A Bâtonnage

Bâtonnage é o termo francês que traduz o mexer ou agitar das borras, em depósito no fundo de um determinado recipiente. Esta agitação põe de novo em suspensão as borras, que, ricas em aminoácidos e com um relativo poder redutivo, vão melhorar o gosto e textura do vinho. TEXTO João Afonso Prática Antiga O romano […]

Bâtonnage é o termo francês que traduz o mexer ou agitar das borras, em depósito no fundo de um determinado recipiente. Esta agitação põe de novo em suspensão as borras, que, ricas em aminoácidos e com um relativo poder redutivo, vão melhorar o gosto e textura do vinho.

TEXTO João Afonso

Prática Antiga
O romano Marcus Cato (234 a 149 AC), na sua famosa obra “De agri cultura”, já aludia a importância do contacto do vinho com as próprias borras.

Borras boas e Borras más
Devem considerar-se dois tipos de borras: borras grossas, que além de leveduras contêm grainhas, pedaços de película de uva, poeiras e outros elementos sólidos; e borras finas, que contêm maioritariamente leveduras e colóides.
Enquanto as primeiras são indesejáveis à boa evolução do vinho ou mosto, as segundas desempenham um papel importante na complexidade e afinamento do produto final, em particular no caso dos vinhos brancos.

O Segredos das Borras
As leveduras têm um período de vida curto. Quando morrem depositam-se no fundo do recipiente, libertando bases nitrogenadas de aminoácidos. Este processo de degradação proteica e libertação de aminoácidos é um dos principais agentes na melhoria das características sápidas do vinho em contacto com as borras finas.

Como e quando?
A agitação ou batimento de borras é feita periodicamente, com um bastão (daí o nome), e a sua periodicidade varia consoante a enologia, região ou clima do ano. Desde aplicar a bâtonnage logo após o início da fermentação alcoólica até alguns meses após a sua conclusão, tudo é aceitável. A periodicidade depende do tipo de equilíbrio pretendido.

Onde?
Preferencialmente em barrica. Mas a bâtonnage é também utilizada em cubas de inox e outros recipientes de fermentação e estágio. Nas cubas de inox há que ter em conta o forte poder redutivo deste vasilhame, que se irá somar ao poder redutivo das leveduras.

Uso só nos brancos. Nos tintos fiz em tempos ensaios em vinhos do Douro e, apesar de ter ficado contente com os resultados, a posteriori percebi que os vinhos tendiam a decair com o tempo em garrafa. Faço bâtonnage para conseguir mais corpo e textura de boca. No Esporão faço sempre bâtonnage no Private Reserva e nas barricas do Esporão Reserva (30% barrica do lote), sobre as borras finas de fermentação. Começo por fazer duas vezes por semana, nas semanas a seguir à vindima, e depois passo para uma vez por semana até ao fim de Novembro, quando normalmente páro com a operação.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

Edição Nº20, Dezembro 2018

 

Aparas & Outros

A evolução do gosto pelo vinho tem desenvolvido um singular apreço pelas notas aromáticas e gustativas de madeira de carvalho. Em substituição das barricas de carvalho (por vezes demasiado caras) surgiram os chamados “Alternativos”. TEXTO João Afonso Função dos Alternativos As madeiras desenvolvidas para enologia têm como fim modular o perfil organolético do vinho ao […]

A evolução do gosto pelo vinho tem desenvolvido um singular apreço pelas notas aromáticas e gustativas de madeira de carvalho. Em substituição das barricas de carvalho (por vezes demasiado caras) surgiram os chamados “Alternativos”.

TEXTO João Afonso

Função dos Alternativos
As madeiras desenvolvidas para enologia têm como fim modular o perfil organolético do vinho ao gosto “a madeira” e também corrigir alguns defeitos provenientes de deficiente maturação das uvas ou decorrentes dos processos de vinificação e estágio.

Tipos de Alternativos
No mercado estão disponíveis Pós de Madeira, que se usam habitualmente durante a fermentação alcoólica; Aparas, a usar entre ou após as fermentações alcoólica e maloláctica; e Aduelas, de uso aconselhado apenas após a fermentação maloláctica.

Acção Melhoradora dos Alternativos
Os produtos de madeira não tostadas têm as vantagens de ser antioxidantes, de eliminar mercaptanas (compostos com odores sujos e pesados) e de aumentar o sabor doce e a estrutura e volume de prova, assim como a intensidade de fruto, além de melhorar e fixar a cor dos vinhos tintos. Os produtos de madeira tostada, além das vantagens mencionadas, eliminam ainda aromas herbáceos ou vegetais e melhoram a complexidade aromática e gustativa dos vinhos.

Alternativos Sim ou Não?
Claro que sim. Presentemente são uma ferramenta essencial para a enologia na produção de vinhos, sobretudo de médio e grande volume. Há inúmeros mercados que exigem vinhos baratos e com mais ou menos gosto a madeira. O contrário também acontece: alguns mercados chegam a exigir uma declaração do enólogo em como o vinho nunca esteve em contacto com madeira.
Mas os alternativos, quando bem usados, podem fazer toda a diferença. Uso “Pós” durante a vinificação. Depois da vinificação, aparas ou cubos, que são aduelas cortadas em pedaços com maior superfície de contacto do que as aduelas. Para vinhos de qualidade média/média alta, as aduelas quando têm muita qualidade (vindas de madeira bem seca e bem tostada) e são acompanhadas com a micro-oxigenação, podem fazem um trabalho notável.

Edição Nº19, Novembro 2018

Maturação da Uva

As vindimas chegaram. Colhem-se uvas maduras para a produção de diferentes tipos de vinho. Cada viticultor deve escolher o seu momento óptimo de maturação e vindima. TEXTO João Afonso A Maturação Inicia-se depois de a uva tomar cor (fim do pintor) e tem duração variável. Depende muito do clima da região, ou do ano, e […]

As vindimas chegaram. Colhem-se uvas maduras para a produção de diferentes tipos de vinho. Cada viticultor deve escolher o seu momento óptimo de maturação e vindima.

TEXTO João Afonso

A Maturação
Inicia-se depois de a uva tomar cor (fim do pintor) e tem duração variável. Depende muito do clima da região, ou do ano, e do tipo de vinho que se pretende fazer ou ainda da filosofia enológica do produtor. Durante a maturação o bago aumenta de volume, aumenta a sua concentração de açúcares e perde acidez e taninos. No caso da uva tinta, a quantidade de matéria corante também aumenta durante a maturação.

A Maturação e o Vinho
A prioridade dos vários itens de maturação varia com o clima. Em regiões frias de difícil maturação, a acumulação de açúcares é determinante para decidir a vindima. Pelo contrário, em regiões quentes, um bom nível de acidez – que decai por vezes repentinamente na parte final da maturação – pode ser determinante para decidir o dia da colheita. No caso dos vinhos tintos a maturação fenólica, ou seja, a procura de taninos maduros e macios, pode condicionar o dia de vindima.

A Sobrematuração
Nas regiões mais quentes, e principalmente com a ocorrência de noites tropicais (mais de 20ºC), pode passar-se muito rapidamente da fase de maturação para a fase de sobrematuração, com as uvas a perderem rapidamente acidez e aromas e a ganharem açúcar e grau provável. É necessário estar atento!

Quando hoje se fala de vindimar as uvas com maturação fenólica perfeita, os meus ouvidos ouvem “vindimar uvas sobremaduras”. As vinhas modernas produzem primeiro o álcool e depois a maturação “fenólica”… por isso na enologia moderna esta maturação é tão importante e o enólogo tem que esperar por ela, observando a acidez a cair a pique e o álcool a subir dramaticamente. Toda a viticultura moderna parece estar fixada em produzir muito e muito grau, o que nos nossos tempos não faz sentido nenhum.
Sempre gostei de vinhas velhas, há um certo equilíbrio entre o “tirar” e o “dar”. Nestas vinhas a maturação surge primeiro e só depois o grau. É possível fazer vinhos leves com 11% Vol. com boa maturação e boa acidez.
A acidez (boa acidez, natural, equilibrada) é a coluna vertebral de qualquer vinho. Procuro vinhas que tenham uma maturação lenta e uma acidez natural boa, e procuro vindimar na altura certa uvas maduras mas ainda com boa acidez. A prova das uvas é fundamental, é ela que decide, as análises só ajudam.
IN VINO VERITAS. Viva a frescura. The incredible lightness of being…

Edição Nº18, Outubro 2018

 

A Rega da Vinha

É Verão. As plantas têm sede, a vinha é regada. Até há poucos anos a vinha era uma cultura de sequeiro. Hoje, podemos considerar que é uma cultura de regadio. Stress Hídrico A falta de água provoca na videira um stress hídrico que, em casos extremos, pode dificultar o correcto amadurecimento das uvas, provocando mostos […]

É Verão. As plantas têm sede, a vinha é regada. Até há poucos anos a vinha era uma cultura de sequeiro. Hoje, podemos considerar que é uma cultura de regadio.

Stress Hídrico
A falta de água provoca na videira um stress hídrico que, em casos extremos, pode dificultar o correcto amadurecimento das uvas, provocando mostos desequilibrados que requerem maior ou menor correcção antes de iniciarem o processo fermentativo. Para uvas de grande qualidade procura-se que a videira passe por algumas horas diárias de stress hídrico moderado durante a fase de maturação. É nas horas de maior calor que a videira estará sujeita a este stress hídrico.

Rega de Precisão
O desenvolvimento das técnicas de irrigação modernas permite aos viticultores monitorizar com grande rigor a dotação de água à cultura da vinha. Procura-se facilitar o ciclo vegetativo nas suas várias fases. Hoje, podemos quase afirmar que existem técnicas de irrigação para as várias gamas e preços de vinho. Têm em conta a superfície foliar da sebe, as castas, o tipo de solo, o débito do gotejador etc, etc.

Câmara de Pressão de Sholander
Uma das técnicas mais eficazes para avaliar o stress hídrico das videiras é medir a pressão estomática nas folhas, através da Câmara de Pressão Sholander. Esta medição é feita a horas pré-determinadas do dia. Estes resultados, interligados com os vários factores que geram stress hídrico (evapotranspiração, potencial de base etc.), permitem disponibilizar dotações de água muito próximas do que a planta precisa para gerir um stress hídrico de acordo com os objectivos de qualidade do produtor.

Os Puristas e o Terroir
Contudo, conseguimos ainda encontrar produtores de vinho que renegam a rega da vinha, uma cultura milenar que até há poucos anos nunca necessitou de qualquer dotação humana de água para produzir todos os vinhos que fizeram a história da nossa civilização.

Acidez volátil

A acidez volátil é defeito ou virtude? É esta primeira questão que se coloca quando se aborda este parâmetro que mede a concentração de ácido acético no vinho que bebemos e apreciamos. Bactérias acéticas e Acidez Volátil A acidez volátil é formada por várias estirpes de bactérias acéticas que, em contacto com o oxigénio, degradam […]

A acidez volátil é defeito ou virtude? É esta primeira questão que se coloca quando se aborda este parâmetro que mede a concentração de ácido acético no vinho que bebemos e apreciamos.

Bactérias acéticas e Acidez Volátil
A acidez volátil é formada por várias estirpes de bactérias acéticas que, em contacto com o oxigénio, degradam (oxidam) o álcool do vinho em acetaldeído e o acetaldeído em ácido acético, água e dióxido de carbono.

Ácido acético e Acetato de etilo
A formação do ácido acético, com o característico aroma balsâmico a vinagrinho, é sempre acompanhada pela formação de acetato de etilo com aromas de cola, acetona e verniz. O primeiro, em quantidades moderadas, pode ser favorável ao sabor final do vinho, contribuindo com grande frescura, enquanto que o segundo prejudica quase sempre o resultado final.

Uma doença do vinho
A degradação do vinho por bactérias acéticas é considerada pela enologia como uma doença da qual é necessário proteger o vinho feito. A protecção faz-se com assepsia ou elevado nível de higiene, ausência de contacto de oxigénio com o vinho feito e níveis confortáveis de sulfuroso livre.

Limites máximos de Acidez Volátil
A União Europeia permite um máximo de 1,2 gramas de ácido acético por litro de vinho. No caso dos vinhos generosos este máximo sobe para 1,5 g/l e com derrogação (que decorre da justificação do produtor) pode subir aos 1,8 g/l.

A Acidez Volátil e o Vinho
Normalmente, a quantidade de acidez volátil num vinho seco bem feito e devidamente protegido situa-se entre os 0,4 e os 0,6 gr/l; contudo, podemos encontrar vinhos com valores bastantes superiores sem que a qualidade do conjunto seja colocada em causa.

Marcas famosas e acidez volátil
Os tintos mais famosos de Espanha e da Austrália, respectivamente o Vega Sicilia e o Penfolds Grange, vangloriam-se da elevada acidez volátil dos seus vinhos, sendo que são dois dos tintos mais caros do planeta.Nos brancos não quero ter acidez volátil excessiva. Também não vejo qualquer vantagem em ter uma volátil elevada nos tintos de gama baixa. Nestes casos, não há qualquer mais-valia. Mas no caso dos tintos topo de gama, com vários meses ou anos de barrica antes do engarrafamento, a acidez volátil um pouco elevada, em torno dos 0,8 ou 0,9 gramas por litro, pode ser muito vantajosa porque oferece complexidade e frescura balsâmica ao vinho em causa.

*Enólogo

Leveduras

Um dos temas favoritos do jornalismo enológico. Leveduras naturais ou selecionadas? – esta é a pergunta recorrente. FOTOGRAFIA: Sogrape Vinhos As Leveduras As leveduras são fungos. Conhecem-se algumas centenas espécies de leveduras, distribuídas por algumas dezenas de géneros. Encontram-se não apenas no bago das uvas mas também no solo, ar, patas dos insectos… etc. Há […]

Um dos temas favoritos do jornalismo enológico. Leveduras naturais ou selecionadas? – esta é a pergunta recorrente.

FOTOGRAFIA: Sogrape Vinhos

As Leveduras
As leveduras são fungos. Conhecem-se algumas centenas espécies de leveduras, distribuídas por algumas dezenas de géneros. Encontram-se não apenas no bago das uvas mas também no solo, ar, patas dos insectos… etc. Há leveduras favoráveis e outras indesejáveis ao fabrico do vinho. Estas últimas podem ser causa de desvios graves. A espécie Saccharomyces cerevisiae é o principal agente da fermentação alcoólica (cerveja, pão…).

Leveduras e Vinho
Estas leveduras só produzem álcool (fermentação alcoólica) na ausência de oxigénio. O seu desempenho não se limita à produção de álcool, mas também ao desenvolvimento das componentes aromáticas do vinho. Esta capacidade levou a biotecnologia moderna a selecionar, desenvolver e produzir leveduras secas activas (LSA) para uso enológico.

Leveduras Selecionadas
As LSA podem ser selecionadas e cultivadas a partir da flora indígena de uma determinada região, promovendo desta forma as castas e a tipicidade dessa mesma região. A diversidade de oferta de leveduras selecionadas no mercado é grande e adapta-se a qualquer tipo ou perfil de vinho: permitem “desenhar” o vinho, com mais aroma, com um determinado tipo de aroma (tiol, terpénico…), mais fresco, mais leve, ou mais estruturado e macio, vinhos das várias gamas etc., etc.

Leveduras e “Terroir”
Coexistem na enologia moderna duas filosofias de vinificação distintas que se ligam aos dois grupos principais de leveduras. Os que defendem a utilização de “leveduras nativas” (naturais, indígenas), que à partida expressam o “terroir” (vinha/clima do ano/solo/castas), e os defensores das “leveduras seleccionadas”, que procuram fruto e expressão máxima da(s) casta(s) e preferem não ariscar a colheita…

Em lotes de vinho acima de 10.000 litros e em uvas compradas das quais desconheço o tipo de tratamento fitossanitário, ou calculo que houve tratamentos fitossanitários mais intensos, uso de preferência as leveduras selecionadas de estirpes nacionais. Mas para lotes pequenos ou especiais de vinho utilizo as leveduras nativas. Procura-se hoje cada vez mais vinhos personalizados e com carácter e as leveduras naturais expressam-no melhor do que as leveduras selecionadas.

* Produtor e enólogo

Edição Nº14, Junho 2018

Rolhas e outros vedantes

A rolha de cortiça desempenha um papel decisivo na conservação e longevidade do vinho em garrafa. Da sua eficácia dependem o presente e o futuro do vinho que bebemos. No mercado existem, porém, outras opções para vedar uma garrafa. TEXTO João Afonso FOTOS Ricardo Palma Veiga Os materiais Cortiça, alumínio, plástico e vidro são as […]

A rolha de cortiça desempenha um papel decisivo na conservação e longevidade do vinho em garrafa. Da sua eficácia dependem o presente e o futuro do vinho que bebemos. No mercado existem, porém, outras opções para vedar uma garrafa.

TEXTO João Afonso
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Os materiais
Cortiça, alumínio, plástico e vidro são as matérias-primas utilizadas no fabrico de vedantes para vinho. A cortiça é um tecido vegetal de milhões de células suberizadas, inertes e impermeáveis que formam uma estrutura fortemente compressível e elástica. A rolha de cortiça é um vedante natural com extraordinária eficácia. Contudo, a cortiça de menor qualidade pode manchar ou contaminar irreversivelmente o vinho que protege com tricloroanisol (TCA, ou gosto a rolha).
É de plástico e tem a vantagem de ser inócua, mas tem o inconveniente de ser permeável ao oxigénio, diminuindo o tempo de vida do vinho em garrafa.
A tampa de rosca tem a vantagem de ser inócua, fácil de abrir, e de a sua permeabilidade ao oxigénio poder ser afinada ou quase anulada através da escolha precisa do “liner” (vedante plástico que topa com o bordo superior do gargalo) usado no seu interior. Tem a desvantagem de poder “reduzir” (com aromas defeituosos) o vinho que protege.
O vedante de vidro Vino-lok, usado por vários produtores de vinho da Europa central, é outra alternativa. É inerte, neutra, muito eficaz como vedante, é reciclável e esteticamente perfeita. Apenas uma desvantagem: o preço elevado.
É um vedante plástico australiano que combina tampa com rosca. É um vedante prático, mas também muito permeável ao oxigénio. É usado apenas em vinhos de consumo jovem.
Rolha de cortiça natural é a minha opção principal. Sempre que crio um vinho no segmento Premium não imagino outro vedante.

Mas a rolha tem o problema do TCA, que não está resolvido e, aliás, se tem agravado nos últimos dois anos. E o pior é que na maioria dos casos é um TCA com níveis muito baixos, impercetível para a maioria dos consumidores, que assim são induzidos em erro; um problema que é da rolha passa a ser atribuído ao vinho, porque se apresenta com pouco aroma, eventualmente evoluído e sobretudo com um final seco e agressivo.

Este é o lado negro das nossas fantásticas rolhas de cortiça natural. Dos alternativos não uso nem a sintética nem o screw cap. Tenho usado a rolha de aglomerado de cortiça, nos vinhos de entrada de gama, com resultados de TCA muito bons.

Mas este vedante retira toda a magia e beleza à tradicional rolha de cortiça natural.

Edição Nº13, Maio 2018

Maceração

Fase determinante na feitura do vinho. É o verdadeiro “trabalhar o vinho”. Da sua eficácia depende a passagem de todo o potencial qualitativo da uva para o vinho feito. TEXTO João Afonso FOTO Ricardo Palma Veiga Maceração É a diluição num líquido de compostos que estão contidos em partes sólidas do fruto ou planta. A […]

Fase determinante na feitura do vinho. É o verdadeiro “trabalhar o vinho”. Da sua eficácia depende a passagem de todo o potencial qualitativo da uva para o vinho feito.

TEXTO João Afonso

FOTO Ricardo Palma Veiga

Maceração
É a diluição num líquido de compostos que estão contidos em partes sólidas do fruto ou planta. A preparação de chá é um bom exemplo de maceração. No vinho procuramos diluir no mosto da uva os compostos contidos nas suas partes sólidas (películas, grainhas e, por vezes, engaços). É o tempo de contacto entre partes sólidas e liquidas que toma o nome de maceração. É usada fundamentalmente em vinhos tintos e generosos (Porto e Moscatel).

Maceração é Extracção
A maceração ocorre ao mesmo tempo que a fermentação alcoólica. O aumento de temperatura do mosto, a crescente presença de álcool e o trabalho físico da manta (partes sólidas que flutuam no mosto em fermentação), que é mergulhada ou regada com o próprio mosto, aumentam o nível de extracção dos compostos fenólicos (cor e taninos). Existe uma relação directa entre a qualidade da uva e o tempo de maceração.

Macerações pré e pós-fermentativas
A pré-fermentativa ou pelicular, a temperaturas baixas e sem presença de álcool, usa-se fundamentalmente em brancos (mas também em rosé e tinto). Consegue vinhos mais finos e complexos, mesmo nos casos de maturações menos conseguidas.
As macerações pós-fermentativas são utilizadas nos tintos de guarda, produzidos com uvas bem maduras e completamente sãs. Permite extrair mais taninos, assim como a polimerização e afinamento dos mesmos. É usada também no fabrico de Moscatel de Setúbal. Procura-se sempre mais e melhor extracção.

Maceração Carbónica
Existe ainda a maceração carbónica, que consiste numa técnica especial de fermentação usada nos tintos Beaujolais (França) e nalguns vinhos da Rioja (Espanha). Produz vinhos intensos de fruto com taninos macios.

A opinião de António Ventura
A maceração é uma das etapas mais importantes na vinificação. Sempre o foi, mas hoje ainda o é mais. No caso dos tintos, vai permitir definir o corpo e a estrutura do vinho que queremos ter; nos brancos, com a maceração pré-fermentativa, define a mineralidade de cada vinho. A mineralidade do vinho existe realmente, só que não está relacionada com os solos e pode ser conduzida com esta maceração, seguida de fermentação em ambiente redutor, sempre a temperatura baixa. E agora no caso dos vinhos “Orange”, que são brancos feitos como tintos, é a maceração que lhes define o estilo e o carácter.

 

Edição nº12, Abril 2018

As minhas alterações climáticas

Os anos passam e a memória engrandece. E aquela que tenho permite-me olhar para as notícias sobre alterações climáticas com algum distanciamento. Um Natal, algures entre final dos anos 60 e principio dos 70, em casa da minha avó materna, na aldeia de Souropires (Pinhel). Eramos 22, entre pais, avó, irmãos, tios e primos. Dias […]

Os anos passam e a memória engrandece. E aquela que tenho permite-me olhar para as notícias sobre alterações climáticas com algum distanciamento.

Um Natal, algures entre final dos anos 60 e principio dos 70, em casa da minha avó materna, na aldeia de Souropires (Pinhel). Eramos 22, entre pais, avó, irmãos, tios e primos. Dias soalheiros secos e muito frios. Dentro de casa, com lareira acesa e braseiras de brasas em duas salas, conseguíamos uns fantásticos 2º Celsius. Da boca só saía fumo de cada vez que falávamos. Sempre vestidos com os sobretudos, samarras, chapéus e gorros. Lá fora o sincelo dava aspecto glaciar a toda a paisagem. De noite temperaturas abaixo de 10º negativos.
Com falta de espaço, eu e meu irmão fomos dormir a casa do tio Zé Madeira, à vizinha aldeia das Freixedas. Quase não conseguíamos voltar-nos na cama com o peso de tantos cobertores de “papas”. Ao raiar da aurora, e com o pensamento nas prendas do menino Jesus (tinha sonhado toda a noite com elas), tirei a custo um braço debaixo dos cobertores, e deixei-o cair sobre os cobertores. Ouvi um “tchhh” gélido. Desloquei um pouco o braço para a esquerda e para a direita, … novamente “chhh”, “chhh”,… levantei assustado a cabeça do travesseiro e olhei atónito o espesso manto de gelo que cobria os nossos cobertores.
“Pedro vamos embora” – gritei em surdina ao meu irmão mais novo. Vestimos-mos à pressa, quebramos com um murro o gelo que cobria a água do jarro, e com um pouco de água na bacia junto à janela de vidros cobertos de espesso gelo, tirámos com as pontas molhadas dos indicadores a remela dos olhos. E lá fomos a correr por entre uma paisagem totalmente petrificada de branco para a lareira da avó, onde pequenos sapatitos, debaixo da luz baça que descia pela chaminé da lareira da cozinha, tinham por cima uma única e fantástica prenda e um rolinho de bombons de chocolate enfiado sapatito a dentro.

Calores
Poucos anos depois, o Outono/Inverno de 1977 foi tão quente que no dia de Natal toda a família foi fazer um almoço/piquenique para a mata do Bussaco. Os noticiários tinham à época objectivos totalmente diferentes dos de hoje, e todos achamos a ocasião estranha, mas muito divertida.
No dia anterior, o de consoada (24 de Dezembro de 1977), montados numa espectacular Suzuki 125cc que o meu pai tinha acabado de comprar ao meu irmão, fomos de Coimbra à Figueira da Foz, num fantástico passeio depois de almoço, em mangas de camisa arregaçadas e sem capacete (à época não era ainda obrigatório). Um dia espectacular, e uma história inesquecível.
Dois anos mais tarde, em 1979, nas últimas férias que passei com meus pais antes de me lançar na constituição de família própria, fiquei surpreso quando arrendaram uma casa no Algarve para a primeira quinzena de Outubro. Talvez seja um pouco tarde – pensei! Mas fomos todos os dias à praia, com muito, mas mais suave calor, e foram 15 dias de praia fantásticos.
“O tempo”, ou o clima, sempre foi um assunto recorrente numa família em que a geração viva e mais velha estava ainda ligada à lavoura (e o ser humano receia o clima desde que criou a agricultura). Recordo, sempre que havia, nos tempos mais recentes, um Outono /Inverno seco, a minha mãe a lembrar-nos que “em 1980, nem os lameiros da Souropires rebentaram”, ou seja, os lameiros sadios e verdejantes da várzea ribeirinha da aldeia de minha avó, que drena parte das águas do altiplano de Pinhel (600 a 800 metros de altitude) permaneceram todo o Inverno castanhos, ou com a cor que lhes deixou o Verão (que recordo sempre desmesuravelmente quente, em particular por terras de Castelo Branco, onde o meu pai foi médico depois de 1963).
Em 1990, já pai de filhos e mais preocupado e pessimista do que na adolescência, iniciou-se um novo ciclo de anos secos que me marcaram imenso (o último tinha sido 1980/1983). A viver em Lisboa e a trabalhar em ambiente de alta erudição cultural e intelectual, sofria, como ninguém mais, a falta de água sentida nas terras do país. A minha costela rural começava a engrossar, ainda que a sua função fosse a da arte da dança. Durante cinco longos anos muito pouco choveu em Portugal. Este quinquénio extremamente seco teve quatro excelentes anos vitícolas. No caso do Vinho do Porto, duas declarações generalizadas (1992 e 1994) e mais duas fantásticas colheitas de 1991 e 1995. E todos estes anos produziram excelente vinho de mesa de Norte a Sul numa época em que ainda não se falava de rega na vinha, sendo esta então (e firmemente) proibida pelos regulamentos certificadores.

O meu diário
A partir daqui nunca mais deixei de seguir atentamente (ou doentiamente) o clima de cada ano. Tenho inclusivamente uma espécie de diário a que chamo “Ano Agrícola”, onde vou assentando tudo aquilo que me parece relevante em termos climatéricos ao longo do ano. A minha mulher diz-me que já ando um pouco melhor. A fase aguda foram os primeiros anos da década de 90…
Ainda por cima nesta época ligava-se tão pouco ao clima que os noticiários televisivos deixaram de ter o meu imprescindível Boletim Meteorológico. Tinham acabado com o Anthímio de Azevedo precisamente em 1990. Em casa dos meus pais havia sempre um “chiu” de cada vez que aparecia o Anthímio. E eu habituei-me a estar calado enquanto se ouvia o boletim meteorológico. Depois de a televisão fazer desaparecer o Anthímio, desesperei a tentar adivinhar sozinho quando terminava a seca. O curioso é que antes de aparecerem as “app” que hoje nos indicam as previsões meteorológicas a cada 3 horas, lá em casa quem dizia “chiu” sempre que aparecia o boletim meteorológico (que, entretanto, voltaram à televisão, já não recordo em que ano), eram os meus filhos. Entre outras consciências, leguei à descendência a minha preocupação com o clima.
Hoje, com 61 anos de idade, continuo a preocupar-me com o clima, e em particular com as secas que regular e periodicamente atingem o nosso mundo mediterrânico – “A Seca: a praga do Mediterrâneo”, como lhe chamam ilustres geógrafos e historiadores.
Espero, muito em breve, voltar ao contacto para vos falar do nosso clima, sob o prisma erudito de vários e respeitados autores, que contraria fortemente o alarmismo mediático a que quase diariamente nos sujeitam.

Edição nº12, Abril 2018

Lagar

O mais antigo recipiente reconhecido como equipamento de vinificação. Ao longo de milénios tem sido o berço dos vinhos da humanidade. TEXTO João Afonso O que é o Lagar? É um tanque, normalmente construído em pedra, com altura variável e uma saída de fundo, onde se esmagam frutos para separar as partes sólidas da parte […]

O mais antigo recipiente reconhecido como equipamento de vinificação. Ao longo de milénios tem sido o berço dos vinhos da humanidade.

TEXTO João Afonso

O que é o Lagar?

É um tanque, normalmente construído em pedra, com altura variável e uma saída de fundo, onde se esmagam frutos para separar as partes sólidas da parte líquida. Pode ter forma quadrangular, rectangular ou, mais raramente, circular. É habitualmente feito de granito, mas pode ser feito com qualquer outra rocha (mármore, xisto…) ou mesmo em madeira ou aço inox.

Origem

A sua origem remonta à antiguidade. Egípcios e romanos utilizavam o lagar para esmagar as suas uvas. As ânforas e dolias eram mais usadas para a fermentação.

Vantagens e Desvantagens

O lagar tradicional é utilizado fundamentalmente na vinificação de vinhos tintos, permanecendo ainda activo em algumas regiões portuguesas, sobretudo no Douro (para fazer Porto Vintage em particular), mas também no Dão, Bairrada e até no Alentejo. Permite uma maior maceração da uva e por consequência uma maior extracção de cor e compostos fenólicos. Tem a desvantagem da sua higienização (normalmente difícil e demorada) e o risco de produzir maior teor de acidez volátil, caso não sejam tomadas as devidas precauções. A escassez de mão-de-obra para a pisa é também uma potencial desvantagem e um problema a avolumar-se no futuro.

Tipos de Lagar

Hoje existem vários tipos de lagar. O lagar tradicional, feito em granito (ou outra pedra) e onde a uva é esmagada a pé; o lagar feito em cimento, com paredes altas, onde não se realiza pisa a pé e a manta é mergulhada com rodos de madeira (típico da Bairrada); o lagar tradicional de pedra mas com refrigeração por placas e macacos (pisadores) mecânicos para trabalhar o mosto; e o lagar moderno feito em aço inox com refrigeração e macacos mecânicos incorporados, para esmagar a uva e trabalhar o mosto.

A Opinião de David Guimaraens*

O lagar é um recipiente de fermentação em granito. Cubas de inox abertas não são lagar. O segredo do lagar não é ser uma superfície aberta, mas sim a sua própria construção em pedra (granito), que acaba por ter uma enorme influência no vinho feito. Um lagar em inox fará um vinho completamente diferente, seja pisado a pé ou não.
No lagar existe um equilíbrio perfeito entre a relação do mosto, massa, oxigénio e temperatura. Já se tentou replicar por outros métodos as capacidades de vinificação do lagar sem, contudo, se obter um verdadeiro sucesso. Num lagar de inox, com pisadores mecânicos, o vinho é mais aromático e aveludado, enquanto num lagar de granito com pisa a pé o vinho tem mais profundidade de nariz e boca. O lagar tradicional, sem ser objectivamente melhor, consegue sempre outra dimensão. Usamos um ou outro tipo de lagar, consoante o tipo de vinho que queremos fazer.

* Enólogo