarrafamento deficiente de vinho branco não só prolonga muito a chamada “doença de garrafa”, como não permite à posteriori uma recuperação total do vinho sujeito a esse deficiente engarrafamento.

 

 

Edição Nº26, Junho 2019

Vinhas Velhas ou Vinhas Antigas?

Julgo que nunca os rótulos e contra-rótulos das garrafas falaram tanto de vinha velha como hoje. Intensamente arrancadas nas últimas décadas, as vinhas velhas são agora uma espécie de pequeno “luxo” para quem procura estatuto e preço. TEXTO: João Afonso Um dos tópicos mais interessantes da vitivinicultura, e por inerência, no comércio de vinho que […]

Julgo que nunca os rótulos e contra-rótulos das garrafas falaram tanto de vinha velha como hoje. Intensamente arrancadas nas últimas décadas, as vinhas velhas são agora uma espécie de pequeno “luxo” para quem procura estatuto e preço.

TEXTO: João Afonso

Um dos tópicos mais interessantes da vitivinicultura, e por inerência, no comércio de vinho que lhe está ligado, é o conceito de “vinha velha”.
Interessante porque, em primeiro lugar, a maioria das pessoas atribui este conceito à unidade “tempo de existência” da vinha; e em segundo lugar porque os conceitos regionais deste pressuposto se confundem. Por exemplo, na sub-região de Monção e Melgaço, assim como no Alentejo, o conceito tem um valor, enquanto no Douro ou no Dão tem um valor totalmente diferente. Um vinha com 30 anos será uma vinha velha nas primeiras regiões e apenas uma vinha adulta nas segundas. Mas, apesar desta ambiguidade, nos rótulos o termo “vinha velha” procura chamar a atenção do consumidor para algo raro e especial que produz um vinho também ele especial e raro.

É também curioso observar como evolui o pensamento vitícola e as modas de consumo que o repercutem. Até aos anos 80, a “vinha velha” era um conceito pouco ou nada explorado pela vitivinicultura nacional. Normalmente, uma vinha velha era sinónimo de pouca produção e, portanto, de prejuízo para quem dela tentava colher o “pão” que punha à mesa. A partir da década de 90 foram as vinhas modernas, a maioria delas, se não mesmo a totalidade, já regada, com (poucas) castas de clones selecionados, plantadas por talhão, que deslumbrou todo sector vitícola e enológico nacional, assim como os enófilos fiéis e praticantes. Agora passadas quase duas décadas do virar do século e de mais de 3 décadas de modernidade, sugere-se, pela quantidade de rótulos com o termo “Vinha Velha” (no singular ou no plural) que o vinho de maior valorização vem da tal vinha velha que muitos desprezaram antes de todo o movimento renovador.

Escrevo em Abril de 2019. E nesta data ainda me é possível definir com alguma precisão (cultural e não temporal) o que eu entendo ser uma vinha velha. Mas não sei se em Abril de 2069, se alguém decidir escrever sobre o tema, o poderá fazer nas mesmas condições. No Douro ainda existem cerca de 15.000 hectares de vinhas ditas “velhas”. Na Beira de Pinhel, nos Trás-os-Montes de Bouça (Mirandela) a Rebordelo, na Serra de S. Mamede, na Bairrada e Dão, ainda podemos encontrar vinhas velhas (aqui não existem dados cadastrais) mas daqui a 50 anos o panorama será obrigatoriamente diferente e o conceito de “Vinha Velha” poderá ser ou será bastante diferente daquele que hoje defendo. Tudo dependerá do modo com as presentes gerações protegerem a diversidade ampelográfica e genética recolhida e construída pelas gerações que nos antecederam. Se não o fizermos, o meu colega jornalista de 2069 escreverá sobre vinhas velhas de um modo bem diferente do meu. E muito provavelmente é o que acontecerá! “Tudo tende a desaparecer” como dizia muito bem, o realizador Wim Wenders numa entrevista recente sobre cultura portuguesa.

Defendo para este conceito uma identidade portuguesa com fundamento histórico. Mas existem exceções em Portugal de vinhas velhas com castas estrangeiras. Vinhas com mais de 50 anos (se aceitarmos que 50 anos é uma idade “velha” para uma vinha) das castas francesas Syrah e Cabernet Sauvignon. E num conceito simples e restrito de “tempo” temos de aceitar que estas vinhas são velhas. Aliás até há muita vinhas de Syrah com envelhecimento precoce (perdoem a ironia) um pouco por todo o mundo, mas adiante, que este é outro assunto um pouco mais alarmante.

Se nos cingirmos ao conceito de “tempo”, o conceito de vinha velha é muito discutível e não possui, na minha opinião, suficiente robustez. Temos de o tornar mais completo, mais rico, para lhe darmos solidez e o tornarmos realmente único e especial. Será que há mais valia de “tempo” e “história” num vinho de Touriga Nacional vindo de uma vinha de 30 anos, regada, com clones selecionados, que o proprietário assegura que é “velha” porque foi plantada há 30 anos?

A “Vinha Velha” que aqui tento apresentar e defender é, como referi, uma “Vinha Velha Portuguesa”, ou será que devo escrever “Vinha Velha Mediterrânica” porque não é só em Portugal que ainda existem vinhas multifacetadas com uma incrível diversidade de castas brancas e tintas dentro do seu (por vezes muito pequeno) perímetro, numa coleção varietal selecionada “empiricamente” pelos nossos avós e bisavós, e por vezes mesmo, pelo acaso dos garfos que estavam mais “à mão” do enxertador que enxertava o “pau” (garfo) de videira europeia no cavalo americano.

Estas vinhas, de condução em taça, não aramadas, não regadas, sem clones selecionados, normalmente muito baixas (para não puxarem muito pela “bomba” de fluidos da planta) eram a maioria das vezes, acompanhadas de outras culturas, normal¬mente oliveiras, por vezes mais algumas árvores de fruto como macieira, pereira, ou no caso de vinhas de altitude, cerejeira e castanheiro.

Note-se que na consociação com olival a combinação é perfeita pois as raízes superficiais da oliveira não competem com as raízes profundas da videira. E era feita uma ocupação de solo com duas das três principais culturas mediterrânicas (vinha, olival, e trigo). Brilhante estratagema dos antigos viticultores.

Estas “Vinhas Antigas”, termo que prefiro a “Vinha Velha”, eram custosas de trabalhar. Tudo feito à mão, pulverizações com o pulverizador às costas, erva gadanhada e dada ao gado assim que o calor a fazia crescer (ainda no começo do ciclo vegetativo da videira), e mais tarde, antes calor a sério, vinha lavrada com homem, arado e macho; e nalguns casos de vinhas desordenadas ou não alinhadas, mais alguém à frente a conduzir o macho ou mula, entre o aperto das videiras, para que os flancos deste não batessem ou arrancassem os tenros rebentos primaveris. Estas vinhas consociadas, tinham também a grande vantagem, nas regiões do interior com maior insolação e mais expostas às altas temperaturas de Verão, de usufruírem da sombra das oliveiras nas horas de maior aperto de calor.

De um pequeno pedaço de terra tirava-se alguma fruta, azeito¬na, azeite, vinho e aguardente (depois de destilado o bagaço). É este modo de vitivinicultura (ou melhor dizendo, policultura), que terminou com a implantação da agro-indústria nos anos 50 do século passado, que no meu entender melhor se enquadra no conceito de “vinha velha”; sempre sinónimo de vinha multi varie¬tal, à partida não aramada, mas sempre de sequeiro, sem clones seleccionados e de preferência consociada com outras culturas.

Provar vinhos destas vinhas é sempre muito estimulante. Cada vinha tem uma coleção de castas diferente que contribui com um carácter diferente para o vinho que dela se faz. Não é que as vinhas novas não façam vinhos diferentes, claro que sim! Mas os vinhos tirados de vinhas realmente velhas (ou melhor, de vinhas antigas) têm um carácter único, especial, mais insondável e obviamente menos focado no tantas vezes cansativo e banal “fruto”!
Os vinhos de Vinhas Velhas ou de Vinhas Antigas, são vinhos que espelham a fantástica expressão de terroir mediterrânico, que nada tem a ver com o mais famoso e caro terroir francófono, mas que em nada lhe fica atrás.

Defendo inclusivamente um futuro com certificações especiais para este tipo de vinhas e de vinhos. São património nacional. Devem ser protegidos!

Brett, esse defeito indesejável

Também chamado ‘suor de cavalo’ – ou estrebaria – o brett será talvez o defeito mais perniciosos do vinho contemporâneo, o qual, na maioria dos casos, já não apresenta defeitos maiores no fabrico. Castas como a Touriga Nacional e o Cabernet Sauvignon são particularmente sensíveis à levedura Brettanomyces / Dekkera. TEXTO João Afonso Brett é […]

Também chamado ‘suor de cavalo’ – ou estrebaria – o brett será talvez o defeito mais perniciosos do vinho contemporâneo, o qual, na maioria dos casos, já não apresenta defeitos maiores no fabrico. Castas como a Touriga Nacional e o Cabernet Sauvignon são particularmente sensíveis à levedura Brettanomyces / Dekkera.

TEXTO João Afonso

Brett é o nome comum do género de leveduras Brettanomyces / Dekkera bruxellensis. Podem-se encontrar na uva, mas o seu ambiente preferido é a barrica, onde ataca sobretudo o vinho tinto em estágio (quase não se manifesta no vinho branco). Insta¬la-se durante o estágio, nas borras finas, aumen¬tando lenta e progressivamente a sua produção de etilfenóis, que se dividem de duas formas: em 4-etilfenol, que dá aromas mais depreciativos de couro e suor de cavalo; nos piores casos os vinhos cheiram a pocilga ou estrebaria. Quando os etil¬fenóis se dividem em 4-etilguaiacol, surgem aromas queimados e medicinais. Os etilfenóis são um grande problema da enologia moderna.

Modos de combate

O Dióxido de enxofre é um forte inibidor da multiplicação e atuação da B. bruxellensis. Usa-se também Quitosano (quitina), um polímero natural, biodegradável e biofuncional que possui propriedade antimicrobianas e antifúngicas. Refira-se que o grau alcoólico acima de 13% limita a produção de etilfenóis. No engarrafamento é por vezes usado DMDC (dimetildicarbonato) ou filtração esterilizante para limitar ou evitar a presença desta levedura em garrafa. Mas é crucial o controlo periódico no vinho da presença e desenvolvimento desta levedura.

A opinião de Carlos Silva, enólogo

Uma dor de cabeça, é uma levedura de “fundo de corredor”, está sempre à espreita. Degrada o ácido para-cumárico e produz etilfenóis. Analiso os meus vinhos e vejo se têm ou não leveduras viáveis e decido atuação em face dessa análise. O limiar de perceção humana anda pelos 400 microgramas/litro mas há quem detete a 200 ou menos microgramas. A quantidade e a manifestação do etilfenol também depende do tinto: se for estruturado, aguenta mais do que se for delgado. Para lá de tudo isto temos duas escolas. A francesa que diz que a Brett é couro russo do melhor, e a australiana que por vezes com doses muito mais pequenas diz que o vinho está sujo e tem defeito. A Brett é também uma questão cultural.

Edição Nº25, Maio 2019

Híbridos e Cruzamentos

A produção de Híbridos e Cruzamentos de castas tem, historicamente e por objectivo, a melhoria e apuramento da videira, dando resposta a necessidades culturais de natureza vária. TEXTO João Afonso A Vitis O género Vitis possui cerca de 60 espécies diferentes, quase todas norte americanas ou asiáticas. A única europeia, ou euro-asiática, é a Vitis […]

A produção de Híbridos e Cruzamentos de castas tem, historicamente e por objectivo, a melhoria e apuramento da videira, dando resposta a necessidades culturais de natureza vária.

TEXTO João Afonso

A Vitis
O género Vitis possui cerca de 60 espécies diferentes, quase todas norte americanas ou asiáticas. A única europeia, ou euro-asiática, é a Vitis Vinifera, a videira produtora das uvas que conhecemos.

Híbrido e Cruzamento
Um Híbrido é um cruzamento entre duas espécies diferentes (Vitis Labrusca americana e a Vitis Vinifera europeia). O Cruzamento, por sua vez, faz-se entre duas plantas da mesma espécie (entre duas plantas Vitis Vinifera).

Híbridos Americanos
Os chamados híbridos americanos surgem devido aos obstáculos climáticos da colonização das Américas e à necessidade de vinho para liturgias (e não só). Cruzaram-se espécies americanas entre si e com a Vitis Vinifera. De todos, o mais famoso é o Isabella, responsável (entre outros) pelo famoso “vinho de cheiro” ou “morangueiro”.

Híbridos e Cruzamentos Franceses
Durante a luta contra a filoxera (finais de XIX) procuravam-se plantas resistentes à praga e produtoras de uva com a qualidade europeia. Foram usados híbridos americanos e Vitis americanas no cruzamento com a Vitis Vinifera. Deste imenso trabalho, além de vários híbridos, resultaram a maior parte dos porta-enxertos que hoje usamos. O século XIX viu igualmente nascer cruzamentos entre castas francesas. Grand Noir de la Colmette e Alicante Bouschet são dois cruzamentos famosos de Henry Bouschet. O primeiro entre Petit Bouschet e Aramon (1855) e o segundo entre Petit Bouschet e Grenache (1865).

Cruzamentos ao serviço do homem
A variedade russa Severny (Malengra com uma Vitis Amurensis) e as Canadia¬nas Cayuga White e Chardonel resistem ao frio extremo. Na Austrália, a Tarrango (Touriga x Sultana) está ao serviço do calor. E merecem especial destaque os híbridos resistentes ao oídio e ao míldio. A pressão ambiental é enorme e o consumo de vinho pode em breve preferir vinhos de variedades resistentes e sem pesticidas. Estes híbridos com mais de 98% do genoma da Vitis Vinífera conseguem produzir vinho de qualidade.

A OPINIÃO DE JOSÉ MANSO*

“Os ensaios com híbridos resistentes ao míldio e oídio demonstram algum potencial enológico mas são ainda muito incipientes. Estas plantas podem ser interessantes nas regiões onde há grande pressão de tratamentos com fito-fármacos (mais de quinze tratamentos/ano) mas, para já, são apenas hipóteses. E não podemos esquecer que evitam alguns tratamentos mas não todos, pois são sensíveis à podridão e a doenças do lenho. Porém, não nego que o futuro lhes possa reservar algum protagonismo”.

*Presidente da ADVID e consultor de viticultura

A Talha

Depois de décadas de total abandono, em que as talhas de barro serviram a decoração a edifícios particulares e públicos, este vasilhame de barro volta a estar na moda pela mão de vários produtores alentejanos e não só. TEXTO João Afonso O vasilhame da Antiguidade A origem é greco-romana e nestas civilizações tinha várias utilizações […]

Depois de décadas de total abandono, em que as talhas de barro serviram a decoração a edifícios particulares e públicos, este vasilhame de barro volta a estar na moda pela mão de vários produtores alentejanos e não só.

TEXTO João Afonso

O vasilhame da Antiguidade
A origem é greco-romana e nestas civilizações tinha várias utilizações desde a armazenagem e transporte de azeite, cereais e preparados de peixe, à fermentação, acondicionamento e transporte de vinho. As suas capacidades variavam entre várias dezenas a alguns milhares de litros.

A talha em Portugal
Em Portugal houve 3 centros principais de construção artesanal de talhas de barro: S. Pedro de Corval em Reguengos de Monsaraz, Campo Maior e Vidigueira (Vilalva e Cuba). As suas formas variavam consoante a zona de origem e o talheiro executante. Normalmente eram feitas em pequenas séries e cada série demorava cerca de 5 meses a concluir. Depois de concluídas eram besuntadas por dentro com pez derretido.

O vinho de outrora
O vinho de talha era feito de uva branca, tinta ou mistura de ambas. A técnica de fabrico e as partes sólidas da uva utilizadas (película, grainhas e engaços) variava entre regiões. Normalmente eram vinhos simples para beber muito jovens, mas há exemplo de excelentes vinhos de talha extremamente longevos. As diferenças de qualidade eram enormes. Na obra conjunta de António Augusto de Aguiar, Villa Maior e Ferreira Lapa, publicada em 1867, o vinho de talha era criticado, como antiquado…

O vinho de talha do Séc. XXI
Hoje há talhas antigas e modernas, com vários formatos e para vários fins: fermentação, estágio ou ambos, apresentando diferentes níveis de porosidade consoante o tipo de revestimento. E ao lado de vinho modernos de talha de perfil mais frutado e complexo coexistem outros, mais raros, feitos ainda “à moda antiga” que conservam toda a cultura passada. É muito interessante conhecer os dois estilos.“O vinho de talha é principalmente tradição. Se recuarmos às raízes de produção e consumo, era produzido pelas pequenas famílias agrícolas para seu consumo anual. Produzia-se tarde, por vezes em Outubro, e entre o S. Martinho e Natal era o momento em que era mais apreciado. A partir da Páscoa já não havia vinho ou este tinha mais defeitos que virtudes. Para se perceber melhor o que é este vinho, é apreciá-lo quando se “abre a talha”, e o vinho sai da ânfora para o alguidar, sendo bebido de seguida. Na garrafa já não é a mesma coisa. O vinho à saída da talha é o mais ‘verdadeiro’, e, na minha opinião, é ele que representa a tradição.”

* Enólogo – Adega Cooperativa de Borba

Edição Nº23, Março 2019

 

A Cor

A cor é um atributo do vinho que pela sua nuance, matiz ou intensidade, indicia ou sugere em provadores e consumidores características do vinho que vão beber. TEXTO João Afonso FOTO Ricardo Palma Veiga Compostos fenólicos No vinho tinto, os compostos fenólicos que dão cor ao vinho têm o nome de antocianinas. Absorvem comprimentos de […]

A cor é um atributo do vinho que pela sua nuance, matiz ou intensidade, indicia ou sugere em provadores e consumidores características do vinho que vão beber.

TEXTO João Afonso
FOTO Ricardo Palma Veiga

Compostos fenólicos
No vinho tinto, os compostos fenólicos que dão cor ao vinho têm o nome de antocianinas. Absorvem comprimentos de onda que “refletem” na faixa de luz visível (para a espécie humana) padrões de cores vermelho/púrpura/azul. A cor nos vinhos brancos (menos conhecida) é também devida a compostos fenólicos que, em menor presença no mosto, reagem com os ácidos orgânicos do vinho, emitindo a tonalidade verde/amarelo/dourado.

Película é cor
A matéria corante encontra-se na película da uva (existem castas tintureiras com matéria corante na polpa, como Alicante Bouschet, por exemplo) e o teor varia entre as variedades de uva. O grau de maturação determina a quantidade de antocianinas disponíveis na uva. Geralmente, mais maturação significa mais cor.

O pH e a cor
O pH (acidez) influencia a cor: com valores baixos (< 3.5) as antocianinas ganham uma cor vermelha mais estável, enquanto que com valores elevados (> 3.6) uma cor de tons púrpura e azul é menos estável.

O sulfuroso e a cor
O dióxido de enxofre (sulfuroso) também influi: antes da fermentação aumenta a solubilidade e a extracção de matéria corante, mas depois do vinho feito, retira-lhe cor.

A idade e a cor
Com a idade sucedem-se fenómenos de polimerização/oxidação (compostos fenólicos e taninos). Estes polímeros têm cor acastanhada. Vão ganhando tamanho e peso e formando sedimento. Por esta razão, os tintos perdem cor e ganham tons acastanhados e os brancos vão escurecendo igualmente até aos tons acastanhados.“Tenho cuidado com as cores dos vinhos. No rosé principalmente, porque as marcas e produtores pedem muito o estilo ‘Provence’ – cor salmão. Temos de colher a uva mais cedo, prensar menos para a ter a cor desmaiada salmonada, conseguimos assim mais acidez, menos álcool, mas depois temos de dar estrutura a tudo isso.
Nos brancos jovens, procuro sempre laivos esverdeados porque são sinónimo de frescura e de um bom trabalho, porque não houve demasiada extração de polifenóis.
Nos tintos, caminho cada vez mais no sentido oposto ao que fazia há alguns anos. Em vez do opaco ou retinto, procuro cores mais abertas, mais leves, associadas a menos álcool, menos extracção e a mais frescura e elegância.”

(*enólogo consultor)

Edição Nº21, Janeiro 2019

A importância dos copos

Já lá vão os dias em que qualquer enófilo se arriscava a ir a um restaurante com ambições, pedir um bom vinho e descobrir copos com bojos (ou corpo) de meio balão ou em V. Mais ainda, em casa dos enófilos passou-se um fenómeno semelhante, graças sobretudo à informação que foi passando para o público […]

Já lá vão os dias em que qualquer enófilo se arriscava a ir a um restaurante com ambições, pedir um bom vinho e descobrir copos com bojos (ou corpo) de meio balão ou em V. Mais ainda, em casa dos enófilos passou-se um fenómeno semelhante, graças sobretudo à informação que foi passando para o público e também pela facilidade com que é possível adquirir copos em qualquer grande superfície, com preços para todas as bolsas.
Mas, afinal, tanto copo porquê? Que fascínio exerce o copo nos amantes do vinho? E será que vale a pena gastar dinheiro em copos de qualidade?

Os bons copos fazem a diferença?

Esta é de facto a pergunta do milhão de euros. E, para a responder, nada melhor do quer fazermos uma prova de… copos. São já famosas estas provas, que podemos assistir em alguns eventos de vinhos. Recordo-me de ter ficado estarrecido com a primeira que fiz, já lá vão quase duas décadas. O condutor da prova, um francês que trabalhava com os copos da marca austríaca Riedel, ia-nos pedindo para passarmos os vinhos de uns copos para outros. E depois bastava cheirar e provar. As diferenças eram enormes, especialmente as que separavam os bons copos de vinhos dos modelos vulgares que existiam (e existem) em cafés e restaurantes de poucas ambições. Lembro-me de, na altura, me prometer repetir esta prova, mas desta vez usando de um maior cepticismo, para evitar possíveis sugestões do condutor da prova. E na verdade, ao longo dos anos, repetia esta prova mais três ou quatro vezes.. E a conclusão era sempre a mesma: um copo adequado é fundamental à correcta fruição do vinho.
O enófilo não emborca vinho, degusta-o. Aprecia-o. Desfruta dele.

A técnica dos copos: cheiros e sabores

Para se calcular a influência do copo nos aromas, temos que compreender que, segundo vários especialistas, diferentes aromas ocupam diferentes espaços do copo, consoante a sua densidade. Por exemplo, a parte superior do copo fica com os aromas mais ligeiros (flores e fruta); no meio ficam os aromas de pendor vegetal e mineral, como os terrosos e cogumelos; finalmente, no fundo do copo estão os aromas mais pesados, como o álcool e a madeira. Diferentes copos separam assim os aromas de formas diversas. E, a menos que agite o vinho no copo, diferentes copos fazem realçar diferentes características de determinado vinho.
Vamos agora aos sabores, percebidos pelos sensores que temos na boca.

Ora, desde logo a forma do copo condiciona a posição da nossa cabeça durante a prova. Isto tem também influência na posição de entrada do vinho na nossa boca e na sua chegada aos sensores, como a língua e o palato. Como acontece com a comida ou outras bebidas, os gostos do vinho podem ser separados em vários sabores de base: doce, ácido, amargo e salgado. Ao condicionar a forma da chegada do vinho à boca, o copo de vinho pode fazer realçar uma determinada característica do vinho. Por exemplo, um copo destinado aos brancos ligeiros e frutados de grande acidez, como um Alvarinho ou um Riesling, deve conduzir o vinho para a borda da língua, onde são acentuados os sabores doces (frutados) e diminuir o carácter ácido.

Copos de vinho

Como comprar um copo de vinho?

Primeiro, verifique se o copo tem gravações ou entalhes de qualquer espécie. Isso, e hastes coloridas, são normalmente sinal de copos antigos. A menos que goste muito, passe à frente. Depois, olhe para o copo contra a luz. Deve ser transparente, do cálice até ao pé. Se mostrar laivos esverdeados, isso significa que esse copo é feito com vidro de baixa qualidade. Passe à frente.
Outro sinal de menos qualidade é o bordo do copo arredondado, como se tivesse um micro-pneu a toda a volta. Algumas marcas dizem que é um toque de segurança, mas, na verdade, é uma forma de poupar dinheiro no fabrico. Os bons copos têm o bordo cortado quase recto, como se cortados com uma tesoura.

 

Alguns enófilos aconselham ainda a ouvir o copo. Bata no copo, mais ou menos a meio do bojo, com o nó do dedo ou com uma rolha: se o som resultante, quase como um sino, durar vários segundos, é bom sinal. Quanto mais, melhor. Se a pancada apenas dar um ligeiro som metálico, estes enófilos dizem para passar à frente. Nós não somos tão exigentes….

Mas somos, isso sim, escrupulosos com o sentir do copo nas mãos. Copos muito pesados e/ou desequilibrados tornam-se rapidamente desagradáveis. Por outro lado, a base do copo deve ser estável e estar praticamente ao mesmo nível da parte mais larga do bojo. A haste deve ser o mais fina possível, mas sem comprometer a robustez do copo.
Refira-se que as principais marcas no mercado nacional possuem várias gamas de copos. Os mais caros são feitos à mão por operários especializados, enquanto as versões mais baratas são produzidas com recurso a máquinas. Os melhores vidros/cristais ficam, como é óbvio, nos copos feitos à mão.

Que podemos esperar para o futuro?

Quanto ao futuro dos copos, tanto Ralf Schmidt (gestor da Schmidt-Stosberg) como Joaquim Cândido da Silva, (director-geral da Portfolio Vinhos), acreditam que vai na direcção de unidades cada vez mais leves, mais elegantes, mas, ao mesmo tempo, mais resistentes. Esta tendência para copos de vinho cada vez mais finos vai de encontro ao gosto dos enófilos, que procuram uma elegância de manuseamento que os outros copos não conseguem. O problema está na sua fragilidade. Considerando que alguns deles custam acima dos 50 euros a unidade (como os Zalto, modelo Denk`Art), partir um copo destes é uma dor d’alma.
Ambos os executivos acreditam ainda que o preço dos melhores copos deverá baixar nos próximos anos, graças a avanços na mecanização.

Tenho falta de espaço: o que fazer?

Muitos enófilos não têm hoje espaço de armazenamento para vários copos diferentes. Se tivermos em conta que cada modelo terá que ser multiplicado pelo potencial número de comensais, mais umas folgas para as quebras, e passamos a falar de largas dezenas de copos. Nos curtos apartamentos de hoje, não há espaço. Ou seja, muitos enófilos são obrigados a escolher um copo de vinho tinto e um de branco. Os copos de tinto poderão servir também para brancos de Inverno, com fermentação/estágio em madeira; e os copos de branco poderão servir para espumantes e vinhos licorosos.

Onde comprar?

Nos dias que correm não é difícil encontrar bons copos de vinho a preços sensatos. Os melhores exemplares são normalmente encontrados nas lojas especializadas, como as garrafeiras. Tem ainda a vantagem de quase sempre obter atendimento especializado e poder ‘brincar’ com os copos antes de os comprar. O único contra é que aqui os copos são quase todos topo-de-gama e, portanto, de boa qualidade, mas infelizmente mais dispendiosos.

As marcas não são muitas: em Portugal dominam a Schott Zwiesel (líder de mercado), Riedel (ou a sua subsidiária Spiegelau) e mais algumas marcas alemãs, francesas e italianas. A germânica Stölzle, uma das maiores do mundo, está agora a entrar no mercado nacional e em várias garrafeiras. Os preços têm uma gigantesca amplitude: desde o simples euro até às dezenas, por cada unidade. Os copos de cristal feitos à mão são os mais caros.

Vale a pena investir em bons copos? A resposta é um inequívoco ‘sem dúvida’: não é um capricho de enochato, é antes, tão simplesmente, senso comum.

Duas perguntas a Joaquim Cândido da Silva

Director-geral da Portfolio Vinhos, empresa que distribui, desde há alguns amos, a marca de copos Riedel, Joaquim está no mercado de vinhos há algumas décadas e assistiu à sua evolução (e à dos copos).

Copos de Vinho
©Anabela Trindade

Em termos de copos, o que aconteceu em Portugal nas últimas décadas?
A evolução do copo está profundamente ligada à evolução da qualidade dos vinhos: hoje os vinhos são muito mais complexos e exigem um copo onde se consigam expressar (…). Tudo isto é, desde há muitos anos, o lema da Riedel, “o conteúdo determina a forma!”.
Que aconselha para quem tenha pouco espaço?
“Para o espectro dos vinhos portugueses, a Riedel tem 2 ou 3 referências que cobrem uma larga maioria dos vinhos: o copo Riesling para a grande maioria dos brancos e o copo de Touriga Nacional (que resultou de uma escolha alargadíssima de produtores portugueses), não só para os vinhos desta casta como para vinhos de lote de várias castas tintas”.

Duas perguntas a Ralf Schmidt

É o gestor da empresa Schmidt-Stosberg, importadora da marca de copos Schott Zwiesel. Desde 2000 que a marca é parceira na feira Vinhos & Sabores (antes, Encontro com o Vinho), organizada anualmente por esta revista em Novembro. São milhares de copos envolvidos durante três dias.

Copos de vinho

Conte-nos como foi o primeiro Encontro com o Vinho…
Foi em 2000, na Gare Marítima de Alcântara. Fiz um acordo com a organização: levava os copos, vendidos juntamente com o bilhete de entrada. Estimava-se que venderíamos, no máximo, 500 copos. Mas, à cautela, levei mil. E três horas antes de fechar o primeiro dia, estava quase sem copos… Havia de facto apetência para os bons copos.

O ano passado, a Schmidt-Stosberg fez duas acções de copos com uma grande cadeia de retalho. Como correu?
As acções correram muitíssimo bem. Cada €160 de compras permitia comprar dois copos a €2,99. Se asa compras fossem de 320 euros, os dois copos eram oferecidos. Até a minha mulher comprou copos (risos). Fornecemos mais de 2 milhões de copos da Schott Zwiesel.

 

Edição Nº22, Fevereiro 2019

 

A Poda

O Inverno chegou, com ele o adormecimento vegetativo da videira. É tempo de podar e começar a preparar a próxima colheita. A quantidade, e a sempre consequente qualidade da uva (e vinho), dependem desta operação. TEXTO João Afonso A poda Consiste no corte de total ou parcial dos ramos (pâmpanos) da videira. Existem dois tipos […]

O Inverno chegou, com ele o adormecimento vegetativo da videira. É tempo de podar e começar a preparar a próxima colheita. A quantidade, e a sempre consequente qualidade da uva (e vinho), dependem desta operação.

TEXTO João Afonso

A poda
Consiste no corte de total ou parcial dos ramos (pâmpanos) da videira. Existem dois tipos de poda: a poda lenhosa, feita habitualmente nos meses de Janeiro e Fevereiro e que regulariza o crescimento vegetativo e produtivo da planta; e a poda em verde que se realiza na Primavera e se destina a retirar os ramos “ladrões”, (que tiram “força” à planta) e abrir a copa da videira permitindo o seu arejamento e melhor exposição solar das folhas e dos cachos de uva. A poda mais importante é a lenhosa.

A poda e a produção de uva
O número de gomos deixados pela poda lenhosa devem estar aferidos à capacidade vegetativa da planta e à quantidade de produção de uva. Uma carga de gomos excessiva resulta no enfraquecimento da planta e numa produção excessiva e com dificuldades futuras de maturação (e qualidade). Pelo contrário uma carga de gomos insuficiente vai favorecer o vigor vegetativo da planta em detrimento da produção de uva. Uma poda correcta e equilibrada é muito importante para o equilíbrio e qualidade da colheita.

A técnica de poda
Um bom podador identifica com facilidade os vários tipos de ramos da videira (do ano anterior ou mais velhos, ou os chamados ramos ladrões) e executa a tarefa com destreza e rapidez. O tempo de poda por planta é importante para a contabilização dos custos de produção de uva.

Requisitos de poda
Nas grandes áreas de vinha utilizam-se equipamentos que fazem a pré poda (corte mecânico das hastes da videira) para que posteriormente um rancho de podadores munidos de tesouras manuais ou eléctricas executem com maior rapidez a operação. É ainda importante desinfectar lâminas de corte da tesoura de videira para videira, de modo a evitar a transmissão de doenças.A poda lenhosa é a operação mais importante da viticultura. Além de permitir a formação da planta jovem, possibilita nas plantas formadas definir a qualidade e quantidade da produção de uva, assim como gerir a longevidade da videira.
A poda controla o vigor da planta e ajuda a equilibrar a relação entre produção de lenha (ramos e folhas) e fruta. Permite ainda definir convenientemente a exposição solar da superfície foliar da copa e dos frutos da videira. Por tudo isto, a poda é uma tarefa importantíssima e fundamental na produção de uva e vinho.

(*agrónomo, responsável de viticultura da Real Companhia Velha)

Edição Nº21, Janeiro 2019