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Editorial da revista Nº43, Novembro de 2020
A internet aumentou desmesuradamente o seu peso nas nossas vidas profissionais (e pessoais!) desde março de 2020. No sector do vinho, a verdade é que o online, não resolvendo nada e, muito menos (longe disso), substituindo a interação pessoal, atenua os efeitos que o distanciamento social nos impõe. E em algumas áreas, quando bem usadas, as soluções online são de tal forma eficazes que, acredito, nunca mais voltaremos a trabalhar como antes da pandemia.
Luis Lopes
Reuniões, apresentações, vendas, muito do que fazemos hoje deixou de ser presencial e passou a virtual. No meu caso, nunca acreditei naqueles que, quando o covid-19 dinamitou os negócios, apontaram o e-commerce como solução milagrosa. Hoje, a grande maioria dos produtores de vinho portugueses possui uma loja online ou trabalha com um parceiro nessa área, mas quase todos confessam que as vendas são residuais.
No que respeita à comunicação produtor/líderes de opinião ou produtor/consumidor, também, confesso, desconfiei da eficácia do online. As muitas apresentações de vinhos a que assisti através das habituais plataformas (Zoom, Teams…) reforçaram essa desconfiança. Algumas foram absolutamente patéticas, com produtores calados e estáticos enquanto meia dúzia de jornalistas e sommeliers provavam, igualmente sisudos, o vinho que fora enviado para casa, interrompendo o desconfortável silêncio com uma ou outra pergunta do tipo “que grau tem este vinho?” mostrando que nem a ficha técnica do produto se tinham dado ao trabalho de consultar.
No entanto, no meio de tudo isso, uma ou outra apresentação dinâmica, bem conseguida, interventiva, sugeriu-me que o online poderia funcionar como ponte de comunicação, desde que bem utilizado. Recentemente, dois eventos completamente distintos, derrubaram as minhas dúvidas e revelaram-me o enorme potencial da ferramenta que temos em mãos.
Num deles, participei como convidado na adega de um produtor, enquanto através do Zoom era feita a apresentação de um vinho para um grupo de 20 jornalistas e sommeliers de topo no Brasil. Não foi uma apresentação vulgar. Espalhados pela gigantesca metrópole de São Paulo, esses 20 profissionais receberam, ao mesmo tempo, um kit composto por um prato de bacalhau elaborado por um famoso restaurante de cozinha portuguesa e um frappé selado com garrafa e gelo.
Na adega, um ecrã de grande formato revelava as caras dos participantes, incluindo o importador local. O almoço decorreu como se estivéssemos todos na mesma sala. O produtor, e eu próprio, fomos bombardeados com perguntas interessantes e interessadas, ouvidas e respondidas mais facilmente do que se nos encontrássemos numa comprida mesa. Saí dali a pensar que: primeiro, a acção deve ter saído muito mais barata ao produtor do que se tivesse voado para São Paulo e pago a refeição num restaurante; segundo, muitas daquelas pessoas nem sequer iriam comparecer no restaurante e ali estavam todas, confortavelmente, em suas casas; terceiro, nenhum deles se vai esquecer nem do momento nem do vinho.
O outro evento foi muitíssimo mais ambicioso, na escala e nos meios envolvidos. Nunca, no mundo, se fez algo como o Vinhos de Portugal, realizado nos dias 23, 24 e 25 de outubro e transmitido online para os domicílios de quase 1100 pessoas, que compraram os bilhetes (com a opção de packs de vinhos) no Brasil e em Portugal. O evento dos jornais Público, O Globo e Valor Económico, em parceria com a Viniportugal, e em que tive o privilégio de participar como um dos orientadores das sessões, realizou 62 lives/entrevistas de 25 minutos com produtores e 16 provas temáticas de 60 minutos. A milhares de quilómetros do local da acção, grupos de amigos e famílias abriam as garrafas recebidas, assistiam às provas, questionavam oradores e produtores.
O enorme sucesso desta iniciativa substitui o contacto pessoal e a interacção numa sala de provas? Não, definitivamente. Mas evidenciou-se como um modelo alternativo, agora, e complementar, no futuro. O online é uma ferramenta, como um martelo ou um automóvel. Posso estragar uma parede quando queria pregar um prego ou atropelar alguém quando apenas pretendia levar-me a um local. No fundo, o online não é mais do que o reflexo das pessoas que o usam.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”default”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]
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A Escolha do Mestre: Syrah, uma casta em ascensão

É, muito provavelmente, a casta estrangeira mais bem sucedida em Portugal, mostrando-se como aquela que reúne amplo consenso entre viticultores, enólogos e consumidores. Muito adaptável a diversos tipos de solo e clima, bastante consistente na qualidade colheita após colheita, a Syrah tem tudo para dar certo. TEXTO Dirceu Vianna Junior MW A Syrah destaca-se com […]
É, muito provavelmente, a casta estrangeira mais bem sucedida em Portugal, mostrando-se como aquela que reúne amplo consenso entre viticultores, enólogos e consumidores. Muito adaptável a diversos tipos de solo e clima, bastante consistente na qualidade colheita após colheita, a Syrah tem tudo para dar certo.
TEXTO Dirceu Vianna Junior MW
A Syrah destaca-se com sucesso em diversas regiões produtoras do mundo. É uma casta fácil de cultivar e possui capacidade de se adaptar a condições distintas. Retém o carácter da varietal e ao mesmo tempo é capaz de expressar as diferenças do terroir. Além de oferecer flexibilidade com relação ao estilo é capaz de atingir alto padrão. Vinhos clássicos como Hermitage fortalecem a associação com vinhos de alta qualidade e servem como fonte de inspiração e referência. O facto de ser uma casta produtiva atende o interesse financeiro do produtor e por originar vinhos frutados, harmoniosos e fáceis de apreciar contribui com o apelo que possui perante ao consumidor. O nome da casta aparece no rótulo como Syrah ou Shiraz, mas também é conhecida como Antourenein noir, Balsamina, Candive, Biône, Entourneréin, Hermitage, Hignin noir, Marsanne Noir, Serine, Sérine, Serinne Sereine, Sérène, Sira, Sirac, Sirah, Syra, Syrac e Schiras.

Lendas românticas e evidências científicas
Existem várias teorias sobre a origem da casta. Uma versão diz que Syrah é proveniente da antiga cidade persa de Shiraz, actual Irão. Outra indica que a civilização Grega poderia ter trazido a uva para a colónia fundada ao redor de Marselha, enquanto alguns acreditam que ela poderia ter sido trazida para a França do Chipre por guerreiros retornando do Oriente Médio após as cruzadas no século XIII. Há especulações de que a variedade foi trazida de Siracusa pelas legiões do imperador romano Probus após o ano 280. Todas essas teorias foram descartadas após o estudo realizado por Carole Meredith, pesquisadora do Departamento de Viticultura e Enologia da Universidade da Califórnia, que através de estudos de DNA concluiu-se que Syrah é descendente de uma varietal tinta chamada Dureza, originária de Ardèche, e uma branca nativa da região de Savoie chamada Mondeuse Blanche. Não há registos de que essas varietais tenham sido cultivadas juntas em outros locais, o que fortalece a hipótese de que o cruzamento tenha de facto ocorrido na região dos Alpes do Ródano. Além disso, o cientista suíço José Vouillamoz descobriu uma relação genética de segundo grau entre Syrah e Pinot Noir. A descoberta dos pais e a ligação com Pinot Noir fortalecem a crença de que a origem da casta seja mesmo francesa.
Fácil de cuidar na vinha
Syrah adapta-se muito bem às encostas ensolaradas e quentes, mas não suporta calor em demasia. Prefere solos não excessivamente férteis e bem drenados, especialmente granito e solos pedregosos. A vinha é vigorosa, mas o porte erecto facilita a condução da parede vegetativa diz Amílcar Salgado, proprietário da Quinta de Arcossó em Trás-os-Montes. A forma de condução varia dependendo das condições edafo-climáticas, mas é recomendável assegurar que a planta esteja bem arejada para evitar doenças de fungos. Na Quinta do Monte d’Oiro, em Alenquer, região de Lisboa, Francisco Bento dos Santos, director geral, explica que Syrah é pouco vulnerável a doenças. Amílcar Salgado concorda e diz que a planta raramente é afectada pelo míldio ou oídio, pelo que dois tratamentos anuais geralmente são suficientes. Em condições mais frias é aconselhável retirar as folhas do lado nascente e expor os cachos para optimizar a acção do sol da manhã, mas deixar as folhas do lado poente para evitar que a fruta sofra escaldão com os raios mais intensos da tarde. Em climas quentes, especialmente em solos que emitem calor durante a noite, é recomendável afastar a fruta da superfície do solo em busca de condições mais frescas. É necessário ter cuidado especial na seleção de porta-enxertos pois Syrah é sensível à clorose. Em solos ricos em cálcio, são preferíveis R110 e SO4. Além disso a Syrah é sensível ao ataque de ácaros e pode sofrer morte prematura devido uma infecção que ocorre na junção entre a planta e o porta enxerto. O facto de Syrah abrolhar tarde diminui o perigo de perdas com geadas, explica Amílcar Salgado. O amadurecimento ocorre no meio período que na Quinta de Arcossó coincide com a maturação da Touriga Nacional, mas a janela de oportunidade para efectuar a colheita é reduzida e os bagos logo tendem a murchar. Por isso, é importante não colher a fruta demasiadamente tarde para evitar sobrematuração e consequentemente vinhos pesados, alcoólicos e sem frescura alerta Manuel Lobo, enólogo chefe da Quinta do Crasto, no Douro. Na Quinta do Monte d’Oiro, Francisco Bento dos Santos diz que estudos feitos inicialmente revelaram semelhanças com as condições com o vale do Ródano. A quinta localizada na freguesia da Ventosa faz lembrar as condições impostas pelo afamado vento Mistral, um dos motivos pelo qual não hesitaram em plantar Syrah e Viognier. O excesso de produção pode resultar em mostos com pouca expressão. Produtores que visam qualidade frequentemente optam em fazer a monda em verde para diminuir o rendimento. Amílcar Salgado explica que o volume de produção ideal para fazer um vinho varietal de Syrah de excelente qualidade na Quinta de Arcossó gira em torno de 1,5 a 2 kg por planta, cerca de 50 hl/ha. Na Quinta do Monte d’Oiro, Francisco Bento dos Santos trabalha com produções baixas, na casa dos 40 hl/ha, para os vinhos de entrada e para os vinhos de topo procura não exceder 20 hl/ha. Manuel Lobo acredita que Syrah não é uma casta difícil de lidar. O segredo para atingir excelência, na Quinta do Crasto, é praticar viticultura de precisão prestando atenção aos pequenos detalhes, principalmente na hora da colheita.

Consistente na adega
O método de vinificação varia de acordo com o estilo desejável, da filosofia do enólogo e condições climáticas. Amílcar Salgado, da Quinta de Arcossó, explica que Syrah oferece muita riqueza fenólica e é de fácil extração. Métodos de vinificação variam entre tradicional e moderno com alguns produtores optando por fazer maceração carbónica parcial buscando vinhos leves e frutados. O uso de engaços está se tornando mais amplamente utilizado pois adiciona estrutura e uma impressão de frescor ao vinho. Temperaturas elevadas, além de acelerar o processo, resultam em maior extracção, mas exageros na hora da vinificação tornam os vinhos duros e agressivos. Por outro lado, temperaturas inferiores e extrações delicadas podem comprometer a cor, plenitude aromática e a estrutura dos vinhos. Na Quinta de Arcossó, Amílcar Salgado prefere vinificar em lagar e a extração é feita à moda antiga, com o pé. Para Francisco Bento dos Santos o segredo, além de controlar o rendimento, é preservar aromas durante a vinificação, vigiar a nutrição das leveduras, controlar a temperatura e prolongar as fermentações. Syrah, é uma casta redutiva e a falta de oxigênio pode comprometer a limpidez e resultar em aromas como borracha queimada ou, em casos extremos, ovo podre. Syrah responde muito bem ao envelhecimento em barricas de carvalho, tanto francês como americano, revelando notas de cravo, baunilha, coco, café e especiarias. Além de responsável por excelentes vinhos varietais a casta é utilizada em lotes. Ajuda a acrescentar cor e corpo a Grenache nos vinhos do sul do Ródano. Pode aparecer também ao lado de Mourvèdre e Cinsault. Na Austrália frequentemente aparece ao lado da Cabernet Sauvignon. A casta responde muito bem quando acompanhada com uma proporção minoritária de Viognier, a qual contribui com notas florais e ajuda melhorar a textura. Além disso a natureza fenólica da Viognier ajuda o Syrah, que é rico em antocianinas, a estabilizar a sua cor. A grande maioria dos vinhos monocastas estão prontos para beber assim que lançados, embora os melhores exemplos envelheçam por décadas desenvolvendo notas de ervas secas, tabaco, fumaça, carne curada, bacon, terra molhada, couro, alcatrão e trufas.
Syrah ou Shiraz?
A casta dá origem a vinhos expressivos e oferece ampla diversidade de perfis, dependendo do clima e do solo onde está cultivada, bem como das decisões tomadas pelo enólogo. Produtores de regiões de clima mais frio, tanto no Velho Mundo quanto no Novo Mundo, tendem a identificar seus vinhos como Syrah. Os vinhos rotulados como tal possuem um perfil semelhante aos estilos clássicos do norte do Ródano. Em geral, esses vinhos possuem cor profunda. No palato tendem a ser esbeltos, exibem acidez viva, níveis moderados de álcool, entre 13 e 14% e estrutura firme. Os aromas elegantes mostram complexidade através de notas de frutas vermelhas e frutas negras, pimenta preta, ervas, fumaça, bacon, notas florais e podem revelar um toque de salinidade.
A casta é capaz de interpretar o terroir revelando características precisas e distintas. Um vinho de Hermitage, por exemplo, é firmemente estruturado, tânico, com caráter mineral, frutas negras e toques animais, de especiarias e torrefação. Côte-Rôtie é um vinho mais esbelto, refinado com notas de pimenta e violetas. Saint Joseph revela um estilo mais leve. Os vinhos de Cornas são mais rústicos enquanto os vinhedos de Crozes-Hermitage, ao redor da denominação de Hermitage, fazem vinhos mais acessíveis e oferecem excelente relação entre custo e benefício.
No sul do Ródano, Syrah é mais frequentemente usada como uma uva de lote para adicionar cor e estrutura aos vinhos de Châteauneuf-du-Pape, Gigondas e Côtes du Rhône. Na França, Syrah também aparece nas denominações de Costières de Nîmes, Corbières, Fitou, Faugères, St-Chinian, Languedoc (Pic St-Loup) e Minervois (La Livinière). Entre os melhores exemplos estão J. Chave, Paul Jaboulet Aîné La Chapelle ou Chapoutier Le Pavillon. No Novo Mundo, esse estilo pode ser encontrado no AVA de Walla Walla nos Estados Unidos, Hawkes Bay na Nova Zelândia e San Antonio, no Chile, para citar apenas alguns.

Quando cultivada em clima quente, a terminologia usada nos rótulos é Shiraz, uma prática que se tornou popular na Austrália. Shiraz tende a descrever um vinho frutado, encorpado e expressa um estilo mais exuberante refletindo um clima mais ensolarado. A cor é tipicamente profunda ou opaca. A expressão aromática inclui amoras, mirtilos, cerejas escuras, ameixas, alcaçuz, hortelã, eucalipto, chocolate amargo e uvas passas.
Na boca oferece boa concentração, textura aveludada e taninos redondos. A acidez é equilibrada e os níveis de álcool facilmente excedem 14% podendo ultrapassar 15%. Algumas das melhores referências desse estilo são encontrados no vale de Barossa, na Austrália. Os vinhos são positivamente untuosos, encorpados, densos, alcoólicos e exibem frutas negras, chocolate e menta. O vale possui alguns dos vinhedos comerciais mais antigos do mundo, como o Langmeil Freedom plantado em 1843 e Turkey Flat plantado em 1847, o que ajuda explicar a excepcional concentração. O clima marítimo de McLaren Vale origina vinhos encorpados, com estrutura mais ampla, frutas negras, chocolate, textura sedosa, mas não deixam de ser potentes. Em Clare Valley, os vinhos combinam intensos sabores de frutas negras e alcaçuz com excelente acidez devido às noites frias que ajudam dar estrutura e assegurar que os vinhos envelheçam bem. Os vinhos de Padthaway e Coonawarra são esbeltos e exibem acidez elevada. Também nas partes mais frias do estado de Victoria, como Mount Langi Ghiran, os vinhos produzidos apresentam excelente frescor e frequentemente é possivel detectar toques de pimenta preta e menta. O clima de Hunter Valley, em New South Wales, é quente mas sem excessos. Os vinhos exibem corpo médio, acidez viva, frutas escuras e tons terrosos. Na parte oeste da Austrália os vinhos mostram boa definição, firmeza e acidez crocante, frutas escuras maduras e sumarentas. Além das diferenças no perfil a casta Syrah demonstra versatilidade devido sua capacidade de originar vinhos rosé, espumantes e fortificados de boa qualidade.
Da ascensão à fama
Syrah ganhou notoriedade através dos vinhos de Côte-Rotie e Hermitage, no norte do Ródano. Como prova uma pequena capela no topo de uma colina, nas margens do rio Rhone, com vista para a cidade de Tain-l’Hermitage, vem atraindo o interesse de enófilos por décadas, mas nem sempre foi assim. Antes das regras das denominações de origem entrarem em vigor, na primeira metade do século XIX, os vinhos de Hermitage eram frequentemente usados em lotes com o objetivo de adicionar cor e estrutura aos vinhos de Bordéus. Durante a primeira metade do século XX, devido a falta de interesse, a varietal perdeu espaço na vinha. Foi apenas nos anos 80 que artigos e avaliações de críticos ajudaram reascender o interesse e a superfície plantada ao redor do mundo aumentou para mais de 140.000 hectares (ha) nas três décadas seguintes. Estima-se que as plantações da Syrah actuais estão na casa dos 186.000 ha. França e Austrália dominam as plantações com 68.600 ha e 42.492 ha, respectivamente. Na Europa os principais plantadores de Syrah são Espanha (19.830 ha) e Itália (6.880 ha). No Novo Mundo os principais produtores são Argentina (12.245 ha), África do Sul (10.117 ha), Estados Unidos (9.308 ha) e Chile (7.994 ha).

Syrah em Portugal
Em Portugal, Syrah aparece principalmente no Alentejo, Lisboa, Tejo e Península de Setúbal. Antes do ano de 1980 apenas 10,82 ha existiam no país. Entre 1981 e 1990 foram adicionados 35,49 ha e mais 309 na década seguinte. O grande impulso veio entre 2001 e 2010 quando foram plantados 2.592 ha. Após 2011 foram somados 2.777 ha levando a área total para 5.725 ha, de acordo com António Lopes, Técnico Superior do Instituto da Vinha e do Vinho. Syrah representa 3% das plantações ocupando a décima colocação no ranking das castas mais plantadas no país. Quinta da Lagoalva de Cima foi uma das primeiras propriedades a apostar na casta, possivelmente por influência de um enólogo francês que por lá passou. A decisão foi propícia pois os solos arenosos, bem drenados e pouco férteis ajudam a controlar a produção. Os dias quentes ajudam as uvas atingir maturação fenólica necessária e ao mesmo tempo as noites frescas protegem estrutura ácida garantindo frescura ao vinho. Tal como o Tejo, a região da Vidigueira no Alentejo, com os seus dias quentes e ensolarados e noites refrescadas pela brisa, criam condições favoráveis para a maturação da casta. O produtor Cortes de Cima foi um dos pioneiros em 1991 quando Syrah ainda não era autorizada na região lançando seu varietal com a marca “Incógnito” em 1998. Apesar de ser pouco difundida no norte do país já existem produtores conceituados como Quinta do Crasto e Quinta do Noval fazendo bom trabalho no Douro. O clima quente e seco assegura maturação mais cedo praticamente no mesmo período que algumas castas brancas.
Análise de prova
Os vinhos degustados aqui representam boa expressão da casta e, de uma forma geral, mostram consistência em relação à qualidade e estilo. Comparando com vinhos de clima frio que originam vinhos mais magros, frescos com toques de pimenta e tons salgados e vinhos mais expressivos, opulentos e frutados provenientes de clima quente, o estilo do Syrah português encaixa-se entre os dois com tendência de apontar marginalmente para o estilo compatível com vinhos de clima mais quente. Ao mesmo tempo, é possível perceber diferenças regionais, através da exuberância dos vinhos do Alentejo, a frescura da Bairrada e um estilo frutado e sumarento aliando com boa acidez encontrado no Tejo. O Syrah português é acessível, fácil de entender e os vinhos estão prontos para beber assim que lançados no mercado, embora os melhores exemplos demonstrem capacidade de envelhecimento. Os produtores revelam habilidade e cuidado para não extrair excessivamente e usar o carvalho judiciosamente. Entretanto, apesar da qualidade, de forma geral, atingir alto padrão, e de haver grande consistência, ainda não chega a atingir o patamar dos grandes clássicos franceses ou melhores exemplos australianos. A prova serviu para demonstrar que potencial existe. Além disso, vinhos como Incógnito de Cortes de Cima e Tributo de Rui Reguinga, excluídos da lista de prova não por falta de mérito, mas para ceder espaço a outros produtores, fortalecem a percepção da afinidade da casta com o terroir português. Syrah adapta-se muito bem e dá bons resultados em solos pobres e terroir hostil com vento, altitude e situações adversas e mais frias. É possível que o melhor terroir essa casta em Portugal ainda não tenha sido descoberto. De qualquer forma é evidente que o Syrah português tem potencial para ir mais longe. É preciso mais ambição.

O futuro da Syrah
A Syrah vem demonstrando a capacidade de atender às necessidades dos consumidores portugueses que procuram vinhos frutados, redondos e exuberantes. Na exportação, a casta poderá cumprir o importante papel de convidar consumidores internacionais, que ainda não descobriram os vinhos portugueses, talvez pela falta de familiaridade com as castas indígenas, a se aventurar. Em termos de custo, a maioria destes vinhos oferecem boa relação entre a qualidade e preço. Além da vantagem económica que a casta oferece ao produtor pelo facto de ser produtiva, a Syrah comprovou ao longo dos últimos anos afinidade com o terroir português. Por isso é muito provável que as plantações continuem a crescer. O facto de boa parte dos vinhedos estarem ultrapassando dez anos de idade ajudará a aprimorar a qualidade, que também será impulsionada a medida que os enólogos acumularem mais experiência e confiança em lidar com a casta. Até onde poderá chegar a qualidade desses vinhos no futuro dependerá da ambição dos produtores e da habilidade de saber equilibrar auto-confiança com humildade de continuar aprimorando-se através de troca de conhecimentos e provas comparativas com Syrah de outras partes do mundo. É indispensável abrir-se mais ao mundo, inovar e não ter medo de arriscar na hora da vinificação. Seria um triunfo conseguir surpreender consumidores e profissionais com a qualidade dos Syrah portugueses em uma prova as cegas em companhia de grandes clássicos mundiais dentro da próxima década. Julgando pela actual qualidade dos vinhos, esse é um objetivo perfeitamente atingível.
Edição nº 35, Março de 2020
O tamanho não importa

Ser grande não é um defeito e ser pequeno não é necessariamente uma virtude. O facto de um produtor fazer apenas 2.500 garrafas não pode servir de argumento inquestionável da sua superioridade qualitativa comparativamente a outro que produz 250.000 garrafas. Valéria Zeferino Quer queiramos, quer não, preconceitos fazem parte da nossa vida. Na área de […]
Ser grande não é um defeito e ser pequeno não é necessariamente uma virtude. O facto de um produtor fazer apenas 2.500 garrafas não pode servir de argumento inquestionável da sua superioridade qualitativa comparativamente a outro que produz 250.000 garrafas.
Valéria Zeferino
Quer queiramos, quer não, preconceitos fazem parte da nossa vida. Na área de vinhos, então, propagam-se como míldio depois da chuva. Quantas vezes ouvimos os entusiastas vínicos a afirmar que só os produtores pequenos fazem vinhos interessantes, vinhos com alma, e as empresas grandes são apenas fábricas a produzir vinho “tecnológico”?
Os pequenos fazem vinho com paixão e muitas vezes de forma artesanal, alguns até indicam no rótulo “hand crafted wine” para que não haja dúvidas que o vinho é feito à mão (já agora, se passarem um dia numa adega, verão que por muita mecanização que haja, continua a existir muito trabalho manual que não pode ser dispensado). E os grandes, claro, só fazem contas. Tudo de forma industrial, a pensar no volume, onde a paixão não tem qualquer impacto. As adegas cooperativas, então, são aquelas que menos romantismo têm aos olhos dos enochatos.
Não tenho absolutamente nada contra os pequenos produtores, mas não dou créditos imediatos só pelo facto de serem pequenos. Acompanho alguns projectos desde o início e agrada-me ver a sua evolução. Há projectos fascinantes, feitos por pessoas determinadas, capazes com o seu conhecimento e dedicação criar grandes vinhos. Mas também vi alguns que produzem vinhos medíocres a serem vendidos caros aos turistas estrangeiros; uns que estacionam o seu carro ao pé das barricas (por mim, não é a falta de espaço, é a falta de rigor); outros que têm vinha e, não sabendo que destino lhe dar e com falta de conhecimento, produzem vinhos sem qualquer alma e conteúdo.
Ao mesmo tempo, conheço várias adegas cooperativas com estratégias bem definidas a nível de viticultura, produção e marketing.
O controlo rigoroso de higiene, equipamento renovado e até sofisticado que permite avaliar a maturação antes da vindima, fazer uma triagem das uvas que chegam à adega, condições ideais de engarrafamento, a abordagem responsável de viticultura – são hoje realidades de empresas sérias na área. As equipas de enologia são formadas por pessoas competentes e interessadas que falam com entusiasmo e paixão de cada vindima e das experiências que fazem.
Por exemplo, na Adega do Cartaxo faz-se classificação de parcelas, sendo as melhores uvas destinadas aos vinhos de topo de gama. Aplica-se um sistema de penalizações e incentivos para garantir uma constância de qualidade e sanidade da matéria prima. As grandes produções (acima dos 35 tn/ha) ficam altamente penalizadas; e se a uva chegar em estado perfeito de uma vinha com produção até 8 tn/ha, o preço sobe até 1 euro por quilo. Os funcionários da adega acompanham as vinhas dos sócios, controlam o estado sanitário e a maturação. Definem as castas a serem plantadas conforme a localização da vinha para obter o melhor resultado. Segundo o enólogo Pedro Gil, os sócios com a vinha na sub-região do Campo têm que plantar no mínimo 20% de Alicante Bouschet porque as habituais Castelão e Tinta Roriz lá não amadurecem tão bem. O Alicante Bouschet é a primeira casta a completar a maturação fenólica antes da alcoólica (pode ser com 13% já com boa maturação e grainhas maduras, enquanto a Castelão pode estar com 14% a apresentar grainha verde e tanino agressivo). Na zona do Bairro, já todas conseguem amadurecer melhor e basta só 10% de Alicante Bouschet.
Outro exemplo. Na Adega de Monção a equipa de enologia mantém a mesma liderança desde 1990. É importante em termos de consistência e conhecimento acumulado. O enólogo responsável, Fenando Moura, tem a experiência de 30 anos, que é praticamente uma vida. Falem e provem vinhos com ele, e verão o entusiasmo e a paixão nos olhos.
Aqui poderão contar-vos muito sobre a arte de blend. As uvas provêm das altitudes diferentes de 30-100 até 200-350 metros acima do mar; apanhadas em momentos diferentes; são vinificadas com e sem maceração pelicular (se forem apanhadas depois das chuvas, não fazem); com e sem micro-oxigenação; fermentam com leveduras diferentes e as temperaturas de fermentação também variam. Alguns destes vinhos têm mais corpo, outros mais acidez. Uns apresentam aromas tropicais, outros citrinos, ou florais. E tudo isto para garantir a consistência de qualidade e de características organolépticas dos seus vinhos. No total, são mais de 100 amostras. Daí sai o clássico Deu-la-Deu, o monovarietal de Alvarinho mais vendido em Portugal (cerca de 450 mil garrafas) e que é sempre uma aposta de confiança.
A Adega de Favaios é mais um exemplo de pfofissionalismo e qualidade, cuja gama de vinhos vai muito para além do seu sucesso comercial – Favaítos. Embora a casta Moscatel Galego tenha predominância, trabalham-se outras castas típicas do Douro. Mais uma vez, trata-se de profissionalismo de quem dirige e depois se traduz na equipa de enologia, com grande empenho pessoal e acompanhamento técnico dos viticultores.
É claro que nem todas as adegas cooperativas são assim. Algumas até já nem existem. Não sou pro ou contra ninguém, apenas acho que nos devemos livrar de preconceitos. Ser grande não é um defeito e ser pequeno não é necessariamente uma virtude. O facto de um produtor fazer apenas 2.500 garrafas não pode servir de argumento inquestionável da sua superioridade qualitativa comparativamente com outro que produz 250.000 garrafas, por exemplo.
A Quinta do Vale Meão produz mais de 200 mil garrafas do Meandro sem comprometer a qualidade. É um vinho que dá prazer de beber em qualquer parte do mundo. O Barca Velha tamém não é propriamente uma edição limitada: em função do ano produzem-se 16-18 mil garrafas (no universo de milhões de litros de vinhos noutras gamas). E é um vinho extraordinário de classe mundial.
Conseguir fazer muito e bem também é uma arte em aliança com profissionalismo. Sei que repeti esta palavra muitas vezes, mas, para mim, o profissionalismo vai sempre à frente do romantismo, de todo glamour que um produtor possa ter e, obviamente, da dimenção da sua produção.
O bazar de Istambul

A promoção, o desconto, está cada vez mais enraizado no sector do vinho. Aparentemente, os elos mais visíveis da cadeia de valor – hipermercados e clientes – estão satisfeitos. Mas a produção fica completamente estrangulada e refém de um modelo de negócio que não lhe deixa margem e não promove a justa retribuição para quem […]
A promoção, o desconto, está cada vez mais enraizado no sector do vinho. Aparentemente, os elos mais visíveis da cadeia de valor – hipermercados e clientes – estão satisfeitos. Mas a produção fica completamente estrangulada e refém de um modelo de negócio que não lhe deixa margem e não promove a justa retribuição para quem criou as uvas e fez os vinhos.
Luís Lopes
“O consumidor português é um bocado viciado em promoções (…) No sector alimentar, 50% das compras são feitas em promoções. Naturalmente que, a partir de certa altura, não há milagres. A indústria defende-se, empolando os preços, para poder absorver essas promoções. Mas, de facto, é um problema cultural. Como eu costumo dizer, há uma cultura, não sei se mediterrânica, que faz lembrar o bazar de Istambul” – João Vieira Lopes, presidente da Confederação de Comércio e Serviços, em entrevista ao Público, 28 de Novembro de 2019
O autor das frases que acima reproduzo definiu de forma perfeita as raízes em que assenta este modelo de negócio. O português adora, na verdade, discutir o preço, regatear, sair de um encontro negocial com a sensação de que levou a melhor sobre a outra parte. Está-lhe no sangue. Como nas lojas modernas o cliente não tem um interlocutor físico, e a discussão do preço não é possível entre comprador e vendedor, a loja presta diligentemente esse autêntico serviço social e cultural que é simular uma negociação na qual o cliente sai vencedor e satisfeito.
E o cliente tem razões para isso. Os vinhos tabelados a €9 e vendidos €3 são, na esmagadora maioria dos casos, bons vinhos, vinhos que valem inteiramente o que custaram. Foram feitos para valer €3 e não €9, é claro, mas se o consumidor bebe um bom vinho e ainda por cima julga que fez um grande negócio, qual é o problema?
Acontece que, se no sector alimentar 50% das compras são feitas em promoções, no que ao vinho diz respeito são mais de 70%. E isso traz não um problema, mas muitos. Desde logo, problema para toda a cadeia de valor a montante. Quem produziu e engarrafou fica com pouco ou nada de margem. Por conseguinte, para não perder dinheiro (e muitos perdem), reduz ao máximo os seus custos, o que significa também pagar o mínimo pelas uvas ou vinhos que comprou. Nada sobra para investir nas marcas. E o elo mais fraco, o mexilhão da nossa estória, quem trabalha a terra o ano inteiro para manter a vinha, empobrece a cada vindima.
Depois, problema para a marca do produtor. Um vinho vendido em promoção durante 9 meses por ano tem a sua imagem colada ao modelo. No dia (e esse dia virá) em que for substituído na prateleira por outro ainda mais barato, a marca nunca mais recupera o valor. Nenhum restaurante ou garrafeira a quererá comprar. Foi-se, já era, kaputt.
Problema ainda para a cotação do vinho português. Os muitos milhões de turistas que nos visitam, se gostam de vinho e entram num hipermercado para levar uma garrafa para o seu airbnb, devem pensar que chegaram ao paraíso terrestre. E regressam a casa não se lembrando da marca que compraram, apenas que era vinho português, era muito barato e era bom. E isso torna-se a identidade dos vinhos de Portugal.
Os hipermercados fazem o seu trabalho, que é ganhar dinheiro e satisfazer o cliente, e fazem-no muito bem. O consumidor, esse, leva um bom vinho por pouco dinheiro e está na maior. Que pode fazer, então, quem produz? Colectivamente, o sector perdeu uma excelente oportunidade para subir preços, após duas colheitas sucessivas de escassa quantidade. 30 ou 40 cêntimos que fossem, fariam toda a diferença. E nesta euforia pós-troika, em que o consumidor acredita que é rico, se as garrafas de €2.49 passassem a €2.89 ninguém se iria queixar e as vendas não se ressentiriam. Mas para isso seria preciso que as associações do sector funcionassem, e não funcionam. Será cada um por si, como sempre foi. E o bazar de Istambul soma e segue.
Edição nº 34, Fevereiro 2020
Alentejo meu

O mundo está mais pequeno e as modernas tecnologias aproximam gentes e paragens até ao ponto em que se desconfia que a aventura é um conceito fora de moda. Nada disso! Façamo-nos à estrada e enfrentemos o desafio de procurar o país profundo. Por terra, na água e também pelo ar, já agora. Sem medos. […]
O mundo está mais pequeno e as modernas tecnologias aproximam gentes e paragens até ao ponto em que se desconfia que a aventura é um conceito fora de moda. Nada disso! Façamo-nos à estrada e enfrentemos o desafio de procurar o país profundo. Por terra, na água e também pelo ar, já agora. Sem medos. Sem barreiras.
Luís Francisco
O saca-rolhas cumpre a sua função e os copos estendem-se para a garrafa acabada de abrir. O vinho corre e a conversa anima-se, ao ritmo da paisagem que desfila por baixo de nós, a linha sinuosa do rio brilhando aos primeiros raios do sol, prados, vinhas e montado numa sucessão de cores e texturas. De vez em quando, uma casa. E animais, muitos animais. Domésticos e selvagens, vagueando pela terra alheios à presença silenciosa do balão de ar quente e da meia-dúzia de seres humanos que nele se aninham.
Sim, quem nunca saboreou um copo de vinho branco bem fresquinho às sete da manhã a bordo de um balão de ar quente não sabe o que perde. Lá em cima não há medos nem sustos, só um constante maravilhamento. O balão progride suavemente ao sabor da leve brisa do amanhecer, que, por caprichos da meteorologia, sopra exactamente na direcção contrária ao que estava planeado: em vez de nos levar a sobrevoar a reserva de caça da Herdade do Sobroso na serra do Mendro, num safari aéreo que prometia emoções fortes, transporta-nos na sua almofada de sossego para Sul.
Não há tempo nem disposição para desilusões. Os sentidos estão demasiado ocupados na tarefa de tentar absorver tudo o que nos rodeia. O piloto do balão capricha numa travessia rasante sobre o espelho de água do Guadiana, elevando depois o aparelho para evitar as árvores da margem oposta. O ruído dos queimadores é, por agora, o único som que quebra o mar de silêncio em que navegamos. Bom, isso e a ocasional exclamação de espanto de algum dos presentes. E, claro, há alguns minutos, o murmúrio arrastado da rolha que saltou da garrafa de vinho…
Vida selvagem
A serra fica para trás – e, com ela, a promessa de vermos de cima o que na véspera tínhamos adivinhado num passeio de jipe: a vida selvagem pujante desta zona. Centenas de hectares da serra do Mendro albergam animais de grande porte, como gamos, muflões, javalis ou veados. E nós vimo-los todos: um enorme veado trotando pelas curvas da estrada à nossa frente, um grupo de javalis avistado ao longe junto a uma charca, um gamo espreitando pelo meio dos arbustos lá mais em cima, perto do cabeço panorâmico onde armámos um piquenique, meia-dúzia de muflões atravessando o caminho assim que deixaram de ouvir o ruído do motor.
Mas soube a pouco e hoje havia a promessa de podermos olhar de cima, pairando nos ares sem que a bicharada se apercebesse, sequer, da nossa presença… A expectativa era grande e o mini-pequeno-almoço é engolido à pressa para não perdermos tempo. Ainda deitado em terra, o tamanho do balão impressiona. A pouco e pouco, os queimadores aquecem o ar no interior e a cúpula vai subindo. Não tarda nada estamos a bordo e a aventura vai começar!
A brisa é que não está de feição e, num balão, contra isso não há engenho humano que nos valha. Aproveitemos, portanto, para gozar as emoções do voo por si só e tentar reter todos os detalhes desta viagem pelos céus de copo na mão. Pode não ser um safari, mas é uma experiência única.
E, no entanto, aquilo que ali se mexe, espantosamente a apenas algumas dezenas de metros de uma casa, parece ser… isso mesmo, é um veado! E depois outro, e mais uns quantos. Imperturbável pelos sinais de ocupação humana, a grande fauna vagueia também na margem oposta do Guadiana. Há javalis que trotam por carreiros que levam a uma pequena barragem – onde, por sinal, uma raposa caça por entre a vegetação rasteira – e parece quase surreal a visão de um veado que “estacionou” junto ao reboque de tractor parado debaixo de um grande sobreiro.
Regressar à terra
Lá se vai a teoria de que o abandono dos terrenos agrícolas é a mais forte explicação para o regresso dos grandes mamíferos selvagens… Aqui há agricultura e vida selvagem, lado a lado. Talvez a melhor explicação seja mesmo a política de gestão sustentável da reserva de caça do outro lado do rio. Mas quem vai perder tempo com estas elucubrações quando o mundo desfila aos nossos pés?
De vez em quando, o ruído dos queimadores desperta os animais do seu sossego, mas eles não conseguem perceber de onde veio o som e não lhes passa pela cabeça olhar para cima. Se o fizessem, dariam de caras com seis pares de olhos humanos que os fitam em embevecido espanto, por momentos o copo de vinho esquecido na mão. E assim se passam os minutos, ou serão horas, que nestas ocasiões o tempo é uma entidade sinuosa.
Só que a silhueta distante de casario e cabeços torna-se cada vez mais nítida e isso é uma clara indicação de que o dia já avança – o sol está mais alto e com o aumento da temperatura começam a gerar-se correntes térmicas que podem complicar a vida ao piloto do balão. O que é bom depressa se acaba, diz o povo. Está na altura de descer.
No solo, uma viatura acompanha o nosso trajecto, para nos recolher (e ao balão) assim que tocarmos o solo. O ritmo das comunicações intensifica-se. É preciso procurar um local plano, sem árvores nem linhas eléctricas, com acesso à estrada. Mesmo no Alentejo, isto nem sempre é fácil. E é preciso que o vento nos leve na direcção correcta. Aterrar um balão, portanto, não é pensar e fazer.
Ao fim de algum tempo, a bonomia do piloto acalmando as ansiedades de quem viaja a bordo, lá surge um belo prado e é lá que pousamos. Já vivemos uma eternidade neste dia e ainda nem são dez da manhã! Abre-se mais uma garrafa de vinho, enquanto se revivem as visões exaltantes da bicharada à solta na imensa paisagem alentejana. Não estamos em África, mas a comparação é inevitável. Com uma vantagem: o vinho por aqui é muito melhor!
Edição nº 34, Fevereiro 2020
Legumes, capão e Michelin

Uma súplica para que se pare de oferecer legumes crus e cozinhados no mesmo prato, um repto para que se conheça melhor o capão de Freamunde IGP, e um aplauso aos bravos que persistem na senda da excelência. Aos cozinheiros, nas suas cozinhas, nos seus produtos. Fernando Melo São dois os problemas fundamentais da cozedura […]
Uma súplica para que se pare de oferecer legumes crus e cozinhados no mesmo prato, um repto para que se conheça melhor o capão de Freamunde IGP, e um aplauso aos bravos que persistem na senda da excelência. Aos cozinheiros, nas suas cozinhas, nos seus produtos.
Fernando Melo
São dois os problemas fundamentais da cozedura dos legumes que nos servem nos restaurantes. O mais gritante é o excesso de água em que normalmente cozem, o outro é o tempo de cozedura que se pratica. Gosto de pegar no tomate como referência, por ser rico em licopeno e também pelo seu conteúdo elevado de açúcar. Acontece que no tomate cru nem um nem outro se manifestam, mas na cozedura correcta manifestam-se ambos e tornam o fruto/hortícola determinante enquanto fonte de nutrientes para a nossa subsistência e ao mesmo tempo facilitador de digestões mais eficazes. A palavra-chave é disponibilidade, o mesmo é dizer o que cada verdura oferece ao organismo, mediante a intervenção culinária. A quantidade de água em que se coze determina o ponto óptimo da disponibilidade de nutrientes para o corpo humano, devendo evitar-se o excesso, por provocar a sua dissolução. Ao mesmo tempo o prolongamento exagerado da cozedura leva à destruição da estrutura das fibras e dos nutrientes dos legumes em causa. Os cozinheiros lúcidos e avisados já cozinham legumes e verduras de acordo com este vector da disponibilidade e extracção óptimas. Apesar dessa evidência, continua a cozer-se demais, aliás não só vegetais mas tudo o resto. Está mais que provado que a cozedura certa – mesmo que se trate de bringir apenas – determina directamente o bem-estar e o nosso funcionamento interno. Constato que mesmo no meio da cozinha profissional estamos ainda nos antípodas das considerações de digestibilidade. O nosso “bocadinho de salada”, à laia de ornamento baralha-nos completamente o esquema e pouco ou nada contribui para melhorar o perfil do que comemos, justamente pela pouca disponibilidade de nutrientes face à bateria existente no prato. Somos um sistema, não somos o repositório de ingredientes que a maioria dos nutricionistas não-médicos nos querem fazer crer. Não me quero – nem sei – alongar mais sobre este assunto, mas quero aqui lavrar a súplica aos cozinheiros: enquanto não tiverem a certeza absoluta do que estão a fazer não ponham lado a lado legumes crus e cozidos.
Todos os anos no dia 12 de Dezembro, véspera do dia de Santa Luzia, tem lugar o concurso e jantar de gala do capão à Freamunde. Desde há três anos engalanado – passe a redundância – com a certificação de Indicação Geográfica Protegida (IGP), o passareco gigante está a caminho dos píncaros da qualidade, prestes a tornar-se no mais sublime animal de criação em todo o país. Originário das chamadas Chãs de Ferreira, planalto granítico triangular definido por Ferreira, Paços de Ferreira e Freamunde, está agora aberto a empresários que queiram investir na produção. Há muito espaço ainda para o efeito, a área consagrada na certificação tem ainda pelo menos um par de décadas de franco crescimento pela frente. A prazo vai ser mais importante a proveniência que a receita, de resto já está a acontecer. Cozinheiros de todo o país, incluindo estrelados Michelin estão a oferecer as suas versões da grande ave aos clientes. Uma epopeia que vem dos tempos da ocupação romana – o galo capado não canta, por isso era mais cómodo para os centuriões de então -, atravessa quase dois mil anos de história e atinge hoje a maior glória de sempre. Ombreia com as grandes denominações de origem, por exemplo Bresse, em França, e é único no mundo. O concurso português é porventura o melhor de todos os que se fazem, pois a prova é inteiramente feita às cegas e sem possibilidade de cruzar opiniões; cada membro do júri tem no prato perna, peito e recheio de um capão e no mesmo serviço ninguém tem o mesmo. É sempre surpreendente o restaurante vencedor, muitas vezes o próprio não está sequer à espera. Na gala, todos os presentes, vencedor e os outros estão em festa e aplaudem com entusiasmo os que ganham. O nível culinário é desde os últimos anos muito elevado, sinal de que todos estão a melhorar e provar os capões da concorrência. Dado muito importante para nos entendermos e crescermos. Viva o capão de Freamunde.
Ambiente de festa rija houve também em Sevilha no dia 20 de Novembro, na noite do anúncio das estrelas Michelin Portugal e Espanha. Foi de encher a alma a subida dos chefs Diogo Lemos (Mesa de Lemos, VIseu) e Rui Silvestre (Vistas, Monte Rei Golf, Vila Real de Santo António) ao novo estrelato, e muito importante todos os actuais detentores de estrelas estarem lá para felicitar e festejar todos, uns aos outros. Foi uma festa ibérica, é certo, mas senti-a também muito portuguesa. E é verdade que os nossos chefs têm o denominador comum da entreajuda, as portas das suas cozinhas estão sempre abertas para os que quiserem estagiar, aprender e desenvolver a sua forma de trabalhar. Claro que formos uma vez mais fulminados em número pelas novas estrelas espanholas, mas há um sentimento grande de vitória por parte de todos os nossos. É preciso continuar, assim como estamos, assentes nos redutos das raízes e da proximidade. O Guia Michelin já fala de Portugal como quem fala do paraíso, temos produto, talento e história para crescer exponencialmente de ano para ano. Estamos em festa.
Edição nº 34, Fevereiro 2020
O que nós passámos para aqui chegar

A História faz-se de avanços e recuos. A do vinho também e é por isso que não é bom perder a visão de conjunto, ficarmos nos pormenores e deitar fora o essencial. E custou muito chegar até aqui. João Paulo Martins Estamos numa época em que muito se fala dos méritos que tinham os vinhos […]
A História faz-se de avanços e recuos. A do vinho também e é por isso que não é bom perder a visão de conjunto, ficarmos nos pormenores e deitar fora o essencial. E custou muito chegar até aqui.
João Paulo Martins
Estamos numa época em que muito se fala dos méritos que tinham os vinhos de antigamente, dos métodos perfeitos que então se usavam, das virtudes que derivavam da simplicidade dos processos, do perfeito equilíbrio entre o homem e a Natureza. Se seguirmos esta perspectiva, o que se pede então ao produtor de hoje é que seja capaz de fazer como dantes: sem tecnologia, sem ciência, sem equipamentos e, já agora, sem enólogos que não passam de uns empatas que só querem usar químicos.
A história do vinho sempre acompanhou os avanços que a ciência – seja a física, a química ou a microbiologia – trouxeram para o aperfeiçoamento da técnica de produção. Digo técnica de produção porque o vinho não se faz por si, não aparece feito na Natureza, tal como o pão não nasce numa planta. São precisas uvas para fazer vinho e é preciso saber o que fazer com elas. Com o pão passa-se o mesmo: é preciso cereal mas há que saber o que fazer com ele e, imagina-se, há muitas maneiras de chegar ao produto final. Tal e qual como no vinho.
Quando se ouve alguém falar no vinho de outrora, do antigamente e dos velhinhos que, esses sim, é que sabiam o que faziam, fica-se com a sensação que por vezes não se sabe do que se fala. Com a evolução vertiginosa que o mundo teve (em todos os domínios) nos últimos 60 anos, para falar do “antigamente” não é preciso ir muito longe, poderá bastar (e provavelmente sobra…) ir até aos anos 50 do século passado. Pois então repare-se: na época apenas se fazia vinho a lagar e o mosto fermentava posteriormente em tonéis de madeira de grandes dimensões. Simples, não é? Não se usavam leveduras, não se fazia o controle de quase nada, não havia malolácticas, nem estágios nem filtrações. Fazia-se o vinho com o que chegava à adega, quando as uvas sobrevivam às quantidades enormes de químicos que os lavradores usavam. Já ninguém se lembra do DDT e do 605 Forte e dos anúncios que davam na televisão do Senhor Prudêncio? Ninguém ouviu falar dos tempos em que eram às carradas o ácido tartárico que se usava nos vinhos para lhes conferir acidez e assegurar a longevidade? Já todos esquecemos que, se estivermos a falar dos Bordéus dos anos 50 só há um ano considerado muito bom, o 1953? Porquê? Pela simples razão que os outros, apesar de virem de casas famosas, avariaram, estragaram-se, evoluíram mal. Achamos isso normal, mas é bom tentar saber porquê. Nos anos 70 não há quase Bordéus que sejam dignos de nota e Borgonhas também não? Porque será? É bom saber que a responsável pela melhoria generalizada dos vinhos foi a ciência, nas suas múltiplas disciplinas e que os produtores beneficiaram de coisas tão estupidamente simples como seja…haver mais higiene nas adegas, deixar de usar cestos de verga para transportar uvas, eliminar na quase totalidade os tonéis velhos que, à falta de manutenção, mais não são que viveiros de bactérias.
Afinal, o que ganhámos com a técnica?
Fazer vinho hoje é aplicar uma quantidade enorme de conhecimentos e melhoramentos que foram sendo adquiridos ao longo das últimas décadas. Algumas dessas melhorias apenas decorrem do bom-senso – como seja a escolha das uvas à entrada da adega ou a lavagem das instalações para impedir a propagação das bactérias acéticas. Outras são a consequência de muito estudo, ensaio, erro e progresso. E esses avanços foram, nas últimas décadas, responsáveis pela melhoria generalizada dos vinhos no nosso país e no resto do mundo. É difícil dizer onde tudo começou mas a verdade é que o melhor conhecimento da uva e da vinha, da condução e da poda, da gestão da canópia, do equilíbrio entre produção por cepa e qualidade final do vinho, tudo isso contribuiu para que hoje as uvas cheguem à adega mais sãs e mais capazes de dar bom vinho. Fez-se tudo bem? Nem por isso. Os erros que se fizeram com porta-enxertos errados, com selecção clonal desajustada e condução incorrecta da vinha serviram também para se melhorar hoje os disparates cometidos nos anos 80 em Portugal (nomeadamente no Douro) e em França, no caso da selecção clonal.
Do início dos anos 60 até hoje aprendemos quase tudo o que nos permite evitar que se volte a ter uma década negra como tiveram os franceses nos anos 50 em Saint-Émilion. Vejamos: deixámos gradualmente as madeiras velhas para a fermentação dos mostos, descobrimos o método certo para controlar a temperatura da fermentação, preservando assim os aromas e assegurando o respeito pelo local de onde vieram as uvas; aprendemos quase tudo sobre a fermentação maloláctica, a sua monitorização e acompanhamento; conhecemos muito melhor o universo das leveduras e descobrimos que elas não só não são todas boas meninas, como podem não ser capazes de levara a bom proto a tarefa que delas esperamos; conhecê-las e controlá-las foi um enorme avanço. Hoje sabemos muito mais sobre a microbiologia da uva, dos processos químicos associados à transformação do mosto em vinho, sabemos gerir melhor o pH e a acidez das uvas com a consequente redução do uso do ácido tartárico embora ele continue a ser útil nos climas quentes, tal como o mosto concentrado é necessário nos climas frios. Substituímos muitos tonéis velhos por barricas novas e, quer sobre a fermentação em barrica quer sobre o estágio em madeira, temos hoje conhecimentos muito maiores que nos permitem não voltar a fazer o erro dos anos 80 em que os vinhos eram verdadeiros destilados de carvalho. E sobre a utilização de sulfitos estamos muito mais informados, também para saber que não os usar é um passaporte quase certo para a curtíssima longevidade do vinho.
Do passado mantivemos o que valia a pena: as vinhas velhas, (no caso de serem boas), a pisa (ou mesmo a fermentação) em lagar, as ânforas, os depósitos de cimento (agora com novos formatos) e, se se tiver confiança nelas, as barricas velhas mesmo para fermentar vinhos brancos, como hoje ainda fazem algumas das grandes regiões de brancos do Mundo.
A grande diferença em relação ao passado é que, hoje, o conceito de vinho imbebível praticamente desapareceu e mesmo os vinhos ridiculamente baratos são bebíveis. São vinhos Barbie, como alguém disse? Não sei se são Barbie, mas são os vinhos que a esmagadora maioria da população bebe, a tal população para quem vinhos a €5 são coisas para o Natal, e e…! Ao contrário dos tempos de Fernando Nicolau de Almeida, hoje a Casa Ferreirinha poderia fazer Barca Velha quase todos os anos. Tivesse o criador do mítico vinho acesso a todos os avanços técnicos que hoje temos e conhecemos e seria, com certeza, o primeiro a abraçá-los. Temos escolha porque temos mais sabedoria. Sabemos o que queremos fazer e como. E, por isso, sabemos que se quisermos errar não é por sermos mais espertos que os outros ou por sermos nós que respeitamos a Natureza. Creio que será por outras razões.
Passámos muito para aqui chegar e seria um desperdício deitar tudo a perder.
Edição nº 34, Fevereiro 2020
O frio é uma coisa relativa

O mundo está mais pequeno e as modernas tecnologias aproximam gentes e paragens até ao ponto em que se desconfia que a aventura é um conceito fora de moda. Nada disso! Façamo-nos à estrada e enfrentemos o desafio de procurar o país profundo. Contra tudo e contra todos. Mesmo contra os elementos, por mais adversos […]
O mundo está mais pequeno e as modernas tecnologias aproximam gentes e paragens até ao ponto em que se desconfia que a aventura é um conceito fora de moda. Nada disso! Façamo-nos à estrada e enfrentemos o desafio de procurar o país profundo. Contra tudo e contra todos. Mesmo contra os elementos, por mais adversos que eles teimem em mostrar-se.
Luís Francisco
Há quem continue a achar que o vinho é uma coisa que dá trabalho, sim, mas apenas em algumas ocasiões bem definidas no calendário. Na vindima, claro, quando as uvas se precipitam para a adega e toda a gente anda numa correria, mostos para aqui, mostos para ali, depósitos a encher e a esvaziar, fermentações e decisões enológicas, mão-de-obra intensiva e o nervoso miudinho de ver todos os sonhos e planos de um ano a ganharem forma. Claro, também há aquela coisa da poda, no Inverno, mas isso é o menos. Basta visitar uma adega em outra altura do ano que não na vindima e percebe-se logo o sossego de quem dá o litro (metáfora irresistível) em Setembro e Outubro e depois descansa durante 300 dias…
E, no entanto, não é nada assim. Na vinha ou na adega, há sempre trabalho para fazer. E foi para falar nisso que um dia saímos em reportagem. Escolhemos o destino – no caso, a Quinta do Gradil, região de Lisboa – e lá fomos, decididos a recolher e partilhar informação sobre tudo o que se passa numa exploração vitivinícola nos meses que medeiam entre uma vindima e a outra. É claro que, num acesso de masoquismo ou consciência profissional (prefiro a segunda, mas, como hão-de ver a seguir, há indícios de que o primeiro não esteve totalmente ausente do cenário…), não embarcámos em facilidades. Se era para mostrar trabalho, então que fosse na altura mais improvável, o Inverno.
Escusava era de ser o dia mais frio do ano. A suspeita começou a ganhar forma com os primeiros arrepios da madrugada, a nortada gélida a fatiar sadicamente as résteas de conforto térmico oferecido pela roupa. E foi então que vimos um post no Facebook. De saída para o Alentejo, onde a empresa estava a preparar terrenos para plantar novas vinhas, o viticólogo do Gradil, Bento Rogado, registara a temperatura que se fazia sentir às 6h30 da manhã no sopé da Serra de Montejunto. O termómetro do carro anunciava uns inquietantes -7º centígrados…
Ler esta indicação nas férias, sentados junto à lareira num chalet de montanha até pode ser giro, mas garanto que não tem graça nenhuma quando nos preparamos para andar pelas vinhas, de máquina fotográfica em punho ou de bloco e esferográfica na mão para tomar notas… E, naturalmente, as duas inocentes alminhas que viajam para o Gradil nessa madrugada esqueceram-se de levar luvas. Provavelmente não dariam jeito nenhum quando chegasse a hora de trabalhar, mas, caramba, para algum momento haviam de servir…
Uma cave… quentinha
Chegamos, depois de deixarmos a estrada numa viragem perpendicular que nos aponta à linha amarela dos edifícios para lá do vale coberto de vinhas. O vento vai soprando. Mas, ansiamos, o termómetro há-de ter agora melhores notícias para nós – diz-se que a última hora da noite é a mais negra e a mais fria, mas o Sol já nasceu. Envergonhado, tímido, lá vai espreitando num tom esbranquiçado por entre as nuvens do amanhecer. Os cientistas juram que esta gigantesca fornalha celestial que queima hidrogénio e o transforma em hélio funciona ininterruptamente a uma temperatura que atinge os 5500 graus centígrados, mas esta manhã, desculpem lá, não há ciência que nos salve… Está tanto frio que até a ameaça do aquecimento global soa a música para os nossos enregelados ouvidos.
São 8h30 da manhã e ainda estão dois graus negativos. Daí a duas horas, o termómetro chegará finalmente ao zero. E, pela hora do almoço, a água que tapa o fundo do tanque situado no terreiro central da quinta, junto ao restaurante, continua sólida. Atiramos uma pedrinha, outra. E sempre o som cavo do gelo, austero e definitivo. Valha a verdade, por essa altura o pior já passou: andámos pelas vinhas para saber mais sobre a poda e a orientação das videiras, conversando com gente que maneja a tesoura com mestria (perdoem-me a insistência, mas eles tinham luvas!), visitámos a adega para conversar sobre operações de filtragem e estabilização, perceber trasfegas e limpezas, conhecer os muitos pequenos passos que nos permitem abrir uma garrafa e beber com prazer.
Quando nos convidam para descer à cave das barricas, que fica uns bons metros abaixo do solo, a primeira sensação é de arrepio. Se em dias quentes às vezes é complicado visitar estes sítios de manga curta, como será hoje… O elevador transporta-nos para o subsolo e, de repente, está quentinho! Longa vida às maravilhas do isolamento térmico: aqui a temperatura mantém-se estável à volta dos 15/16ºC, um verdadeiro paraíso tropical quando comparado com a manhã siberiana que nos aguarda lá em cima, no regresso à superfície. O elevador sobe e o bafo da respiração diz-nos que nestes últimos minutos o cenário térmico não mudou.
Felizmente, a reportagem aproxima-se do seu fim e a última parte será feita à mesa, onde vamos conversar com os responsáveis do Gradil. Lá fora, o tanque continua gelado e as vinhas, despidas, parecem encolher-se para resistirem à nortada. Até os passarinhos estão mudos que nem pedras. Uma breve mirada às notas no bloco confirma que a manhã não foi fácil: gatafunhos quase imperceptíveis, palavras cortadas a meio, frases que se perdem em linhas mal amanhadas… não vai ser fácil decifrar isto.
Mas agora temos vinho no copo. As mãos e a alma começam a aquecer. Lá fora, a silhueta da serra ganha luz e cor. De repente, tudo parece bonito e acolhedor. A mente humana tem a espantosa capacidade de obliterar impiedosamente as más memorias. Sim, porque isto do frio é uma coisa muito relativa.
Edição n.º33, Janeiro 2020