Dar de beber ao molho

O que é um molho? É um adorno do palato, a alma de um prato ou a essência do sabor de uma criação culinária? As definições sucedem-se e raramente convergem para uma resposta única e consensual. E haverá sempre um vector não contemplado que podemos adicionar ao leque de respostas possíveis. Reformulei por duas vezes […]

O que é um molho? É um adorno do palato, a alma de um prato ou a essência do sabor de uma criação culinária? As definições sucedem-se e raramente convergem para uma resposta única e consensual. E haverá sempre um vector não contemplado que podemos adicionar ao leque de respostas possíveis. Reformulei por duas vezes este artigo, o assunto merece e todo o espaço editorial é exíguo para um tema pouco frequente e tão estruturante. Não sou cozinheiro e nunca me substituirei aos muitos profissionais de grande gabarito que povoam a cena restaurativa nacional, mas é inevitável uma breve incursão aos fundamentos e à história do molho culinário e seu papel na cozinha e na mesa. Escolho como luzeiro a definição do Larousse Gastronomique que diz que “de forma geral, chama-se molho a todo o acompanhamento líquido dos alimentos”. E assim liberto-me do preconceito clássico e demasiado redutor, para me juntar ao colégio dos “normais”, que tanto chama molho a um velouté como a um vinagrete.

Podemos fixar o início épico da aventura do molho em 1651, com a publicação do calhamaço intitulado “o cozinheiro francês” pelo gigante clássico François-Pierre de La Varenne. Muito do que se pratica em alta cozinha e conhece bebe ainda desse instante luminoso primordial. Devemos-lhe pelo menos a invenção dos “roux”, preparados culinários com farinha em vez de pão que depois vão estar na base de muitos fundos de cozinha e caldos, por sua vez integrados em declinações culinárias diversas. Mais tarde, já no séc. XIX, com Marie-Antoine Carême foram fixados quatro molhos fundamentais, que Auguste Escoffier já no séc. XX (1903) viria a categorizar em cinco grandes grupos: béchamel, velouté, espanhol, tomate e holandês, no totem em torno do qual o mundo continua a girar e que dá pelo nome de “Le Guide Culinaire”. O enorme salto técnico deu-se quando por efeito directo da Revolução Francesa a cozinha de palácio deixou de existir porque os seus obreiros foram dispensados. Ainda bem, dizemos nós porque foi isso que fundou a venerável actividade da restauração. A nobreza e a alta burguesia passaram a frequentá-la, em vez de ter cozinhas nas suas casas. O conhecimento democratizou-se e os códices foram trazidos para a luz do dia. Felizmente a arte culinária não se perdeu, antes permitiu que se desenvolvesse e ramificasse.

A estrutura de um molho tem basicamente três componentes e determina entre outras a vocação vínica de que vamos munir determinado prato. São elas a líquida, a aromática, e a espessante. A base é sempre líquida; um molho é essencialmente líquido, todos concordamos. Chamamos-lhes caldos ou fundos quando há cozedura conjunta de proteína, pedaços de carne ou peixe e verduras classificamos como claro quando a extracção – leia-se cozedura – é curta e escuro quando é prolongada. Os veloutés e os molhos de tomate enquadram-se nos fundos claros, enquanto o espanhol parte de um fundo escuro. O leite é muitas vezes a base líquida de molhos diversos, especialmente o bechamel, pela riqueza de sabor e pela reacção positiva ao calor. Também fundamental como componente líquida é a manteiga clarificada, que resulta da separação pelo calor da água e do soro do leite, concentrando a densidade e sabor. É ingrediente fundamental do molho holandês e a base culinária por exemplo dos ovos Bénedict.

Os aromáticos dividem-se em mirepoix – tipicamente cenouras, cebolas e salsa – e o chamado bouquet garni, pequenos aglomerados de talos de salsa, tomilho, louro e alho francês. Finalmente, os espessantes são instrumentais na afinação da textura de um molho. O principal ingrediente é, neste aspecto, o que conhecemos como roux – lê-se “ru” – e consiste de mistura em partes iguais de farinha e uma gordura, tipicamente manteiga. No tacho damos-lhe a cozedura de 2-3 minutos para ter roux branco, que utilizamos para chegar ao molho branco e ao bechamel. Qualquer deles nasceu para gratinar ou emulsionar e prefere vinho branco sem madeira a todos os outros. Muito bom com filetes de linguado no forno. Mais dois minutos de calor e passa a roux dourado, o segredo de um bom velouté e de tantos molhos básicos. Com 15 minutos chegamos ao roux castanho e acima disso entramos no roux exótico. Qualquer um pode ser feito com antecedência e guardado em quantidade no frio. Sangue, gema de ovo e amido de milho – Maizena – são espessantes eficazes. Descritos os fundamentos, avançamos para os cinco molhos mais importantes, agora descritos segundo o binómio ingredientes e harmonizações felizes.

 

O que fazer com este molho?

Molho Béchamel: Composto por leite, roux branco, ervas aromáticas e especiarias. Liga bem com ovos, legumes, peixe, frango, carnes vermelhas e massas. Gosta de Arinto sem madeira. de acidez pronunciada e de Fernão Pires com mais de três anos.
São diversos os pratos felizes com a assessoria deste molho, com a blanquete de vitela no topo da lista, seguida de muito perto por filetes de pescada, peixinhos da horta e bacalhau no forno. A pimenta rosa é um bom intensificador de sabor e consegue explorar com eficácia a maioria dos pormenores sem interferir demasiado no prato.
Molho de tomate: Composto por tomate, banha de porco, ervas aromáticas, roux branco, especiarias e mirepoix. Utiliza-se em diversas situações e é talvez o mais flexível de todos e geralmente pede mais vinho tinto que branco mas há que atentar à proteína dominante e ao “peso” tânico do vinho. A intuição e o processamento culinário contudo ditam o caminho a seguir. Entre as utilizações mais frequentes estão massas, pizas, todos os tipos de carne, pratos de tacho de peixe e cozinhas vegetarianas.

Molho holandês: Composto por gema de ovo, especiarias, manteiga clarificada e sumo de limão. Aproxima-se pacificamente de carnes vermelhas, ovos, peixe, frango e vegetais. Está no coração de clássicos como os ovos Bénedict e presta-se a muitas declinações. É, por exemplo o dip perfeito com peixinhos da horta, o mesmo é dizer tempuras na cozinha japonesa. Rega bem a parafernália marisqueira e é brilhante com leguminosas. Aceita vinhos encorpados brancos e tintos.
Molho velouté (aveludado): Composto por caldo de frango, roux dourado, ervas aromáticas e especiarias. Está na base de dezenas de molhos e é particularmente feliz em sopas. A tonalidade amarelada coloca-o na charneira entre carne e peixe e leva ao extremo os acompanhamentos com picles e picantes. Em matéria vínica, trabalha na perfeição com rosés com alguma idade e brancos fermentados em madeira. Presta-se além disso a montagens eficazes de cocktails e buffets. Pela acidez e mineralidade os brancos do Pico funcionarão bem.

Molho espanhol (espagnole): A cor retinta e carregada inspira desde logo a vocação para démi-glace. Composto por caldo de vitela, roux castanho, puré de tomate, mirepoix, ervas aromáticas e especiarias. Encontra parceiros fortes em carnes vermelhas, porco e borrego. Um carré assado fica automaticamente completa no palato em termos de nutrição. O rosbife à inglesa é outra vocação forte, assim como o bife grelhado ou o tornedó. Na cozinha de sala vinga bem todos os apetites carnívoros. Pede tintos vigorosos com acidez moderada.

Molho de tomate

E há mais, muito mais

Pegamos em óleo de sésamo ou azeite, juntamos vinagre ou limão, temperamos a gosto e temos o tempero de salada a que damos o nome de… molho vinagrete! Estamos fora do registo formal anteriormente descrito e ainda bem, que há vida para além da cozinha francesa! O molho de manteiga simples acrescentado ou não de mostarda está na base do molho cervejeiro mais frequente, que aceitamos como molho. Depois há todo um desfile de molhos que hotéis, cafés e tascas servem com orgulho e garbo a passantes e clientes habituais e com esses infelizmente bebe-se quase sempre cerveja. O tinto mais cervejeiro que conheço e por isso aconselho é o da casta Rufete produzido na Beira Interior.

Contribuem para essa extrema aptidão a pouca extracção na vinificação e a elevada acidez que a região prefigura. Certa vez em Londres provei um prato num restaurante de duas estrelas Michelin que constava de lavagante servido com molho diable – diabo em português – quando, sendo um molho castanho e denso, é normalmente servido com pratos profundamente carnívoros. Foi-me explicado que a estratégia passava pela textura, não tanto pelo sabor. A partir do momento em que absorvemos a teoria, temos mais capacidade de abordar novas situações e desafios.

A abordagem à cozinha vegetariana, por exemplo, representa para o chef de formação clássica um desafio grande que é desenvolver pratos sem proteína animal. Com isso, é bastante mais difícil estabelecer estratégias para chegar ao molho ideal. Os clientes gostam de ter molho no prato, quando não o encontram sentem-se perdidos, aprende-se na escola na formação superior que vai formar os chefs de amanhã. As cozinhas de inspiração oriental vulgarizaram o molho de soja na mesa e hoje não há peça de sushi ou sashimi que não se passe pela tacinha, resultando numa ingestão exagerada de sal e na consequente deturpação do sabor. As cozinhas de vanguarda aplicam muitos extractos e legumes fermentados que impossibilitam a ornamentação clássica com um molho. Os fundos de cozinha utilizados nas cozinhas de produção são não raras vez de fabrico em série e isso está a normalizar os palatos e a interromper a cadeia do gosto, impondo mais uma standardização. As ameaças estão por toda a parte e somos chamados a resistir e a ensinar os nossos filhos a discernir e escolher o caminho da autonomia.

Que nunca nos falte o molho nem o critério!

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)

Três séculos de Alorna

alorna

Para celebrar 300 anos de vida, o produtor de vinhos da região do Tejo preparou especialmente 712 garrafas do vinho “Quinta da Alorna 1723 Grande Reserva tinto”, que será disponibilizado em edição limitada num belíssimo conjunto comemorativo, juntamente com o livro “Da Índia ao Tejo, do Tejo para o Mundo: 300 anos da Quinta da […]

Para celebrar 300 anos de vida, o produtor de vinhos da região do Tejo preparou especialmente 712 garrafas do vinho “Quinta da Alorna 1723 Grande Reserva tinto”, que será disponibilizado em edição limitada num belíssimo conjunto comemorativo, juntamente com o livro “Da Índia ao Tejo, do Tejo para o Mundo: 300 anos da Quinta da Alorna”, da autoria da jornalista Maria João de Almeida, com prefácio do Professor António Barreto.
A Quinta da Alorna foi fundada em 1723 por D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal que, após ter conquistado a Praça Forte de Alorna, na Índia, regressou a Portugal e recebeu do Rei D. José I o título de Marquês de Alorna, concedendo à propriedade o nome que ainda hoje mantém. Poucos anos depois, em 1725, mandou construir o imponente Palácio, que sobrevive até aos nossos dias e cuja imagem está representada no logótipo da Quinta.
A Quinta da Alorna permanece na família Lopo de Carvalho desde há cinco gerações, após ter sido adquirida pelo Dr. Manuel Caroça em 1918 aos herdeiros do Visconde da Junqueira que, por sua vez, a havia adquirido, em finais do Século XIX, às filhas da 4.ª Marquesa da Alorna, D. Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre. Foi uma das mulheres mais cultas da sua época e a primeira escritora pré-romântica em Portugal. Mulher de letras, muito ligada à cultura e à política, e com influência junto das Cortes portuguesa e europeias, deve-se à sua persistência junto da Rainha D. Maria I, a abertura da primeira escola feminina em Portugal. Empresta o seu título aos vinhos premium da Casa.

alorna
Martta Reis Simões, responsável de enologia.

A tradição vinícola da Quinta da Alorna remonta praticamente à data da sua fundação, tendo sido nessa altura que foram plantadas as primeiras vinhas, juntamente com pomares, jardins de amoreiras, florestas e oliveiras, adicionando pontes levadiças, lagos e buxos, copiando o modelo francês, tão em voga entre as elites europeias da altura.
No entanto, foi apenas no início do Século XX que a produção de vinho foi encarada de maneira mais profissional, embora sempre como fazendo parte do todo universal em que consiste a “Alorna”.
A “Alorna” é hoje 2600 hectares ao longo de 16 quilómetros de comprimento, dos quais 1900 hectares são de floresta, inclusive com árvores centenárias que datam da época de D. João, filho do primeiro Marquês de Alorna, 500 hectares de área agrícola onde são produzidos azeite, cereais e horto-frutícolas, e 180 hectares de vinha. A casa também se orgulha bastante do seu Centro Equestre, com cavalos puro sangue lusitano, e é, inquestionavelmente, uma parte integrante da história da região, das antigas casas aristocráticas do Ribatejo, com as explorações agrícolas ligadas à terra, às gentes, aos cavalos e à tradição.

alorna
Pedro Lufinha, Director Geral da Quinta da Alorna.

Quando em finais do Século XVIII os Marqueses de Alorna se deslocavam até Almeirim faziam-no de barco, Tejo acima, demorando uma noite inteira desde Lisboa, onde à chegada uma carruagem da casa prontamente aguardava para os levar alameda acima até ao Palácio. No passado dia 26 de Outubro chegamos à Quinta da Alorna pela Estrada Nacional, mais rápido é certo, mas com menos glamour todavia, passamos o imponente portão e atravessamos a mesma alameda que nos conduziu ao Palácio, onde nos esperavam Pedro Lufinha e Martta Reis Simões, director geral e enóloga, respectivamente, da Quinta da Alorna.

 

 

 

 

Oferta muito consistente

A festa que assinalou o 300.º aniversário da Quinta da Alorna decorreu nos jardins do Palácio e juntou mais de 150 convidados, contando com a presença de figuras ilustres do sector que se reuniram para brindar ao legado, impacto e história da Quinta da Alorna. A maior parte das vinhas da Quinta da Alorna encontra-se em área de charneca, na margem esquerda (Sul) do Tejo, em zonas de planície e planalto, onde se percebem claramente os solos de calhau rolado e areia, nada homogéneos, passando a areia pobre em apenas poucos metros. As vinhas mais antigas encontram-se precisamente nestas zonas. No entanto, Martta Reis Simões, enóloga na Quinta da Alorna desde 2003 e directora de enologia desde 2010, decidiu também apostar recentemente nos solos de transição, localizados junto ao palácio.
Nos vinhedos da Alorna existem 19 castas, portuguesas e internacionais, sendo as mais emblemáticas e representativas a Castelão, a Touriga Nacional, a Cabernet Sauvignon, a Alicante Bouschet, Fernão Pires, Arinto, Chardonnay e Sauvignon Blanc. A produção anual da Quinta da Alorna é de dois milhões de garrafas das quais se exportam 50%, divididas por 23 países.
Os vinhos da Quinta da Alorna são muito consistentes e bem representativos do carácter da região, como bem tivemos oportunidade de comprovar durante o cocktail que precedeu a apresentação do tão aguardado “1723”. Foram servidos os Reserva Alorna Alvarinho/Viognier 2021 e Alorna Arinto/Chardonnay 2022 para uns tacos de peixe no forno, almendrados de brie e cremoso de pêra, brigadeiros de alheira com espinafres e sementes de sésamo, mini cones de queijo da serra, mel e figo, entre outras iguarias, e o Reserva Alorna Touriga Nacional/Cabernet Sauvignon 2019, em garrafas magnum, para uns croquetes de rabo de boi com maionaise trufada, tiborna de perdiz em escabeche, maçã e agrião e espetadinhas de cordeiro com molho tandoori.

alorna

Um vinho de celebração

E o momento mais importante da noite chegou com o Quinta da Alorna 1723 Grande Reserva tinto 2019. Este tinto comemorativo surge da chamada “Vinha do Planalto”, onde as castas Tinta Miúda, Castelão e Alicante Bouschet exibem a sua verdadeira essência, patente num vinho que sobressai pela sua elegância e carácter do princípio ao fim.
Foi feita vindima manual em caixas de 18 kg, seguindo-se selecção em mesa de escolha para tanques horizontais abertos de 500 Kg a simular lagares. A fermentação iniciou-se com cacho inteiro como se de uma maceração carbónica se tratasse, iniciando-se assim uma fermentação intracelular para promover a fruta. As uvas foram desengaçadas a 2/3 da fermentação, pisa a pé até final, seguindo para prensa vertical. Individualmente, o vinho de cada casta estagiou durante 10 meses em barricas de carvalho francês usadas anteriormente para o Marquesa de Alorna tinto 2016. O vinho foi engarrafado a 18 de Novembro de 2020.
Seguiu-se o jantar volante, onde começou por ser servido um creme de couve flor caramelizado com cogumelos e crocante de presunto, devidamente acompanhado pelo Quinta da Alorna Reserva das Pedras Branco 2018, um 100% Fernão Pires em solo de calhau rolado, que se apresentou delicado no nariz, com aromas de flores brancas, notas de limão e fruta de caroço, bom volume de boca, revelou desde logo o seu carácter gastronómico, com boa textura e bem suportada pela acidez, final de boca longo e marcadamente mineral.
Não poderia faltar os Marquesa de Alorna Grande Reserva, branco e tinto, servidos em garrafas magnum, o branco de 2021 acompanhando salmão selvagem com arroz negro, espinafres e molho de alcaparras, revelando enorme finesse, equilíbrio e frescura, enquanto que, a sua versão tinta, de 2019, acompanhou uma bochecha de vitela estufada com esmagada de batata, bacon, acelgas salteadas e cebola pérola, demonstrando um perfil sofisticado, exuberante e convidativo, mas sempre com grande requinte. Finalizou-se com um Colheita Tardia Tinto 2015 e um Abafado 5 anos, para acompanhar doçaria a condizer.
E assim, terminada a noite de celebração do tricentenário da Quinta da Alorna, voltámos a atravessar a alameda que nos havia conduzido ao Palácio, mas desta vez em sentido inverso, que nos conduziu de volta à Estrada Nacional… e de regresso a Lisboa.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)

Herdade do Peso: O encanto da terra dobrada

Herdade do Peso

“O grande desafio que os produtores da região têm agora, é sincronizarem-se para trabalhar a vinha em mais detalhe e profundidade, sobretudo o sentido de lugar”. É uma das primeiras coisas que nos diz Luís Cabral de Almeida junto a uma das lareiras da Herdade do Peso, e que introduz muito daquilo que tem sido […]

“O grande desafio que os produtores da região têm agora, é sincronizarem-se para trabalhar a vinha em mais detalhe e profundidade, sobretudo o sentido de lugar”. É uma das primeiras coisas que nos diz Luís Cabral de Almeida junto a uma das lareiras da Herdade do Peso, e que introduz muito daquilo que tem sido o foco, dos últimos tempos, na propriedade. “Sempre defendi a existência do microclima da Vidigueira, com a influência da Serra do Mendro e das outras até ao mar, e as amplitudes térmicas enormes em Agosto, com noites de 14 graus centígrados, que nos permitem ter excelentes maturações”, desenvolve. Enólogo do Peso desde 2012, Luís Cabral de Almeida está hoje mais em contacto com a natureza do que com as “ribaltas” da vida, e isso reflecte-se na aura de tranquilidade e serenidade que emana.

Quando nos aponta como as vinhas e as outras plantações pautam o terreno da herdade, é a “terra dobrada” que vemos, expressão dos locais para orografia ondulada. E aí também nós ficamos tranquilos e serenos, numa época do ano em que tudo começa a descansar: as cepas, as árvores, o vinho.
A Sogrape chegou ao Alentejo em 1991 e, no ano seguinte, fez um contrato para a compra das uvas da Herdade do Peso, em Pedrógão, na Vidigueira. A opção pela Vidigueira foi óbvia na altura, não só pelo potencial vitivinícola da região, mas também pela ligação familiar ao proprietário da Herdade do Peso, cunhado de Fernando Guedes, ex-líder da Sogrape e filho do seu fundador, o que abria uma possibilidade de privilegiada cooperação. Não se perdeu tempo antes do lançamento de um produto para o mercado, e o Vinha do Monte tinto 1991 foi o vinho de estreia do grupo no Alentejo, uma marca actualmente independente do resto do portefólio.

Mais tarde, em 1996, a Herdade do Peso é adquirida pela Sogrape. Na verdade, a equipa técnica já conhecia os cantos à casa, pois, até ao ano da aquisição, tinha vindo a assessorar o processo de plantação de novas vinhas. Estas plantações tiveram, naturalmente, um incremento após a compra da propriedade, e sucedeu-se a construção de um centro de vinificação no local, com capacidade para processar, à época, 750 mil quilos de uvas. A adega foi alvo, entretanto, de mais duas remodelações, uma em 2013 e outra terminada em 2022, tendo hoje capacidade para 2,500,000 quilos de uva. Mas 2013 foi também o ano do primeiro Trinca Bolotas, uma das marcas mais importantes para a operação da Herdade do Peso, cujo tinto representa hoje 1 milhão e 100 mil garrafas anuais.

 

Herdade do Peso

 

Luís Cabral de Almeida iniciou a sua carreira na Sogrape em 1991. No Dão, e desde 2012 chefia a enologia da Herdade do Peso

 

Vinha, onde faz sentido

A Herdade do Peso ocupa uma área total de 465 hectares em solos argilo-calcários, onde 160 são de vinha, 140 dos quais de uvas tintas, como Aragonez, Syrah, Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional, Petit Verdot, Grand Noir, Touriga Franca, Tinta Miúda e Tinto Cão. Os 20 hectares de uvas brancas incluem Antão Vaz, Arinto, Moscatel Graúdo, Chardonnay, Viognier e Verdelho. “A nossa base aqui é Alicante Bouchet e Touriga Nacional nas tintas, e Antão Vaz e Arinto nas brancas, não descurando Chardonnay, Verdelho e Viognier, por exemplo. Estamos progressivamente a cortar no Aragonez e a plantar mais Alicante no lugar dele, não reduzindo tudo. No entanto, penso que uma das próximas revoluções na região, ao nível das castas, será a Tinta Miúda”, declara-nos Luís Cabral de Almeida.

Entre 2020 e 2022, foram plantados mais nove hectares de videiras, com várias castas e uma particularidade: “Recorremos ao sistema de condução antigo em vaso, ou taça [gobelet]. A poda é mais difícil, mas as uvas ficam mais à sombra”, explica o enólogo.
Depois de um estudo profundo sobre os solos da propriedade, foram identificados 12 tipos de solo diferentes, todos derivados do argilo-calcário. Com esta informação, os técnicos da Herdade do Peso passaram a plantar vinha “apenas nos solos mais indicados para potenciar a qualidade das vinhas”, desvendou Luís Cabral de Almeida. Isso já é totalmente visível quando se passeia pela herdade, pois há muitas zonas que já não têm vinha contínua, tendo sido criados corredores de biodiversidade entre as parcelas. Para estes corredores, e não só, foi feito mais um estudo no sentido de apurar as espécies verdes naturalmente presentes: foram apontadas 157 espécies de plantas, oito das quais em grande risco de extinção. Assim, 37 destas espécies estão a ser plantadas nos sítios menos indicados para vinha. Luís Cabral de Almeida diz que o objectivo é “recuperar a flora tradicional da propriedade”.

Quanto a olival, este também representa uma parte importante da área plantada, com 50 hectares de tradicional e 50 de intensivo. Estes últimos serão, segundo o enólogo, para arrancar quando acabar o contrato vigente. Mas dentro deste tema há algo ainda mais impressionante: a alegada oliveira mais antiga de Portugal, que Luís Cabral de Almeida diz rondar uns impressionantes 3700 anos de idade. Estar na sua presença é quase desconcertante, tal a imponência e a beleza da sua velhice. “Temos um desafio, que é fazer um azeite com as azeitonas das oliveiras que têm mais de mil anos. Vamos ver se conseguimos…”, adianta. Para suportar tudo isto a nível hídrico, a Herdade do Peso conta com uma preciosa barragem, que ocupa uma área de vinte hectares. Toda a vinha da propriedade é regada, mas apenas com recurso à barragem e em sistema de gota-a-gota.

Uma adega completa

O projecto nunca parou de crescer e, em 2022, ficou concluída a mais recente ampliação da adega da Herdade do Peso, para acompanhar esse crescimento. A simples mas bonita edificação, com tecto ondulado inspirado na “terra dobrada”, contempla uma área de vinificação com 18 cubas de brancos, 13 cubas para brancos premium (5 delas em betão), 28 cubas de tintos e 12 cubas para tintos premium (2 em betão), bem como três prensas pneumáticas e uma prensa vertical de pratos. Quanto ao estágio e armazenagem, a adega dispõe de 56 cubas de inox, entre 2 mil a 35 mil litros, e dez talhas de barro, cada uma com capacidade para 1500 litros. Entre todo estes recursos, Luís Cabral de Almeida apontou-nos aqueles que estão dedicados aos “fine wines” do peso: as túlipas de betão, as cubas tronco-cónicas de inox e as talhas. Estão ainda a apostar nos grandes formatos, com tonéis de três mil litros para estágio. “Esta é uma adega com preocupação ambiental e pragmatismo em simultâneo, com grande isolamento térmico. Fazemos também re-aproveitamento da água da ETAR para lavagens e rega dos jardins”, explica o enólogo.

Os vinhos

Recentemente, a Herdade do Peso reorganizou e actualizou a sua gama de “estate wines”, que hoje inclui as sub-marcas Sossego e Trinca Bolotas, e as referências Herdade do Peso Revelado, Herdade do Peso Reserva, Herdade do Peso Parcelas e o topo de gama Herdade do Peso Ícone. Estes e outros vinhos perfazem uma produção anual de um milhão e oitocentas mil garrafas, mas é nos últimos quatro tintos que agora nos focamos.

Herdade do Peso Revelado nasceu com o propósito de ter toda a herdade engarrafada. É um blend de todos os solos e das castas mais representativas (Alicante Bouschet, Syrah e Cabernet Sauvignon), levando, desta forma, “a Vidigueira e o Alentejo de volta ao mundo”, dizem os próprios. A uvas do Revelado são desengaçadas, fermentam em inox e o vinho estagia um ano em barricas de carvalho francês. Já com Reserva, pretende-se combinar a tradição vitícola com a inovação na adega. É escolhida uma parte das uvas das “melhores” parcelas e são utilizados “materiais nobres e deixa-se o tempo actuar, fazer a sua magia”, adianta a equipa. Neste caso, as uvas provêm do talhão 28 de Alicante Bouschet, do talhão 94 de Touriga Nacional e da melhor parcela de Syrah. A fermentação dá-se em cubas tronco-cónicas de inox e, após fermentação maloláctica, o vinho estagia, separado por casta, em barricas e nos tonéis de 3 mil litros de carvalho francês durante 12 meses. Para o blend final, são escolhidos os vinhos das melhores madeiras.

O Parcelas, por sua vez, é feito com uvas das parcelas que mais se destacaram pela qualidade em cada vindima. Neste 2019 entraram o talhão 21, de Alicante Bouschet, e o talhão 101, de Petit Verdot (a edição anterior foi um 100% Alicante Bouschet, por exemplo). A fermentação ocorre em cubas tronco-cónicas e o estágio nos tonéis, durante um ano, escolhendo-se depois os melhores para o lote final. Por último, o topo de gama Herdade do Peso Ícone é o vinho que surge apenas nos anos que a equipa considera como excepcionais: o histórico deste tinto inclui 2007, 2014 e agora o 2018. Depois da selecção dos melhores bagos da Herdade do Peso, é preciso vinificar primeiro para se decidir se é engarrafado como Ícone ou não. Neste 2018 entraram as melhores uvas de Alicante Bouschet, Touriga Nacional e Petit Verdot. As uvas foram desengaçadas, mas, na fermentação em tronco-cónicas de inox, adicionou-se 30% de engaço ao Alicante Bouschet, “para dar mais complexidade e estrutura”. Após fermentação maloláctica, o vinho estagiou nos tonéis por 12 meses e, mais uma vez, foram depois escolhidos os melhores.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2023)

João Portugal Ramos: Estremus e Petrichor, consagração e desafio

João Portugal Ramos

Já escrevemos anteriormente que a empresa João Portugal Ramos, a operar em quatro regiões portuguesas, está em plena velocidade de cruzeiro, e nem a renovação geracional a faz abrandar. Pelo contrário! A cada vez maior preponderância do papel de João Maria Portugal Ramos, filho do fundador e enólogo do grupo, isso o demonstra claramente (a […]

Já escrevemos anteriormente que a empresa João Portugal Ramos, a operar em quatro regiões portuguesas, está em plena velocidade de cruzeiro, e nem a renovação geracional a faz abrandar. Pelo contrário! A cada vez maior preponderância do papel de João Maria Portugal Ramos, filho do fundador e enólogo do grupo, isso o demonstra claramente (a experiente enóloga Donzília Copeto mantém-se como directora de produção e João Perry Vidal, incontornável cúmplice do fundador João Ramos, como director vitivinícola da Quinta de Foz de Arouce e da Duorum). Tal é bem visível também no facto de João Maria já ter tido um papel muito importante no desenho de vinhos como Pouca Roupa e Marquês de Borba Vinhas Velhas, duas gamas que, sendo relativamente recentes, já levam alguns anos de história e de sucesso. Também relativamente recente foi a criação do vinho Estremus, cuja primeira edição ocorreu em 2015, com nova edição dois anos depois em 2017.
Pois bem, é agora lançada a de 2019 deste verdadeiro topo de gama, lugar anteriormente ocupado pelo clássico Marquês de Borba Reserva tinto. Quanto ao Estremus mantém, nesta edição de 2019, o seu desenho e perfil de pendor vegetal, com base em Alicante Bouschet e Trincadeira, provenientes de uma vinha com 20 anos muito próxima das muralhas da cidade de Estremoz, num solo calcário com pedra mármore visível à superfície, e a uma altitude de quase 400 metros. Como não poderia deixar de ser num topo de gama desta qualidade, as uvas foram vindimadas manualmente para pequenas caixas sendo que, em termos de vinificação, as duas castas fermentaram em conjunto por quatro dias em lagares de mármore com pisa a pé (mas delicada para não provocar concentração excessiva). Ora, a co-fermentação é algo que pode ajudar muito um vinho na integração do lote, mas nem sempre é possível por existirem castas que amadurecem na vinha em períodos diferentes e, assim, não podem ser fermentadas em simultâneo. Porém, na vinha onde estão em ‘field blend’, o Alicante Bouschet e Trincadeira utilizados neste vinho tiveram um amadurecimento quase sincrónico, pelo que a opção da casa foi mesmo para a co-fermentação, e os consumidores agradecem o excelente resultado. Seguiu-se, depois, a trasfega para cuba de inox onde acaba a fermentação alcoólica, e mais 12 dias de maceração pós fermentativa. O estágio e afinamento é feito em meias pipas de carvalho francês durante um período de 18 meses. Encheram-se quase 4000 garrafas, praticamente o dobro da edição anterior, sendo que nesta colheita de 2019 o vinho – fabuloso! – está simultaneamente mais fresco e sofisticado.

João Portugal Ramos
Vinha Estremus

Mas igualmente a provar a pujança e criatividade da empresa, aproveitou-se a ocasião do lançamento do Estremus 2019 para ser revelado um novo vinho branco da casa, totalmente diferenciado do resto da gama. Falamos do Petrichor! Como nos disse João Maria, foi sem qualquer medo de arriscar que quiseram fazer um branco diferente, no caso com maceração pelicular (contacto do mosto com as películas) mas procurando evitar uma oxidação desmedida. O vinho teve uma origem claramente conceptual, tanto mais que se elegeu o Arinto pela sua frescura e acidez e o Verdelho pela capacidade de resistir a oxidações (até na cor). As uvas, colhidas manualmente de manhã cedo, provêm de vinhas plantadas em 2003 em solos xistosos a 320 metros de altitude, e são arrefecidas numa câmara frigorífica antes de serem vinificadas. São depois desengaçadas, suavemente esmagadas e transferidas para cubas de cimento ovais de 3000 litros, onde a fermentação alcoólica ocorre com temperatura controlada, seguindo-se a maceração pós-fermentativa durante sete meses.

É um branco de perfil austero e seco, mas mantendo alguma fruta citrina, sobretudo com notas de laranja e sua casca. São 2000 garrafas de um branco muito gastronómico, levemente terroso (petrichor é o nome que se atribui à fragância da chuva ao cair em solo seco). Com grau alcoólico ajuizado, que, estamos certos, será um parceiro imbatível à mesa, junto a um presunto ou até com combinações geralmente complicadas como escabeches. A não perder!

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2023)

 

Ravasqueira: Começou uma nova era

Ravasqueira

Estamos no Monte da Ravasqueira, em Arraiolos, 25 anos depois da plantação das primeiras videiras, para passar o dia junto dos vinhos mais ambiciosos, que saem daqueles 45 hectares de vinha, e sentir as características únicas do local. Quem nos acompanha é a equipa de enologia, composta por David Baverstock — enólogo chefe, chegado recentemente […]

Estamos no Monte da Ravasqueira, em Arraiolos, 25 anos depois da plantação das primeiras videiras, para passar o dia junto dos vinhos mais ambiciosos, que saem daqueles 45 hectares de vinha, e sentir as características únicas do local. Quem nos acompanha é a equipa de enologia, composta por David Baverstock — enólogo chefe, chegado recentemente à Ravasqueira para impulsionar as gamas superiores — o seu “braço direito” Vasco Rosa Santos (que já conhece a casa como a palma das suas mãos) e a enóloga assistente Ana Filipa Pereira. “O meu papel na Ravasqueira é fazer vinhos com elegância, complexidade e longevidade. Temos aqui talhões muito diferentes uns dos outros, e estamos a reflectir isso na adega”, sublinhou David Baverstock, que, já junto às vinhas, explicou o que a propriedade pode oferecer aos vinhos: “O micro-clima especial deste sítio tem que ver com os vales, as ribeiras, as encostas… Há aqui grandes amplitudes térmicas. Esta zona de Arraiolos é mesmo interessante, e a frescura daqui vai ser muito importante para os próximos anos, sobretudo para lidar com o aquecimento global”. Sobre a vindima deste ano, o enólogo lembrou que foi iniciada cedo, com alguns dias de paragem em meados de Setembro, devidos à chuva. “Surpreendentemente, foi uma vindima com bastante produção”, afirma.

ravasqueira

 

Provar o futuro e o passado

Uma caminhada pelas vinhas até à adega levou-nos a uma prova de vinhos em estágio, essencialmente uma prova de tintos monocasta, uns com o destino traçado, outros ainda a aguardar sentença. O futuro Reserva da Família branco e um antigo Vinha das Romãs tinto, ambos lotes de duas castas, juntaram-se à festa. Um momento curioso e esclarecedor, passado na companhia das barricas e da dupla de enólogos da Ravasqueira. O Reserva da Família branco 2023 junta Alvarinho e Viognier e mostra-se promissor, com acidez vincada e pureza de fruta. Já o vinha das Romãs tinto 2016, que junta Syrah à Touriga Franca, foi um regresso ao passado, para melhor compreender o vinho que está agora no mercado e que provámos no mesmo dia mais tarde, de 2021. Surpreendentemente, o 2016 apresenta-se ainda com alguma juventude de corpo, mas com evolução positiva nos aromas, sobretudo especiarias e fruta negra, também leve tabaco.

A prova dos monocasta tintos, todos de 2022, mostrou porque é que estes vinhos não saem da adega tão cedo. Mesmo já com um ano de estágio, o fio condutor é o nervo e a pujança, com os taninos ainda a precisar claramente de uma “achega”. O Alicante Bouschet, todo ele terroso, vegetal, e o couro a sobressair. Já o Syrah traz-nos fruta de perfil atractivo, mas com estrutura e complexidade de conjunto. O Touriga Franca, nem é bom pensar em bebê-lo (não é por nada que a colheita actualmente no mercado é a de 2019…), a revelar-se o tinto com os taninos mais aguerridos e jovens da prova. Já o Alfrocheiro tem data marcada para lançamento, enquanto monocasta, em 2024. Apesar da juventude, já denota elegância e algumas das características aromáticas da casta, como pureza de fruta silvestre e um perfil florestal.

Num momento mais focado, mas igualmente interessante, fez-se uma (mini) vertical do Touriga Franca, escolhido pelo produtor pela originalidade (há outros vinhos no Alentejo monocasta de Touriga Franca, mas não são muitos), e para representar a aposta actual da casa nos monovarietais, como uma das estratégias do segmento premium. Começando no 2012, este aponta, no aroma, muita fruta silvestre bem madura, levíssimo balsâmico e nota resinosa envelhecida. Na boca mostra-se mais vivo e fresco, com óptima acidez e amplitude, e também suculência, dada sobretudo pelo lado vegetal (17). O 2013, por sua vez, dá um grande salto no nariz, ainda com pureza de fruta e as especiarias vivas, complexidade, levíssima gordura fumada, agulha de pinheiro e um lado resinoso expressivo. Na boca tem uma componente lenhosa bastante vincada, muito nervo, fruta negra, bastante herbáceo (17,5). O 2017 confirma o denominador comum aromático que são os balsâmicos e a fruta silvestre madura, mas este com um lado mais exótico nas especiarias e sândalos. Na boca é fogoso, elegante, sedoso nos taninos, com boa fruta.

A Ravasqueira quis mostrar que, cada vez mais, quer apostar em vinhos ambiciosos, com capacidade de envelhecimento, colocando o “spotlight” nos monovarietais. Um lado do produtor ainda não conhecido por todos, mas que veio para ficar.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2023)

 

Chocapalha: Uma família, uma quinta, uma adega

Chocapalha família quinta

A paisagem é convidativa, montes e vales em ligeira ondulação, serras ao fundo, mar não muito longe, terrenos apropriados, vento quanto baste e javalis também por perto. Tudo assim se conjugou para o desenvolvimento de um projecto de família, que assentou arraiais numa quinta em tempos pertença de um inglês e, posteriormente, na posse da […]

A paisagem é convidativa, montes e vales em ligeira ondulação, serras ao fundo, mar não muito longe, terrenos apropriados, vento quanto baste e javalis também por perto. Tudo assim se conjugou para o desenvolvimento de um projecto de família, que assentou arraiais numa quinta em tempos pertença de um inglês e, posteriormente, na posse da família de João Portugal Ramos. Foi em resultado da conjugação feliz de vários factores que a família Tavares da Silva tomou posse da quinta nos finais dos anos 80. E não faltou muito para que Sandra, uma das filhas, já então ligada à enologia, desafiasse o pai para fazer um vinho. Assim começou a história dos vinhos Chocapalha, inicialmente numa adega de garagem (que ainda conheci), e mais tarde apostando numa adega de raiz que comemora agora 10 anos. Motivo mais que suficiente para mostrar o que se tem feito e o que está para vir. À nossa espera estavam os pais de Sandra, Paulo e Alice, a irmã Andrea (economista e directora executiva da casa) bem como toda a equipa da adega e quinta.
Logo no projecto inicial houve castas que marcaram território – Arinto, Castelão e Touriga Nacional, esta última com garfos que se foram buscar ao Dão. O Castelão, dizem-nos agora, “era difícil de vender porque tinha pouca cor. Mas com a mudança do gosto, agora o ter pouca cor é uma vantagem. É incrível como tudo muda tão depressa»”, refere Sandra. A aposta no Arinto revelou-se muito acertada e a área de vinha irá alargar-se. Sandra Tavares da Silva não esconde que «” Arinto é a casta de eleição do meu pai; ele é o verdadeiro guardião das vinhas, às vezes sai de casa fora de horas para ir ver como está tudo”. Com sorte, dizemos nós, ainda se cruza com um javali, dos muitos que há na zona e que se escondem nos arvoredos que proliferam na propriedade. Apontamos para uma parcela vazia, sem nada plantado e indagamos o que se vai plantar ali; a resposta é desconcertante: nada, aquele terreno vai ficar em pousio por 3 ou 4 anos, dizem-nos! Para que conste…

 

Chocapalha família quinta

A Arinto é a casta de eleição de Paulo Tavares da Silva; ele é o verdadeiro guardião das vinhas, às vezes sai de casa fora de horas para ir ver como está tudo.

 

Adega nova, problemas antigos

Foi para comemorar os 10 anos da nova adega que se juntaram na quinta a família e a comunicação social. Passados estes anos, está a acontecer o que era previsível: a adega já não comporta tudo o que é preciso e já se suspira por um espaço que possa albergar mais cubas e mais barricas. Porquê? Porque a filosofia da casa, a saber, conservar os vinhos mais tempo em cave antes de os colocar no mercado, obriga a mais espaço. São as dores do crescimento numa empresa familiar que, de repente, percebeu que já tem 15 referências no portefólio. A quinta produz mais do que comercializa, “ainda vendemos muitas uvas, infelizmente pagas a muito baixo preço”, como Paulo Tavares da Silva (oficial de marinha, convertido em agricultor) nos confidenciou, e a produção actual – situada nas 180.000 garrafas -, poderia alagar-se mais. Mas a ideia de conservar os vinhos em cave por longo tempo acaba por impedir esse crescimento. Para termos uma ideia, somos informados que ainda têm em cave as colheitas de 2019, 20 e 21 engarrafadas e a de 22 em barrica, tudo à espera de um dia ir para o mercado. Internamente são distribuídos pela Decante e só vendem no canal Horeca, com a excepção do Corte Inglès e do Supermercado Apolónia, no Algarve. Exportam boa parte da produção e, no caso do Quinta de Chocapalha tinto, as vendas lá fora atingem mesmo 65% do engarrafado.
A casta Arinto é a menina dos olhos de Paulo Tavares da Silva. Ele é, de resto, o verdadeiro guia do processo, apaixonado pela terra e pela vinha, sempre atento e vigilante. Foi do Centro de Estudos de Nelas que trouxe as primeiras varas de Touriga Nacional que aqui plantaram e que depois alargaram a outras castas, como a Viosinho, Sauvignon Blanc, Chardonnay, Alicante Bouschet e Castelão, por exemplo. Na adega estão a dar cada vez mais uso às barricas usadas e, mesmo comprando apenas 25 a 30 barricas novas por ano, a verdade é que adega das barricas começa a ficar sobrecarregada.

 

A filosofia da casa, a saber, conservar os vinhos mais tempo em cave antes de os colocar no mercado, obriga a mais espaço. São as dores do crescimento numa empresa familiar que, de repente, percebeu que já tem 15 referências no portefólio.

Chocapalha família quinta

Fizemos uma prova alargada dos vinhos da casa e ao almoço provámos apenas vinhos da colheita de 2013, a colheita que, tal como a adega, comemora agora 10 anos de vida. Foi uma prova e tanto, com os vinhos a mostrarem que 10 anos não é tempo demais para eles, com o Arinto a dar cartas, terpénico e num registo que se poderia confundir, tanto com Alvarinho como com Riesling. Parentescos, quem sabe…
Toda a família presente, pais, irmãs e equipa de enologia e viticultura que mantém o projecto bem vivo. Nos vinhos há novas edições de marcas já consagradas, como Vinha Mãe, os Reserva e o CH (Confederação Helvética) que “é um tributo à minha mãe que é suíça”, diz Sandra. Alice Tavares da Silva, nascida no cantão alemão, o tal que fala uma língua que ninguém entende mas, como nos confidenciou “vou várias vezes por ano à Suíça e acabo por falar a minha língua natal”.
Nas novas edições, destaca-se o Arinto Antigo, um branco de curtimenta que tem longa espera antes de ser comercializado e o Guarita, um varietal de Alicante Bouschet, uma casta bem difícil porque, como lembrou Sandra “é preciso muita paciência porque só nos dá uma pequena janela para fazermos a vindima no ponto certo; se deixarmos passar esses dias fica tudo em passa; e só quando a vinha atingiu os 30 anos é que entendemos que as uvas tinham qualidade suficiente para o vinho ser comercializado como varietal”.
Em final de vindima estavam os lagares com pisa mecânica a trabalhar e na adega a azáfama era a habitual – mangueiras por um lado, água em abundância para tudo lavar, bombas a trasfegar e aquele cheiro característico das adegas onde fermentam as uvas. Tudo normal, portanto…

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2023)

Emirates revela carta de vinhos para os seus voos em 2024

Emirates revela carta vinhos

A Emirates dá a conhecer, a partir deste mês, a sua nova selecção de vinhos que estará disponível a bordo dos seus voos em 2024, dando continuidade ao investimento numa área que, no ano passado, ultrapassou os 186 milhões de Dirhams (50 milhões de dólares). Os armazéns da Emirates em França albergam, atualmente, cerca de […]

A Emirates dá a conhecer, a partir deste mês, a sua nova selecção de vinhos que estará disponível a bordo dos seus voos em 2024, dando continuidade ao investimento numa área que, no ano passado, ultrapassou os 186 milhões de Dirhams (50 milhões de dólares). Os armazéns da Emirates em França albergam, atualmente, cerca de 6 milhões de garrafas de vinho, sendo que algumas só serão servidas em 2037.

Novos vinhos a bordo da Emirates

Nos próximos meses, a Emirates irá apresentar uma selecção dos melhores vinhos brancos da Borgonha, incluindo os Premier e Grand Crus, como Montrachet 2011, Chevalier-Montrachet 2013 e Corton-Charlemagne 2014, além dos Grand Crus como Échezeaux, Clos Vougeot e Chambertin.

A Emirates tem como critério para a selecção de vinhos um processo altamente detalhado, escolhendo rótulos que são conhecidos por se destacarem tanto em terra como no ar, monitorizando constantemente os resultados. Os principais factores considerados incluem o conteúdo da fruta, a acidez, os níveis de tanino e a influência do carvalho, assim como a maturidade do vinho, que impacta diretamente os níveis de tanino. Muitos dos vinhos escolhidos são produzidos para serem apreciados após um envelhecimento significativo, sendo que a adega da Emirates inclui vinhos que datam da colheita de 2003. Os vinhos de Bordéus escolhidos para a Classe Executiva passam por um período mínimo de envelhecimento de 8 a 10 anos, enquanto os da Primeira Classe recebem um mínimo de 12 a 15 anos de envelhecimento, todos eles armazenados nas instalações da companhia aérea em França. Os vinhos são seleccionados quando estão prontos para serem servidos a bordo e estrategicamente posicionados em todo o mundo.

Vinhos de classe mundial para cada classe de cabine

Cada uma das quatro cabines da Emirates apresenta uma selecção de vinhos distinta, que é actualizada de duas em duas semanas para garantir que os passageiros habituais têm ao seu dispor uma carta de vinhos variada.

Na Classe Económica, a Emirates oferece um vinho tinto e um vinho branco, ambos de qualidade indiscutivelmente elevada. As adições recentes incluem vinhos “AOP” e “Biodinâmicos” de M. Chapoutier, Domaines Baron de Rothschild, um Sauvignon Blanc sul-africano do campeão da sustentabilidade, a família Gabb, e o vinho tinto Antinori Santa Cristina. A AOP é uma norma da União Europeia (UE) semelhante ao sistema AOC francês, realçando a origem geográfica dos vinhos e os métodos de produção específicos. A vinificação biodinâmica dá ênfase a uma agricultura holística e sustentável e a uma intervenção mínima pós-colheita, criando vinhos conhecidos pela sua expressão terroir pronunciada.

Na Premium Economy, a Emirates serve vinho espumante vintage, vinho tinto premium e vinho branco premium. Os exemplos incluem o Château La Garde 2011, o Cloudy Bay Sauvignon Blanc e o Domaine Chandon 2016 – um vinho espumante que é exclusivo da Emirates Premium Economy.

Na Classe Executiva e na Primeira Classe, a Emirates adapta as suas seleções de vinhos a seis regiões: Reino Unido e EUA; Europa; África; Médio Oriente; Australásia e Ásia. Esta abordagem permite que a Emirates ofereça uma selecção de vinhos alinhada com as preferências de paladar dos passageiros de cada zona, possibilitando que os passageiros provem vinhos das regiões que vão visitar. A Emirates também oferece vinhos do Porto de qualidade superior, incluindo vinhos do Porto Tawny vintage, como o Graham’s de 1979 e o Dow’s de 1981.

“À chegada à Herdade Grande, o Cacau fazia a recepção a quem chegasse sempre no seu jeito bondoso e divertido. Era um Labrador com uma empatia muito especial, calma e subitamente irreverente, que a todos apaixonava. Tornou-se um dos símbolos da casa. E se era da casa, era da família. Depois o Cacau adoeceu e em junho de 2022 morreu. Deixou um vazio enorme na Herdade Grande e a homenagem impôs-se como evidente – que se honrasse o espírito do Cacau no rótulo de um vinho e se partilhassem as memórias que deixou”, lembra o produtor alentejano, da Vidigueira, que assim fez.

E agora o Cacau dá mais um passo: além de uma nova imagem, vai chegar ainda a mais pessoas, através de prateleiras da grande distribuição, como as do Auchan e da Sonae, e do site da Herdade Grande. 

Desta forma, o produtor quer convocar a máxima atenção para a causa da Associação São Francisco de Assis – Cascais. Através do Cacau, todos os consumidores poderão apoiar a actividade desta instituição especializada e reconhecida na recolha e protecção de animais de companhia, abandonados ou perdidos, já que 1% das vendas reverte a favor da associação.

Mariana Lança, directora-geral da Herdade Grande, explica a iniciativa: “Sempre tivemos uma ligação especial aos animais e choca-nos muito, sobretudo nos dias de hoje, que aqueles que devem ser animais de companhia continuem a ser alvo de abandono e maus-tratos. No último ano foram abandonados quase 42 mil animais em Portugal! O Cacau era querido e desejado. Importa convocar as atenções para isso mesmo, para que as pessoas decidam se de facto querem comprometer-se com a companhia e trato devido de um animal”.

Assim, o novo rótulo do Cacau tinto 2021 (€5,99) apresenta um QR Code que serve de ligação para uma página de informação da campanha.

Loureiro é a casta da mais recente cerveja Sovina Grape Ale

Sovina Loureiro

A terceira edição da Sovina 500 Saison Grape Ale Loureiro é, mais uma vez, uma colaboração com a Quinta do Ameal, propriedade do Esporão na região do Vinho Verde, sub-região do Lima Esta grape ale Sovina ilustra, segundo os próprios, “uma combinação pouco habitual entre a tradição cervejeira artesanal e a excelência vinícola da Quinta […]

A terceira edição da Sovina 500 Saison Grape Ale Loureiro é, mais uma vez, uma colaboração com a Quinta do Ameal, propriedade do Esporão na região do Vinho Verde, sub-região do Lima

Esta grape ale Sovina ilustra, segundo os próprios, “uma combinação pouco habitual entre a tradição cervejeira artesanal e a excelência vinícola da Quinta do Ameal, reunindo 30% do mosto de Loureiro da vindima de 2023 com 70% do mosto de cerveja, co-fermentados com levedura Saison”.

O mestre cervejeiro Pedro Lima, por sua vez, explica que recorreu a “uma estirpe de levedura utilizada tradicionalmente em cervejas de inspiração belga, que co-fermentou um mosto leve de maltes e lúpulos europeus, ao qual foi adicionado mosto de Loureiro”. O resultado, explica, “é uma cerveja fresca e versátil, de cor palha e espuma branca persistente, de aroma rico em ésteres frutados e um toque a especiarias. Sabor pouco amargo, com presença elegante de cereal, seguida por um toque moderado a citrinos e fruta madura. Na boca sente-se um corpo médio-baixo, carbonatação assertiva e um final seco que convida ao próximo gole”. Já o responsável de Enologia e Viticultura da Quinta do Ameal, Lourenço Charters, destaca o papel da casta na cerveja, dizendo que “as notas vivas e citrinas do Loureiro do Ameal dão uma muito boa frescura a esta grape ale”.

A Sovina 500 Saison Grape Ale pode ser bebida a solo, mas, “graças ao seu elevado potencial gastronómico”, diz o Esporão, “pode facilmente acompanhar receitas de carácter mais rústico, pratos asiáticos, queijos de casca mole ou mesmo petiscos simples, como tremoços”.

Vinhos de Lisboa elegeram os melhores da região

Vinhos Lisboa

O Concurso de Vinhos de Lisboa 2023 revelou, recentemente, os seus vencedores, numa cerimónia que teve lugar na Quinta da Pimenteira. Houve medalhas de Excelência, de Ouro e de Prata, e ainda medalha para o Melhor Arinto e para o Melhor Vital. Nos prémios de Excelência, o Azulejo 2022, da Casa Santos Lima, foi o […]

O Concurso de Vinhos de Lisboa 2023 revelou, recentemente, os seus vencedores, numa cerimónia que teve lugar na Quinta da Pimenteira.

Houve medalhas de Excelência, de Ouro e de Prata, e ainda medalha para o Melhor Arinto e para o Melhor Vital. Nos prémios de Excelência, o Azulejo 2022, da Casa Santos Lima, foi o Melhor Branco; Nevão Leve rosé 2021, da Adega Cooperativa da Labrujeira, o Melhor Leve; Quinta do Gradil Tannat 2021, o Melhor Tinto; Quinta do Rol VSOP, a Melhor Aguardente Vínica DOP Lourinhã; e Empatia Vital branco 2022, da Adega da Labrujeira, foi o Melhor DOP de Lisboa. A lista completa dos vencedores e medalhas pode ser consultada AQUI.

A entrega de prémios contou com a presença do Vereador Ângelo Pereira, da Câmara Municipal de Lisboa, Instituto da Vinha e do Vinho, Confrarias da região, Direcção Regional de Agricultura de Lisboa e Vale do Tejo, autarcas e CIM Oeste, Turismo de Portugal, jornalistas e enófilos convidados e produtores da região vitivinícola de Lisboa.

“Com este evento celebrámos, mais uma vez, o trabalho dos viticultores de Lisboa e o sucesso da Região Demarcada, bem como projectos que primam pela excelência na promoção, divulgação e serviço dos vinhos da região, e homenageámos, com o prémio de Mérito de Carreira, o Enólogo João Melícias”, comenta a Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa, organizadora do Concurso dos Vinhos de Lisboa.