Volta à Ásia no Martim Moniz: quando um bao deixou de ser mau

A pressão imobiliária na praça mais asiática de Portugal ainda não conseguiu expulsar as comunidades de indianos, chineses e bengalis que ali se estabeleceram há muito. Graças a Deus, a Alá e aos homens. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga Durante muito tempo, os chefs mantiveram o segredo. O Martim Moniz era um […]
A pressão imobiliária na praça mais asiática de Portugal ainda não conseguiu expulsar as comunidades de indianos, chineses e bengalis que ali se estabeleceram há muito. Graças a Deus, a Alá e aos homens.
TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTOS Ricardo Palma Veiga
Durante muito tempo, os chefs mantiveram o segredo. O Martim Moniz era um oásis de produtos de loja gourmet vendidos a preços de mercearia. No supermercado chinês Hua Ta Li, num domingo de manhã, podíamo-nos cruzar com duas ou três celebridades da alta-cozinha, de Henrique Sá Pessoa a André Magalhães. Na altura, há mais de dez anos, os chefs eram dos únicos ocidentais que se misturavam com chineses em volta da vitrina de cabeças de pato assado ou de bao de porco doce. Mas as coisas mudaram.
Hoje em dia, os bao – pãezinhos de trigo e fermento em pó, muito brancos e leves, recheados com carne ou legumes, num molho agridoce – são uma das comidas da moda. Só em Lisboa há uma vintena de restaurantes trendy a servi-los, quase sempre em versões sofisticadas e de fusão. Quando as pessoas trincam a massa fofa, sentadas numa mesa cosmopolita do Chiado, julgam que aquele pão foi feito no momento, ali, mas o mais certo é que tenha vindo da arca dos congelados de um supermercado chinês do Martim Moniz — e só o recheio seja de produção própria.O mesmo acontece com muitos outros produtos. Há dias, num desses restaurantes asiáticos geridos por pessoas criadas nas Avenidas Novas, aconselharam-me para sobremesa uns mochi. Os mochis são uns bolinhos do tamanho de bolas de ping-pong, com uma capa de massa de farinha de arroz e diversos recheios doces: pasta de amendoim, chá verde, feijão azuki. Perguntei se eram feitos ali e garantiram que sim. Sucede que não: os mochi, embora muito bons, eram iguais aos que se compram em caixas no Martim Moniz (e até vinham com o papelinho na base com que são embalados). Dois custaram 4€, preço suficiente para uma dúzia deles no Hua Ta Li.
Nada disto já escandaliza. O fantasma da comida chinesa parece ter-se dissipado, depois da célebre operação da ASAE, em 2006, que levou ao encerramento de 14 restaurantes e lojas. Tanto assim que a comida chinesa voltou a ser cool e, de então para cá, nasceram muitos outros supermercados no Martim Moniz.Um deles foi o Chen, porventura o maior em área. Podemos encontrar lá desde chás matcha até várias marcas de molho picante tipo sriracha, passando por garrafas de litro e meio de soja Kikkoman, até ceboleto aos molhos fresquíssimo, feijão edamame ou a lindíssima curgete roxa.
É aqui que se abastecem muitos dos restaurantes chineses da zona, comprando todos os dias produtos frescos. A beringela roxa, por exemplo, está sempre na ementa de um dos mais extraordinários restaurantes chineses de Lisboa. A primeira vez que lá comi, fui guiado pelo chef André Magalhães, que apelidava o sítio de “cantina chinesa”. Apesar de ficar num rés-do-chão, com porta para a rua, o restaurante não tem um nome oficial, nem os donos falam português suficiente para nos elucidar. Anos depois, quando escrevi sobre o sítio para a revista “Time Out”, recorri a um papel afixado na parede, onde se fazia referência a um proprietário chamado Mi Dai (Calçada da Mouraria, 7). O nome acabou por ficar assim instituído em referências na Internet, mas não há certezas de que seja correcto.
O que é certo é que se come muito bem lá. Actualmente, já lhe dão uma carta em português, mas a forma mais interessante de escolher é abeirar-se da vitrina onde estão expostos produtos frescos, em cru, e apontar para uma travessa. Essa travessa segue directamente para o wok e cinco minutos depois está a comer da melhor comida da região costeira entre Xangai e Cantão. Um banquete, aqui, pode incluir as lulas com pickles de couve, entrecosto frito com alho, barriga de porco cozinhada em soja, edamame e as obrigatórias beringelas roxas cozinhadas com carne picada, feijão, alho e gengibre — tudo regado a cerveja Tsingtsao (também há Super Bock, mas enfim). Para os mais afoitos, também se arranjam coisas exóticas, como medusa e cartilagens de vaca.Caso vá sozinho, o ideal pode ser optar por uma sopa de noodles com vaca e couve pak shoi, que é, por si, uma refeição. A massa, não sendo fresca, é firme e elástica e o caldo é uma explosão aromática, com notas fortes a estrela de anis.
Não estamos, contudo, a falar do típico “clandestino” da área. Aqui os produtos são acima da média e os preços reflectem isso. Não se come por menos de 10€, a não ser que opte pela sopa de noodles (6€).
Pelo mesmo preço, a 50 metros dali tem uma versão diferente destas sopas, uma espécie de ramen japonesa mais rude. Na rua Fernandes da Fonseca, 12, subindo ao primeiro andar vai encontrar do lado direito um cabeleireiro cheio de jovens chineses com capilagem multicolor e do lado esquerdo uma porta aberta. Entre e vá até ao fim, onde verá um balcão de snack bar e uma sala cheia de chineses, com a cabeça enfiada numa tigela, sorvendo coisas. O Pangzi Mianguan faz a massa dos noodles na hora, mas o caldo é um líquido translúcido e saboroso feito da cozedura demorada de ossos. Se só puder escolher uma sopa, vá pela de entrecosto.Mas nem só de comida chinesa se faz a praça. As outras comunidades muito presentes na zona são a hindu (da Índia) e a muçulmana, sobretudo paquistanesa e bengali, do Bangladesh. No Centro da Comercial da Mouraria há três lojas cheias de especiarias, frutas, molhos, farinhas, produtos vindos desta região. Mal descemos as escadas para o piso -1 entramos noutro mundo, com aromas de fábrica de Guangdong misturados com um bazar de Nova Deli.
Do lado sul, num beco curto está o Nita Cash and Carry. Conheci-o há dez anos, quando ali andei às compras com Jesus Lee, o chef do restaurante Jesus é Goês. Era lá que ele se abastecia e percebe-se porquê. Há todo o tipo de especiarias, algumas difíceis de encontrar, como a noz-moscada preta. De resto, só de lentilhas tem uma meia dúzia de variedades, mais malaguetas indianas, farinhas e óleos de todo o tipo, tudo num espaço mínimo com preços condizentes.
Para frescos, todavia, não há como contornar o Popat Store. Há sempre novidades importadas da Índia. Há umas semanas tinham chegado umas favinhas micro, óptimas. E quem quiser fazer achar de manga tem aqui a fruta indicada, também ela micro, como micro são as bananas e as beringelas.Mais uma vez, estes fornecedores não servem apenas as residências periclitantes das comunidades indiana, bengali e paquistanesa espalhadas no eixo Intendente-Mouraria. Há também restaurantes onde os locais comem e que se abastecem aqui. A maioria está espalhada pela Rua do Benformoso, uma via comprida e movimentada, paralela à Rua da Palma, cheia de lojas, que parte do Martim Moniz. Iniciando a rota aqui, seguindo para Norte, até ao Intendente, havemos de encontrar do lado direito o Pho-pu, um dos primeiros restaurantes de Lisboa a servir a célebre sopa phô vietnamita.
Pouco depois, do lado oposto, está o Bangla, o mais procurado restaurante bengali da zona. Aqui, como em todos os restaurantes do Benformoso, come-se com as mãos e a ajuda de pão indiano, uns crepes feitos no momento, excelentes para empurrar os caris da casa. Entre os meus preferidos está o caril de cabrito, mas as alternativas são muitas, com birianis, tikkas e outros clássicos indianos.
O Bangla tem também uma das ofertas mais diversificadas de doces indianos artesanais, também conhecidos por Barfi. São normalmente doces feitos com uma base de leite em pó e farinhas de trigo ou amêndoa ou até de pistáchio. Há outros cafés mais à frente onde poderá comprá-los.
Alguns destes lugares do Martim Moniz mudam de nome como o Ronaldo muda de carro. Mas importa olhar para as vitrinas de comida, seguir os aromas da Ásia no centro de Lisboa. Lembrar que os bao vêm dali.
Ide lá. Já. Mais tarde pode ser tarde.
Edição Nº13, Maio 2018
Nêspera

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga A grande virtude da nêspera é ser ruim. Devemos gostar da nêspera como gostamos daquele amigo caprichoso e mal-encarado. Para começar, é um fruto fugaz. Quando damos conta, já foi. Depende do clima e sabemos que o clima está a mudar, mas em Portugal aparecem normalmente só […]
TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTO Ricardo Palma Veiga
A grande virtude da nêspera é ser ruim. Devemos gostar da nêspera como gostamos daquele amigo caprichoso e mal-encarado.
Para começar, é um fruto fugaz. Quando damos conta, já foi. Depende do clima e sabemos que o clima está a mudar, mas em Portugal aparecem normalmente só entre Abril e Maio. Depois, acabou. Até para o ano. Bye, bye. Não comeste, tivesses comido.
Ora, devia haver uma comoção geral quando acaba a época, mas tristemente não é assim. A nêspera entra e sai das lojas e dos mercados sem que se oiça um lamento. Isto tem a ver com o facto de as pessoas comerem a nêspera ainda verde. As pessoas só gostam de coisas viçosas e brilhantes e uniformes, sejam humanos, sejam frutas.
Com a nêspera não é diferente. Mas devia.
A nêspera quer-se madura, já aquele maduro amachucado, vivido, eventualmente bicado de pássaros que sabem o que é bom, que sabem que por trás de uma ruga pode estar uma polpa doce, complexa, que sabe domar a acidez.
Nada se compara a essa experiência na boca e saiba que isso se reflecte no corpo. A nêspera está cheia de vitamina A, betacarotenos e outras coisas que ajudam a baixar o colesterol, a tensão arterial e a prevenir certos tipos de cancro.
Acresce que as nêsperas não são apetecíveis para cultivo intensivo. Lá está, são danadas: de apanhar, de conservar, de vender. Nem as pragas as querem. O que faz com que seja raro apanhar frutos com pesticidas ou inchados de fertilizantes e outros artifícios usados pela indústria, normalmente com prejuízo do sabor.
Ora, isto é impagável e por isso esteja atento. Procure nêsperas feias. Vai ser feliz.
PS: Se está a ler este texto no Norte de Portugal, sobretudo no Minho, é possível que conheça a nêspera por “magnório”. A designação muda também nos Açores, onde há quem lhes chame “mónica”. Mas atenção: existe um outro fruto, parecido, chamado magnório, que é de outra planta — conhecida como nespereira japonesa
Edição Nº13, Maio 2018
Café Garrett, em pleno Rossio

A bem dizer já lá estive várias vezes, umas como cliente e outras em apresentações de vinhos. E sempre gostei. TEXTO João Paulo Martins FOTO Ricardo Palma Veiga Não é preciso ser muito velho para recordar o dia em que o teatro D. Maria II ardeu. O edifício, que preenche um dos lados do quadrado […]
A bem dizer já lá estive várias vezes, umas como cliente e outras em apresentações de vinhos. E sempre gostei.
TEXTO João Paulo Martins
FOTO Ricardo Palma Veiga
Não é preciso ser muito velho para recordar o dia em que o teatro D. Maria II ardeu. O edifício, que preenche um dos lados do quadrado do Rossio, pura e simplesmente desfez-se e apenas ficaram as paredes exteriores. Corria o ano de 1964 e os lisboetas passaram a olhar para aquele edifício desolador com um misto de pena e de apreensão quanto ao futuro. Quanto tempo duraria a reconstrução? Iria haver dinheiro para isso? A nova casa ficaria semelhante à anterior? Pois foram precisos 14 anos para que o teatro abrisse de novo as portas, voltasse a ser casa de artistas e tudo isto com o 25 de Abril pelo meio, o que não terá facilitado a aceleração das obras. Não recordo o antigo “miolo” da casa, mas pelo que vi depois tudo ficou com bom gosto, respeitando o espírito arquitectónico neoclássico.
No lado do teatro que dá para a estação do Rossio nasceu há pouco tempo o Café Garrett, um restaurante que passa despercebido aos passantes. Tão despercebido que na última vez que lá estive estraram duas turistas a perguntar onde faziam o check-in, pensando que aquilo era um hotel. Apesar de não se dar por ele (não há cartazes cá fora e apenas o nome na porta o identifica), o Café Garrett começa a dar nas vistas. O chefe Leopoldo Calhau desenvolve ali um conceito muito interessante, com uma gastronomia leve, saborosa, fiel a produtos e receitas e com alguns momentos de grande originalidade como o pudim de noz da Joana, algo de chorar por mais e cuja receita o chefe não quis partilhar. Bem chorámos, mas nada.[/vc_column_text][vc_gallery type=”flickity_style” images=”27132,27130,27131″ flickity_controls=”pagination” flickity_desktop_columns=”1″ flickity_small_desktop_columns=”1″ flickity_tablet_columns=”1″ flickity_box_shadow=”none” onclick=”link_no”][vc_column_text]Apesar de se estar a ver a confusão de tróleis e turistas cá fora, o espaço restaurativo é bem tranquilo e permite o desfrute dos caldos, dos pratos de bacalhau ou carne e dos petiscos que são sugeridos como entrada e que podem até servir de refeição. Estamos ali no coração da Baixa lisboeta, o passeio higiénico a seguir ao almoço ou jantar tem imensas orientações possíveis, da Ginginha até à Manteigaria Silva, do Coliseu à Igreja de S. Domingos. É só escolher. A culinária do Chefe Leopoldo é suficientemente ligeira para que dali ninguém saia pesado. Nem a conta é de molde a amedrontar alguém.
Não sabemos bem se o Almeida Garrett gostava de línguas de bacalhau ou cabidela de galo. Mas, se não gostava, azar dele, que por aqui são petiscos que têm que se lhe diga.[/vc_column_text][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”accent-color”][vc_column_text css=”.vc_custom_1542971906668{background-position: center !important;background-repeat: no-repeat !important;background-size: contain !important;}”]
CAFÉ GARRETT
Praça Dom Pedro IV, 1249-970 Lisboa
(Tel: 211 933 532)
[/vc_column_text][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”accent-color”][vc_column_text css=”.vc_custom_1542972007763{border-radius: 3px !important;}”]
Edição nº12, Abril 2018
[
Aveiro, doze horas a comer entre a ria e o mar

Aveiro não é só ovos moles. Passámos um dia a comer entre a beira-mar e a Costa Nova e acabámos de barriga cheia. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga Mercado da Costa Nova É um dos mercados de peixe mais vibrantes e bonitos do país. Aos fins-de-semana, há caravanas de carros vindas de […]
Aveiro não é só ovos moles. Passámos um dia a comer entre a beira-mar e a Costa Nova e acabámos de barriga cheia.
TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTOS Ricardo Palma Veiga
Mercado da Costa Nova
É um dos mercados de peixe mais vibrantes e bonitos do país. Aos fins-de-semana, há caravanas de carros vindas de Aveiro para ir ali comprar bivalves e peixes frescos pescados no mar, mesmo ali ao lado. O movimento dura o dia todo, que o mercado aos sábados e domingos abre às 8h e fecha só às 18h. Um espectáculo obrigatório é ver as peixeiras a amanhar enguias vivas, com uma técnica única e letal. Compre umas quantas e faça a famosa caldeirada de enguias à pescador, seguindo a receita da peixeira residente Ana Catarina, há dez anos no ofício. Se lhe der fome, vá ao talho mesmo ao lado e compre uns rissóis do torresmo, fritos na casa. Quem não caça com peixe, caça com carne.
Caldeirada de enguias à pescador:
“Numa panela junta-se sal de unto (banha com sal marinho), cebola, alho, salsa e bastante azeite. Coloca-se o louro, água, as batatas e pimenta branca. No final juntam-se as enguias e deixam-se cozinhar.”
Restaurante Dóri
Mesmo junto ao mercado está um dos melhores restaurantes de peixe da nossa costa. O Dóri é uma instituição da Costa Nova, mas, ao contrário de outras instituições, não se deixou adormecer pelo sucesso. Nuno Tavares, na sala, e Vera Fonseca, na cozinha, há 12 anos que zelam para que toda a gente dali saia feliz. O peixe é todo de mar, comprado na lota no dia anterior e tratado muito bem, seja na grelha, no tacho ou na fritadeira. Um almoço de sonho pode começar com o fresquíssimo paté de sapateira caseiro, continuar com uma salada de polvo, umas amêijoas à Bulhão Pato (bem gordas), lingueirão na chapa com alho e coentros, choco frito, petingas fritas e depois um peixe de mar grelhado, uma caldeirada de enguias ou a feijoada de sames. Imperdíveis, nas sobremesas, o pudim do Abade de Priscos e a clássica nata do céu.
Ovos moles da Maria da Apresentação
Depois de dar um passeio ao longo da ria, no centro da cidade, está na hora de pensar nos outros. Ir a Aveiro e não trazer ovos moles é uma afronta. A oferta é muita e de qualidade, mas a oficina da Maria da Apresentação, uma casa criada em 1882, é uma experiência à parte. Os ovos ainda são moldados à mão e fazem uso de ovos frescos de qualidade, um dos segredos do sucesso. Se quiser participar na confecção, há workshops regularmente, com a duração de meia hora. Reserve com pelo menos cinco dias de antecedência para reservas@m1882.com.
Feitoria do Cacao
Fora do centro da cidade, fica esta oficina de chocolate, um pequeno templo do cacau, já com quatro prémios internacionais e dois nacionais. À entrada, há sacos de serapilheira de cacau da Tanzânia num desarrumo pensado e o aroma é extraordinário. Susana Tavares, metade da empresa (a outra metade é a japonesa Tomoko Suga), está quase sempre a atender e explica-lhe tudo sobre o processo de transformação, do fruto à tablete. A aposta da marca é no contacto com pequenos produtores, estejam eles na Tanzânia, nos confins da Nicarágua ou em Vila do Conde. Uma das suas últimas criações foi precisamente um chocolate feito com o chá matcha Camélia, produzido em Vila do Conde por Dirk Niepoort e Nina Gruntkowski. Alerta: depois de provar os chocolates da Feitoria do Cacao vai ser difícil voltar aos outros.
Flor de Aveiro
Na porta ao lado da Feitoria está a Flor de Aveiro, uma das pastelarias mais reputadas da cidade. Grande parte da fama tem a ver com um único bolo, o morgado do Buçaco. Segundo o dono, o pasteleiro Pedro Ferrão, este morgado era um dos bolos que se ofereciam aos hóspedes no Bussaco Palace Hotel, em tempos. Ferrão recuperou a receita, passada pela doceira da terra Teresa Faria, e acrescentou-lhe os ovos moles de Aveiro, que entremeiam várias camadas de panquecas de noz. Saiba que também o bolo-rei e o bolo-rainha são premiados e que os ovos moles valem por si.
Ostraveiro
Está na hora de voltar à ria. Mesmo junto ao Museu da Troncalhada fica a produção de bivalves de Sandro Sousa. Na Ostraveiro, para além de poder fazer uma visita guiada às piscinas onde as ostras (e não só) são produzidas, pode depois comê-las no local, no cenário magnífico da ria, iluminada pelo pôr-do-sol. As ostras podem ser comidas ao natural ou gratinadas, mas o prato bandeira é o berbigão no pão. As visitas guiadas custam 7€, com degustação fica em 25€. Reserve para o número 966 979 123.
Salpoente
Situado num antigo armazém de sal, fica um dos restaurantes mais afamados pela forma como trata o bacalhau. À frente da cozinha está Duarte Eira, que se especializou na confecção do fiel amigo, com formação em Portugal e na Noruega, mas num registo de chef, com composições elegantes e a introdução de elementos gourmet. A não perder, o lombo de bacalhau assado com estufadinho de sames e chouriço de Barrancos. Do lado dos vinhos, conte com uma garrafeira bem fornecida e serviço competente. Os preços rondam os 35 euros por pessoa, à carta, mas pense positivo: despede-se em grande da cidade.
Edição nº12, Abril 2018
Guia Michelin 2019 – Quatro novas estrelas sob o céu português

O Guia Michelin Espanha Portugal 2019 atribuiu quatro novas estrelas a restaurantes portugueses. As grandes surpresas foram as duas estrelas concedidas ao Alma, de Henrique Sá Pessoa (só tinha uma), e, sobretudo, a entrada na constelação de dois restaurantes do Norte do país. O A Cozinha, do chef António Loureiro, em Guimarães, e o G […]
O Guia Michelin Espanha Portugal 2019 atribuiu quatro novas estrelas a restaurantes portugueses. As grandes surpresas foram as duas estrelas concedidas ao Alma, de Henrique Sá Pessoa (só tinha uma), e, sobretudo, a entrada na constelação de dois restaurantes do Norte do país.
O A Cozinha, do chef António Loureiro, em Guimarães, e o G Pousada, de Óscar Gonçalves, em Bragança, ambos galardoados com uma estrela, eram praticamente desconhecidos das 500 pessoas que esta quarta-feira encheram o Pavilhão Carlos Lopes, durante a gala de apresentação do guia, pela primeira vez a decorrer em Portugal.
O terceiro restaurante a conseguir uma estrela foi o Midori, do chef Pedro Almeida, em Sintra, o primeiro asiático a alcançar o feito em solo nacional.
A maior desilusão foi a não atribuição da ambicionada terceira estrela a uma mesa portuguesa. Até agora nenhum restaurante conseguiu esse feito — e continua sem conseguir. Os melhor posicionados para alcançar esse feito eram o The Yeatman, de Ricardo Costa, no Porto; bem como o Belcanto, de José Avillez, em Lisboa; e o Ocean, do austríaco Hans Neuner, em Albufeira — com muita gente a apostar na chegada ao Olimpo de Avillez, pelo reconhecimento internacional e por ser o anfitrião da gala. Em toda a Península Ibérica, só Dani Garcia, em Marbella, conquistou uma terceira estrela, juntando-se a uma dezena de restaurantes espanhóis já nesse patamar.
Para Espanha, voaram 22 novas primeiras estrelas, mas também houve 13 restaurantes a verem cair o prémio. Já em Portugal parece que a consistência é maior, uma vez que nenhum restaurante perdeu estrelas, desde o ano passado. No total, o país passa a contar com 26 estrelas Michelin.
Lista completa dos restaurantes destacados pelo Guia Michelin em Portugal:
2 estrelas
*Alma – Lisboa (chef Henrique Sá Pessoa)
Belcanto – Lisboa (José Avillez)
Il Gallo d’Oro – Funchal (Benoît Sinthon)
Ocean – Porches (Hans Neuner)
The Yeatman – Vila Nova de Gaia (Ricardo Costa)
Vila Joya – Praia da Galé (Dieter Koschina)
1 estrela
*A Cozinha – Guimarães (António Loureiro)
Antiqvvm – Porto (Vítor Matos)
Bon Bon – Carvoeiro – (Louis Anjos)
Casa de Chá da Boa Nova – Leça da Palmeira (Rui Paula)
Eleven – Lisboa (Joachim Koerper)
Feitoria – Lisboa (João Rodrigues)
Fortaleza do Guincho – Cascais (Miguel Rocha Vieira)
*G Pousada – Bragança (Óscar Geadas)
Gusto by Heinz Beck – Almancil (Heinz Beck e Daniele Pirillo)
Henrique Leis – Almancil (Henrique Leis)
LAB by Sergi Arola – Sintra (Sergi Arola)
L’ And – Montemor-o-Novo (Miguel Laffan)
Largo do Paço – Amarante (Tiago Bonito)
Loco – Lisboa (Alexandre Silva)
*Midori – Sintra (Pedro Almeida)
Pedro Lemos – Porto (Pedro Lemos)
São Gabriel – Almancil (Leonel Pereira)
Vista – Portimão (João Oliveira)
William – Funchal (Luís Pestana e Joachim Koerper)
Willie’s – Vilamoura (Willie Wurger)
* Novo
Rui Silvestre já tem Quorum

O restaurante do premiado chef já tem menu de degustação. Cozinha Michelin no Chiado, sem protocolo apertado e a preços mais acessíveis. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga De entre os chefs portugueses, Rui Silvestre é um dos maiores. Tem um 1,90m de altura e 90kg de peso. À partida, o porte intimida […]
O restaurante do premiado chef já tem menu de degustação. Cozinha Michelin no Chiado, sem protocolo apertado e a preços mais acessíveis.
TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTOS Ricardo Palma Veiga
De entre os chefs portugueses, Rui Silvestre é um dos maiores. Tem um 1,90m de altura e 90kg de peso. À partida, o porte intimida mas logo se percebe que é bem humorado e descontraído. Prova disso é que, a poucos dias de celebrar o seu casamento, ali mesmo, no seu novo restaurante, ainda não sabia qual seria a ementa. Sorri: “Ainda não pensei nisso, confesso.”
Nas últimas semanas, o chef que ficou conhecido à frente do restaurante Bon Bon, no Algarve, ao ganhar uma estrela Michelin com apenas 29 anos, tem estado ocupado com o Quorum. O restaurante, entre o Chiado e o Cais do Sodré, posiciona-se como um fine dining informal, que aposta em dois menus de degustação: um de quatro momentos, com um valor de 46€ por pessoa, e outro de seis com um valor de 58€.
A ideia é poder experimentar comida Michelin, sem o protocolo típico dos restaurantes mais exigentes e com preços mais acessíveis.
Onde não há concessões é na preocupação com o sabor. Rui Silvestre tem uma técnica sólida, com raízes francesas — e não esconde isso. “Uma das minhas referências é o Guide Culinaire, do Escoffier, a outra é o Pantagruel, da Bertha Rosa Limpo”, explicou. De tudo o que veio para a mesa, e foi muita coisa, notou-se sempre uma preocupação em ter pratos limpos e elegantes, mas sempre muito apurados.
A degustação começou com manteiga noisette, com a avelã incorporada e raspada, no topo, a acompanhar fatias de pão da Gleba. As entradas fizeram-se com delicadeza marinha, primeiro com um mexilhão com caril verde; depois ostra, pepino e kombu; por fim, ceviche com tapioca e flores.[/vc_column_text][vc_gallery type=”image_grid” images=”27082,27083,27085,27086,27088″ layout=”fullwidth” item_spacing=”default” gallery_style=”1″ load_in_animation=”none”][vc_column_text]Ainda nos peixes, um dos pratos mais populares de Rui Silvestre é o bacalhau com gema de ovo, coentros, sames desidratados e pão torrado, imerso num caldo translúcido, a lembrar a açorda alentejana — um portento de elegância. Ainda se estava nos encómios, quando uma espuma de ovos com cogumelos e trufa manteve a parada alta, abrindo espaço para o prato de carne: presa de porco com amêijoas, legumes avinagrados e um jus de porto preto de consistência e sabor denso.
A terminar, serviu-se uma tarte de limão merengada e uma composição de chocolate, abacate e coco.
No dia em que visitámos o restaurante, ainda não estava activo o sistema de avaliação digital. A ideia é dar a cada cliente um tablet, onde estes poderão fazer de críticos gastronómicos, atribuindo notas a vários parâmetros da experiência: palato, confecção, empratamento, harmonização, inovação e geral.
Rui Silvestre promete não intimidar ninguém.
Rua do Alecrim nº 30, Lisboa. 21 604 03 75. Segunda a sábado, das 18h às 24h
Edição nº12, Abril 2018
The Yeatman com novo menu

TEXTO Mariana Lopes FOTO cortesia The Yeatman Não é nenhuma maldição ancestral e, se disser em voz alta, os móveis não vão começar a levitar. Carta Fata é uma folha plástica transparente e preparada para a culinária (originalmente para cozinhar porco em Itália), que o chef Ricardo Costa utiliza no novo menu de Primavera e […]
TEXTO Mariana Lopes
FOTO cortesia The Yeatman
Não é nenhuma maldição ancestral e, se disser em voz alta, os móveis não vão começar a levitar. Carta Fata é uma folha plástica transparente e preparada para a culinária (originalmente para cozinhar porco em Itália), que o chef Ricardo Costa utiliza no novo menu de Primavera e Verão no restaurante do The Yeatman Hotel, que exibe duas estrelas Michelin desde 2017.
Na nova carta constam dois menus: um mais extenso, com nove pratos, a “Experiência Gastronómica”, a custar €160; e o “Selecção do Chef”, de seis composições em prato, com um preço de €130. A harmonização com vinho, da curadoria de Beatriz Machado (directora de vinhos) e Elizabete Fernandes (Head Sommelier), pode ser feita de três maneiras: escolha livre de entre os quase 2000 vinhos presentes no Wine Book do The Yeatman, entre a pequena selecção aconselhada para o menu, ou o pairing completo preparado pelas curadoras, que custa €70 para o menu maior e €60 para o mais pequeno.

A “Experiência Gastronómica” começa com um chá de alga Kombu (japonesa) com lúcia-lima, morno e aconchegante, para limpar e preparar o interior para a refeição. De seguida, os aperitivos: nabo apresentado como uma vieira sem o ser, mas como molho desta com matcha (chá verde moído) e ovas finger lime (uma espécie de caviar australiano de fruta cítrica), tudo acompanhado com um “cannellone” de caranguejo real; uma interpretação de frango de churrasco com arepa de milho, esferas moleculares de tomate cereja e azeitona banhadas com água gelada de tomate e, espetados em galhos num vaso com lavanda, aquilo a que chamo “nuggets Michelin” (nuggets de frango mas da alta-cozinha); e uma “marisqueira” de lingueirão, mexilhão e camarão da costa, com pérolas de tremoço e puré de amendoim.
A entrar no “real deal”, Chocos (ou lulas, consoante a disponibilidade) com tinta e soro de leite, um toque de queijo de São Jorge, com crocante de iogurte no topo e molho à bordalesa, e também um crocante de tapioca com tinta. Depois, o prato de Lavagante, que consiste numa sopa tom yum (tailandesa) de galanga (gengibre do Laos) com papaia, manga e o referido crustáceo, a fazer par com o mesmo em crosta de sal, kimuchi, óleo de sésamo, ervilhas, pickles e cebola, e ainda tripas “à moda de Gaia”, cozinhadas na dita Carta Fata, com feijão branco, cebolinho e molho de aves.
Em jeito de pausa, veio da cozinha um pão quente de alfarroba e malte com manteiga de vaca do Pico e azeite Quinta de Vargellas (do grupo Fladgate, onde está inserido o Hotel, a Taylor’s, Croft, Fonseca, etc.).[/vc_column_text][vc_gallery type=”image_grid” images=”27069,27070,27071,27072,27073″ layout=”fullwidth” item_spacing=”default” gallery_style=”1″ load_in_animation=”none”][vc_column_text]De volta ao exercício, Raia glaceada com beurre blanc e caviar e algas. Sublimes são os Ovos The Yeatman, com cocochas de bacalhau (parte junto à traqueia do peixe), presunto, codorniz e molho Bolhão Pato. Continuando, o Leitão “quase” à Bairrada muito bem conseguido, com a pele super-estaladiça, tostada com perícia. Quase a terminar, o Arroz de Pombo à Antiga, com trufa, o prato que faz revirar os olhos, quase literalmente, pela qualidade da matéria prima (pombo francês Mieral) e pelo talento na remistura.
As coisas doces, do chef pasteleiro Pedro Carvalho, são três. Carpaccio de Ananás com chá verde e gelado de piña colada, muito bem-apresentado dentro de uma metade de um coco. A seguir, um desmanchado de Mirtilo com mascarpone e Kaffir (um citrino do sudeste asiático). Para rematar, uma Tripa de Aveiro (terra natal do Chef) com pipocas e caramelo.
Ficou com água na boca?
Edição nº12, Abril 2018
Queijo fresco de cabra

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga Os portugueses, sobretudo os urbanos, são uns analfabetos do queijo. Não percebem nada do assunto e acham que não há nada para perceber. A única coisa que gostam de proclamar é que “o Serra é o melhor do mundo” — e isto, muitas vezes, apenas tendo experimentado […]
TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTO Ricardo Palma Veiga
Os portugueses, sobretudo os urbanos, são uns analfabetos do queijo. Não percebem nada do assunto e acham que não há nada para perceber. A única coisa que gostam de proclamar é que “o Serra é o melhor do mundo” — e isto, muitas vezes, apenas tendo experimentado uns brie de supermercado ou o cheddar no hambúrguer. Prova desta ignorância é que, ao contrário de outros países, como França, Itália e Espanha, em Portugal não existem praticamente lojas dedicadas ao queijo, muito menos afinadores, profissionais que se dedicam ao processo de cura.
Também por isto, escapa-nos quase sempre a ideia de que os queijos são sazonais e estão dependentes das condições meteorológicas. O comércio procura ofuscar esta realidade, esforçando-se por arranjar sempre matéria-prima, mesmo que caríssima e de menor qualidade. Mas quem anda atento reparou, por exemplo, que na segunda metade do ano passado, durante largos períodos, escasseou requeijão e outro tipo de queijos frescos feitos a partir de leite de animais de produção extensiva.
Felizmente que a seca parece ter acabado e com as chuvas de Março prevê-se uma Primavera verdejante. Este é o melhor cenário para a maioria dos queijos, nomeadamente para o queijo de cabra fresco, que ganha um paladar e uma consistência aveludada incomparável.
Nuno Miguel Coelho, um dos produtores de leite de Cabra Algarvia, na zona do Baixo Guadiana, onde se faz um extraordinário queijo fresco, disse à VINHO Grandes Escolhas que, neste período, os animais alimentam-se sobretudo da flor de esteva, de rosmaninho, de rebentos novos, das flores do tojo e de funcho, o que aumenta o teor de proteína e de gordura, mas também a gama de sabores no queijo.
Noutras regiões do país, podem mudar as plantas, mas não muda a ideia. Quanto mais e melhor pasto as cabras tiverem tanto mais rico será o queijo. Procure-o desde já numa loja perto de si.
Edição nº12, Abril 2018