Lisboa a fervilhar

A capital europeia de que o mundo fala está imparável em matéria de restauração e eventos. Confira as novidades.   Chefs e bailarinas na suite presidencial do Ritz O quarto mais exclusivo de um dos hotéis mais exclusivos de Lisboa vai servir de mesa para alguns dos mais interessantes chefs mundiais. Ao longo de todo […]

A capital europeia de que o mundo fala está imparável em matéria de restauração e eventos. Confira as novidades.

 

Chefs e bailarinas na suite presidencial do Ritz
O quarto mais exclusivo de um dos hotéis mais exclusivos de Lisboa vai servir de mesa para alguns dos mais interessantes chefs mundiais. Ao longo de todo o ano, a suite presidencial do Ritz sentará à mesa vinte privilegiados (de cada vez), que poderão experimentar as cozinhas do espanhol Eneko Atxa (restaurante Azurmendi, três estrelas Michelin, dia 14 de Abril), do brasileiro Alex Atala (D.O.M., duas estrelas Michelin, dia 25 de Abril) ou do francês Mauro Colagreco (Mirazur, duas estrelas Michelin, em Setembro). Ao longo da refeição, que terá um preço base de 550 euros, haverá uma encenação cuidada, que inclui a performer e bailarina Alice Joana Gonçalves. O evento está incluído no festival Sangue na Guelra, evento produzido pela agência Amuse Bouche.

Jamie’s passa por crise inédita
Apesar de já ter fechado sete restaurantes e preparar-se para encerrar mais 12, Jamie Oliver abriu mesmo em Lisboa — uma prova da força actual da capital portuguesa no mundo. A conhecida estrela da TV, com programa regular no 24 Kitchen, está a passar por uma das fases mais difíceis da sua carreira, tendo sido noticiado no mês passado que as dívidas da cadeia Jamie´s Italian ascendem a 80 milhões de euros. O plano de reestruturação está em marcha, mas só afectará restaurantes no Reino Unido. O Jamie’s Italian de Lisboa abriu com aplauso moderado e, que se saiba, sem a presença de Jamie. Há bruschettas, massas frescas, pizzas e outras especialidades de inspiração italiana, com os preços a rondar os 25/30€ por cabeça, tudo na mesma linha dos mais de 50 Jamie’s que existem no mundo.

Mais uma pitada de Avillez
Janeiro foi outro mês de sucesso para o chef José Avillez. Depois de ter ganho o Grand Prix de L’Art de La Cuisine, no início do mês, dado pela Academia Internacional de Gastronomia, o chef do Belcanto, com duas estrelas Michelin, abriu mais um restaurante. A Pitaria trata apenas de pitas e é um pequeno espaço com 18 lugares, mesmo em frente ao Bairro do Avillez, no Chiado. O pão tem a forma redonda e achatada típica e há sete variedades de recheio, dos clássicos kebab e baba ganoush até à sujuk, com uma salsicha arménia.

Rui Silvestre já tem Quorum
O chef Rui Silvestre, que em 2015 conseguiu uma estrela Michelin no restaurante Bon Bon, no Algarve, já abriu o seu restaurante em Lisboa, no Chiado. A carta tem alguns pratos que Silvestre já fazia, mas acrescenta novidades. Entre os pratos está uma interpretação de ceviche com tapioca e flores; uma sopa inspirada na pho vietnamita; raia, couve-flor e wasabi; ou as ostras com pepino e kombu. Todos podem ser provados em dois menus diferentes, um de quatro “viagens”, por 46 euros, outro de seis “viagens”, por 58 euros.

O cocktail mais louco da cidade

O Red Frog, em Lisboa, foi nomeado um dos 100 melhores bares de cocktails do mundo. O segredo está no sítio, uma cave junto à Avenida da Liberdade, e em cocktails como o Agent Provocateur, onde não falta um botão vegetal que deixa a língua dormente.   TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga […]

O Red Frog, em Lisboa, foi nomeado um dos 100 melhores bares de cocktails do mundo. O segredo está no sítio, uma cave junto à Avenida da Liberdade, e em cocktails como o Agent Provocateur, onde não falta um botão vegetal que deixa a língua dormente.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

A porta está sempre fechada, mas há uma mensagem subtil que denuncia o bar. Na campainha, pode ler-se: “Press for cocktails”. O mistério regressa quando descemos as escadas escuras. Na cave, do lado direito, está o bar, pequeno mas cheio de preciosidades, dos uísques aos gins, e em frente a sala, com quadros inspirados no período da Lei Seca. O ambiente é escuro, e toca quase sempre cancioneiro norte-americano, sobretudo blues.

Sofás, uma mesa comprida, ao fundo uma área para fumadores e uma enorme estante a toda a largura que se abre para outra sala, secreta, e para outra, ainda mais secreta. É aqui que Paulo Gomes e Emanuel Minez, fundadores da casa em 2015, têm uma espécie de laboratório clandestino, com maquinaria diversa onde reduzem e clarificam caldos, retiram a polpa da fruta, fazem emulsões com azeites, extraem sabores de pedras e outras alquimias. Foi por causa deste cuidado que, recentemente, passaram a integrar a lista dos 100 World’s Best Bars, depois de já terem ganho o prémio de melhor bar de cocktails português pelo Lisbon Bar Show. O Agent Provocateur é uma das suas obras mais requisitadas. Só para quem gosta de experiências fortes.

Gin Hendricks
Um dos ingredientes do Hendricks é a infusão de pétalas de rosa. Esta flor “é a base do cocktail”, explica o barman Paulo Gomes, quer na cor quer nos ingredientes. Paulo Gomes tentou reproduzir as cores da lingerie da marca Agent Provocateur, sobretudo em tons de preto e rosa. A inspiração surgiu depois de ter visitado a loja em Londres.

Pimenta Rosa
A pimenta rosa entra numa redestilação feita na máquina Rotovap, juntamente com o ruibarbo, e de onde se extraem sobretudo os componentes aromáticos desta especiaria.

Cravos chineses
São usados para fazer o kombucha, bebida fermentada alimentada com chá verde ou chá preto. As flores parecem-se com os amores-perfeitos, sendo ligeiramente adocicadas.

Ruibarbo
O ruibarbo “dá notas florais e frescas”. Só se usa o caule da planta. As folhas podem ser tóxicas, mas o caule é conhecido por facilitar o trabalho do fígado, o que é muito apropriado.

Turkish Delight
É um doce tradicional turco. “Aqui desconstruímos o doce e fazemos a montagem em estado líquido.”

Botões de Sichuan
Os botões são de uma planta também conhecida no Brasil como jambu. Aqui são servidos à parte. Quando tocam a língua produzem uma espécie de choque eléctrico que deixa a boca numa dormência refrescante, estimulando a produção de saliva. “Há pessoas que ficam assustadas”, diz Paulo Gomes, rindo. “Tenho de lhes dizer que isto não é nenhuma droga.”

O sonho aveirense de Tiago e Ana

Numa cidade habituada a bacalhau e peixe grelhado, abriu um restaurante que faz a sua própria manteiga e serve gemas inseminadas com tomatada. O ovni chama-se Anna’s e tem à frente um chef-doutor e uma emigrante de regresso às origens.   TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga FALA sempre como se estivesse na […]

Numa cidade habituada a bacalhau e peixe grelhado, abriu um restaurante que faz a sua própria manteiga e serve gemas inseminadas com tomatada. O ovni chama-se Anna’s e tem à frente um chef-doutor e uma emigrante de regresso às origens.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

FALA sempre como se estivesse na iminência de uma grande aventura. Com apenas 29 anos, tem a energia de uma criança grande — bem grande — e o entusiasmo de um explorador. “Podem vir até aqui”, diz, puxando-nos para a cozinha. Mesmo à entrada, há uma vitrina com rebentos em vaso e ervas aromáticas, lá dentro a roda a servir de portão, depois os fogões. Nas portas dos frigoríficos, vêem-se números escritos pelo seu punho, lá dentro mais códigos indecifráveis em barrigas de porco seladas em vácuo, molhos, pickles caseiros. “Tudo tem de estar embalado e registado. Sou muito organizado e muit’a maluco.” As anotações podem ser defeito de formação. Tiago Emanuel Santo é licenciado em Geografia e mestre em Gestão do Território. Actualmente, será o chef português mais culto da sua geração ou, pelo menos, o que mais sabe sobre gastronomia regional. Na Universidade Nova de Lisboa, onde está a preparar o doutoramento, tem-se dedicado a registar todos os produtos tradicionais portugueses, alguns já esquecidos, um documento com 800 entradas.

Esta paixão nota-se assim que começa a servir o menu de degustação do Anna’s, o seu novo projecto, em Aveiro. O restaurante abriu em Maio e pretende mostrar outra cozinha à cidade, criativa, inquieta mas confortável, feita de sabores nacionais e técnicas sofisticadas. A decoração é limpa, madeiras claras e cadeiras Eames brancas.

Em cima da mesa, está agora um dos azeites preferidos de Tiago, o Angélica, extraído de um pequeno olival em Moura. O produtor é tratado pelo nome, como se fosse um amigo. São todos: é o Gonçalo dos azeites, o Arlindo das carnes maturadas de Alcains, o Leonardo das ostras de Aveiro. Na boca, o Angélica surge com surpreendentes notas amargas e picantes, pouco comuns em azeites alentejanos. “O Gonçalo colhe as azeitonas à mão, ainda verdes. E depois junta as variedades cordovil e verdeal à azeitona galega”, explica Tiago.

Num pratinho ao lado, o chef despeja agora outro azeite, guardado numa garrafa sem rótulo. “Este é único. Vem de umas oliveiras centenárias da zona onde se faz o Boom.” O Boom é um festival de música electrónica, perto de Idanha-a-Nova, também conhecido pela abundância de outro tipo de substâncias, nem todas lícitas. Quando a tenda se desmonta, os festivaleiros costumam levar consigo os cogumelos mágicos mas deixam as azeitonas, uma cultura antiga na região. “Diz-se que já ali se fazia azeite no tempo dos romanos”.

As histórias, as pessoas, vão acompanhando os pratos. Nada é só o que parece. Uma manteiga não é uma manteiga. “Fazêmo-la nós, aqui. Descobrimos uma senhora da região que tem uma vaca e que nos fornece o leite não pasteurizado.”

Replicar o conceito noutras cidades
Algumas das criações de Tiago, como o extraordinário bolo lêvedo dos Açores ou o pastel de molho, já o acompanham há algum tempo. Antes de rumar a Aveiro, o chef assumiu os comandos do restaurante do Hotel Areias do Seixo, perto de Torres Vedras. Esse posto deu-lhe palco, mas foi ao mesmo tempo uma honra e uma herança difícil. Leonardo Pereira, ex-chef do Noma, o premiadíssimo restaurante de Copenhaga, tinha acabado de deixar o lugar, elevando a fasquia.

A nova aventura de Tiago não parece ser menos emocionante. O projecto nasceu da vontade e do investimento de Ana Pinto e da sua irmã (também chamada Ana, daí o nome do restaurante, Anna’s). Naturais de Aveiro, emigraram para a Venezuela muito novas, onde acabaram por gerir uma rede de supermercados e pastelarias. Com a crescente onda de violência no país, contudo, decidiram regressar a Portugal. “Mantemos alguns negócios lá, mas estamos a vender. É muito perigoso viver ali”, diz Ana Pinto, que se junta à mesa e procura refrear a velocidade com que o seu chef debita novas ideias, novos pratos, novos restaurantes.

Por esta altura, ao lado da mesa já jaziam várias garrafas que o chef tinha seleccionado para o pairing, tudo coisas exuberantes e difíceis de encontrar nos supermercados. O menu de degustação acontece em sete momentos (50€) e pode ser acompanhado por dois tipos de harmonizações, uma de 25 euros, outra mais premium, de 50 euros. Isto ao jantar. Ao almoço, o conceito — e o preço — são diferentes. Em Novembro, altura da nossa visita, por apenas 10,50€ podia comer uns filetes de peixe galo com um arroz cremoso de ervilhas, mais uma entrada (que podia ser uma canja de bacalhau com ovo escalfado) e um copo de vinho. Os pratos mudam diariamente.

A ideia de Tiago é que o conceito do Anna’s seja replicado. “Queremos fazer restaurantes deste nível noutras cidades médias do país”, diz. Mais à frente, há-de adiantar que a capital também não perde pela demora. “Vamos abrir em Lisboa. E vai ser bombástico. Um espaço enorme”, atira. O conceito é sempre o mesmo: fazer tudo em casa, dos pães aos pickles, passando pelos molhos e pelos fermentados.

A conversa é interrompida por causa de um ovo que é preciso inseminar com tomatada. Regresso à cozinha. Na banca da roda, o chef agarra numa seringa onde está o molho e espeta-a na gema. A primeira rebenta. “Dêem-me outra”. A segunda rebenta. “Não ficou bem. A gema tem de estar fresca se não acontece isto. Outra”, zanga-se. A operação repete-se até o chef achar que merece ir para a mesa.

No final, a imagem é surpreendente. A gema assenta numa areia e tem por cima um pequeno merengue, branco como um iceberg, dando um ar dramático ao conjunto. Quando a empregada leva o prato para a sala, os clientes ficam a olhar, como se fosse um ovni. Um ovni gastronómico a aterrar na Ria.

Couve Portuguesa

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga As couves portuguesas não são um vegetal simpático. As folhas são disformes, desarrumadas, soltas, difíceis de ensacar. E depois têm aquele caule gigante, rijo como um tronco, que se espalha em nervuras brancas passíveis de protagonizar um filme de terror de série B em que pequenos póneis […]

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga

As couves portuguesas não são um vegetal simpático. As folhas são disformes, desarrumadas, soltas, difíceis de ensacar. E depois têm aquele caule gigante, rijo como um tronco, que se espalha em nervuras brancas passíveis de protagonizar um filme de terror de série B em que pequenos póneis acabam devorados pelo temível repolho assassino.

As couves portuguesas são um estorvo. Não foram feitas para bancas de mercearias modernas. E dificilmente cabem nos frigoríficos e nos tachinhos dos lares urbanos unicelulares. Precisam de grandes tachos, precisam de espaço, precisam de tempo.

De alguma forma, é surpreendente que resistam. Vêm de um antepassado neolítico, espécie de dinossauro dos legumes próxima das couves selvagens. Há mais de cinco mil anos, cresciam nas escarpas atlânticas do Norte da Europa e terão sido trazidas pelos celtas para a Ibéria.

Hoje em dia, a genética hortícola consegue produzir primas mais fofinhas, maneirinhas e compactas. Mas ainda não há nada que bata a textura e a doçura elegante de uma couve portuguesa, também conhecida como tronchuda ou penca, com pequenas variantes sobretudo no Norte: penca de Chaves, penca do Povão, tronchuda Glória de Portugal, Murciana, de Mirandela e a troncha de Safres.

Apesar das modernas formas de confecção – o vapor, sobretudo, recomenda-se para quem quer manter todas as qualidades nutritivas, e são muitas —, continuo a preferir cozê-las em água abundante, só com sal. A técnica não tem sofisticação nenhuma, mas convém usar dos ensinamentos das cozinheiras de Trás-os-Montes, a maior região produtora e consumidora, que batem os caules contra a bancada da cozinha antes de as atirar para o tacho. As rachas que nascem dessa violência, não só apressam a cozedura como abrem caminho aos sucos do tempero.

Azeite, vinagre e alho são três coisas que casam maravilhosamente com este vegetal. Mas os frutos secos (amêndoa, amendoim) também acompanham maravilhosamente, tal como as leguminosas (feijões, grão), seja em sopas, seja em migas.

Embora seja um legume todo-o-terreno, que se dá em todo o país e praticamente todo o ano, a couve portuguesa pede frio e há quem diga que até a geada é essencial para adquirir tenrura.

Daí que esta seja a altura certa para as consumir. Com ou sem bacalhau.

Espargos

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga Há uns anos, um amigo meu decidiu plantar espargos num terreno que acabara de comprar. Fê-lo por impulso e paixão, sem se precaver do escoamento para o mercado. Sucede que as grandes superfícies preferiam os do Perú e de Espanha, mais baratos e com fornecimento o ano […]

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga

Há uns anos, um amigo meu decidiu plantar espargos num terreno que acabara de comprar. Fê-lo por impulso e paixão, sem se precaver do escoamento para o mercado. Sucede que as grandes superfícies preferiam os do Perú e de Espanha, mais baratos e com fornecimento o ano todo, e os chefs preferiam os certificados, mais seguros. Pelo que, na altura da primeira colheita, o meu amigo ficou sem saber o que fazer a umas centenas de quilos. Uma das poucas pessoas que lucrou com o desaire fui eu. Durante várias semanas, por esta altura do ano, tive fornecimento regular dos rebentos e pude experimentar todo o tipo de receitas. Das sopas aos ovos, das saladas aos purés, fiz de tudo.

É preciso dizer, todavia, que nenhuma fórmula bateu a preparação clássica dos italianos: um minuto em água a ferver, de pé; depois cortá-los em troços e saltear em azeite; com o lume desligado acrescentar manteiga, limão, pimenta preta, flor de sal e lascas de parmesão. Se cozinhados no tempo certo, ficavam crocantes, o interior tenro e sumarento, notas verdes e doces — uma das grandes maravilhas vegetarianas de sempre.

Quando os comprar no comércio, a primeira coisa que deve ter em atenção são as pontas. Nunca compre espargos com as pontas pisadas. É sempre por aí que eles apodrecem. De resto, escolha os que têm a pele mais uniforme.

Os meus preferidos, com mais sabor, mais doces, são os espargos verdes. Mas há quem aprecie os brancos, uma variedade privada de clorofila pela ausência de contacto com o sol, popular em Itália, na Holanda e na Alemanha. Os verdes de cultivo devem ser cortados pela base, muito rija, mas não a descarte: pode sempre fazer um caldo de legumes para entrar num arroz ou numa sopa. Se pelar a metade inferior, mais fibrosa e dura, com um descascador de vegetais, não terá qualquer problema. No caso dos espargos selvagens, que se encontram à venda na beira das estradas, sobretudo no Alentejo, o truque é dobrá-los com uma mão em cada ponta. O sítio por onde partirem separa a parte tenra da parte fibrosa.

Para terminar, uma nota escatológica: se notar um cheiro estranho na urina depois de comer espargos, não estranhe. Resulta da metabolização de um composto e só é detectado em algumas pessoas. No limite, significa que anda a comer bem.

O novo menu do The Yeatman

chef ricardo costa

TEXTO: Mariana Lopes            FOTOS: cortesia The Yeatman Não é nenhuma maldição ancestral e, se disser em voz alta, os móveis não vão começar a levitar. Carta Fata é uma folha plástica transparente e preparada para a culinária (originalmente para cozinhar porco em Itália), que o Chef Ricardo Costa utiliza no […]

TEXTO: Mariana Lopes            FOTOS: cortesia The Yeatman

Não é nenhuma maldição ancestral e, se disser em voz alta, os móveis não vão começar a levitar. Carta Fata é uma folha plástica transparente e preparada para a culinária (originalmente para cozinhar porco em Itália), que o Chef Ricardo Costa utiliza no novo menu do restaurante do The Yeatman Hotel, de Primavera e Verão, que fica disponível a partir de hoje.

Com duas estrelas Michelin desde 2017, este destino gastronómico de Vila Nova de Gaia continua a subir a fasquia: “O público é o mesmo, mas vem com uma atitude diferente” – confessa o Chef, referindo-se ao período pós dupla-estrela – “para nós, a tensão é maior e a adrenalina também”. Na cozinha, a jovem (mas experiente) equipa de 14 executantes não vacila perante a pressão e essa é uma das razões que fazem deste restaurante uma referência no plano português.

Na nova carta constam dois menus, um mais extenso com nove pratos, a “Experiência Gastronómica”, a custar €160, e o “Selecção do Chef”, de seis composições em prato, com um preço de €130. A harmonização com vinho, da curadoria de Beatriz Machado (directora de vinhos) e Elizabete Fernandes (Head Sommelier), pode ser feita de três maneiras: escolha livre de entre os quase 2000 vinhos presentes no Wine Book do The Yeatman, entre a pequena selecção aconselhada para o menu, ou o pairing completo preparado pelas curadoras, que custa €70 para o menu maior e €60 para o mais pequeno. Nesta última hipótese, o perfil dos vinhos é sempre o mesmo, mas as referências variam. Richard Bowden, director de marketing, é pertinente com as palavras “O vinho harmoniza com a comida, mas também com as pessoas”.

A “Experiência Gastronómica” começa com um chá de alga Kombu (japonesa) com lúcia-lima, morno e aconchegante, para limpar e preparar o interior para a refeição. De seguida, os aperitivos: nabo apresentado como uma vieira sem o ser, mas como molho desta com matcha (chá verde moído) e ovas finger lime (uma espécie de caviar australiano de fruta cítrica), tudo acompanhado com um “cannellone” de caranguejo real; uma interpretação de frango de churrasco com arepa de milho, esferas moleculares de tomate cereja e azeitona banhadas com água gelada de tomate e, espetados em galhos num vaso com lavanda, aquilo a que chamo “nuggets Michelin” (nuggets de frango mas da alta-cozinha); e uma “marisqueira” de lingueirão, mexilhão e camarão da costa, com pérolas de tremoço e puré de amendoim.

nabo
O Nabo

A entrar no “real deal”, Chocos (ou lulas, consoante a disponibilidade) com tinta e soro de leite, um toque de queijo de São Jorge, com crocante de iogurte no topo e molho à bordalesa, e também um crocante de tapioca com tinta. Depois, o prato de Lavagante, que consiste numa sopa tom yum (tailandesa) de galanga (gengibre do Laos) com papaia, manga e o referido crustáceo, a fazer par com o mesmo em crosta de sal, kimuchi, óleo de sésamo, ervilhas, pickles e cebola, e ainda tripas “à moda de Gaia”, cozinhadas na dita Carta Fata, com feijão branco, cebolinho e molho de aves.

lavagante
O Lavagante

Em jeito de pausa, veio da cozinha um pão quente de alfarroba e malte com manteiga de vaca do Pico e azeite Quinta de Vargellas (do grupo Fladgate, onde está inserido o Hotel, a Taylor’s, Croft, Fonseca, etc.). De volta ao exercício, Raia glaceada com beurre blanc e caviar e algas. Sublimes são os Ovos The Yeatman, com cocochas de bacalhau (parte junto à traqueia do peixe), presunto, codorniz e molho Bolhão Pato. Continuando, o Leitão “quase” à Bairrada muito bem conseguido, com a pele super-estaladiça, tostada com perícia. Quase a terminar, o Arroz de Pombo à Antiga, com trufa, o prato que faz revirar os olhos, quase literalmente, pela qualidade da matéria prima (pombo francês Mieral) e pelo talento na remistura.

arroz de pombo
O Arroz de Pombo à Antiga
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Os Mirtilos

As coisas doces, do chef pasteleiro Pedro Carvalho, são três. Carpaccio de Ananás com chá verde e gelado de piña colada, muito bem-apresentado dentro de uma metade de um coco. A seguir, um desmanchado de Mirtilo com mascarpone e Kaffir (um citrino do sudeste asiático). Para rematar, uma Tripa de Aveiro (terra natal do Chef) com pipocas e caramelo.

Ficou com água na boca?

Anho Assado candidato às “7 maravilhas à mesa”

Anho Assado com Arroz de Forno

A confraria do Anho Assado com Arroz de Forno anunciou que já apresentou a candidatura deste prato emblemático de Marco de Canaveses a ser considerado uma das “7 maravilhas à mesa”. O anúncio decorreu num almoço de promoção do Rebanho da Confraria, onde foram degustados os primeiros exemplares. O evento decorreu no Restaurante Oficina, no […]

A confraria do Anho Assado com Arroz de Forno anunciou que já apresentou a candidatura deste prato emblemático de Marco de Canaveses a ser considerado uma das “7 maravilhas à mesa”. O anúncio decorreu num almoço de promoção do Rebanho da Confraria, onde foram degustados os primeiros exemplares. O evento decorreu no Restaurante Oficina, no Porto, e a confecção ficou a cargo do Chefe Marco Gomes, que preparou um Menu de degustação com os anhos da Confraria, em harmonização com os Vinhos Verdes do concelho. O repasto ficou completo com a doçaria tradicional de Marco de Canaveses.

A candidatura não é só uma aposta da confraria, dado que tem o apoio da Câmara Municipal de Marco de Canaveses e a parceria da Escola de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Marco de Canaveses, que criou os animais para esta degustação.

Os presentes tiveram ainda a oportunidade de verificar a forma tradicional de fazer o Anho Assado com Arroz de Forno, que ficou a cargo do Restaurante Cancela Velha.

Robalo de Inverno

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga Em francês chamam-lhe loup de mer (lobo do mar). Os gregos antigos, por sua vez, associavam-no à palavra labros (turbulência), e hoje em dia designam-no por lavraki (o esperto). Nada disto é por acaso, como confirmará qualquer pescador português. O robalo é um dos peixes mais inteligentes […]

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

Em francês chamam-lhe loup de mer (lobo do mar). Os gregos antigos, por sua vez, associavam-no à palavra labros (turbulência), e hoje em dia designam-no por lavraki (o esperto). Nada disto é por acaso, como confirmará qualquer pescador português. O robalo é um dos peixes mais inteligentes e tenazes dos oceanos, tendo tanto de ruim como de saboroso e delicado.

Daí que a caça ao bicho seja uma batalha épica e imemorial, sobretudo no Inverno. Até Fevereiro, quando o mar está mais batido — mais turbulento —, se for à praia é muito provável que assista a dezenas de homens forrados de impermeáveis até às orelhas a baterem-se à linha com robalos bojudos prestes a desovar. Cada fêmea traz um milhão de ovos, mas só um, em média, sobrevive.

Há dias, um bicho de dois quilos foi-me vendido na praça (18€/kg) com as ovas enormes, do tamanho das de um bacalhau médio. Para escolher as fêmeas mais frescas deve tomar atenção ao brilho das escamas, aos olhos translúcidos e convexos e ao relevo da barriga. Este vinha com um bócio protuberante, não enganava. Por ter a carne branca e poucas espinhas, o robalo pode ser cozinhado de várias formas. Seja qual for a opção, evite o excesso de cozedura, de fritura, de forno ou de brasa. Caso faça ao sal, é pô-lo no forno uns 30 minutos a 180oC, envolto em sal marinho batido com clara de ovo. E se ele for muito grande e o quiser grelhar, mande os snobs gourmet à fava e peça à peixeira para o escalar. Ah, e não se esqueça de tratar bem a pele, porventura o melhor de tudo.