À sombra da serra d’Ossa

Por terras de Redondo, nas faldas da serra d’Ossa, encontramos um Alentejo especial, abrigado na sombra das montanhas e virado para a pecuária, o montado e, claro, o vinho. Entre ícones de arquitectura, alojamentos semi-familiares e grandes produtores se fez um roteiro por terras de história, paisagem e boa mesa. TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo […]

Por terras de Redondo, nas faldas da serra d’Ossa, encontramos um Alentejo especial, abrigado na sombra das montanhas e virado para a pecuária, o montado e, claro, o vinho. Entre ícones de arquitectura, alojamentos semi-familiares e grandes produtores se fez um roteiro por terras de história, paisagem e boa mesa.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

A sul do Tejo só há dois locais mais altos: a serra de S. Mamede, em Portalegre, e a serra de Monchique, no Algarve. Não se menospreze, portanto, a importância na paisagem desta serra d’Ossa e dos seus 653 metros de altitude, num Alentejo mais habituado a ondulações suaves do terreno. Estendendo-se numa orientação NW/SE, entre Estremoz e Redondo, o maciço alberga um convento quase milenar (1182) e uma variada fauna e flora, num cenário que mistura o recém-chegado eucalipto com o ancestral montado. O flanco norte integra a bacia hidrográfica do Tejo, a vertente sul drena para o Guadiana. E é por este lado que vamos estar.
A região é rica em património histórico – entre outros pontos de interesse, a fortaleza de Juromenha, os castelos de Alandroal e Terena, os palácios de Vila Viçosa, monumentos megalíticos – e artesanato – olaria do Redondo e de S. Pedro do Corval, por exemplo. O casario branco e o verde dos campos (com as chuvas recentes, as flores prometem uma Primavera colorida) fornecem um cenário relaxante para uns dias bem passados. E, depois, claro, há o vinho. Redondo é uma das DOC Alentejo e por aqui encontramos nomes tradicionais e bem cotados do panorama vitivinícola português. Mas comecemos por um recém-chegado.

O enoturismo da Herdade do Freixo só abriu em finais de 2016, data recente, mas praticamente coincidente com a divulgação dos primeiros vinhos do projecto. Implantada numa área de 300 hectares, dos quais 50 são de vinha, a adega é aqui o centro das atenções. Não que dê nas vistas, antes pelo contrário: a adega da Herdade do Freixo é a única completamente subterrânea da Europa. Vista de fora, é um monte plantado com vinha onde só se detectam os pórticos das duas entradas e a silhueta dos respiradores e clarabóias. Visto por dentro, é um enorme poço central com uma rampa em espiral que dá acesso aos quatro pisos.
Já lhe chamaram o “Guggenheim do Alentejo”, mas as palavras não fazem justiça a esta espantosa obra de arquitectura, da autoria do arquitecto Frederico Valsassina, recentemente distinguida com o primeiro prémio do site ArchDaily na categoria Industrial Architecture dos 2018 Building of the Year Awards. Cada um dos quatro pisos tem 1.000 metros quadrados e a altura total do edifício, que está quase totalmente enterrado, ronda os 40 metros. Foi preciso fazer um grande buraco, mas os ganhos em funcionalidade (a adega funciona por gravidade e o controlo de temperatura e humidade torna-se muito mais eficiente) e arrojo estético fizeram esse esforço valer a pena.
Hoje, a Herdade do Freixo é um projecto em plena consolidação, com vinhos de elevado nível que procuram conciliar a estrutura e concentração do Alentejo com elegância e longevidade. E não se pense que o betão ou a qualidade dos vinhos são os únicos argumentos para justificar uma visita. Sim, há a vertigem do poço central, a incrível sala de barricas com um rochedo que pode ser um meteorito (!), a elegante sala de provas e o pátio interior. Há tudo isso e mais.
Mas cá fora espera-nos uma paisagem sem fim. Do marco geodésico que assinala o ponto mais alto das vinhas (450m) contemplamos um mar de montado e manchas agrícolas, a parede escura da serra d’Ossa, o “farol” branco das torres de Evoramonte, a silhueta de Évora no horizonte longínquo. A Herdade do Freixo foi desenhada para não manchar este ecossistema onde a cegonha-preta nidifica e oliveiras centenárias vigiam pastagens e vinhas. Missão cumprida com brilhantismo.

HERDADE DO FREIXO
Freixo, 7170-001 Redondo
Tel: 266 094 830
Mail: freixo@herdadedofreixo.pt
Web: www.herdadedofreixo.pt
A adega está aberta todos os dias excepto aos domingos e tem duas visitas guiadas (11h e 15h) de terça a sábado. Recomenda-se marcação prévia. A visita custa 6,50 euros por pessoa, valor que sobe para 15 ou 20 euros conforme se opte por uma das modalidades de prova de vinhos (um ou dois vinhos), acrescidos de outros 5 euros para degustar uma tábua de queijos e enchidos. A visita com almoço (mínimo de seis participantes) custa 135 euros por pessoa. A loja está aberta de segunda a sábado, das 9 às 17h.

Ali bem perto, na estrada que sobe para a serra, a Herdade da Maroteira não tem pergaminhos de arquitectura moderna para exibir (se exceptuarmos a bela piscina de horizonte infinito), mas a envolvência natural é ainda mais impressionante. O monte fica no centro de uma vasta propriedade (540 hectares) quase totalmente ocupada por montado (há também 13ha de vinha). A criação de uma empresa de passeios na natureza (a Corktrekking) transformou a herdade num dos mais populares destinos turísticos da região.
A pé ou de jipe (descapotável ou fechado), há toda uma imensa área para descobrir, desde as planuras agora alagadas pelas chuvas até ao ponto mais alto, o Cabeço da Águia, um miradouro a 400 metros de altitude de onde se contempla a planície central do Alentejo com a serra nas nossas costas. Ao fundo, vinhas, o plano de água de uma barragem, alguns eucaliptais flanqueando as encostas, pastagens sem fim. Percebe-se a serra de Portel no horizonte e distingue-se, a 30km de distância, a mancha branca do casario de Évora.
A vida animal é abundante, mas os reis são mesmo os cães da Maroteira, que acompanham invariavelmente os passeios em galopes entusiásticos e saltos artísticos por cima das vedações. Aliás, vale a pena deixar o aviso: se não gosta de cães, este não é sítio para si. Se gosta, fantástico. Eles estão por todo o lado e são uns pacholas. Abrir a porta do quarto logo pela manhã e ter a cabeça maciça de um rafeiro alentejano a saudar-nos de língua pendurada é todo um poema.
A primeira casa destinada a alojamento turístico começou a funcionar em 2004, na sequência das obras feitas no monte. Depois, em 2007, a casa principal também foi adaptada. Entretanto juntou-se uma terceira casa, em madeira, ali perto, mas isolada, no meio do montado, com vista para a serra. Todos os alojamentos têm kitchenette e a ideia é proporcionar o máximo de autonomia a quem aqui pernoita. Reservando de véspera, o pequeno-almoço é entregue à porta e quando o calor aperta imagina-se que a piscina seja um bálsamo irresistível.
Por agora, são a nobreza dos sobreiros, o colorido das flores e a omnipresença de água que desenham a paisagem e a experiência. Beleza e silêncio, saudados lá do alto por um arco-íris duplo.

Herdade da Maroteira
Caixa Postal 267, Aldeia da Serra, 7170-120 Redondo
Tel: 911 760 486 / 266 909 823
Mail: info@maroteira.com
Web: www.maroteira.com
A herdade dispõe de três casas para alojamento, duas no núcleo do monte e outra, de madeira, no meio do montado. Os preços oscilam entre os 75 euros por noite (casa de madeira, época baixa, mais de três noites) e os 160 euros (casa principal, época alta, só uma noite). O pequeno-almoço (7,5 euros por pessoa), as refeições (20 euros por pessoa) e o cesto de boas-vindas (20 euros) são extras. A prova de vinhos custa seis euros por pessoa. Há passeios a pé e de jipe (organizados pela Corktrekking – jose.inverno@maroteira.com; 962 831 053) a preços entre os 25 e os 35 euros. Depois de um ícone arquitectónico e de um mergulho na paisagem, o roteiro completa-se já nas planuras junto a São Miguel de Machede, num produtor de grande dimensão. A Casa Agrícola Alexandre Relvas (CAAR) fez em 2017 mais de cinco milhões de garrafas, a partir dos 150 hectares de vinha própria e outros 250 de produtores a quem compra uva. É um crescimento verdadeiramente exponencial desde que foi criada: em 2003, foram 24.000 garrafas…
Mas esta presença maciça no mercado não tem correspondência com a sua estratégia no enoturismo. Na Herdade da Pimenta, uma das três da empresa (as outras são a Herdade de S. Miguel, ali ao lado, e a Herdade dos Pisões, na Vidigueira), tudo está preparado para receber com atendimento personalizado – e isso não se coaduna com a presença de grandes grupos. Aposta-se, essencialmente, num cliente mais conhecedor e interessado, na sua maioria estrangeiros. Em 2017, este perfil significou cerca de 1.400 visitantes, a que se juntam mais 900 participantes em eventos de cariz público (como concertos na vinha), que a CAAR faz questão de organizar com regularidade.
A prova, confirma-se, é o momento alto da visita. Andamos pela adega ao longo de passadiços de metal, vimos cubas de inox, talhas de barro, barricas de madeira, prateleiras onde se faz o arquivo das colheitas. Ficamos a saber que há bicicletas para passear na vinha e roteiros organizados para visitar as duas herdades e confirmar as diferenças entre elas – uma pista é logo dada pelas colunas transparentes à entrada com amostras do solo de cada uma das propriedades da empresa. Mas é a prova que a memória retém com mais intensidade.
O “cardápio” contempla uma série de opções, incluindo, em breve, uma prova cega que promete ser desafiante. Instalados numa das mesas do grande átrio de entrada (enquanto vemos os trabalhos para a instalação de uma esplanada no jardim central do edifício), entramos pelos vinhos orgânicos e de talha e seguimos pelos varietais de castas portuguesas. A conversa flui, o tempo passa sem se dar por ele. Aqui não há horários rígidos. Tinha mesmo de ser, porque o vinho é muito bom e seria pecado não lhe prestar a homenagem que merece.

CASA AGRÍCOLA ALEXANDRE RELVAS
Herdade da Pimenta, 7005-752 São Miguel de Machede
Tel: 917 295 358 / 266 988 034
Mail: enoturismo@herdadesaomiguel.com
Web: www.herdadesaomiguel.com
GPS: 38º38’26.5’’N / 7º44’25,9’’W
A adega está aberta aos dias de semana, entre as 10 e as 17h; visitas noutros horários, ao fim-de-semana ou feriados requerem marcação antecipada. A visita com prova de três vinhos + snack custa 10 euros; o preço sobre para 20, 30 ou 40 euros noutras modalidades de prova (cinco vinhos; castas portuguesas; vertical de cinco colheitas). Os programas customizados começam em 30 euros por pessoa.

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Isto de andar na estrada de enoturismo em enoturismo gasta muito “combustível”. Por isso, nada como atestar regularmente o depósito numa das muitas “estações de serviço” para humanos que a região tem para oferecer. Nesta região da serra d’Ossa, ficam duas sugestões, ambas com o selo da autenticidade e o bónus da simpatia de quem recebe. No Redondo, recomenda-se o Porfírios’s, ali a 50 metros da entrada do castelo. Mais para a serra, na Aldeia da Serra d’Ossa, fica o Serra d’Ossa, à beira da estrada. Dois bons exemplos de que o Alentejo genuíno ainda respira simplicidade. E é delicioso.
PORFÍRIOS’S
Rua de Montoito, 59 e 61, Fra. A, Redondo; 963 336 675/266 909 737; www.porfirioss.webnode.com
SERRA D’OSSA
Rua Principal, 77, Aldeia da Serra d’Ossa; 266 909 037; coordenadas: 38.70986 / -7.565567

Edição nº12, Abril 2018

O Vale no topo do mundo vinícola

Edição nº11, Março 2018 Napa Valley Desde a primeira vinha plantada com fins comerciais, em 1858, que Napa Valley amadurece num plano superior. Passou pela filoxera, pela Lei Seca e pela Grande Depressão. A recuperação destes reveses gerou uma das regiões vinícolas e enoturísticas mais distintas e lucrativas à face da Terra. TEXTO Marco Cerdeira […]

Edição nº11, Março 2018

Napa Valley

Desde a primeira vinha plantada com fins comerciais, em 1858, que Napa Valley amadurece num plano superior. Passou pela filoxera, pela Lei Seca e pela Grande Depressão. A recuperação destes reveses gerou uma das regiões vinícolas e enoturísticas mais distintas e lucrativas à face da Terra.

TEXTO Marco Cerdeira Pereira
FOTOS Marco Cerdeira Pereira e Sara Wong

Tenha em mente que estamos a abordar uma zona realmente virtuosa dos EUA. Outro vale, o de Silicon, e as suas incontáveis multinacionais multimilionárias situam-se a meros 150 quilómetros para sul. Adaptado à área ideal em termos geológicos e meteorológicos, o vizinho Napa Valley provou-se prodigioso a condizer.
O momento da confirmação foi uma prova de olhos vendados do Paris Wine Tasting de 1976. Vários rótulos franceses há muito reputados estavam em competição. Quatro deles, Chardonnay, foram batidos pelo vencedor Chateau Montelena Chardonnay de Calistoga. Dois outros Chardonnay dos EUA ficaram nos quatro primeiros lugares. Já o Cabernet Sauvignon Stag’s Leap Wine Cellars derrotou quatro contendentes franceses. Com este resultado, os vinhos dos Estados Unidos conquistaram também um respeito mundial que não mais viriam a perder. Boa parte do mérito pertenceu ao privilegiado Napa Valley.
O solo deste vale californiano ascende de forma suave desde o nível do mar do oceano Pacífico, a Oeste, aos meros 110 metros do sopé do Monte Santa Helena. Delimitam-no uma tal de cordilheira Mayacamas e a, a Leste, a vertente setentrional das Montanhas Vacas. Para sul, esse mesmo solo é feito de sedimentos acumulados por sucessivos avanços e recuos de uma baía baptizada San Pablo. A Norte, inclui uma boa percentagem de lava e cinza legadas pela mesma actividade vulcânica que produziu os outeiros comedidos no âmago da região.
Sem surpresa, a meteorologia de Napa Valley varia consoante a morfologia do terreno e das influências geográficas complementares. O lado Sul é aberto ao oceano e mais fresco durante a época de crescimento das uvas. A secção norte, fechada pelo terreno, é muito mais quente. O Leste, apartado das tempestades invernais pelas montanhas e colinas do Oeste, prova-se mais árido. E toda esta diversidade meteorológica, orológica e de composição de solos de Napa há muito que proporciona aos bons enólogos uma base criativa inesgotável.
Em Napa Valley, a produção comercial de vinho pioneira teve início em 1858, às mãos de John Patchett. Várias adegas familiares aproveitaram a boleia. As primeiras medalhas de ouro foram conquistados pela adega Inglewook, hoje propriedade de Francis Ford Coppola e família. Era a única na região dedicada a produzir vinhos estilo Bordeaux. Arrecadou as medalhas na Feira Mundial de Paris de 1889. Daí em diante, mesmo se a casta mais disseminada se mantinha a Zinfandel, a produção vinícola de qualidade pegou de estaca no vale.
No final do século XIX, as adegas eram já 140. Dessas produtoras, hoje seculares, várias continuam a maturar os seus vinhos: Charles Krug, Mayacamas, Beringer, Beaulieu, Markham Vineyeards e outras. E isto apesar de os tempos que se seguiram lhes terem reservado uma sequência de sérios revezes.
Na aurora do século XX, a filoxera destruiu muitas das vinhas. A Lei Seca (Proibição) de 1920 encerrou as adegas que não conseguiram justificar a sua actividade com uma falsa produção de vinho sacramental. A fechar uma era catastrófica, a Grande Depressão instalou-se nos EUA e atrasou ainda mais o desenvolvimento vinícola da região.

Vinho e Clark Gable

A Beringer Vineyards foi a primeira adega a reagir. Convidou os participantes na Golden Gate International Exhibition a visitar a sua propriedade e, ao mesmo tempo, uma série de vedetas de Hollywood, em que se incluiu o carismático Clark Gable. Esta acção promocional de 1939 é, ainda hoje, considerada a origem do turismo ennológico que sustenta parte da economia de Napa Valley. Daí em diante e sobretudo após a II Guerra Mundial, várias personalidades contribuíram para o estrelato que esta região vinícola ostenta: Timothy Christian, da Christian Brothers; ou o hoje icónico Robert Mondavi, que se separou da adega da família Charles Krug Estate e fundou a sua própria em Oakville.
Nos anos 80 – já no rescaldo do sucesso surpreendente do Judgement of Paris, como ficou também conhecido o emblemático Paris Wine Tasting – uma praga moderna de filoxera assolou o vale. Foi o pretexto de que precisavam cerca de três quartos dos proprietários para dotarem as suas vinhas de castas mais bem adaptadas aos cerca de trinta solos distintos e ao clima da região. Essa reacção e o facto de, a partir do ano 2000, empresas norte-americanas e internacionais de monta terem começado a comprar pequenas adegas, vinhas e marcas propulsionou o desenvolvimento ímpar de Napa Valley.
Nos dias que correm, o Napa Valley alberga cerca de 475 adegas e, destas, 95% são familiares. Em Napa, 700 produtores distintos cultivam diversas castas que dão origem a mais de 1000 marcas de vinho. Entre as castas destacam-se Cabernet Sauvignon (47 por cento da área), Chardonnay (15%), Merlot (11%), Pinot Noir (6%), Sauvignon Blanc (6%) e Zinfandel (3%). Os vinicultores, por sua vez, dividem-se por 16 sub-regiões que ocupam 17.500 hectares (175 km2) de vinhas. Muitos deles criam os seus vinhos como parte dessas sub-regiões específicas ou, em alternativa, resultado de uma mixagem de uvas cultivadas em diferentes sub-regiões do vale e das vertentes que o delimitam. Por norma, quando empregam uvas de duas ou mais sub-regiões, usam a denominação Napa County, em vez da mais abrangente Napa Valley AVA (Área Viticultural Americana).
A quantidade de combinações entre os terroirs peculiares do vale com cada uma das suas envolventes meteorológicas e climáticas e as castas usadas gera uma miríade de possíveis acentuações, aquilo a que o escritor Matt Kramer chamou de “somewherenesses” (lugaridades) vinícolas que cada “rótulo” de Napa Valley contém e que revela ao apreciador. Se concordarmos em considerar a Cabernet Sauvignon a casta-rainha de Napa Valley e a isolarmos em diversos lugares, de cada um deles desvendaremos vinhos saborosos, apimentados e defumados, se provenientes de vinhas das zonas mais montanhosas como o Stag’s Leap District e a Howell Mountain; ou opulentos, frutados, com tons de amora e de moca, se oriundos das terras mais baixas do vale.

Cabernet, Merlot, Chardonnay…

Os Cabernet Sauvignon mais prodigiosos de Napa Valley são tão bons ou melhores do que os vinhos sublimes de Bordéus. Se ainda tiver dúvidas, prove, por exemplo, os seguintes: Inglenook Rutherford Rubicon 2012, Cain Five Spring Mountain 2011, Spring Mountain Vineyard 2010, Laura Zahtila Vineyards 2007, Corison Cabernet Sauvignon 2006.
Merlot é a segunda casta tinta do vale. Como as restantes, beneficia da diversidade local dos solos e das práticas de cultivo evoluídas. Por si só, esta casta dá origem a alguns vinhos leves, encorpados e repletos de textura, que, snobismos vinícolas à parte, são aptos a acompanhar refeições como qualquer Cabernet Sauvignon faria. É o caso, por exemplo, do Cakebread Cellars 2013, o Duckhorn Vineyard 2013 e o Ridge Estate Merlot 2013.
Quanto aos brancos, o Chardonnay é de longe o predominante. Foi tornado famoso por enólogos que, mesmo partindo de fortes traços pessoais, confluíram numa direcção: restrição do carvalho, do açúcar e da manteiga por forma a deixar as frutas (principalmente os citrinos) resplandecerem em vinhos perfeitos para refeições. Entre os bons exemplos contam-se: Grgich Hills Estate 2013 Paris Tasting Commemorative. O’Shaughnessy Estate Winery 2014, Clos Pegase 2014 Mitsuko’s Vineyard Los Carneros, Anderson’s Conn Valley Vineyards 2013.
Esta diversidade e excelência vinícola e a tradição e dinâmica turística conseguida desde o convite a Clark Gable levaram a outra expressão de sucesso. Quase 4,5 milhões de pessoas visitam Napa Valley todos os anos. O vale destaca-se, assim, como um dos destinos californianos mais populares, com uma indústria turística que gerou, em 2016, quase dois mil milhões de euros de lucro.
Quase 90% do vinho produzido nos EUA tem origem na Califórnia. Cerca de um terço desta percentagem avassaladora são vinhos com origem em Napa Valley. Cinquenta por cento dos vinhos californianos que custam mais de 15 dólares são de Napa Valley. O retorno médio de uma tonelada das uvas de Napa Valley é de 3600 dólares, enquanto que a região dos Estados Unidos que se segue, a vizinha Sonoma, só atinge os 2200. Uma única garrafa de Screaming Eagle Cabernet Sauvignon pode custar para cima de 2000 dólares.
Sem surpresa, em 2016, a indústria vinícola do vale chegou a um impacto financeiro local de 13 mil milhões dólares. No que diz respeito ao P.I.B dos E.U.A., esse impacto ultrapassou os 50 mil milhões de dólares. O vinho e o enoturismo de Napa dão emprego a 46.000 pessoas só no vale. Em termos nacionais, o número passa os 300.000 empregos.
A reputação superior conquistada ao longo do tempo por esta zona demarcada dos Estados Unidos justifica sem mácula o valor incrível a que ascendeu e a reputação superior dos seus rótulos.

GUIA DE VIAGEM

Como ir

Pode viajar para São Francisco com a Star Alliance www.staralliance.com numa combinação de voos da TAP www.flytap.com e da American Airlines www.aa.com via Londres e Chicago. Os preços começam nos 900 euros. De Frisco, uma hora de carro é suficiente para chegar a Napa Valley.

Onde Ficar

Napa Valley está dotado de cerca de 70 hotéis, resorts, pousadas e B&B. Não espere do vale o mesmo acesso democrático às adegas e ao alojamento que as regiões vinícolas australianas concedem aos visitantes.

Sugerimos-lhe:

Sem Olhar a Gastos:
Calistoga Ranch (Auberge Resort)
www.calistogaranch.aubergeresorts.com
Intermédio:
Carneros Resort & SPA
www.carnerosresort.com
Mais Acessível:
Craftsman Inn
www.craftsmaninn.com

Adegas a Não Perder

Algumas das mais famosas – Mondavi (robertmondaviwinery.com),Opus One (opusonewinery.com), Beringer (beringer.com) e Beaulieu Vineyards (bvwines.com) foram adquiridas por enormes grupos empresariais e tornaram-se mais comerciais e provavelmente demasiado procuradas.
Outras adegas – como a Frogsleap Winery (frogsleap.com) propuseram-se a desenvolver vinhas sustentáveis e produzem os seus vinhos de forma orgânica e com recurso apenas a energia solar.
Ou – caso da cliffledevineyars (cliffledevineyars.com) – combinam vinho e arte e complementam a oferta da sua adega com galerias de arte moderna e jardins com esculturas.
A de Francis Ford Coppola (www.francisfordcoppolawinery.com) é procurada pela curiosidade do visitante de ficar a conhecer o universo vinícola do realizador.
À parte das adegas, pode, ainda, explorar as diversas sub-regiões de Napa Valley a bordo do histórico Napa Valley Wine Train.
www.winetrain.com

INFORMAÇÕES ÚTEIS

Documentos

Para viajar para os Estados Unidos é necessário pedir e obter uma ESTA (Electronic System for Travel Authorization), o que pode ser feito através do site www.esta.cbp.dhs.gov. Além disso, o passaporte deve ser electrónico e ter uma validade superior a 6 meses.

Moeda

Dólar dos Estados Unidos (USA) – 1 dólar vale actualmente 0,73 euros. A maior parte dos estabelecimentos aceita pagamentos com cartão de crédito.

Indicativo

001 (para os Estados Unidos) + 707 (região de Napa Valley)

Quando ir

Qualquer altura do ano é boa para visitar a região. O estado da Califórnia, no geral, tem um clima temperado e, na zona de Napa Valley, em específico, o clima é de tipo mediterrânico.

MAIS INFORMAÇÕES

Embaixada dos EUA em Portugal
Embaixada dos E.U.A.
Avenida das Forças Armadas
1600-081 Lisboa
Tel.: + 351 21 7273300
Email: lisbonweb@state.gov

Turismo da Região de Napa Valley
www.visitnapavalley.com

Um Alentejo muito especial

Na zona de transição para as serranias de Portalegre, ali entre o regadio intensivo e zonas selvagens, recolhe-se um Alentejo muito especial. Excluídas da geometria dos grandes eixos viários, estas são terras onde encontramos a tradição no seu estado mais puro. E onde há sempre muito para descobrir. No prato, no copo, em conversa com […]

Na zona de transição para as serranias de Portalegre, ali entre o regadio intensivo e zonas selvagens, recolhe-se um Alentejo muito especial. Excluídas da geometria dos grandes eixos viários, estas são terras onde encontramos a tradição no seu estado mais puro. E onde há sempre muito para descobrir. No prato, no copo, em conversa com quem lá vive.

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga

MESMO quem não vai pela facilidade de imaginar o Alentejo como uma entidade geográfica e culturalmente una pode ser surpreendido pela paisagem e ambiente em constante mutação que encontramos por estas paragens. De Avis ao Crato vão escassas dezenas de quilómetros, mas é quanto basta para passarmos das ondulações suaves e das culturas de regadio para fragas rochosas e uma agricultura tradicional. É aqui que o Alentejo começa a soar a Beira Baixa, por terras e gentes em luta constante contra a distância.

Não há auto-estradas e nem a linha descontínua do IP2 serve de consolo rodoviário. O comboio, esse dinossauro em vias de extinção por estas paragens, serve de raspão algumas terras, mas invariavelmente com horários minimais e estações longe dos núcleos urbanos. E se é verdade que o isolamento e a pobreza carimbaram essa maravilha moderna que é um Alentejo ainda puro e preservado, então aqui temos a certeza de estar em contacto com o que a região guarda de mais puro e genuíno. Os números não deixam dúvidas: o Alentejo é enorme. Com 31.552 quilómetros quadrados, estende-se por cinco distritos (Beja, Évora e Portalegre na totalidade, mais uma parte de Santarém e a metade sul de Setúbal) e ocupa um terço do território continental. É maior do que a Bélgica, por exemplo – aliás, se fosse um país independente, estaria em 33º lugar (entre 49 estados e territórios) na lista por área.

Mas os seus 760.000 habitantes representam apenas 7,4% da população portuguesa – a densidade populacional do país é de 112,5 habitantes por quilómetro quadrado; no Alentejo, fixa-se nos 24… O cenário fica ainda mais radical quando apertamos a malha geográfica: estamos no distrito de Portalegre, o menos povoado do país, com 118.000 habitantes e uma densidade de 19,6. Avis tem pouco mais de 4500 habitantes (densidade: 7,4/km2), no Crato vivem 3700 pessoas (9,3/km2). Escusado será dizer que por aqui reinam os grandes espaços.

Pontuadas pelo casario branco das vilas e aldeias, as ondulações suaves do terreno foram em tempos terra de searas, mares de cereal banhando azinheiras e sobreiros. Mas os tempos mudaram e agora a marca mais saliente da agricultura é mesmo o enfileirar denso de olival intensivo, em regime de regadio. Num ano de seca extrema, a imensa barragem de Maranhão (capacidade máxima: 205 milhões de metros cúbicos, a oitava maior do país) aparece como uma paisagem irreal: a água resiste apenas nos canais principais e muito lá no fundo; os braços laterais da albufeira estão transformados em ermos de pedra solta, ruínas submersas durante décadas torram agora ao sol de um Verão que não acaba. Quando a chuva regressar, a paisagem voltará a alterar-se.

Herdade Fonte Paredes
Mesmo às portas de Avis, à beira da EN243 que leva a Fonteira, a Herdade Fonte Paredes é fácil de encontrar para quem chega à vila, graças à boa sinalização existente – um pormenor sempre de realçar. Adquirida em 1999 pelos irmãos Joaquim e Rui Cerejo, a geração mais recente de uma família que há muito tem no vinho um foco especial, a empresa está, aos poucos, a abrir-se para o mundo. É que, apesar do “low profile” dos proprietários e da sua filosofia de recato, a verdade é que já são mais de 100 hectares de vinha e uma capacidade produtiva projectada para breve que pode chegar ao milhão de garrafas. Aumentar a visibilidade dos vinhos Fonte Paredes, cujo mercado se distribui em proporções semelhantes entre as frentes nacional e de exportação, parece um desígnio inevitável.

Para os visitantes, a sensação mais forte de que não estão propriamente a visitar um pequeno produtor é a visão da adega. Cá de cima, do passadiço aéreo, é praticamente impossível ver o chão… o espaço está todo ocupado com depósitos de inox de capacidades diversas. A linha de engarrafamento está a funcionar e só deixamos este bulício para trás das costas quando espreitamos a sala de barricas e, depois, subimos para a sala de provas e refeições.

Antes já tínhamos passado pela loja, espaçosa e de decoração simplista, mas elegante. Cá em cima, no piso superior, a madeira impera: uma mesa comprida, longos bancos corridos, um balcão. Mas o olhar foge de imediato para o pátio exterior, onde nos podemos sentar a provar os vinhos enquanto espreitamos as vinhas, que começam logo ali, mas – e vamos descobri-lo em breve – se estendem a perder de vista.

O passeio pelas vinhas numa 4L é um clássico da oferta enoturística de Fonte Paredes. Espantosamente – ou não, para quem esteja mais familiarizado com a resistência do vetusto utilitário da Renault – só mesmo em condições muito exigentes se torna necessário recorrer a um veículo todo-o-terreno. Começamos pela vinha mais nova, plantada já em 2017 e que cresce a ritmo impressionante, rumo ao depósito de água e ao telheiro onde uma enorme mesa de mármore pode ser usada para refeições e provas ao ar livre. Daí seguimos em direcção a um dos braços da barragem do Maranhão, sempre na companhia das videiras, que se estendem numa faixa interminável até se lançarem em inclinações mais pronunciadas junto à albufeira.

Regressamos ao núcleo central da herdade. Para sermos saudados pelos rafeiros alentejanos e descobrirmos o enorme cercado onde galinhas de todas as cores e feitios convivem com patos, gansos, coelhos, pavões. Para os mais novos, descobrir ovos recém-postos na pilha de lenha pode ser um desafio aliciante. Isto é Alentejo.

HERDADE FONTE PAREDES
Morada: Quinta de Santa Ana, Apartado 76, 7480-999 Avis
Tel: 242 413 076
Fax: 242 413 077
Mail: info@herdadefonteparedes.pt
Web: www.herdadefonteparedes.pt
GPS: Latitude: 39.0431472; Longitude: -7.8747639
A loja e a sala de provas funcionam de segunda a sexta-feira (8h-12h30, 13h30- 17h). A prova, com quatro vinhos (branco, tinto e dois reserva) custa 16 euros por pessoa, mas o preço pode ser acertado em função dos vinhos pretendidos, petiscos e do número de participantes. Requer-se marcação antecipada, também exigida para os passeios nas vinhas, piqueniques e almoços ou jantares. Preço sob consulta. A reserva de caça (600 hectares) funciona entre Agosto e Fevereiro, mediante marcação prévia.

Herdade da Rocha
Fazemo-nos à estrada, para uma viagem curta mas que nos transporta até um mundo completamente diferente. Das grandes explorações agrícolas a terrenos semi-selvagens, do olival intensivo para o mato e a floresta, do terreno suavemente ondulado para fragas rochosas. Da atmosfera genuína de uma unidade agrícola para o ambiente sofisticado de um lodge exclusivo. Chegámos à Herdade da Rocha, no Crato, para nos instalarmos na Olive Residence & Suites.

A tarde vai avançada e há qualquer coisa de profundamente apaziguador na visão destas casinhas de madeira que se encavalitam no ponto mais alto da paisagem, rodeadas de vinhas e emolduradas ao longe por manchas de eucaliptal. Daqui a pouco, apreciaremos o pôr-do-sol em cima de um penedo de granito e é aí que nos assalta a sensação de que, subitamente, fomos transplantados para outro sítio. A visão da vinha cortada por afloramentos rochosos, por exemplo, lembra-nos imediatamente o Dão. Alguém disse uma vez que a zona de Portalegre é um resumo concentrado do país inteiro. E estava certo.

A envolvência natural joga a favor deste inovador e ambicioso projecto turístico, mas tudo o resto está a ser feito com preceito. Há 8 alojamentos – quatro quartos no edifício principal e quatro suítes à volta do jardim (com nomes de variedades de oliveira), onde crescem coqueiros e encontramos uma piscina “guardada” por estátuas de inspiração oriental. Uma enorme lareira sobre carris promete conforto nas noites mais frescas para quem se instale no telheiro e, caso esse argumento não chegue para nos atrair ao exterior, há sempre a Olive, o poço de mimo em forma de cadela que faz questão de receber cada visitante como um amigo do peito. E o termo visitante, aqui, não se restringe à espécie humana: a Olive Residence & Suites aceita animais.

A propriedade tem 58 hectares, dez dos quais de vinha. Ao fundo, a adega está instalada perto de duas pequenas represas (uma delas atravessada por uma ponte de madeira) e as obras continuam no interior, para criar espaços de turismo e trabalho com uma
filosofia de decoração, no mínimo, sedutora. Na encosta entre a adega e a casa dos proprietários, ligada à unidade hoteleira por um “túnel” de vinha, o verde intenso faz lembrar… sim, isso mesmo: é um mini-campo de golfe, para já com 3 buracos, serão 6 no futuro. E, uma vez que falamos de planos, avance-se desde já com o projecto de criar um grande cercado para veados, do outro lado da vinha, que ocupa uma bacia de solo fértil entre encostas rochosas.

O futuro anuncia-se cada vez mais interessante. Mas, para já, depois de passarmos pelos quartos, pequenos, mas arranjados com requinte, o que conta é isto: a atmosfera familiar de um copo de vinho bebido à volta da mesa, a música ambiente no jardim, o silêncio dos grandes espaços lá fora numa noite sem vento. Imperdível.

HERDADE DA ROCHA
Morada: Lugar Couto do Saramago, 7430-019 Crato
Tel: 910 988 603
Mail: geral@herdadedarocha.pt
Web: www.herdadedarocha.pt
Os preços dos quartos e suítes variam entre os 75 e os 150 euros. Os hóspedes têm ao seu dispor bicicletas para passeios nas redondezas e programas diversos que incluem provas de vinhos, piqueniques e, em breve, golfe. Proximamente, haverá um programa para a apanha da azeitona. Existem planos para isso, mas ainda não se servem refeições.

Fundação Abreu Callado
O leque de propostas para este mini- roteiro enoturístico por terras da barragem de Maranhão já incluiu um produtor familiar e um projecto de nicho. Em Benavila, a poucos quilómetros de Avis, encontramos o terceiro “estilo”, uma casa que aposta tudo na rusticidade. A Fundação Abreu Callado é muito mais do que um produtor de vinho: gere uma Escola Profissional e suporta um Centro de Convívio e Apoio Social, só para dar dois exemplos de intervenção na vida pública da região. E não espanta, por isso, que uma visita às suas instalações seja uma experiência que vai muito para lá do mundo dos vinhos.

À chegada ficamos logo com a sensação de estarmos num sítio especial. O complexo de edifícios, datado de 1758, exibe paredes de um branco imaculado com os lambris debruados a azul forte e estende-se graciosamente em redor de um grande pátio central, prolongando-se do outro lado da rua numa sequência de áreas de serviço recuperadas para se transformarem em espaços didáticos. Um deles é o Museu Rural, onde podemos ficar a conhecer alfaias e maquinaria de antanho, incluindo uma debulhadora Tramagal do século XVIII, que funcionou originalmente a vapor e foi depois adaptada para receber potência de um tractor, através de uma correia transmissora. É uma visão extraordinária, quase irreal, como se os seus tons pastel não pertencessem a um objecto tridimensional, mas estivessem antes impressos na parede…

Outro espaço nesta zona exterior é a Casa do Feitor, que replica a organização e o mobiliário das antigas casas rurais. Dentro de muros encontramos o Lagar, onde não se faz azeite desde 2004, mas, garantem, toda a maquinaria está pronta a funcionar; a Loja, uma antiga tulha de cereais adaptada com pormenores de decoração que reportam ao tempo em que a casa era sede de uma eguada de Lusitanos; e a Casa da Matança, que de talho passou a sala de provas, mantendo as instalações de desmancho dos porcos e os varões para pendurar os enchidos. A intervenção nestes locais procurou ser minimalista, de forma a preservar o carácter rústico das instalações, respeitando assim o seu passado.

Encontramos mobiliário, decorações e utensílios que durante gerações acompanharam a vida das pessoas – em muitos casos, quem tenha ligações familiares ao Alentejo pode mesmo fazer uma viagem no tempo… E este carácter didático associado a uma vertente emocional é, provavelmente, a melhor forma de terminar uma visita a paragens alentejanas ainda banhadas numa atmosfera de profunda e genuína autenticidade. Onde a hospitalidade é muito mais do que apenas uma palavra. Abra-se uma garrafa de vinho e deixe-se correr a conversa. Estamos quase a meio de Outubro e lá fora estão 32 graus. Parece que o tempo por aqui passa mesmo mais devagar.

FUNDAÇÃO ABREU CALLADO
Morada: Travessa Abreu Callado, 7480-228 Benavila (Avis)
Tel: 242 430 000
Fax: 242 434 284
Mail: fundacao@abreucallado.pt
Web: www.abreucallado.pt
Encerra aos domingos. As visitas às vinhas e à adega, Museu Rural, Lagar de Capachos, salas de estágio de vinhos e sala de provas durante a semana (9h-13h/15h-18h), com prova de um vinho, são gratuitas. Ao sábado, só com marcação antecipada, que se recomenda também nos restantes dias. Provas de vinhos para grupos até 15 pessoas, com petiscos regionais: entre 10 e 12,5 euros, com marcação antecipada (48 horas). Almoços para grupos (mínimo: 25 pessoas), com visita e prova de vinhos: entre 30 e 45 euros.

Ao ritmo do Alvarinho

No canto mais a Norte de Portugal, Monção e Melgaço afirmam-se como terroir de eleição da casta Alvarinho. E o vinho é o complemento perfeito para uma gastronomia carismática, tornada ainda mais apetecível pelo encantador cenário natural e pela simpatia de quem recebe. Imperdível.   TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga A GEOGRAFIA tem […]

No canto mais a Norte de Portugal, Monção e Melgaço afirmam-se como terroir de eleição da casta Alvarinho. E o vinho é o complemento perfeito para uma gastronomia carismática, tornada ainda mais apetecível pelo encantador cenário natural e pela simpatia de quem recebe. Imperdível.

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga

A GEOGRAFIA tem destas coisas. Mesmo num país tão multifacetado como Portugal, com uma enorme riqueza de gentes, hábitos, culturas e ambientes, é preciso fazer um esforço para abarcar toda a diferença entre a pequena sub-região de Monção e Melgaço e tudo, ou quase tudo o que a rodeia. Os traços de um clima mais continental na mais atlântica das regiões portuguesas são, claro, explicados pela geografia, nomeadamente pelo anfiteatro formado pelas cadeias montanhosas que isolam esta região das influências marítimas. É aqui, entre encostas graníticas e terraços de aluvião (onde encontramos calhaus rolados do que em tempos foi o leito do rio Minho) que a casta Alvarinho tem o seu território de eleição. A fama destes vinhos já tem séculos, mas num passado recente o Alvarinho parecia caído em desgraça: sendo uma planta muito pujante, requeria trabalho cuidado na vinha para controlar a folhagem, mas as suas uvas são pequenas e contêm grainhas de dimensões generosas. Ou seja, não está para grandes produções.

Só que o que lhe falta em quantidade é compensado pela qualidade e o trabalho de alguns “novos” pioneiros da região conseguiu valorizar esta casta de características nobres, susceptível de envelhecer com grande classe e moldável a diversos estilos de vinificação.

O resultado foi um rejuvenescido olhar sobre os vinhos e as uvas de Alvarinho, que hoje se contam entre as mais caras do país. E nesta vaga de reconhecimento, interno e além-fronteiras, ganhou também força a especificidade da zona de Monção e Melgaço. Numa zona do país onde as cadeias montanhosas se perfilam quase perpendicularmente ao mar, orientando os rios e criando corredores para a entrada da humidade marítima, estas duas vilas centenárias (ambas com castelos, igrejas, solares e núcleos urbanos que merecem bem a visita) estão, caprichosamente, isoladas por um circo de picos que determinam um microclima muito especial.

Esta é ponta mais a Norte de Portugal (assinalada por um marco de pedra na localidade de Cevide, Melgaço) e se fica desde já um sinal do que se segue daqui para baixo é a generosidade das gentes e a riqueza de uma mesa que só terá paralelo, em termos de variedade e identidade, com a do Alentejo. É uma terra de serras e vales, de verde e cinzento, de água e abundância. De fábulas e tradições. Fica longe, para a maior parte dos portugueses, mas é imperdível. Aqui, sentimo-nos sempre em casa. E o Alvarinho está cada vez melhor.

Quinta de Soalheiro
A marca Soalheiro está a cumprir o seu 35º aniversário e desde 1982, quando foi criada, até hoje o trajecto tem sido sempre ascensional. Novos vinhos, novas pistas, estratégias de marketing ambiciosas, enologia de pormenor, atenção aos detalhes. Hoje, é difícil falar de Alvarinho sem pensarmos em Soalheiro e há sempre uma (boa) surpresa ao virar da esquina. Ou isso ou uma promessa de novidades. E, desta vez, essa promessa está bem à vista: obras para aumentar a adega e criar um espaço mais generoso para as actividades de enoturismo.

A vista daqui é grandiosa. Sim, abaixo dos nossos pés há uma escavadora e um camião que parecem brinquedos arrebanhando terra e pedras, mas tudo o resto é bucólico e sereno. Situado num pequeno cabeço a meio do anfiteatro formado pelas montanhas que isolam esta zona, a meio caminho entre Melgaço e Monção, a Quinta de Soalheiro está rodeada de vinhas, com vista para terras de Espanha, do outro lado do rio que corre ali em baixo, camuflado pelo arvoredo. Um pouco mais ao longe, uma faixa prateada em constante movimento confirma que o rio Minho segue o seu curso por entre a névoa. Do outro lado, as serranias de Castro Laboreiro impõem a sua presença maciça.

A visita à adega e zonas de trabalho adjacentes faz-se de copo na mão. A ideia é ir percebendo os processos de vinificação à medida que avançamos e ir provando das cubas os vinhos que constituem as quatro famílias da casa, cujas especificidades ficam, assim, bem ao alcance dos sentidos. Encontramos os três tipos de depósito usados na fermentação – inox, cimento e madeira – e ficamos a conhecer mais sobre a história da empresa e da família. E, por isso, tem sempre um sabor especial perceber que o que é agora a zona dos espumantes já foi uma garagem e que foi nessa garagem que tudo começou.

Subimos para a sala de provas, decorada com fotografias do concurso organizado pelo produtor em 2017 (este ano a arte será protagonista e em breve uma das fachadas do edifício será abrilhantada com uma peça ambiciosa, cujos detalhes estão, por agora, no segredo dos deuses). Daqui é um passo até ao terraço, onde o silêncio, a névoa e o fumo das queimadas tingem a paisagem numa atmosfera de mistério. Soalheiro é vinho, mas também fumeiro. Porque logo ali em baixo fica a Quinta de Folga, a meia encosta do cabeço encimado pela adega. Em linha recta, serão menos de 300 metros, marcados em declive por terraços e vinhas (uma delas com Alvarinho em pé franco, sem enxerto). Cá em baixo, reinam os porcos de raça bísara e as instalações da quinta são usadas para eventos e refeições de grupos. Come-se o que vem da terra. E come-se muito bem. O sol já desaparece por trás das montanhas quando deixamos estas terras de excelência.

QUINTA DE SOALHEIRO
Morada: 4960-010 Alvaredo, Melgaço
Tel: 251 416 769
Fax: 251 416 771
Mail: quinta@soalheiro.com
Web: www.soalheiro.com
GPS: 42.097446, -8.309966
A quinta está aberta a visitas todos os dias excepto domingos, aos dias de semana entre as 9 e as 17h30 e aos sábados entre as 9 e as 18h30. Os programas (são seis) de visita com prova de vinho começam nos 6 euros por pessoa (8,5 com prova de vinhos na Quinta de Folga) e vão até aos 67,5 euros (70 com Quinta de Folga) da Prova Premium, em que são apresentados sete vinhos da casa. As visitas que incluam a Quinta de Folga estão sujeitas a reserva, com antecedência mínima de cinco dias e mediante disponibilidade.

Solar de Serrade
O dia amanheceu bem menos gelado do que o anterior. Hoje, sem vento, apetece caminhar um pouco antes do pequeno-almoço, o olhar perdido entre as névoas que se soltam da terra e os fiapos de nuvens ainda agarrados às encostas das montanhas que nos rodeiam praticamente por todos os lados. Ao fundo, o relógio de uma igreja faz soar as notas do seu cântico (“A 13 de Maio; na Cova da Iria…”) e a passarada parece fazer coro do cimo das árvores. O murmúrio da água a correr de uma bica completa a envolvência sonora, à medida que percorremos o jardim romântico e encaramos a fachada do belo solar do século XVII, agora em contra-luz por acção do sol nascente. Serrade é uma experiência singular.

Tínhamos chegado na véspera, já a noite descera sobre a paisagem e o frio voltava a apertar. Lá dentro, escadarias em pedra, esculturas, tapeçarias, móveis antigos, reposteiros, pinturas, lustres, tectos e piso em madeira. No quarto, simples e de mobiliário a tender para o rústico, sentimos o ambiente acolhedor do aquecimento central e surpreendemo-nos com dois pormenores: as janelas em pedra, com os chamados “bancos dos namorados”; e, na casa de banho, a enorme banheira com pés em ferro forjado.

O Solar de Serrade já teve várias vidas e já viu muita coisa. Após o 25 de Abril de 1974, a proprietária juntou alguns pertences em quatro malas e desapareceu. Anos de abandono e vandalismo transformaram o belo edifício numa ruína, onde os miúdos brincavam (fazendo fogueiras com os livros antigos…) e a pilhagem se tornou regra (até lareiras em pedra foram levadas…). Até que os actuais proprietários, que tinham adquirido a propriedade em 1981, iniciaram as obras de recuperação – decorreram entre 1991 e 1997, ano em que foi inaugurado o hotel.

São dez quartos, num cenário simultaneamente aristocrático e campestre. Para lá do jardim romântico com sebes aparadas e fontes, estendem-se linhas de arvoredo e vinhas extraordinárias amparadas em pilares de granito maciço. São 12 hectares em volta do solar (e outros 18 em propriedades nas redondezas). A menos de 100 metros do solar, a adega foi construída de raiz no final do século XX, mas a utilização de pedra da região e a traça do edifício faz empensar que se trata de mais uma recuperação.

A uma curta distância de Monção, e mesmo após o aparecimento de várias unidades hoteleiras na vila, o Solar de Serrade continua a atrair visitantes e a fidelizar clientes. Ou, melhor, amigos. Porque cada um que chega é recebido e encorajado a sentir-se em casa. E abrir uma garrafa de Alvarinho é o primeiro passo para que isso aconteça.

SOLAR DE SERRADE
Morada: Apt. 85 – Mazedo, 4950-280 Monção
Tel: 251 654 008
Fax: 251 654 041
Mail: info@solardeserrade.pt
Web: www.solardeserrade.pt
GPS: N 42.05774º , W 8.47913º
O solar dispõe de 10 quartos, entre duplos e twin, mais suítes (2). Na época alta (de 1 de Abril a 30 de Setembro, mais Carnaval, Páscoa e passagem de ano), os preços variam entre os 70 euros por noite nos quartos e os 95 da suíte principal (90 da suíte traseira); na época baixa são, respectivamente, €60, €90 e €80. Visitas à adega sem marcação entre as 8h e as 12h e entre as 13h e as 17h, são gratuitas para grupos de menos de 15 pessoas. Fora deste horário, ou para grupos maiores, solicita-se marcação antecipada.

Quinta de Santiago
Ali bem perto, a Quinta de Santiago aparece-nos como uma ilha. De um lado, a estrada e um parque industrial; do outro, mais alcatrão; abaixo, na direcção do núcleo da vila, uma urbanização recente; para Oeste, enfim, algum protagonismo da natureza, com linhas de arvoredo. Não custa imaginar que os 6,5 hectares de vinha, em solos de terraço de aluvião, sejam fortemente cobiçados pelo sector imobiliário, mas aqui mora uma família que tem um sonho e uma causa. E ambas passam pela ligação à terra.

Para além da vinha, encontramos um pomar com dezenas de árvores, uma pequena horta, a casa em pedra, uma capela, um espigueiro, outras construções de apoio. Um pouco mais abaixo, caminhando pelos carreiros pavimentados com seixos do rio, encontramos os lagos (onde há peixes e crescem nenúfares) e a nova adega, desenhada em estilo moderno mas com claras alusões ao cenário envolvente e às edificações tradicionais. Tudo isto é património – e, quase dentro da vila, pode mesmo considerar-se património colectivo desta região. Por isso, Santiago é cada vez mais sinónimo de divulgação cultural e vínica. Sente-se aqui que há uma missão a cumprir.

O projecto foi iniciado em 2009, as experiências iniciais de vinificação aconteceram em 2011 e no ano seguinte saiu o primeiro vinho para o mercado. Trabalhava-se no piso inferior da casa de habitação, onde agora se arma mesa para almoço, num cenário de verdadeiro museu (mobiliário, pipas, alfaias agrícolas e utensílios ligados à nobre arte de fazer vinho rodeiam-nos e fornecem motivos de conversa). Mas antes demos uma volta pelas vinhas (maioritariamente de Alvarinho) e passámos pelo edifício da nova adega.

Começamos pela loja, um espaço pequeno mas luminoso, onde – para além dos vinhos da casa, claro, com os rótulos ostentando o coração minhoto bordado, uma homenagem à avó – encontramos produtos criados por parceiros seleccionados: conservas, compotas, chocolates, livros… Surpresa dar de caras com o Rascunho, a novidade da quinta para 2018 e de que só se fizeram 600 garrafas. À atenção dos colecionadores. Passamos à sala de provas, aberta em grandes portas de vidro para o terraço panorâmico que paira sobre as vinhas. De um dos lados, uma abertura oval foca-nos o olhar no espigueiro tradicional, cujo visual é replicado pelo ripado vertical de uma das paredes da adega.

Rodeados de futuro por todos os lados, regressamos ao passado e à velha adega-museu. Comida sobre a mesa, copos que se enchem, espíritos à solta. E então dá-se o milagre e o tempo pára lá fora. Na Quinta de Santiago, as viagens no tempo são coisa rotineira.

QUINTA DE SANTIAGO
Morada: Rua D. Fernando, 128, Cortes, 4950-542 Mazedo
Tel: 917 557 883
Mail: wine@quintadesantiago.pt
Web: quintadesantiagoalvarinho.blogspot.pt
A quinta está aberta entre as 10 e as 18h. A prova simples (1 vinho + bolachas) custa cinco euros por pessoa e a escala de experiências na quinta progride mais três degraus até aos 15 euros por pessoa, com prova de dois vinhos + bolachas + queijo + enchidos. Os almoços ficam entre 25 e 35 euros e a opção por um piquenique nas vinhas tem o preço de 15 euros por pessoa. Na época das vindimas, as opções são meio dia ou um dia inteiro de trabalhos e rituais, com petiscos e provas, por 45 euros.

As caves do tempo

Quando, em breve, os portugueses abrirem uma garrafa de espumante para celebrar o Natal ou o Ano Novo, é muito provável que se estejam a preparar para beber Raposeira ou Murganheira, as duas marcas de topo do mercado nacional. Em jeito de preparação para estes momentos, fomos visitar as caves onde estes vinhos repousaram, abraçando […]

Quando, em breve, os portugueses abrirem uma garrafa de espumante para celebrar o Natal ou o Ano Novo, é muito provável que se estejam a preparar para beber Raposeira ou Murganheira, as duas marcas de topo do mercado nacional. Em jeito de preparação para estes momentos, fomos visitar as caves onde estes vinhos repousaram, abraçando a lenta alquimia do tempo.

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga

ESTAMOS no mês das grandes festas do Natal e Ano Novo, alturas em que será bem provável ouvir um pouco por todo o lado o “pop” mais ou menos discreto das rolhas de espumante a saltarem das garrafas. Estando em Portugal, um país com grande tradição vinícola mas escassa cultura das bolhinhas, é muito provável que esta seja, para muitos (principalmente se não viverem na região da Bairrada), a única ocasião do ano em que saboreiam este tipo de vinho, sempre especial mas ainda com tanto por descobrir.

E é uma pena, porque os espumantes reúnem um conjunto de virtudes que parece feito à medida para os ritmos e as vivências da moderna sociedade cosmopolita. São, por norma, menos alcoólicos do que os vinhos tranquilos; podem beber-se nos vários momentos da refeição (como aperitivo, com a comida, no final) e acompanham um vasto leque de pratos, incluindo sabores mais exóticos; e têm uma imagem de juventude e sofisticação. Acontece que, apesar de tudo isso, muita gente ainda não os descobriu. E isso explica o seu consumo residual: segundo dados da ViniPortugal referentes à época 2014/15, o espumante representava apenas 0,6 por cento do vinho produzido em Portugal e o consumo anual era de 0,34 litros por pessoa, contra os 41 litros por pessoa dos vinhos tranquilos. E este é ainda o único sector vinícola em que as importações superam as exportações.

A região por excelência dos vinhos espumantes nacionais é a Bairrada, terra onde nascem cerca de dois terços dos néctares nacionais com bolhinhas, mas há outra que se destaca neste campo. A pequena região de Távora-Varosa, encaixada entre o Dão e o Douro, desenvolve-se em solos predominantemente graníticos e a altitudes que oscilam entre os 500 e os 800 metros. Argumentos de peso para garantir a frescura dos vinhos-base para espumante, que aqui têm dois dos seus maiores paladinos em Portugal: a Sociedade Agrícola e Comercial do Varosa (com a marca Murganheira) e as Caves da Raposeira. Ambas fazem parte do mesmo grupo e, juntas, representam à volta de 60 por cento do mercado nacional.

É por estas terras de vales cavados e extensas cristas montanhosas que traçamos o nosso roteiro enoturístico. Para conhecermos melhor as instalações da Murganheira e da Raposeira, assim em jeito de estágio para os grandes desafios da quadra festiva que se avizinha. Tracemos então rumo para Lamego, sede dos mais populares espumantes portugueses.

Caves Murganheira
Dois números marcam desde logo as primeiras impressões à chegada. Primeiro, o de visitantes: cerca de 25.000 por ano, um total muito respeitável e que nos dá a imagem exacta do profissionalismo de quem aqui trabalha e da qualidade da experiência que nos aguarda. O segundo é ainda mais impressionante: o enorme painel de parede que representa um conjunto de flutes foi feito com 20.000 muselets, o nome das armações de arame que seguram as rolhas das garrafas… A obra de Acácio de Carvalho, professor da Faculdade de Artes do Porto, demorou quatro anos a ficar completa. E o tempo é tema central desta visita.

Estamos na sala de provas e loja, uma vasta divisão que ocupa o andar superior da adega e que se abre numa parede envidraçada para uma paisagem esmagadora, dominada pela silhueta ondulada da serra das Meadas e, mais ao longe, pela pirâmide negra e imponente do Marão. O vale que se estende à nossa frente, verdejante e salpicado de casinhas, não podia ter um nome mais sugestivo: Vale Encantado.

E, por baixo dos nossos pés, outras maravilhas nos aguardam. As caves da Murganheira foram, literalmente, arrancadas à montanha. Estamos em terras de granito azul, conhecido por ser o mais duro de todos, mas isso não demoveu os homens de aqui escavarem túneis, muitas vezes à força de explosivos – em alguns locais, são ainda visíveis nas paredes as perfurações onde foram colocadas as cargas que exploraram as falhas nesta fortaleza natural e permitiram abrir os espaços subterrâneos onde agora estagiam os espumantes que um dia teremos no copo.

O espumante faz-se com uvas, muito conhecimento técnico e… tempo. Muito tempo. E na Murganheira não se poupa em nenhum destes “ingredientes”. Dispondo de 30 hectares de vinhas próprias, distribuídas por três parcelas, a empresa faz cerca de 1,2 milhões de garrafas por ano, o que, naturalmente, implica comprar uvas a produtores da região. E são cerca de uma centena. Os vinhos não se limitam a cumprir os estágios em garrafa definidos para cada categoria; duplicam ou triplicam esses tiveperíodos, que podem ultrapassar os seis anos nalguns casos. Não espanta, por isso, que a quantidade de garrafas aqui armazenadas seja impressionante: um milhão nesta adega, seis milhões no total.

Percorremos as galerias de pedra onde a temperatura ronda os 12/13 graus todo o ano, tectos pingando água aqui e ali das “estalactites” de fungos, paredes irregulares quase invisíveis por trás das pilhas de garrafas. Antes recebemos uma lição rápida, mas recheada de pormenores deliciosos, sobre o processo de vinificação e depois acabaremos a ronda nas linhas de engarrafamento (a manual e a automática). Mas é este silêncio, esta magia da obscuridade, onde o tempo parece ter parado, que nos fica na memória.

Cá fora, de novo deixando escorrer o olhar pelo vale Encantado e pelas montanhas que o emolduram, damos uma vista de olhos pelo restaurante e acabamos a provar um espumante na sala de entrada. A conversa leva-nos até à história do rótulo do novo espumante Chardonnay, chamado Único por ser, na altura em que foi lançado, inédita a utilização desta casta para espumantização. O rótulo traz-nos de imediato à ideia o genérico dos filmes de James Bond… E é isso mesmo: este foi o vinho servido em Nova Iorque e Lisboa na ante-estreia de uma das mais recentes aventuras do espião ao serviço de Sua Majestade.

CAVES MURGANHEIRA
Morada: Abadia Velha, 3610-175 Ucanha
Tel: 254 670 185/6
Fax: 254 670 187
Mail: geral@murganheira.com
Web: www.murganheira.com
Há quatro visitas diárias (preço com prova de um espumante: 2,5 euros) que não carecem de marcação antecipada – às 10h, 11h, 15h e 16h. A marcação antecipada recomenda-se para grupos com mais de 10 pessoas e é indispensável no caso de visitas mais técnicas, que exijam a presença do enólogo, ou no caso de se pretender degustar um petisco (bola regional) juntamente com o vinho. Por marcação, e com preço sob consulta, organizam-se refeições, a cargo da equipa do chefe Rui Paula (DOP e DOC).

Caves Raposeira
Se a Murganheira fica perto de Lamego, as Caves Raposeira ficam mesmo dentro do perímetro urbano da cidade. Se na Murganheira a quantidade de vinho em estágio impressiona, na Raposeira ele esmaga- nos: aqui repousam entre 10 e 11 milhões de garrafas! Uma realidade que só muito recentemente passou a ser possível conhecer, porque o enoturismo na maior cave portuguesa de espumantes só tem três meses.

Passamos pela zona de vinificação antes de entrarmos nas caves, aqui de paredes construídas pelo homem. A cave velha existe desde o início do século XX e estende-se por baixo das vinhas, que ocupam a encosta sobranceira à adega – às uvas vindas daqui juntam-se as compradas a mais 300 produtores da região. Os anos explicarão alguma coisa, os materiais outro tanto, mas o que salta à vista é a profusão de bolores que se agarram às paredes e pendem do tecto. Numa das salas, há mais do que isso: pequenos cachos de uvas, agora completamente camuflados, lembram o tempo em que era aqui que se secavam as uvas para fazer passas – eram usadas para acompanhar as garrafas e compor um kit de Ano Novo. Foi-se a moda, ficaram os cachos mumificados em vida suspensa.

Milhões de garrafas e muitos metros de túneis depois, desembocamos num salão mais vasto, onde apreciamos maquinaria antiga antes de sairmos para o exterior e rumarmos à loja, situada num edifício exterior decorado com mesas altas e estantes de madeira com garrafas antigas, instrumentos de laboratório que já tiveram a sua época, rótulos, cartazes e outros suportes de memória de uma casa fundada em 1818.

Já de copo na mão, saímos para o terraço panorâmico, ainda e sempre a serra das Meadas e o Marão que se adivinha para lá dos prédios de Lamego. Ali à frente fica o vale do Douro, mas daqui nem se adivinha. O sol começa a baixar e o frio vai descendo sobre o vale; melhor voltar para dentro e apreciar a paisagem (e o vinho) sentados à janela, decoradas com aqueles banquinhos a que chamavam “dos namorados”. Abaixo do edifício, ouve-se correr água e um relvado promete frescura e sossego para dias mais quentes.

As vinhas, como já se disse, ficam logo ali, atrás da imponente fachada da adega, coroada com um anúncio luminoso de proporções gigantescas. E é para lá que seguimos, começando por perceber porque é que a Raposeira é das poucas casas em Portugal autorizada a usar uvas de duas regiões distintas: é que a primeira parcela de vinha, uma pequena faixa mesmo junto ao edifício, ainda fica na região demarcada do Douro. Távora-Varosa começa logo a seguir, do outro lado da estrada de terra batida.

As vinhas trepam por esta encosta de solos graníticos até à linha de cedros que marca a crista da montanha. Para lá deste bosque ficam, de um lado, os terrenos de um convento integrado no Santuário de Nossa Senhora dos Remédios (cujos pináculos se descortinam mais abaixo); e, do outro, o campo de treino dos Rangers. Em Lamego, o espumante é uma religião bem guardada.

CAVES RAPOSEIRA
Morada: Lugar da Raposeira, Apartado 9, 5101-909 Lamego
Tel: 254 655 003
Fax: 254 655 928
Mail: geral@cavesdaraposeira.com
Web: www.cavesdaraposeira.com
Há quatro visitas diárias (preço com prova de um espumante: 2,5 euros) que não carecem de marcação antecipada – às 10h, 11h, 15h e 16h. A marcação antecipada recomenda-se para grupos com mais de 10 pessoas e é indispensável no caso de visitas mais técnicas, que exijam a presença do enólogo, ou no caso de se pretender degustar um petisco (bola regional) juntamente com o vinho.

Caves Cálem: rumo ao futuro

Maiores, modernas e funcionais, interactivas. As Caves Cálem já reivindicavam o título de mais visitadas do país. Agora, após um investimento de três milhões de euros, querem ser as mais populares do mundo. O “boom” turístico no Porto alimenta as expectativas.   TEXTO Luís Francisco FOTOS Anabela Trindade O turismo no Grande Porto continua a […]

Maiores, modernas e funcionais, interactivas. As Caves Cálem já reivindicavam o título de mais visitadas do país. Agora, após um investimento de três milhões de euros, querem ser as mais populares do mundo. O “boom” turístico no Porto alimenta as expectativas.

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS Anabela Trindade

O turismo no Grande Porto continua a crescer a ritmos anuais de dois dígitos e a Sogevinus, proprietária das marcas Barros, Burmester, Cálem e Kopke, sabe que tem uma quota-parte nessa equação. Com 235 mil visitantes em 2016, as Caves Cálem, em Vila Nova de Gaia, são um dos grandes destinos turísticos da região e os investimentos feitos este ano prometem reforçar esse estatuto. Sem beliscar a tradição, a visita foi enriquecida com experiências interactivas, que fazem a ponte entre o passado e o futuro. Setembro marca o início de uma nova era na mais visitada das caves de Vinho do Porto.

Mesmo sem inauguração oficial (estava agendada para o dia 13 de Setembro, mas a celebração foi adiada, devido à morte do bispo do Porto, D. António Francisco dos Santos), o agora chamado Museu Interactivo das Caves Cálem já está a funcionar em pleno, oferecendo aos visitantes todo um novo leque de possibilidades lúdicas, que aliam o entretenimento a uma assumida vocação didáctica. As instalações foram remodeladas, criando um circuito para grupos com marcação prévia e outro para os visitantes individuais, que podem agora “entreter-se” na área interactiva do museu até chegar a hora de seguirem na visita guiada pelas caves.

E visitantes é coisa que não falta por aqui. O corrupio de gente é constante, ali mesmo a um passinho da ponte Luís I, junto ao Douro pontilhado por barcos rabelo e embarcações turísticas, o cais da Ribeira e as suas esplanadas do outro lado do rio. A fachada branca debruada a pedra, a vetusta escadaria que nos leva ao interior e o brasão sobre a entrada garantem a atmosfera de autenticidade e tradição que compõe o apelo do Vinho do Porto. Mas lá dentro a modernidade irrompe nas linhas estilizadas da recepção e em alguns pormenores de decoração.

Caso existam dúvidas, somos convidados a espreitar por duas aberturas na parede (ao nível dos olhos dos adultos e das crianças), para confirmarmos que lá dentro nos aguarda a atmosfera solene e serena das caves onde envelhecem os vinhos vindos da zona demarcada do Douro. E então somos novamente surpreendidos.

Porque o primeiro espaço onde entramos até tem as paredes e a luz “certas”, mas o resto é completamente diferente do que esperávamos. Em vez de balseiros e barricas, mapas e ecrãs interactivos, painéis e vídeos informativos, um jogo de identificação de aromas que prende a atenção de toda a gente. Passamos por um mapa tridimensional do Douro, onde podemos consultar informação sobre a orografia e alguns indicadores meteorológicos; percebemos como se estendem as raízes das videiras num painel com um corte vertical do solo de xisto; identificamos as castas tradicionais do Douro que são usadas pela Cálem nos seus vinhos; são-nos explicadas as categorias de Porto e mostradas as cores que nelas podemos encontrar. No final, quem quiser pode responder a um questionário (são três questões) e receberá por mail a imagem de uma garrafa cujo rótulo tem o nome do inquirido.

Provas, compras e… fado
Por razões logísticas, este espaço não está integrado no circuito dos grupos organizados, a quem são proporcionadas experiências e informações similares mas num registo diferente. A partir daqui, a visita é semelhante, com as caves, a sala de provas e a loja no itinerário. E se é verdade que a grande novidade é mesmo a zona interactiva, também há muito para descobrir no resto do trajecto.

Começamos pelo enorme balseiro onde podemos projectar um conjunto de dados que seleccionamos num ecrã. Conhece os níveis da água no historial das cheias do Douro? Qual é a capacidade deste depósito em madeira? Quanto tempo demora a ser feito? E sabia que lá dentro cabe… bom, o melhor é mesmo cada um descobrir por si. Mais à frente encontramos um ecrã onde podemos aprofundar o nosso conhecimento sobre as famílias e tipos de Porto.

Uma elegante escadaria conduz-nos a um andar superior, criado especialmente para albergar a nova sala de provas, multifuncional graças às divisórias que podem ser corridas entre as filas de mesas, criando espaços maiores ou mais pequenos conforme as necessidades. A lotação total é de 210 pessoas, mais 100 do que no espaço anteriormente existente, junto à loja.

E é mesmo para a loja que descemos. Cresceu, claro, aproveitando o espaço deixado vago pela construção da nova sala de provas – com 283 metros quadrados, passou a ter o dobro da área. Mas, essencialmente, modernizou-se e adoptou uma filosofia extremamente “user friendly”, dividindo os vinhos por expositores temáticos. Os vinhos provados na visita, os mais premiados, os mais vendidos, os Tawnies Velhos, os Vintage, os Porto Branco… Enfim, aqui ninguém se perde nem deixa de comprar por não encontrar o que procurava. Gadgets, T-shirts e pequenas ofertas completam o lote de artigos expostos.

Os circuitos normais terminam aqui e somos devolvidos às margens do Douro com a sensação de termos feito uma verdadeira viagem no tempo. Mas há programas que prolongam a visita, levando-nos a conhecer ainda um outro espaço inédito: a sala de provas especiais, onde podemos apreciar harmonizações de Porto com diversos tipos de comida e, até, vibrar com uma sessão diária de fado. As reacções do público – que diferem conforme as origens e nacionalidades – dariam um verdadeiro tratado sociológico e não se espante se por lá encontrar japoneses a cantar “em português”…

O Porto continua a crescer como destino turístico e as caves de Vinho do Porto são uma das experiências mais marcantes da oferta local. Projectos como a anunciada Cidade do Vinho, da Fladgate, propõem-se capitalizar e reforçar essa identificação entre a cidade e o vinho, uma aposta que também explica o investimento feito agora pela Sogevinus nas caves Cálem. O objectivo assumido é passar dos 235 mil visitantes anuais que lhe dão o título de “campeã nacional” (o Bacalhôa Budha Éden, na Quinta dos Loridos, recebe mais turistas, mas o foco principal não é o vinho), para mais de 300.000, o que permitiria destronar a chilena Concha y Toro e tornar-se a adega mais visitada do mundo. O céu é o limite.

 

MUSEU CALÉM
Morada: Av. de Diogo Leite, 344, 4400-111 Vila Nova de Gaia
Tel: 223 746 660 / 916 113 451
Fax: 223 746 699
(Taberna da Adega: 919 001 166)
Mail: turismo@sogevinus.com
Web: www.sogevinus.com
GPS: Latitude: 41º; 8’17.51”N; Longitude: 8°36’39.32”O
As caves estão abertas todos os dias excepto 25 de Dezembro e 1 de Janeiro, das 10h às 19h (fecho às 18h de Novembro a Abril). O bilhete standard custa 10 euros (crianças: grátis; dos 11 aos 17 anos: 5 euros), incluindo museu interactivo, visita guiada às caves e prova de dois vinhos; com upgrade para três vinhos passa a 15 euros. O bilhete que inclui a sessão de fado (ao final da tarde) fica por 21 euros. Informações em tour.calem.pt e reservas on-line em byblueticket.calem.pt.

Tapada de Coelheiros: A paixão pela planície

Foi de repente. Como todas as paixões à primeira vista. Entre ver e comprar pouco tempo mediou. Depois de muito viajar, este casal de brasileiros decidiu que não precisava de procurar mais. E ficou. Há assim vida nova nos Coelheiros. Com Luís Patrão no comando técnico, a Tapada vai renovar-se sem perder a identidade.   […]

Foi de repente. Como todas as paixões à primeira vista. Entre ver e comprar pouco tempo mediou. Depois de muito viajar, este casal de brasileiros decidiu que não precisava de procurar mais. E ficou. Há assim vida nova nos Coelheiros. Com Luís Patrão no comando técnico, a Tapada vai renovar-se sem perder a identidade.

 

TEXTO João Paulo Martins FOTOS Ricardo Palma Veiga

NUMA extensa área de 800 hectares cabe quase tudo, mas nos Coelheiros há uma atractiva diversidade que cativou os actuais donos logo na primeira visita que fizeram, em 2015. Gabriela Accioli, de ascendência italiana, e Alberto Weisser, com antepassados suíços e alemães, queriam mudar-se para a Europa e Portugal sempre tinha sido uma hipótese. Mas foi quando começaram a viajar pelo interior que perceberam que havia muito mais do que Lisboa e Algarve para conhecer. E foi assim que souberam de um monte que estava à venda na zona de Igrejinha, Arraiolos, e resolveram visitar. Coelheiros era perto e da visita nasceu a atracção.

Viram e gostaram, sobretudo da diversidade e do potencial dos Coelheiros. A maior parte da propriedade está em montado de sobro e por lá se passeiam veados e gamos – cerca de 130 – e 700 ovelhas. Existem também 40ha de nogueiras, um sonho concretizado da anterior proprietária Leonilde e, claro, 50ha de vinhas. Foi esta variedade e dimensão que tornaram a decisão de aquisição mais fácil. Depois de muito viajarem, de terem vivido muitos anos em Nova Iorque, Alberto e Gabriela resolveram que precisavam de um poiso, de um local que fosse ao mesmo tempo tranquilo mas não demasiado longe da grande cidade e do aeroporto, uma vez que Alberto ainda tem de viajar com alguma frequência. “Aqui é o local onde já durmo mais noites, é assim que eu conto. E irá ser cada vez mais no futuro.”

As paixões eram várias, a do vinho é comum, ele tem uma fixação quase obsessiva por queijos e Gabriela confessa mesmo: “Sonho com comida, sou louca por gastronomia.” Melhor se compreende assim a “química” que se estabeleceu entre eles e a herdade. A produção biológica e a apicultura são projectos a curto prazo. E Gabriela, com os conhecimentos que tem no mundo da cozinha, irá animar os Coelheiros com convidados, workshops e o que mais adiante se verá.

Renovação em marcha
O interesse pelo vinho encontrou também aqui razões de sobra para a compra. Sempre são 50 hectares de vinha, o que já é uma dimensão bem interessante. Destes, 30 estão em produção, 10 foram arrancados, sobretudo por razões de doenças de lenho, e outros 10 foram já plantados de novo. Foi feita a zonagem da vinha e identificadas quatro zonas distintas, sempre num solo de base granítica mas com variações que agora são levadas em conta nas novas plantações.

As primeiras vinhas foram aqui plantadas em 1982 (antes disso apenas havia pecuária e cereais) por Joaquim Silveira, então proprietário, e António Saramago, enólogo e responsável pelos vinhos até à entrada de Luís Patrão. Luís veio do Esporão, onde trabalhou com David Baverstock, e comanda agora os destinos técnicos da herdade, com o conselho de António Saramago, que assegura: “O futuro tem de ser assegurado e por isso a contratação do Luís é muito positiva.” Continua amigo da casa e é visita sempre bem recebida. Os coelhos, que deram nome à propriedade, eram criados para depois serem largados na propriedade para caça, mas foram abatidos após uma terrível febre hemorrágica que os dizimou. A criação não foi retomada.

Emblemática na propriedade é a vinha de Cabernet Sauvignon, cujos garfos vieram de Margaux, e que ocupa actualmente 4 dos 8ha daquela casta. Chegarão até aos 10ha de Cabernet. Na vinha existe também Alicante Bouschet, Petit Verdot, Trincadeira, Aragonez, Merlot e, mais recentemente, Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Miúda. Já nos brancos vai haver mudanças: o Chardonnay foi arrancado e a última colheita foi o de 2016. “Não creio que seja uma casta interessante para este solo e clima”, diz Luís Patrão. Arinto e Roupeiro são as castas clássicas mas agora têm também Antão Vaz e Verdelho.

O portefólio vai sofrer grandes mudanças. Vão acabar quase todas as marcas, ficando apenas as clássicas, Tapada de Coelheiros (normal e garrafeira), uma segunda marca Coelheiros e vinhos com nome de vinha – o primeiro será o Vinha do Taco. O Garrafeira passará a ter mais estágio em cave e o 2012 só deverá sair em 2019.

Na adega íamos gelando na câmara de fermentação de vinhos brancos em cascos de 500 litros. A filosofia passa pela utilização cada vez maior de barricas usadas, procurando obter vinhos mais frescos e menos marcados pelo carvalho. Falando em quantidade, Coelheiros passará a representar 150.000 a 200.000 garrafas, em vez das 400.000 que tinha antes (com muito vinho adquirido fora). Na cave de estágio de tintos, além das barricas de 500 litros há também tonéis (foudres) austríacos da marca Schneckenleitner. Os vinhos tintos terão assim 6 meses de estágio em barrica e um em tonel. A vindima deste ano foi, como em todo o lado, muito precoce: começaram a 16 de Agosto e terminaram a 28; no ano passado começaram a 28 de Agosto e terminaram a 22 de Setembro. Coisas do clima.

Ao balcão do Botequim
Conheci os actuais donos dos Coelheiros por acaso. Eu estava em Évora em 2015 a fazer as provas para o meu guia de vinhos de 2016 e fui almoçar a um dos meus locais preferidos, o Botequim da Mouraria. Muito difícil de arranjar lugar já que apenas tem balcão e são uns 8 lugares disponíveis. O facto é que naquele dia consegui. Na ponta do balcão estava um casal de brasileiros. Como é muito fácil haver conversas cruzadas entre todos os convivas, logo o senhor da casa informou quem eu era e a conversa pegou. “Oi cara, que te parecem as vinícolas por aqui? Nós gostamos de visitar, tem alguma sugestão?” Não lembro já o que referi, mas foram eles que avançaram: os Coelheiros valerá a pena a visita? Sim, claro, terei respondido, disse que conhecia bem, que já tinha visitado, que era uma propriedade já com uma história para contar. Gostaram do que ouviram mas, em boa verdade, não teria sido necessário o meu conselho porque, soube no dia seguinte, tinham fechado a compra de Coelheiros no dia do nosso encontro. É claro que o segredo é a alma do negócio mas esta história estava bem viva na memória dos dois que, logo que me viram, lembraram que já nos conhecíamos do Botequim. Só em Évora.

Vinhos degustados
A prova que fizemos durante a visita não foi muito extensa em virtude do encurtamento do portefólio. A marca Coelheiros em branco tem agora 3.000 garrafas mas no futuro próximo passarão a ser entre 8.000 e 10.000. Cerca de 70% do mosto fermenta em inox e o restante em barrica nova. No futuro aponta-se para o uso da barrica usada de 500 litros e apenas 10 a 20% de barrica nova. Fermenta em câmara frigorífica. No Tapada de Coelheiros branco há a pretensão de o ter 8 meses em barrica e um ano em garrafa. Assim, o da colheita de 2017 apenas irá para o mercado em 2019. O de 2016 foi totalmente fermentado em barrica nova de 500 litros. O Chardonnay 2016 é editado pela última vez, também ele totalmente fermentado em barrica nova.

Nos tintos temos um Coelheiros com 12 meses de estágio em barrica usada. A produção é de 10.000 garrafas mas a pretensão é chegar às 50.000. Os tintos provêm todos de vinhas de sequeiro mas no futuro haverá uma Touriga Nacional regada (já plantada). No tinto Tapada de Coelheiros temos Cabernet Sauvignon e 40% de Alicante Bouschet, com uma produção de 35.000 garrafas. Do Vinha do Taco estão em estágio os 2012, 14 e 16. Produção limitada a 3.600 garrafas. Esta chegada tardia ao mercado é intencional. O Garrafeira será lançado apenas em 2019. A distribuição em Portugal está entregue à Heritage Wines e no Brasil é assegurada pela Mistral.

Ir à Terceira e voltar

Fomos aos Açores “mergulhar” na colecção de um terceirense amante dos vinhos. Não “limpámos” a garrafeira (são demasiadas garrafas), mas provámos algumas dezenas que já ninguém sabia exactamente em que condição poderiam estar. E tivemos boas surpresas.   TEXTO João Paulo Martins FOTOS DR CONHECI António Maio há alguns anos num evento de vinho e […]

Fomos aos Açores “mergulhar” na colecção de um terceirense amante dos vinhos. Não “limpámos” a garrafeira (são demasiadas garrafas), mas provámos algumas dezenas que já ninguém sabia exactamente em que condição poderiam estar. E tivemos boas surpresas.

 

TEXTO João Paulo Martins FOTOS DR

CONHECI António Maio há alguns anos num evento de vinho e desde logo se criou um clima de cumplicidade vínica que tem durado até hoje. Desde então já orientei várias provas na ilha Terceira para consumidores locais e descobri mesmo que alguns deles eram meus velhos conhecidos cujo paradeiro desconhecia. À sua volta António foi juntando um conjunto de amigos que, de simples apreciadores, ganharam coragem para ir mais longe, saber mais e ter um prazer extra na prova dos vinhos. O gosto de António, esse, não é tão antigo assim, já que durante anos e anos a enofilia não lhe dizia muito, apesar de vir de uma tradição familiar onde o vinho estava presente. O pai tinha uma pequena vinha onde cultivava vinho de cheiro (o chamado “americano”), que depois vendia para o Pico, mas aquele vinho não lhe agradava e por isso não bebia. O facto de o vinho avinagrar ao fim de poucos meses também não ajudava. As caixas das prendas natalícias iam-se acumulando e… nada, até aos 35 anos pode dizer-se que era abstémio.

Foi com a viragem do século e o surgimento das grandes marcas que hoje povoam o nosso imaginário que António começou a beber e a gostar. Nasceu então o gosto do coleccionismo, a vontade de ter todas as edições dos grandes vinhos, do Barca Velha ao Vale Meão, do Vinha Maria Teresa ao Chryseia. O gosto pelas colecções e a cave foram aumentando, bem mais do que o consumo aconselhava. Mas esse tempo já passou e hoje já não é por aí que António quer seguir; parou de comprar em quantidades, embora mantenha o gosto de ter as colecções completas. A disponibilidade de espaço que tinha ajudou ao vício e as caixas de vinho multiplicam-se em todos os cantos da casa.

E agora? Que fazer?
António não nasceu para negociante de vinhos e por isso não compra com o intuito de vender. Mas não esconde o desejo de um dia poder abrir com os filhos um wine bar em Angra onde possa escoar muito do vinho que tem em cave, que estima poder rondar as 9.000 garrafas. Mas como isso é ideia associada à reforma, o assunto vai ter de esperar mais uns anos. O vinho, esse, pelo que vimos, vai aguentar bem a prova do tempo porque está quase todo guardado em ambiente frio e o próprio clima ameno da ilha ajuda a que a evolução seja lenta mesmo para as caixas que não estão na cave fria. Foi aqui que andámos, por sugestão do próprio, a juntar um conjunto de vinhos para a prova que decorreu no mês de Agosto em sua casa. Todos de férias, tempo agradável e clima a pedir a reunião de amigos para a prova.

Sabia que…
Se não tiver boas condições de guarda, não vale a pena armazenar os seus vinhos durante muito tempo

António começou por apreciar sobretudo tintos, mas considera-se agora cada vez mais brancófilo e é com orgulho que diz que foi grande contribuinte pelo gosto do Vinho do Porto que agora existe por aquelas paragens insulares. Ele próprio não perde uma grande prova aqui em Lisboa, tirando partido das muitas viagens que por razões profissionais tem de fazer ao continente. O gosto também foi mudando e agora é o equilíbrio que mais o seduz num vinho; ganhou, entretanto, o apreço pelos vinhos velhos e alguns deles foram também provados nesta ocasião. Quanto aos vinhos pelos quais tem mais carinho e que considera mais valiosos não hesita em referir a colecção completa dos Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa (também em jeito de homenagem à sua mulher, Teresa). Nos vinhos do Porto ficaram-lhe dois na memória: o Constantino Colheita 1910 e o Ramos Pinto 1924. Madeiras? Aqui António não hesita: o Blandy’s Bual 1920. De caras! Responde de imediato.

E quanto aos néctares da Terceira não tem dúvidas: a vinda de Anselmo Mendes para os Biscoitos orientar a produção é uma oportunidade para que os vinhos ganhem outra dimensão.

Uma prova e tanto
De Lisboa fomos três: Luís Lopes, Nuno Oliveira Garcia e eu próprio. Da lista inicial proposta acabámos por seleccionar alguns que mais raramente temos provado no âmbito das nossas provas temáticas. Não fomos felizardos com alguns vinhos por apresentarem problemas de rolha, uma percentagem muito mais elevada do que o habitual, atribuível, creio, a um mero acaso. Ainda assim, foram 36 vinhos que se mostraram bem, ainda que em patamares de qualidade muito diversa. Dos anos 70 sobrou apenas um Colares Viúva Gomes 1974, mas já muito débil. Outros que tinham sido re-rolhados estavam cheios de problemas de gosto a rolha (TCA). Nos anos 80 tivemos um pouco mais de sorte com um Quinta do Carmo Garrafeira 87 em grande, grande forma, um Aliança Garrafeira 1985 ainda vivo e um Reserva 85 João de Santarém da Adega Cooperativa de Torres Vedras, magro e muito débil, uma mera curiosidade. Bem melhor a prestação dos anos 90 com três vinhos do Douro com classificação idêntica (16): Torna Grande 1999, Cabeça de Burro 1997 e Lello Garrafeira 1995; com 16,5 o Cartuxa 1998. Ainda desta década, mas em patamar bem mais acima, o Duas Quintas Reserva 1991, Tapada do Chaves 1992, D’Avillez Garrafeira 1998 e Fojo 1996 (todos com 17,5); excepcionais o Crasto Reserva 1999 e o Ferreirinha Reserva Especial 1997 (com 18 pontos).

Da primeira década deste século chegaram à prova muitos e bons vinhos. Destacamos dois pela excepcional prova que deram, o VT 2004 e o Batuta 2001 (ambos 18,5). Depois seguiu-se daí para baixo um conjunto alargado de vinhos: Anselmo Mendes Alvarinho branco 2007, Filipa Pato Cercial branco 2005, Quinta de Pancas Premium 2000, Quinta da Leda 2000, ME e JBC Selections 2001 (todos com 17,5); Esmero 2003, Muros Antigos Alvarinho branco 2007, Conde Vimioso Reserva 2000 (com 17); PL/LR branco 2008, Esporão branco 2006, Esporão Alicante Bouschet 2002, Quinta do Zambujeiro 2002 e Campo Ardosa RRR 2000 mereceram 16,5. E com 16, os Redoma branco 2006, Quinta dos Carvalhais Encruzado 2007, Campolargo 2002 e Quanta Terra 2001.

Para terminar, e em jeito de alerta para quem tem vinhos mais antigos em casa, refiro que nos deparámos com 10 vinhos contaminados por problemas de rolha e mais 4 já passados ou com defeito de prova grave. Em resumo, guardar vinhos tem muitas vezes a sua recompensa, e um branco ou tinto velhos podem originar momentos de excepção. Mas é preciso estar atento.

Um coleccionador recomenda
Nos anos que leva de coleccionador de vinhos, António Maio percebeu que há erros que se podem pagar caro e por isso deixa aqui algumas recomendações. Em primeiro lugar qualquer coleccionador nos Açores tem de estar preparado para a eventualidade dos tremores de terra. Assim, se os vinhos estiverem em prateleiras e já fora das caixas originais, é bom ter uma rede metálica à frente da prateleira que evite que as garrafas caiam para o chão quando a terra tremer. Em segundo lugar a temperatura da cave: se não tem possibilidade de ter uma cave fria não guarde vinhos por muitos anos; procure ter de vários segmentos — vinhos do quotidiano, de gama média e alta, sempre num equilíbrio entre a compra e o consumo. Ter em atenção onde se compram os vinhos, para termos a certeza que não há fraudes (elas são mais frequentes do que imaginamos nas grandes marcas). Por fim, o complemento de uma boa colecção são os bons acessórios: decantadores, bons copos e boa companhia. E para que não se deite tudo a perder, muito cuidado com a temperatura de serviço.