KOPKE: A casa dos Porto Colheita

Kopke

Falar da Kopke é falar da mais antiga empresa de vinho do Porto, remontando a 1638 o registo da marca. É também falar de um nome que os consumidores portugueses associam com vinhos do Porto velhos (tawny), e sempre numa garrafa personalizada, que se mantém até hoje. Nestes tawnies velhos destacam-se os que têm indicação […]

Falar da Kopke é falar da mais antiga empresa de vinho do Porto, remontando a 1638 o registo da marca. É também falar de um nome que os consumidores portugueses associam com vinhos do Porto velhos (tawny), e sempre numa garrafa personalizada, que se mantém até hoje. Nestes tawnies velhos destacam-se os que têm indicação de idade – 10, 20, 30, 40, 50 anos – e os Colheita, vinhos que obrigatoriamente têm de estagiar pelo menos sete anos em casco antes de serem engarrafados, ostentam data de colheita e indicam a data do engarrafamento. Mas antes de falarmos dos Colheita da Kopke, vamos dar uma espreitadela à história da empresa.

As antigas e velhas empresas do vinho do Porto começaram por estar normalmente associadas a famílias, ora nacionais ora estrangeiras, que se estabeleceram como negociantes e exportadores de vinho. O caso da Kopke não é diferente. O fundador foi Nicolau Kopke, que chegou a ser cônsul das cidades hanseáticas em Lisboa e se estabeleceu, mais tarde, no Porto como negociante de vinho. Os Kopke continuaram a dirigir a firma e adquiriram a quinta de Roriz em 1781. Em 1836, um dos descendentes, Cristiano Nicolau Kopke, foi agraciado com o título de Barão de Vilar. A gestão familiar manteve-se até 1870, quando foi vendida. Os novos proprietários adquiriram a quinta de S. Luiz em 1922 e, em 1953, a Kopke é adquirida pela Barros Almeida. Ambas passam a integrar a Sogevinus a partir de 2006.

Hoje a Kopke é a empresa premium, emblemática do grupo, muito forte nos tawnies e Colheita datados mas, segundo Carlos Alves, enólogo da casa, está em crescendo de importância também no estilo ruby. Como nos disse, as marcas Kopke e Burmester colocam-se em 3º lugar em Porto LBV’s. Com este nome – Kopke – a Sogevinus procura apenas a excelência. Num segundo plano, porque menos famosa, vem a Burmester e depois a Cálem, Barros e Velhotes. Esta última, ainda que muitas vezes associada à Cálem, é uma marca própria.

Integrante do grupo há ainda as quintas da Boavista, situada na margem direita do rio (e que hoje origina excelentes DOC Douro), no Cima Corgo, a quinta do Bairro, na margem direita, no Baixo Corgo (só para vinhos brancos), Arnozelo, no Douro Superior, e S. Luiz, no Cima Corgo (margem esquerda), exclusivamente focada na marca Kopke, em DOC Douro e Porto.

No entanto, tal como acontece com as outras grandes casas, a Sogevinus ainda mantém uma relação com lavradores a quem adquire uvas. São cerca de 450, número a crescer, com quem mantém uma relação estreita. É também por isto que existe na empresa um técnico que, desde 2015, tem a única função de acompanhar, ao longo do ano, todos estes lavradores que fornecem uvas à empresa. Por isso, acrescenta o enólogo, “conhecemos as vinhas e há um historial com tudo documentado e quando a uva entra na adega, sabemos a casta, a parcela, a quantidade, já sabemos o potencial e temos logo a noção para que fim se destinará.” Falamos então, no total, de 450 ha de terra e 220 ha de vinhas próprias. É área para alargar? Pedro Braga, director-geral e há 25 anos na empresa, comenta: “não estamos compradores, mas estamos atentos, sobretudo a parcelas que possam estar ao lado das nossas quintas e que tenham interesse para nós”.

Kopke

 

Tal como acontece com as outras grandes casas, a Sogevinus ainda mantém a sua relação com os lavradores a quem adquire uvas

 

O Colheita sem mistérios, sigamos-lhe o rasto

Há por vezes algumas ideias feitas sobre o funcionamento desta categoria. Antigamente o Colheita obrigava a uma conta-corrente própria por cada ano. Veja-se o exemplo: na vindima de 2000 uma qualquer empresa destina 50 000 litros para Porto Colheita. Ao fim do prazo de lei (7 anos) engarrafa 5 000 litros e, nos anos seguintes, outras quantidades. Isto faria que, na conta-corrente controlada pelo Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), a quantidade fosse diminuindo até zero, sempre com provas de três em três anos para confirmar os parâmetros. Foi assim até 2004 e mantém-se assim para os Colheita anteriores a essa data. Para anos posteriores, a situação é menos restritiva. Desde que a empresa tenha registo de vinhos de um ano, pode sempre fazer Colheita e, por isso, de cada vez que engarrafa, os parâmetros podem ser diferentes da edição anterior. Na Sogevinus determina-se, na vindima, a quantidade de vinho que se vai destinar a Colheita desta e daquela marca, conforme o perfil que se pretende. Depois disso é sempre desse stock que se usam vinhos para as diferentes marcas. No caso da Kopke, estamos a falar de 150.000 litros por ano e faz-se todos os anos. Como nos referiu o enólogo, “pode faltar para outras marcas, mas tem sempre de haver para a Kopke”, o que mostra a importância e peso da marca no grupo. Como insistentemente salientou na conversa que tivemos, só se engarrafam os Colheita à medida das encomendas, que podem ser de uma ou 1000 garrafas. Nunca se engarrafam quantidades grandes exactamente, para evitar que haja depois Colheita no mercado de engarrafamentos antigos.

Vamos seguir o rasto ao Porto Colheita, da vindima até à garrafa. O mais provável é que seja vinificado nas instalações de Sabrosa (São Martinho de Anta), onde a Sogevinus tem um grande espaço de vinificação e armazenamento exclusivamente dedicado a vinho do Porto. Alguma parte pode ser vinificada em S. Luiz; de seguida o vinho vai para balseiros ficando normalmente no Douro nos primeiros cinco a seis anos. Depois vem para Gaia e vai para cascos. Como a Sogevinus só comercializa Colheita com pelo menos 10 anos, os vinhos ainda passam uns bons anos nas caves de Gaia. Ali são sujeitos a trasfegas anuais: passagens a limpo, voltam para uma cuba de inox, se necessário são feitos os ajustes (refrescos) de aguardente e regressam aos cascos. Todos os anos a mesma música, uma música muito custosa em termos financeiros, exigente em termos de mão-de-obra, com perdas por evaporação e perspectiva de se ir vender apenas 5 ou 10% do que se tem em cave.

Carlos Alves tem a noção clara de que se perde um pouco a identidade do ano com o Colheita, uma vez que o vinho é muito trabalhado e acompanhado ao longo da vida. Mas é uma categoria emblemática de que não abdicam. Finalmente, a pedido do mercado, engarrafam-se os Colheita da edição mais recente ou das anteriores, dependendo das encomendas. A data do engarrafamento, indicada na garrafa, é a segurança do consumidor. E, quanto mais recente, melhor!

Na vindima determina-se a quantidade de vinho que se vai destinar a Colheita desta e daquela marca, conforme o perfil que se pretende; depois disso é sempre desse stock que se usam vinhos para as diferentes marcas.

 

Projectos e novidades

O enoturismo ganha cada vez mais força. Por um lado, as visitas às caves de Gaia – sobretudo Cálem e Burmester – representam 550.000 visitantes/ano, com gastos por pessoa na ordem dos €20/25, gerando mais de um milhão de euros de lucro/ano. O mini hotel da quinta de S. Luiz já está em pleno e a quinta recebeu, em 2024, cerca de 120.000 visitantes. Ali, no restaurante, há três pairings de pratos com vinho do Porto e são os mais pedidos. O novo Tivoli/Kopke hotel será oficialmente inaugurado em Maio (investimento de 50 milhões de euros, com 150 quartos) e dá a possibilidade de visita às caves com prova de Vintage – alguns deles velhos – que não estarão disponíveis em mais lado nenhum. Segundo Pedro Braga, as obras na quinta da Boavista arrancarão em 2026/27, para transformar algumas das casas existentes na quinta em apartamentos com fim de enoturismo. Enoturismo em Arnozelo, no Douro Superior, não está nos planos a curto prazo. Ainda em Gaia, as caves da Burmester, que ficam ao lado da ponte D. Luis, serão objecto de renovação para poderem receber visitas.

Mas os projectos também se relacionam com as vinhas. Enquanto em S. Luiz tudo está já “fechado” em termos de reconversão, está ainda por fazer a geolocalização das vinhas velhas. Na Boavista foi feito o estudo de geolocalização e identificação de todas as castas das vinhas do Ujo (26 castas) e Oratório (56 variedades). Concluiu-se que a casta mais plantada ali é a Touriga Francesa mas, talvez inesperadamente, identificaram-se muitas cepas de Alicante Bouschet, ali presente, segundo Carlos Alves “provavelmente para dar mais cor aos vinhos, porque nestas vinhas velhas também havia muitas castas brancas”. Na Boavista, no tempo em que pertencia à Sogrape, apenas se fazia Porto, hoje só se faz DOC Douro e nada de Porto, mas a explicação é clara. “Quando adquirimos a quinta, era o DOC Douro que estava a ser a imagem da quinta e não quisemos alterar isso”, diz Pedro Braga. No entanto, o gestor não descarta a possibilidade de vir a fazer Porto na Boavista. Nela está ainda a proceder-se ao rearranjo das parcelas, para rentabilizar e tirar mais partido do uso de maquinaria. Vindimas à máquina? Onde for possível, no futuro não haverá alternativa, como concluiu Carlos.

Kopke
Carlos Alves, director de Enologia e Viticultura da Sogevinus, com Pedro Braga, o director-geral da empresa.

Tawny sim, mas Vintage também

Num universo de 8.500.000 garrafas de Porto da Sogevinus cabem muitas categorias, marcas e estilos diversos. Numa época em que há uma espécie de “nuvem negra” sobre o generoso – o facto de ser doce e ter uma graduação elevada – associada a quebras no consumo e quebras nas categorias standard, as empresas tentam reinventar-se para fazer face às novas tendências: descobrir novas formas de consumo e novos mercados. Carlos confirma que “a aposta na China foi um fracasso, mas a Coreia do Sul está a revelar-se muito interessante, tal como a Nigéria e a Índia”. Quanto às novas formas de consumo, por exemplo a categoria rosé, que nunca “descolou”, tem-se revelado muito adaptada a consumo em cocktails e long drinks nas instalações das caves de Gaia, sobretudo da Cálem (as mais visitadas).

O universo Kopke contempla (sempre aqui falando só em tawnies), além das categorias standard e dos ruby (onde estão as categorias especiais de Vintage e LBV), os vinhos com indicação de idade, quer em tintos quer em brancos. Estes últimos, recorde-se, não se podem chamar Tawny, que é uma categoria reservada a tintos envelhecidos em casco e, por isso, têm de se chamar, por exemplo, 40 Years Old White. Mais recentemente foram lançadas novas categorias – 50 anos – em Old White e Tawny.

Na categoria Ruby, a Kopke tem alguma tradição e fama. Recordo, por exemplo, que o vintage 1985 se revelou, com o passar do tempo, como um dos melhores dessa declaração, inicialmente tida como estrondosa, mas em que muitos vinhos acabaram por evoluir muito mal. Não foi o caso do Kopke, e ainda hoje é possível adquiri-lo na loja. Outro vintage famoso, mas com história desconhecida da maioria dos consumidores, foi o 1945. Diz-nos Carlos que esse vintage foi adquirido à Niepoort, que precisava de liquidez e vendeu parte do seu 45. Não há muitos anos, Carlos e Dirk Niepoort provaram os dois, copo com copo, e foi óbvio, diz-me, que seriam o mesmo vinho. Na garrafeira histórica da Kopke repousa também o vintage mais antigo – 1922 – mas também há 1927, o celebérrimo ano que conjugou duas características anormais: grande qualidade e muita produção. Começar a vendê-lo em 1929 – ano da Grande Depressão – foi o que se imagina: não se vendeu, foi-se acumulando nas caves e, por isso, chegou até hoje!

À produção de Porto, a Sogevinus junta 1.100.000 garrafas de DOC Douro, distribuídas pelas várias marcas: residual na Cálem (marca Curva, muito usada no enoturismo das caves), ausente na Barros (só Porto) e forte na Kopke e Burmester.

Ancorada no grupo bancário Abanca (que entre outros negócios é dona da Pescanova), a Sogevinus traça planos quinquenais sempre com a aprovação de Juan Carlos Escotet, CEO do banco e muito interessado em vinhos. “Todos os meses está cá presente nas reuniões do Conselho de Administração; é muito exigente, mas dá-nos outra segurança”, como nos lembrou Pedro Braga.

Kopke

O enólogo recomenda

Carlos Alves está na Sogevinus desde 2006, tendo feito a primeira vindima em 2004. A sua função é, sobretudo na época da vindima, de verdadeiro bombeiro, a correr de um lado para o outro, “dezasseis a dezassete horas por dia, sete dias por semana, porque a janela da vindima é muito curta e tudo tem de ser feito sem falhas porque os erros aqui comprometerão todo o negócio”. Uma vez acabada a vindima começa todo o trabalho, quer em Gaia quer nas quintas, acompanhando os vinhos.

Destinam-se para Colheita, no caso da Kopke, muito mais do que para outras marcas. Por exemplo na Cálem, o Colheita poderá representar apenas 10% dos 150.000 litros da Kopke. A Barros é a segunda marca mais forte em Colheitas, sobretudo no mercado interno. Desde 2002 que se faz Colheita na Kopke todos os anos.

Como lidar com um Porto Colheita? Carlos explica: “Aos nossos consumidores aconselhamos a que seja comprado o engarrafamento mais recente, bastando, para isso, ver a data que vem na garrafa (é obrigatório), porque são vinhos mais frescos e límpidos.” Para muitos consumidores persiste a ideia do quanto mais velho melhor e mais caro, mas no caso dos Colheita isso não é verdade. Pode ser válido para os vinhos que estão em casco, mas não para os que estão na garrafa e usam rolha bartop (cortiça com tampa de plástico). Mas Carlos não tem dúvidas: “a rolha bartop não veda como a rolha natural e também por isso dizemos que a garrafa tem de ser conservada em pé. E se o vinho estiver engarrafado há muitos anos, é importante decantar antes de servir. Logo ao fim de dois ou três anos poderá haver alguma turvação”. O manuseamento cuidadoso é, por isso, recomendável.

Nos Colheita mais velhos é inevitável a concentração de açúcar: o 1937 pode ter 150 gr/açúcar/litro enquanto o 2015 poderá ter 85 gr (tendência actual). O açúcar ajuda a envelhecer, mas com pouco açúcar também se sente muito o álcool. Há, por isso, que jogar num compromisso.

Lidar com 22 milhões de litros de stock exige dedicação. Disso não temos dúvida. E quando o stock de um ano ou marca chega aos mínimos, “deixamos de comercializar e fica ali a ver o que acontece, quem sabe para uma comemoração”. Quanto ao consumo, Carlos recomenda: garrafa no frio antes de servir, na própria garrafa ou em decanter.

(Artigo publicado na edição de Abril de 2025)

 

 

Adega de Penalva: Um exemplo diferenciador

Adega de Penalva

Olhando para um passado com quase 65 anos cumpridos, a Adega de Penalva podia ser apenas mais uma das cooperativas surgidas com o eclodir do fenómeno, no final dos anos 50 do século passado. Fundada em 1960 por 43 associados, conta atualmente com mais de 950 sócios e uma capacidade de vinificar mais de 12 […]

Olhando para um passado com quase 65 anos cumpridos, a Adega de Penalva podia ser apenas mais uma das cooperativas surgidas com o eclodir do fenómeno, no final dos anos 50 do século passado. Fundada em 1960 por 43 associados, conta atualmente com mais de 950 sócios e uma capacidade de vinificar mais de 12 milhões de litros, processando, por ora e em média, sete milhões de quilos de uva por ano. O crescimento nos vinhos engarrafados ganha cada vez maior preponderância na economia desta Adega, correspondendo hoje a mais de dois milhões de garrafas/ano, com um crescimento anual de cerca de 10%, algo notável e em contraciclo com a realidade atual do setor. A única quebra sentida pela cooperativa nos anos mais recentes é no bag-in-box, crendo-se que por influência malévola da entrada em Portugal de vinhos oriundos da UE, especialmente de Espanha, a preços absolutamente incomportáveis para uma cooperativa que privilegia a qualidade no mercado.

Perante a dimensão destes números, podíamos ser tentados a imaginar que nesta Adega vale sobretudo o grande volume. Contudo, tal como nos produtores médios ou de menor dimensão, todo o processo inicia-se com um cuidado muito especial na vinha, sendo a sua permanente vigilância e peregrinação quase diária, prática perfeitamente enraizada no diretor de enologia da Adega, António Pina.

A dimensão média das propriedades por associado rondará os cinco e sete hectares, havendo, entre destes, alguns com mais de 15 ou 20 hectares. Não descurando ninguém, a Adega também recebe uva daqueles que não possuem mais de três ou quatro mil metros quadrados. Na campanha de 2024 foram cerca de 650 os associados que entregaram uva, estando muitos em processo de renovação das vinhas.

No total, a Adega recebe uva de uma área correspondente a 1100 hectares de vinha, estendidas entre os municípios de Penalva do Castelo, Satão e Mangualde.

De todo o modo, mais de 80% das vinhas situam-se no concelho de Penalva do Castelo. Em Satão, em parcelas de maior altitude e, consequentemente, mais frescas, predominam as castas brancas, com principal destaque para o Encruzado, que beneficia da composição dos solos mais graníticos, alcançando ali uma maior acidez e frescura. No concelho de Mangualde já não predomina tanto o granito. Os solos caracterizam-se por serem mais vermelhos, maioritariamente argilosos, ideais para tintos robustos e concentrados, nomeadamente de Touriga Nacional, que ali encontra condições para uma maior maturação.

QUINTA DA VINHA VELHA

Com cerca de 12 hectares, a Quinta da Vinha Velha bem pode ser apresentada como o “andar modelo” das propriedades com que trabalha a Adega. É nela que existe uma das mais significativas áreas de vinhas velhas, muitas delas com mais de 50 anos, tendo as parcelas mais recentes já cerca de 40 anos. O notável, nesta belíssima propriedade, foi mesmo o modo como se segmentaram, há mais de cinco décadas, as parcelas por castas, plantando-se cada uma delas tendo em conta a composição do solo, a maior ou menor exposição e, naturalmente, a sua aptidão para mais precoces ou tardias maturações. A exposição é encantadora, com toda a vinha a beneficiar dos dias soalheiros do nascer ao pôr do sol.

É aqui e nas áreas limítrofes, numa zona que forma um anfiteatro voltado a Sul, para a serra da Estrela, que se encontra o coração das vinhas que abastecem a Adega de Penalva, numa manta de retalhos e parcelas monovarietais rodeadas de florestas e mato, elemento da paisagem que confere, aos vinhos, uma marca de identidade muito própria, muito Dão no seu estado mais puro.

AS CASTAS DE PENALVA

Neste lado do Dão, Jaen e Tinta Roriz levam a dianteira na área de vinha, logo seguidas da Touriga Nacional, Tinta Pinheira e Alfrocheiro, esta com tendência a diminuir.

A Touriga Nacional é a casta que mais cresce no plantio na região do Dão. Nas vinhas da região e nas propriedades dos associados da Adega, as tintas ainda são quem mais ordena, superando com larga vantagem as uvas brancas, cabendo, às primeiras, 80% do encepamento e apenas 20% às brancas. Nas preferências de vinificação, pela sua enorme identidade varietal e expressão da região, surgem a Tinta Pinheira e o Alfrocheiro, curiosamente as mais sensíveis à podridão e, por isso, nem todos os anos possuem a qualidade que se exige à coleção dos monovarietais da Adega. As brancas são escassas. O mercado pede-as cada vez mais, e há necessidade de incentivar a produção, aumentando-a, pelo menos, em 10%, como refere José Clemente, presidente da Adega e ele próprio viticultor, cuja experiência e conhecimento muito têm beneficiado a cooperativa.

O classicismo, e até algum conservadorismo da região, provoca o receio nos produtores de plantar mais uva branca, presumindo que a tendência que hoje se verifica possa ser tão-somente uma moda e, como todas as modas, meramente passageira. Como o Encruzado não é uma casta muito produtiva e, por isso, não muito apetecível para o agricultor, a Adega bonifica a uva, pagando um valor mais elevado ao quilo. Nas tintas há também uma maior bonificação da Tinta Pinheira, Alfrocheiro e Touriga Nacional, desde que atinjam os níveis de cor desejados e grau alcoólico. A Adega regozija-se de pagar a uva a preços acima da média, como refere José Clemente com justificado orgulho e, em contrapartida, os associados tratam a vinha com denodo, entregando a matéria-prima de qualidade que permite criar os vinhos mais diferenciados da Adega, como são os monovarietais brancos e tintos.

A Baga é um curioso caso no universo da Adega de Penalva. De casta mais plantada no Dão no século XIX, tornou-se cada vez mais rara na região, sendo hoje residual e surgindo somente nas vinhas muito velhas, algumas centenárias. O cadastro das vinhas inicia-se a partir de 1930. E é a partir desses registos que se constata que, à data, a Baga compunha cerca de 20% de todo o encepamento do Dão. O seu arranque foi uma inevitabilidade provocada pela alteração do critério de pagamento ao viticultor. Se antes era pela quantidade e, aí, a Baga mostrava-se apetecível porque era muito produtiva, aquando da alteração para o pagamento por teor alcoólico, deixou de ser tão atrativa porque apresentava sérios problemas de maturação quando era deixada uma carga muito elevada na videira. É nessa altura que se dá o despontar da Touriga Nacional, antes conhecida como Tourigo ou Touriga Antiga, muito mais atraente às boas maturações e produções substanciais, sobretudo a partir da sua seleção clonal, ocorrida nos anos 80. A partir daí a Baga começa a ser arrancada e substituída por castas tintas de maturação equilibrada para vindima mais precoce. Não está fora das cogitações da Adega fomentar o plantio da Baga, não obstante a sua fragilidade à podridão, equacionando-a na elaboração de espumantes, uma vez que a Malvasia Fina, com que são elaborados os topos de gama em Método Clássico da Adega, começa a sofrer de uma constante e gradual perda significativa de acidez, razão pela qual os mais recentes espumantes já beneficiam da introdução do Encruzado e Uva-Cão.

Outra casta que está a merecer especial atenção da enologia é o Cerceal-Branco, que traz uma frescura muito surpreendente, revelando um comportamento que, quase sempre, se superlativiza em relação ao Encruzado. Do mesmo modo, assiste-se a um renascimento do Bical, no Dão conhecida como Borrado das Moscas, cuja potenciação é realizada através de novos conceitos de vindima e vinificação.  Esta é, já hoje, vindimada em duas fases: uma mais precoce, com cerca de 11% de teor alcoólico provável e, mais tarde, uma segunda vindima com índices de maturação mais elevados, criando-se, a partir daí, um blend que beneficia da frescura incisiva do mosto da primeira vindima e da exuberância aromática e doçura da segunda, encontrando o vinho o melhor de dois mundos.

ESTUDAR CASTAS AUTÓCTONES

A vertente do estudo profundo das castas é uma prática deixada pelo antecessor de António Pina, o Prof. Virgílio Loureiro, que criou, no seu pupilo, essa vontade de elevar o conhecimento. Pina é natural de Penalva do Castelo, tendo realizado o seu primeiro estágio na Adega em 2008. Seguiu-se depois a passagem por projetos de menor dimensão e, já em 2017, é convidado a regressar à Adega. A par dos vinhos de maior envergadura que constituem o grosso da produção da Adega, é seduzido pelo exaustivo estudo dos solos, parcelas e castas, numa constante busca pela afirmação de cada uma delas, gostando de as trabalhar isolada e parcelarmente, de modo a descobrir o local mais perfeito para a maturação qualitativa de cada uma. A mesma casta tem, em solos distintos e altitudes diferentes, um comportamento diferente. Encontrar o local ideal para cada uma demorou vários anos e há sempre novas descobertas e conclusões vindima após vindima.

O projeto dos monovarietais Adega de Penalva nasce em 2016. E, desde aí, tem-se desenvolvido e ampliado, com diferentes castas a surgirem em novas referências.

Essencial para a produção de uva de qualidade e elaborar os vinhos monovarietais que tanta notoriedade têm trazido à Adega, é a equipa de monitorização. É aqui que também surgem reticências de alguns viticultores, avessos a novas tendências e ao controlo, por parte de terceiros, do modo como promovem os cuidados e tratamentos das suas vinhas. Mas a maioria dos viticultores já está recetiva a seguir as demandas da Adega, consciente que o resultado de um maior acompanhamento técnico, e de base mais científica, é benéfico para alcançar a produção de uva mais sã. Tem sido fundamental a colaboração de proximidade, até a nível da própria sustentabilidade, eliminando-se tudo o que é nocivo para os solos. Naturalmente, isso tem custos acrescidos e a Adega cumpre essa responsabilidade ambiental com a valorização dessa uva. Dentro dos associados já há cerca de 60 hectares em produção biológica, outra das bandeiras hasteadas por José Clemente e António Pina.

O dia-a-dia da Adega de Penalva também é feito de novidades! Tinta Amarela e Tinta Carvalha são as mais recentes descobertas no encepamento da Quinta da Vinha Velha e já estão em curso experiências de vinificação, podendo sair delas novas e boas surpresas. Provado foi ainda um rosado de Malvasia Roxa, casta existente em ínfimas quantidades nas vinhas velhas que possui, como característica, uma uva de cor roxa esbatida. Dá origem a mostos naturalmente rosados, mesmo após prensagem e maceração. Um aturado e exaustivo processo de pesquisa deu também origem a uma curiosidade traduzida em 1000 litros de vinho, vinificado ao longo de quatro anos. É isto que, hoje, melhor caracteriza uma Adega que se desprendeu de um passado monolítico para se afirmar numa contemporaneidade que deve ser um exemplo nacional.

Nota: o autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.

(Artigo publicado na edição de Abril de 2025)

Millèsime: A grande festa dos espumantes

Millesime

A Câmara Municipal de Anadia, como organizadora do Millèsime, que mais uma vez contou com a colaboração da Grandes Escolhas, está de parabéns e presta um serviço assinalável aos vinhos portugueses! Dificilmente se encontra uma simbiose mais perfeita entre localização, cenários, ambiente, festa e o objecto do evento, neste caso os espumantes, do que aqui. […]

A Câmara Municipal de Anadia, como organizadora do Millèsime, que mais uma vez contou com a colaboração da Grandes Escolhas, está de parabéns e presta um serviço assinalável aos vinhos portugueses!

Dificilmente se encontra uma simbiose mais perfeita entre localização, cenários, ambiente, festa e o objecto do evento, neste caso os espumantes, do que aqui. Pelo terceiro ano consecutivo no emblemático Hotel Palace da Curia, que evoca em cada um dos seus traços a época gloriosa do turismo termal das primeiras décadas do século XX, os espumantes portugueses encontraram o seu lugar de afirmação e demonstraram, aos milhares de visitantes que ocorreram à Curia, uma qualidade já transversal a muitas regiões do país.

Millesime

Esta será, talvez, a primeira constatação que o visitante pode verificar in loco, perante a exposição de mais de uma centena e meia de referências que os 49 expositores (record absoluto) deram a provar.

Produzem-se hoje, em Portugal, espumantes de grande qualidade em quase todas regiões vitivinícolas. É verdade que a Bairrada continua a dominar em número produtores e em volume e jogava em casa e aproveitou a oportunidade para mostrar uma pluralidade de estilos e apostas que demonstram uma vitalidade crescente. É também verdade que Távora-Varosa não perdeu o ensejo de confirmar que tem um terroir único para a produção de grandes espumantes. Mas por todo o lado, do Minho ao Alentejo, das Beiras ao Tejo, do Dão à Península de Setúbal, o Millesime comprovou o interesse maior que os espumantes nacionais têm despertado nos consumidores, com o consequente aumento sustentável do seu consumo e a afirmação consistente da sua qualidade.

O Millèsime é festa, espalha uma alegria contagiante e consegue a proeza de comunicar e satisfazer as espectativas dos vários públicos que o visitam, sejam consumidores ou profissionais. Tem visitas institucionais de peso, como o Ministro Adjunto e Coesão Territorial, o Secretário de Estado do Turismo e outras individualidades. Tem diversão, animação e evocação do passado charmoso, entretendo os que se deixam seduzir pelo lado lúdico da festa. Tem boa oferta gastronómica, provando que os espumantes são dos vinhos mais transversais em termos de harmonização, e também provas comentadas de vinhos e harmonizações para os que querem saber mais e experimentar novos sabores e sensações. E tem um lado profissional que ficou patente no seu prolongamento a segunda feira de manhã (uma novidade desta edição), período exclusivamente reservado a compradores, e no almoço de convívio que se seguiu e na conversa entre enólogos e produtores proporcionada pelo convite a Marta Lourenço, enóloga da Murganheira e da Raposeira, que partilhou a sua experiência e saber na produção de espumantes com alguns dos seus colegas.

Duas conclusões se podem tirar desta edição 2025 do Millèsime: os espumantes portugueses estão a vencer a velha batalha contra a sazonalidade do seu consumo e têm um futuro auspicioso pela frente. Tchiiim!

12º Festival do Vinho do Douro Superior: 23, 24 e 25 de Maio

O programa da 12ª edição do evento inclui, para além do reconhecido Concurso de Vinhos do Douro Superior, provas comentadas de vinhos e azeites, um colóquio e mostras de produtos regionais do Douro, Trás os Montes e Beira Interior. A abertura do Festival do Vinho do Douro Superior está marcada para as 17:00 horas do […]

O programa da 12ª edição do evento inclui, para além do reconhecido Concurso de Vinhos do Douro Superior, provas comentadas de vinhos e azeites, um colóquio e mostras de produtos regionais do Douro, Trás os Montes e Beira Interior.

A abertura do Festival do Vinho do Douro Superior está marcada para as 17:00 horas do dia 23 de Maio, sexta-feira, sendo a abertura oficial com a presença do Presidente da Câmara Municipal de Foz Côa, João Paulo Sousa às 18:00h.  Neste primeiro dia, os visitantes poderão assistir à prova comentada dos “Grandes tintos do Douro Superior”, por Valéria Zeferino, crítica da revista Grandes Escolhas, e ainda ao espetáculo David Antunes e The Midnight Band (22h00).

No sábado, dia 24, o destaque vai para o Concurso de Vinhos do Douro Superior, que reúne, durante a manhã, especialistas e outros profissionais reconhecidos, incluindo importadores dos Paises Baixos e Alemanha. Este é um concurso que se tem revelado importante para a afirmação dos vinhos da região, com a participação  de grandes, médios e, sobretudo, pequenos produtores.

Em simultâneo ao concurso de vinhos, no dia 24, às 10:00 horas, decorrerá um Colóquio dirigido aos produtores da região e outros interessados com o tema “A hora dos vinhos brancos: o potencial do Douro Superior e as repostas na vinha e na adega”. Participam com intervenções e com a prova de alguns dos seus vinhos os enólogos Alvaro Van Zeller, Duarte da Costa, João Perry Vidal, Luciano Madureira e Mateus Nicolau de Almeida

No sábado dia 24, a feira abre portas para a população em geral pelas 15h00, estando reservadas, para este dia, duas provas comentadas, uma de “Azeites do Douro Superior e Trás-os-Montes”, por Francisco Pavão, Presidente da Associação dos Produtores em Proteção Integrada de Trás-os-Montes e Alto Douro (APPITAD), e outra dedicada aos “Grandes brancos do Douro Superior”, pelo crítico Luis Antunes da Grandes Escolhas. Matias Damásioe e Mickael Carreira fecham a noite, com um concerto às 22h00.

No último dia do evento será possível assistir ao anúncio dos resultados do Concurso de Vinhos do Douro Superior e à última prova comentada, desta vez sobre “Vinho do Porto”, por Luís Antunes. A complementar o programa de atividades, os visitantes do festival poderão provar e comprar os diversos vinhos e produtos locais na zona dos expositores, onde também se encontram tasquinhas com diferentes opções gastronómicas.

O Festival do Vinho do Douro Superior é organizado pela Câmara Municipal de Foz Côa e pela revista Grandes Escolhas, com o objectivo apoiar os produtores e mostrar o trabalho desenvolvido na região.

Cas’Amaro: Perfumes do Alentejo

Cas’Amaro

O lançamento dos tintos da Cas’Amaro do Alentejo, com a marca Implante, decorreu no Casal da Vinha Grande, em Alenquer, a primeira propriedade que Paulo Amaro, o fundador desta casa, empresário com negócios na área do imobiliário e da distribuição de instrumentos médicos e hospitalares, adquiriu. Nesse dia foram apresentados, à imprensa, o Implante Tinto […]

O lançamento dos tintos da Cas’Amaro do Alentejo, com a marca Implante, decorreu no Casal da Vinha Grande, em Alenquer, a primeira propriedade que Paulo Amaro, o fundador desta casa, empresário com negócios na área do imobiliário e da distribuição de instrumentos médicos e hospitalares, adquiriu. Nesse dia foram apresentados, à imprensa, o Implante Tinto de 2023, um monovarietal de Tinta Caiada e o Implante Tinto de 2022, um vinho produzido com uvas das castas Aragonês, Castelão e Trincadeira, todas plantadas na Herdade do Monte do Castelête, no Alentejo, a segunda propriedade que Paulo Amaro adquiriu, após ter decidido investir no sector vitivinícola. Com 70 hectares, dos quais 48 de montado e 22 de vinha com mais de 30 anos, fica perto de Estremoz e tem um monte que a empresa está a transformar numa unidade de enoturismo com alojamento, que deverá estar pronta no final deste ano.

 

 

Aposta no enoturismo

O projecto Cas’Amaro começou a ser construído há nove anos, com a aquisição do Casal da Vinha Grande. Depois foram compradas mais quatro propriedades em outras tantas regiões vitivinícolas portuguesas: Alentejo, Dão, Vinhos Verdes e Douro. “Uma das condicionantes por detrás destas aquisições foi as propriedades terem, para além de vinha, edifícios atractivos com potencialidade para serem reconvertidos em unidades de enoturismo explicou Rui Costa, director geral da Cas’Amaro, durante o evento. Foi essa a filosofia base seguida na aquisição da herdade alentejana, da Quinta da Fontalta, no concelho de Santa Comba Dão, que inclui um solar e 16 hectares de vinha, e também na propriedade da Região dos Vinhos Verdes, com 40 hectares, que integra um solar antigo. No Douro, a Cas’Amaro adquiriu as Quintas de S. João e S. Joaquim, com 18 hectares de vinha e socalcos virados uma para a outra. Apesar de uma das propriedades possuir uma adega, não tinha condições para se vinificar. Por isso, os primeiros vinhos do Douro e Porto produzidos nesta região foram vinificados em Cheleiros. Mas já está a ser pensada a construção de uma adega em Armamar.

Perfil definido

Até hoje, apenas está terminado o projecto de enoturismo da empresa na região de Lisboa, que inclui um restaurante e a unidade de alojamento em Alenquer, com três quartos. E como a empresa só tem adega na região de Lisboa, vinifica em instalações de parceiros nas outras. No Dão, na Adega das Boas Quintas, de Nuno Cancela de Abreu; no Alentejo, na Adega do Monte Branco, de Luís Louro; no Douro, na Adega Dona Matilde, com o apoio do seu enólogo, João Pissarra e, na Região dos Vinhos Verdes, na AB Valley Wines, de António Sousa. “São as mais próximas das nossas vinhas e são geridas por pessoas com quem nos conseguimos identificar, com as quais criámos métodos de trabalho”, explicou o gestor, salientando que, assim, é possível Ricardo Santos, o director de enologia, acompanhar de forma mais próxima de todo o processo, o que é essencial para se produzir, todos os anos, o perfil de vinho definido pela sua equipa para cada região.

(Artigo publicado na edição de Março de 2025)

A Torre de Anselmo

Anselmo Mendes

Anselmo Mendes trabalha a casta há mais de 30 anos, estudando os diferentes solos, exposições e técnicas de vinificação, projetando, como ninguém e de forma pioneira, os vinhos monovarietais de Alvarinho, da sub-região de Monção e Melgaço, quer nacional quer internacionalmente. Consultor de enologia, enveredou pela produção própria em 1997, com a compra de uma […]

Anselmo Mendes trabalha a casta há mais de 30 anos, estudando os diferentes solos, exposições e técnicas de vinificação, projetando, como ninguém e de forma pioneira, os vinhos monovarietais de Alvarinho, da sub-região de Monção e Melgaço, quer nacional quer internacionalmente. Consultor de enologia, enveredou pela produção própria em 1997, com a compra de uma quinta. “Comprei uma pequena quinta em Melgaço, toda em patamares, e comecei a fazer vinho de garagem”, conta.

Um ano depois lança o icónico Muros de Melgaço, fermentado em barrica, uma novidade na região, com uma garrafa troncocónica que o identifica imediatamente. Seguiram-se as experiências com curtimenta, “outra heresia, fermentar um branco como se fosse um tinto”, refere, ou a maceração pelicular – deixar em contacto com película da uva sem deixar que fermente. O seu crescimento enquanto produtor coincidiu com o da notoriedade da sub-região. Monção e Melgaço é diferente das outras sub-regiões do Vinho Verde porque está protegida por montanhas, o que cria uma barreira ao Atlântico e lhe dá uma certa continentalidade climática. A casta Alvarinho sente-se ali em casa. Com a disponibilidade da vinha da Quinta da Torre, o portefólio Anselmo Mendes foi também aumentando e, hoje, há vários vinhos num patamar de preço médio-alto, referências como Expressões, Parcela Única, Tempo ou Private que evidenciam o melhor que esta variedade é capaz de oferecer.

Nos últimos 15 anos, o enólogo dedicou-se a estudar a diversidade de solos desta quinta. tendo identificado oito parcelas associadas a esses diferentes tipos de solo.

 

A LIGAÇÃO À TERRA

Anselmo Mendes é um homem da terra, dos solos, e hoje explora vários hectares de vinha em duas sub-regiões dos Vinhos Verdes – Monção e Melgaço e Lima. Em Melgaço, onde tudo começou, situa-se a adega. Mas é na Quinta da Torre, em Monção, que se encontram localizados 50 hectares de vinha da casta Alvarinho, a maior área contínua da região (e de Portugal). Não muito distante da Torre localiza-se Rabo de Cuco, com sete hectares de uvas tintas, castas antigas como o Alvarelhão (5ha), Pedral (1ha) e Verdelho-Feijão (1ha), que terão estado na origem dos primeiros vinhos portugueses exportados para Inglaterra, que Anselmo pretende resgatar. “Estas castas tintas dão vinhos claretes muito finos, elegantíssimos. É um tributo ao passado glorioso dos tintos”.

Na propriedade do vale do Lima, a Loureiro tem grande preponderância e representa 55 hectares, sendo os restantes 15 ha da casta Alvarinho. “Esta é a sub-região com maior influência atlântica de toda a região dos Vinhos Verdes, na qual a casta Loureiro se exprime de forma única. É também uma casta fascinante, capaz de produzir brancos de eleição”, refere o enólogo. Fortemente ligado à região e à terra, Anselmo dá grande importância ao estudo dos solos e suas texturas: “neste momento utilizamos o método de condutividade elétrica para estudarmos os solos. Identificamos oito texturas diferentes de solo na Quinta da Torre e este método permite-nos obter mais dados, mais rapidamente, tirando assim melhor partido do terroir” explica. Ao seu lado e na gestão da empresa desde sempre, está a esposa, Fernanda Grilo, a que se junta o filho Tiago Mendes. Anselmo sempre foi alguém que gosta de ensinar, transmitir conhecimento e dar liberdade a quem trabalha consigo, pelo que conta na enologia com a colaboração de duas jovens e promissoras enólogas Ângela Silva e Joana Moutinho. Inovação continua a ser o caminho – sempre.

Anselmo Mendes

Ao seu lado e na gestão da empresa desde sempre, está a esposa, Fernanda Grilo, a que se junta o filho Tiago Mendes.

 

QUINTA COM HISTÓRIA

A Quinta da Torre, localizada em Monção, conta uma história de seis séculos, por onde passaram várias famílias nobres com ligações reais, cujos registos atestam a presença de vinhas na propriedade. Após várias sucessões na família, a partir dos séculos XVII e XVIII, a casa intensificou a produção de vinho, cultivo do milho, do linho e do azeite. Em 2008, Anselmo Mendes começa por tratar os 12 hectares de vinhas desta quinta algo abandonada pelos proprietários da altura e, de imediato, apaixona-se, reconvertendo-a em seguida, e plantando mais 30 hectares de vinha ao longo dos anos seguintes. É só em 2016, porém, que concretiza a sua aquisição, para a renovar depois profundamente, mantendo os seus traços históricos e distintivos.

O enoturismo está a funcionar em pleno, e quem quiser ficar a conhecer melhor este espaço rodeado de espigueiros, camélias, oliveiras milenares e uma paisagem de cortar a respiração, poderá pernoitar numa das cinco suites disponibilizadas para o efeito. Com um total de 50 hectares de vinha da casta Alvarinho, com o rio Gadanha, afluente do rio Minho, a passar na quinta e uma grande diversidade e riqueza de solos, é o berço dos grandes vinhos da casta Alvarinho de Anselmo Mendes. As vinhas estão entre os 50 e os 100 metros de altitude e os solos, de origem granítica e de texturas de aluvião e terraços fluviais, têm provas dadas, ao longo dos anos, pois exprimem a finura e elegância da casta Alvarinho.
Nos últimos 15 anos, o enólogo dedicou-se a estudar a diversidade de solos desta quinta. tendo identificado oito parcelas associadas a esses diferentes tipos de solo. O seu “centro de experiências”, com oito cubas, uma por cada parcela, e duas barricas por parcela, permite-lhe estudar as expressões diferentes da casta. “O conhecimento de cada parcela é importantíssimo.

A triagem e escolha dos melhores cachos deve ser feita na vinha. Tudo conjugado, resultará num vinho de elevada qualidade”, defende.
Apenas a título de curiosidade, o vinho Parcela Única resulta exclusivamente da vinha do Paço. O vinho A Torre é, no fundo, o resultado do melhor de cada parcela da Quinta da Torre, com predominância das parcelas Olival, Paço, Torre e Rainha. Um vinho que apenas sairá para o mercado em anos considerados excecionais, como foi 2019. O Crème de la crème! Hoje, a Quinta da Torre é um símbolo na história de Monção, pelo seu passado e seu terroir de excelência. Aqui nasce o vinho A Torre, que presta homenagem à memória secular deste lugar e ao apaixonado e visionário que não a deixou perder-se no tempo.

Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

(Artigo publicado na edição de Março de 2025)

Real Companhia Velha: Real de inspiração asiática

Real Companhia Velha

A apresentação destes vinhos esteve a cargo de Pedro Silva Reis (filho) e do enólogo Jorge Moreira. A ideia era provar especialidades, algumas delas com castas estrangeiras. O tema, hoje mais pacífico do que já foi, foi abordado por Silva Reis, que relembrou alguns factos históricos. Até 1960, a Real Companhia Velha não tinha um […]

A apresentação destes vinhos esteve a cargo de Pedro Silva Reis (filho) e do enólogo Jorge Moreira. A ideia era provar especialidades, algumas delas com castas estrangeiras. O tema, hoje mais pacífico do que já foi, foi abordado por Silva Reis, que relembrou alguns factos históricos. Até 1960, a Real Companhia Velha não tinha um pé de vinha e as melhores uvas iram sempre para Vinho do Porto. Foi com a chegada de Jerry Luper, enólogo americano com quem Jorge Moreira começou a trabalhar, que se fizeram as primeiras plantações de castas francesas, sempre naquele balanço de dúvida entre porquê? e porque não? Luper defendia que também seria possível fazer grandes vinhos tranquilos, além do Vinho do Porto, e Silva Reis sente-se à vontade no assunto porque, recordou, “ninguém tem feito mais do que a Real Companhia Velha para a recuperação e valorização das antigas castas do Douro e ignorar estas castas de fora também poderia ser um absurdo”.

Com 30 anos de experiência no Douro, hoje já se sabe onde estão as melhores vinhas em função da exposição e altitude, onde cada casta dá melhores resultados, onde se podem fazer vinhos mais leves e que vão ao encontro das tendências da moda, e onde estão as melhores parcelas para Porto. Agora é não estragar e não inventar onde não é preciso.

Real Companhia Velha

Tensão e austeridade

Os espumantes apresentados incluíram uma estreia, o Blanc de Blancs de 2019, um vinho que teve três anos de estágio antes do dégorgement. O facto de ser Chardonnay, dizem-nos, permite fazer um vinho com oito gramas de acidez e um pH de 3.1, “algo muito difícil, se estivéssemos a falar de Gouveio”, referiu o enólogo. O Grande Reserva, sendo de 2014, incluiu, na cuvée, vinhos de reserva, de 2011 e 2012. A base são vinhas velhas e faz-se uma vindima precoce para espumante, conseguindo-se, assim, mostos de menor graduação e acidez mais elevada, mas com boa tensão e austeridade (de inspiração Krug, confessaram…), algo que a madeira também ajudou.

O Marquis branco é feito com Sauvignon Blanc, variedade plantada em 1993 que, segundo Jorge Moreira, requer solos azotados. Isso obriga a um mapeamento da vinha, linha a linha, e só as melhores são vindimadas para este vinho. Ano após ano têm sido sempre as mesmas as usadas. O vinho estagiou por oito meses em barricas usadas e teve anteriores edições em 2014 e 2018. O Cabernet Sauvignon que entra no tinto foi plantado pela primeira vez em 1993. Esta marca é a sucessora da Grantom, essa sim uma marca muito antiga na casa. Esta nova versão, em ligação com a Touriga Nacional, teve a primeira edição em 2001. Anteriormente existia um Marquis de Soveral tinto, que fazia parte do portefólio da Real Vinícola.

O Grandjó Late Harvest é um vinho branco cuja produção, apesar da boa vontade e investimento da empresa, está sempre totalmente dependente das condições climáticas, as que permitem que se forme uma podridão que não seja acética. Fala-se em investimento, porque se deixam cerca de 2 ha de vinhedos por vindimar à espera de que o tal “milagre” se opere. Como se pode ver pelas edições que teve, houve muitos anos em que os tais 2 ha produziram uvas para deitar fora. A nova era do Grandjó Late Harvest, nascido na quinta da Granja, iniciou-se com a colheita de 2002 e, de lá para cá, foi editado em 2004, 05, 06, 07, 08, 12, 13 e, agora, com a colheita de 2021. É feito a partir da casta Boal, por coincidência a mesma casta que em Sauternes (França) se chama Sémillon, e daí este poder ser um DOC Douro.

Real Companhia Velha

Balanço perfeito

À mesa pudemos provar Quinta do Cidrô Marquis branco 2014, a mostrar-se ainda em boa forma. Por curiosidade, provámos também um Marquis de Soveral (era então o nome que ostentava no rótulo) de 1964, que se revelou uma boa surpresa apesar de ter sido preciso abrir várias garrafas até encontrar algumas ainda com saúde. Nos tintos provámos ainda um Marquis de 2001, que se bateu muito bem com a carne Wagyu.

De salientar o excelente trabalho de sommelerie feito com estes vinhos em relação ao menu, com o perfeito balanço que foi encontrado entre texturas e aromas. Pode parecer fácil mas dá trabalho. Muito trabalho.

(Artigo publicado na edição de Março de 2025)

 

Herdade do Freixo: Elegância e longevidade

Herdade do Freixo

A Herdade do Freixo nasceu da paixão dos irmãos Pedro e José Luís Vasconcelos e Sousa, de desenvolver um projecto de vinhos diferente na região. Hoje já não estão ligados à empresa, mas foi isso que comunicaram, num jantar de amigos, alguns deles potenciais investidores, proposta que originou o interesse dos comensais. “Acreditava-se que existia, […]

A Herdade do Freixo nasceu da paixão dos irmãos Pedro e José Luís Vasconcelos e Sousa, de desenvolver um projecto de vinhos diferente na região. Hoje já não estão ligados à empresa, mas foi isso que comunicaram, num jantar de amigos, alguns deles potenciais investidores, proposta que originou o interesse dos comensais. “Acreditava-se que existia, ali, um terroir diferenciador”, conta Carolina Tomé, 50 anos, directora de Marketing e Comercial da Herdade do Freixo.

Um toque inovador

O posicionamento da herdade em relação à Serra de Ossa, a localização do vale onde hoje se desenvolvem as vinhas das castas brancas e fica a adega, o monte que fica em frente, com os seus 450 metros de altitude no topo, onde estão plantadas castas tintas “com exposições diferentes que permitem equilibrar a frescura com a concentração, são alguns dos contributos para a existência deste terroir distinto. O mesmo acontece com o seu microclima, que contribui para a ocorrência de maturações mais lentas e vinhos mais frescos, e os seus solos de origem xistosa e granítica. Na sua plantação foram selecionadas, para além de castas tradicionais da região, outras que podiam contribuir, com a tecnologia certa usada na adega, para originar vinhos mais frescos e elegantes, com maior capacidade de evolução positiva em garrafa com o tempo. No fundo, o melhor de dois mundos: a concentração e a alma típica do Alentejo com mais frescura, elegância, longevidade em garrafa e maior apetência gastronómica, algo que o enólogo consultor desta casa, Diogo Lopes, procura fazer reflectir nos vinhos de cada colheita.

Depois de ter sido estudado o local, as vinhas começaram a ser plantadas, a partir de 2010, com esse objectivo, e também com o potencial de dar um toque inovador aos vinhos produzidos pela herdade, alguma diferença em relação ao habitual do Alentejo. Foi, por isso, que foi introduzido o Alvarinho, “que se dá muito bem no Freixo”, mas também Sauvignon Blanc, Chardonnay, Riesling, “que só foi lançado há dois anos”. A casta branca Arinto foi plantada para potenciar longevidade nos brancos. Nas tintas, a base é a Touriga Nacional. Mas também há Cabernet Sauvignon de clones seleccionados para o tipo de solos da propriedade, Alicante Bouschet e Petit Verdot, “para trazer frescura e capacidade evolutiva aos vinhos” e Petite Syrah, da qual foi lançado o primeiro vinho há pouco tempo. “Também plantámos Syrah, que está a ser conduzida no modo biológico, a pensar no lançamento de um futuro vinho biológico da herdade”, diz Carolina, revelando, depois, que toda a vinha está a ser conduzida no modo de protecção integrada. “É evidente que o modo de produção biológico pode ser interessante, mas é essencial garantir a produção de vinhos com um perfil de frescura, concentração e longevidade, estrutura e elegância”, defende. Todos os anos há uvas, e é preciso produzir e vender vinhos que sejam apreciados pelo mercado, ou seja, nenhum negócio persiste sem sustentabilidade económica. Para garantir a sua qualidade e consistência ao longo dos anos, “a vindima é feita no ponto óptimo de maturação”, de forma manual, quando há mão de obra disponível, ou à máquina, quando não há.

Herdade do Freixo
Carolina Tomé, directora de Marketing e Comercial da Herdade do Freixo.

Paisagem intocada

A propriedade tem 300 hectares, que estavam intocados, sem terem sido sujeitos a agricultura intensiva, na altura em que o projecto começou a ser desenvolvido “Era e é um eden paisagístico, onde passam e poisam aves migratórias e se podem ver lebres ou raposas, cuja natureza era preciso preservar”, conta Carolina Tomé. Por isso, a adega integra-se quase na perfeição nesta paisagem. Para além de ter condições para potenciar a produção de vinhos com longevidade em garrafa, mais frescos e elegantes, é conceptualmente interessante de visitar, o que incentiva a procura do seu enoturismo e ajuda a promover o seu vinho. “O objetivo é que as pessoas percorram as vinhas, sintam a paisagem e entrem na adega, numa outra realidade que seja uma novidade para os sentidos, para conhecer um pouco do processo de produção, se quiserem, e terminarem a experiência com a prova de vinhos coerentes com as sensações tidas durante a visita”, explica a gestora.

Para a sua construção foi feito um concurso, ganho pelo atelier do arquitecto Frederico Valsassina com a proposta de uma adega totalmente enterrada, qua alberga escritórios, zona de fermentação, estágio em barricas e em inox, armazenamento e laboratórios. Todo o seu interior, que é iluminado com luz natural, pode ser visitado 365 dias por ano sem haver interferências entre os visitantes e a produção.

A adega demorou dois anos e meio a ser construída e o projecto terminou em Outubro de 2015. Assim nasceu um edifício que foi premiado pela publicação especializada ArqDaily, de Nova Iorque, em 2018, um par de anos após ter aberto. Em Maio/Junho foram lançados os primeiros vinhos.
Além de preservar a paisagem rural e permitir o contacto dos visitantes com o vinho, numa experiência sensorial completa, a adega da Herdade do Freixo possibilita o controlo do efeito das amplitudes térmicas do interior do Alentejo, sobretudo as extremas do verão, quando as máximas podem chegar aos 50 ºC, e as mínimas aos 20 ºC. Isso é essencial durante o processo de produção, estágio em barrica ou inox, engarrafamento e repouso das garrafas até irem para os clientes, para a manutenção da frescura e evitar a evolução antecipada dos vinhos.

O desafio do mercado

Desde o início que a Herdade do Freixo privilegia as vendas para a restauração e lojas da especialidade, “porque os nossos produtos têm de se ser apresentados, explicados, e beneficiam quando são provados com comida”, diz Carolina Tomé. Conta também que foi um desafio lançar, no início do trajecto da empresa, vinhos distintos, de nicho, com origem no Alentejo, região conhecida, na altura em que começou a trabalhar, pelas suas marcas de volume. Foi necessário abrir muitas garrafas, fazer a formação das equipas de vendas, muitas masterclasses e muitas conversas pessoais com os clientes para mudar a perspectiva do mercado em relação à sua casa. “Nas primeiras apresentações ouvíamos dizer que os vinhos eram interessantes, frescos, mas não pareciam do Alentejo”, conta, salientando que hoje isso já não acontece, não só porque os vinhos do Freixo já são conhecidos em Portugal e nos mercados para onde a casa exporta, mas também porque surgiram mais produtores com vinhos semelhantes aos seus, mais frescos, longevos e elegantes, com origem no Alentejo. Hoje a Herdade do Freixo exporta 20% dos seus vinhos para a Suíça, “mas também um pouco para a Holanda, Bélgica e Suécia, e Brasil, China e Angola, mais recentemente”, revela ainda a responsável. Em Portugal, para além dos restaurantes e lojas da especialidade, estão disponíveis nos supermercados Apolónia e no El Corte Inglés.

(Artigo publicado na edição de Março de 2025)