Três lanças portuguesas em Espanha

Alexandre Silva, Henrique Sá Pessoa e João Rodrigues tiveram por sua conta o maior palco da gastronomia mundial, o Madrid Fusión, que decorreu em Janeiro. O feito foi inédito, mas não houve um único jornalista português no local para relatar o que aconteceu. A Grandes Escolhas reuniu o trio de ataque numa tasca de Lisboa, […]
Alexandre Silva, Henrique Sá Pessoa e João Rodrigues tiveram por sua conta o maior palco da gastronomia mundial, o Madrid Fusión, que decorreu em Janeiro. O feito foi inédito, mas não houve um único jornalista português no local para relatar o que aconteceu. A Grandes Escolhas reuniu o trio de ataque numa tasca de Lisboa, para fazer memória futura e dar conta do estado (de graça) da cozinha portuguesa.
TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga e cortesia Madrid Fusión
JUNTAR três chefs com estrelas Michelin é mais difícil do que sentar à mesma mesa Donald Trump, King-Jong-un e o Papa Francisco. Mas, ao fim de umas semanas de intensas trocas de emails, aconteceu. O lugar do encontro foi a Casa Cid, uma antiga tasca do Cais do Sodré, em Lisboa, onde se come peixe frito e torresmos, e que há décadas dá abrigo a noctívagos esfaimados às cinco da manhã. Sinal dos tempos, já instalados, uma perfuradora fez-se ouvir — “Vão construir aqui um hotel”, disse o tasqueiro — e tivemos de nos mudar para o café Tati, mesmo ali ao lado. Ligado o gravador, a conversa correu livre, deixando claro que os três chefs actuam como um bloco — e querem continuar a conquistar mundo, em nome da cozinha de Portugal.
GRANDES ESCOLHAS – Tentei saber como vos correu o Madrid Fusión, mas não consegui encontrar informação.
ALEXANDRE SILVA – A verdade é que não houve imprensa portuguesa lá.
HENRIQUE SÁ PESSOA – Alguma imprensa especializada relatou o facto de nós irmos à conferência, antes. Só isso.
Porque é que acham que isso aconteceu? Terá a ver com a crise dos media, sobretudo da imprensa escrita?
AS – Acho que se arranjam sempre desculpas para tudo.
JOÃO RODRIGUES – A única coisa que é estranha é haver tanta gente a querer debater a cozinha portuguesa e a querer pôr o dedo na ferida mas, depois, quando vamos para um palco grande parece que, de repente, há um desinteresse generalizado. Ou então há outras razões que desconhecemos ou os jornalistas não são convidados.
AS – Acho que o Turismo de Lisboa e o Turismo de Portugal podiam ter dado apoios.
JR – Mas será que foram pedidos?
AS – Provavelmente não foram. Os portugueses acham que são os maiores e que é tudo muito bonito. A verdade é que podíamos ser mesmo os maiores. O problema é que só três ou quatro é que querem fazer e os outros ficam encostados.
JR – Fala-se num movimento nacional, mas para haver esse movimento nacional tem toda a gente de remar para o mesmo lado nos diferentes quadrantes.
Podemos então começar por tentar relatar o que aconteceu no Madrid Fusión. Vocês ocuparam uma manhã do palco principal, certo?
HSP – Sim. Nós quisemos ir para o palco os três ao mesmo tempo. Era importante passarmos a mensagem de que estávamos os três juntos. Não era a apresentação do João, do Alexandre e do Henrique.
JR – A ideia era que a soma das partes fizesse um conjunto. Cada um tinha a sua maneira de ver a cozinha, mas estava ali subjacente a cidade de Lisboa.
Foi um acaso terem os três feito demonstrações de receitas de peixe?
HSP – Era esse o briefing. O tema era a cozinha atlântica de Lisboa.
AS – Mas mesmo que não tivesse sido, provavelmente tínhamos feito o mesmo.
João, como correu a tua apresentação?
JR – A pessoa que era para falar antes de nós não pôde vir e, portanto, tivemos muito mais tempo do que era suposto. Isso não foi bom.
AS – Às tantas, parecia uma telenovela da TVI. Foi encher chouriços, encher chouriços.
JR – Eu cumpri o meu tempo, o Alexandre e o Henrique é que ficaram…
Sobrou para vocês…
[risos]
JR – Sim, principalmente para o Henrique.
HSP – Os gajos vieram ter comigo a pedir para estender por mais 15 minutos. Eu disse-lhes: “Só tenho um prato…” Acho que podíamos ter feito muito melhor se não tivesse acontecido este constrangimento.
Vocês, hoje, para além de chefs, têm de ser performers, oradores. Gostam disso?
AS – Tens que vender a tua cena.
JR – O músico também vai tocar no palco. Não toca só em casa, nem faz só discos.
HSP – A questão do palco intimida. Mas quando estás a falar de uma coisa em que estás à vontade é mais fácil. Qualquer um de nós já fez isto várias vezes.
JR – As apresentações são óptimas para tu explicares o que está por trás do teu trabalho diário. Podemos discutir se hoje a cozinha chegou a este ponto, em que os chefs já pensam e não fazem só bifes… Mas isso seria uma conversa longa. [Risos]
E como foram as reacções?
HSP – Dadas as condições, as reacções foram positivas.
Às vezes, parece que Espanha ofusca Portugal, como se Portugal fosse uma sub-região gastronómica de Espanha. A polémica de a jaleca entregue aos chefs portugueses que ganharam a estrela Michelin, no ano passado, vir com a inscrição “La Guia”, em espanhol, foi, para algumas pessoas, o último episódio revelador disso. Como vêem esta relação entre os dois países?
HSP – Eles nunca olharam para nós. Mas ultimamente já nos vêem com alguma admiração.
JR – Isso só vai acontecer de facto quando nós não nos preocuparmos com isso. Nós é que levamos isso a sério. Eles têm cinco vezes o nosso tamanho, são mais ricos. É óbvio que estamos ao lado deles e passamos despercebidos.
AS – Mas não podes sentir que és o enteado. Nós temos pai e mãe.
HSP – Temos um complexo de inferioridade, mas não devíamos.
E isso não passa também por se bater o pé em coisas simbólicas, como esta da jaleca?
JR – Não sei. Aquilo é feito em Madrid.
HSP – Imagina que um dia fazemos cá a cerimónia de apresentação do Guia Michelin da Península Ibérica. Se calhar, nessa altura, em vez de dizer “La Guia” diz “Guia”.
JR – Mas porque é que ainda não aconteceu em Lisboa? Quem é que não se quer chegar à frente?
HSP – Aquilo é um negócio. E todos os anos o governo espanhol paga para que a cerimónia do Guia Michelin seja em Espanha. Qualquer candidatura que entra, paga. Nós não temos estrutura nem dinheiro para pagar.
AS – É exactamente assim.
JR – A ideia é olharmos para nós. Deixarmos de ter modelos. Há dez anos os restaurantes com estrelas Michelin eram todos iguais. Hoje já começas a ter restaurantes muito diferentes, como são os nossos três restaurantes. Quando começas a ter uma cultura própria, os outros começam a olhar para ti.
O que é que identifica os vossos restaurantes?
HSP – A ideia de que o nosso produto é o melhor do mundo é falsa. Temos um produto que é muito bom. Mas em Espanha também há, na Tailândia e em França também há. O que realmente é interessante na cozinha em Portugal, e em Lisboa em particular, é as cozinhas serem diferentes umas das outras. Em Espanha, ficaram com um vazio. O El Bulì ditava as tendências, havia ali uma enciclopédia, uma base de dados, que era lançada todos os anos e servia de orientação. Isso não existiu nem existe em Portugal. E isso é que é diferenciador.
AS – Isso é bom.
HSP – Vais ao restaurante do João, do Alexandre ou ao meu e tens experiências completamente diferentes. Podes gostar muito de um ou outro, mas é inegável a qualidade em todos os espaços e isso não acontecia há uns anos.
JR – Numa tertúlia recente, alguém disse que era impossível haver um restaurante de referência mundial português que não fizesse cozinha portuguesa tradicional. E eu perguntei a essa pessoa se ela reconhecia o Ferran Adrià como uma referência da cozinha espanhola. E se ele fazia cozinha espanhola tradicional.
HSP – Tens outro caso em Espanha, o David Muñoz, três estrelas Michelin [faz uma cozinha de fusão, com muitas influências asiáticas].
JR – Cá, se calhar, era morto.
Acham que a imprensa portuguesa é agressiva relativamente aos chefs?
AS – Eu pessoalmente estou farto de ser criticado. Mas a verdade é que o restaurante é meu. Eu faço aquilo que eu quero, pago às minhas equipas, pago aos meus fornecedores. Na verdade, estou-me a borrifar para aquilo que as outras pessoas pensam. Mas custa-me muito quando lá vai uma pessoa jantar e depois escreve umas linhas e nem sequer sabe muito bem o que está a dizer e nós temos de engolir e as outras pessoas que também não sabem o que se passa também engolem. Ficamos todos a perder.
Mas isso não é a democracia a acontecer?
HSP – A questão é que já não existe imprensa.
JR – A qualidade técnica no jornalismo perdeu-se em detrimento de uma preocupação de imagem. Hoje em dia, toda a gente está mais preocupada com a estética e com a rapidez com que se comunica, com que se faz e se desfaz, do que propriamente com saber o conteúdo e a dimensão técnica da coisa. Isso define muito o meio gastronómico hoje em dia. Muitas das pessoas apareceram do nada e rapidamente chegaram ao topo porque têm uma boa base de imagem e uma boa base de comunicação. E muito pouco conhecimento técnico.
Vocês olham para as críticas do Zomato, por exemplo?
HSP – Eu não. Mas os nossos sócios, colaboradores, clientes, vêem.
JR – A última avaliação que tive no Zomato era uma pessoa que descrevia que o tio tinha tido morrido engasgado no restaurante. E isso não aconteceu. Escrevemos para a Zomato a alertar e acabou por ser retirado.
HSP – Isso é uma piada de muito mau gosto.
AS – E afecta o restaurante.
Mudando de assunto. Quando viajam lá para fora como é que vêem o que se está a fazer cá dentro?
AS – Quando viajo agrada-me ver que nós estamos muito bem.
HSP – É verdade. Agora. Há uns anos não era assim.
AS – Falta a parte do Governo, da imprensa, apoiarem-nos. Parece que nós nunca conseguimos arrancar.
O que é preciso para isso, em concreto?
AS – É preciso que o resto do mundo reconheça que nós somos bons. Que saibam que em Portugal há arte, há técnica, que conheçam as cozinhas regionais que nós temos no nosso país e que os outros países muito dificilmente conseguem ter.
HSP – A par da Itália nós somos o país que tem mais regionalidade.
AS – E temos uma margem enorme de progressão.
Como é que essa promoção pode ser feita? Passa por continuar a trazer jornalistas estrangeiros a Portugal?
JR – Acho que nós trabalhamos mais isso de trazer gente cá, individualmente. Mas tem havido iniciativas [do Governo], sim. Mas acho também que da parte dos empresários e dos privados falta essa noção do que nós queremos fazer. O dono do negócio pensa de forma conservadora, pensa no volume, para reaver rapidamente o investimento. E nunca se pensa em fórmulas para se conseguir um bocadinho de tudo: reaver o investimento e criar algo que de alguma forma possa servir de âncora para tudo o resto. O José Avillez tem feito isso muitíssimo bem.
HSP – Até há uns anos viajava e sentia um desnível enorme. Numa viagem recente a Nova Iorque, fui a cinco ou seis restaurantes e senti exactamente o contrário. O que nós estamos a fazer está ao mesmo nível. A única coisa que senti foi que nós evoluímos em quase todas as áreas, mas no serviço continua a haver limitações.
O que é que é um bom serviço para vocês?
AS – Um bom serviço é aquele que, no final, tu queres pensar no assunto e não consegues porque não o sentiste. Isso para mim é um bom serviço. O Loco é um caso diferente. Estamos sempre a abordar o cliente. Já fomos criticados por isso, porque interrompemos demasiadas vezes o cliente. Mas para mim é ter pessoas competentes, que saibam aquilo que estão a dizer. Encontras colaboradores que te estão a pregar uma grande peta em vez de serem sérios naquilo que fazem.
Há falta de recursos nesta área?
HSP – O problema é que toda a gente vê o serviço de sala como um trabalho temporário.
AS – E é mal pago.
JR – Acho que é muito mal pago.
HSP – Mas, João, é mais mal pago do que noutros sectores? Um empregado de mesa do Alma, com 22, 23 anos, ganha 1100 euros líquidos por mês, entre ordenado e gratificação.
Tens muitos turistas no Alma. O que é que os surpreende mais, no final da refeição?
HSP – Acho que somos uma caixinha de surpresas para eles. Eles pensam que estão no terceiro mundo e de repente ficam impressionados. “Mas vocês têm menus de degustação! Esta decoração!”
AS – Dizem-nos: “Este restaurante podia estar em Nova Iorque, em Londres.”
HSP – Quando entrei no programa do Anthony Bourdain em Lisboa, há uns anos, fiquei bastante desiludido quando vi o resultado final. Passou a imagem de que nós éramos um país que ainda não tinha saído do 25 de Abril. E agora vês o programa do Phil Rosenthal [episódio sobre a gastronomia de Lisboa, da série da Netflix] e até é um bocado exagerado. Tudo é incrível em Lisboa, Lisboa é espectacular! Mas prefiro essa mensagem à mensagem do coitadinho e do fado e das lágrimas e Salazar.
Bem servir na Manteigaria Silva

É uma das mais clássicas lojas finas de Lisboa e agora está a arrancar com um novo projecto, praticamente inédito a nível nacional. E consegue combinar como poucas a qualidade e selecção dos seus produtos com um atendimento competente e personalizado. TEXTO António Falcão FOTOS Ricardo Palma Veiga A nível de localização, seria difícil […]
É uma das mais clássicas lojas finas de Lisboa e agora está a arrancar com um novo projecto, praticamente inédito a nível nacional. E consegue combinar como poucas a qualidade e selecção dos seus produtos com um atendimento competente e personalizado.
TEXTO António Falcão FOTOS Ricardo Palma Veiga
A nível de localização, seria difícil conseguir melhor: a Manteigaria Silva fica quase encostada à famosa Praça da Figueira, e a escassos 50 metros da Praça do Rossio, dois dos locais mais visitados de Lisboa. O nome da casa vem do negócio da manteiga, há muitas décadas atrás. Esta era uma das casas, aliás, que estava autorizada a vender manteiga avulso. Em tempos, Lisboa teve 24 casas a ostentar o nome de Manteigaria. Hoje, esta é a única…
Regressamos ao presente e olhamos para a entrada, que pode enganar. De facto, à porta está uma boa selecção de frutas e legumes expostas nas suas tradicionais caixas. Um incauto passante poderia pensar que se trata de uma mercearia qualquer, como as há às dezenas em Lisboa. Mas basta entrar para ficar com outra percepção. A arrumação, a diversidade de produtos e a sua aparente qualidade remetem imediatamente qualquer gastrónomo ou enófilo para o conceito de “loja gourmet”.
Os nossos olhos fixam-se quase imediatamente numa resplandecente máquina, logo à entrada: parece uma fiambreira, mas nunca tinha visto nenhuma parecida. Esta mais parece um torno mecânico, tal a quantidade de rodas, roscas e manípulos. Um funcionário coloca uma peça de presunto no suporte e agarra-se à máquina: em segundos saem para um prato fatias da espessura de uma folha de papel. Esta é uma Berkel de 1923, primorosamente restaurada em Itália.
O mundo dos queijos
A grande especialidade de José Branco é o queijo. O conhecimento veio-lhe de há várias décadas, quando começou a trabalhar numa empresa de queijos e onde aprendeu a afinação com um “bom mestre”. “Ganhei gosto nessa actividade, que ninguém fazia aqui na baixa lisboeta”, garante José Branco.
Em especial o Serra da Estrela, que já vem curando desde há décadas numa câmara especial e para clientes seleccionados. Com a experiência que foi adquirindo, José Branco e o seu filho decidiram alargar esta actividade a níveis nunca vistos em Portugal e compraram várias câmaras de cura, que instalaram num armazém não longe dali. A capacidade chega às 5.000 unidades! A compra de queijos já começou, em várias zonas de Portugal, mas tudo escolhido a dedo. Os Branco não querem limitar-se aos amanteigados mais famosos, como Serra ou Serpa. Querem também outros queijos certificados e, quem sabe, favorecer o aparecimento de outros tipos de queijos.
Os queijos podem levar até 12 meses de cura, mas os ‘Ilha’ podem ir a ano e meio. As experiências ditarão qual o tempo necessário. Como não há qualquer estudo ou ciência feita nesta área, a família Branco decidiu começar um projecto com o Instituto Superior de Agronomia: o ISA irá analisar queijos a cada 4 meses e reportar os resultados. “Temos que estar sempre a aprender, mesmo que nos custe dinheiro”, remata José Branco. Os estudos irão versar sobre a maturação e a validade do queijo. “Por exemplo, um queijo amanteigado tem a validade de um ano; ao fim desse tempo, que validade terá? Sabemos que deverá baixar, mas quanto?”, questiona José Branco filho.
Seja como for, a experiência de vários anos dos dois gestores já dá algumas indicações: tal como os vinhos, durante a cura, o queijo chega a um pico em que está no ponto óptimo de consumo. Determinar esse pico é a tarefa do afinador, que usa sobretudo o tacto e o ouvido: “Eu falo com o queijo, e ele fala comigo, e cada queijo é um queijo”, diz o nosso anfitrião com um sorriso. Os queijos, já agora, são todos de fabrico manual e certificados. José Branco filho diz que o pai “é o único afinador de queijos de Portugal”.
O armazém de cura vai ainda servir para fazerem provas, workshops e cursos. Uma prova será por exemplo uma espécie de ‘vertical’, consoante a cura: 40 dias, 4 meses, 8 meses e um ano; no mesmo tipo de queijo, claro. E depois é ver as diferenças…
“Temos que ter esses queijos todos, e isso requer uma grande logística e algumas toneladas de queijos.” Nota final do especialista: “O Queijo da Serra é à fatia.” Por isso deixem de cortar uma tampa ao queijo e comer à colher…
Presunto, enchidos, bacalhau…
O presunto é outra das especialidades da casa. José Branco quer que seja esta casa a desossar os presuntos completos que compra, de fornecedores de confiança. “O meu filho e os outros funcionários já têm as melhores ferramentas para desossar.” Por aqui há de tudo um pouco, com sete qualidades de presunto no portefólio. O resultado é embalado a vácuo, para preservar a qualidade. “Daqui saem 250 a 300 presuntos por mês, tudo desossado por nós”, diz-nos José Branco filho. A maioria da Casa do Porco Preto, onde têm que fazer pré-reservas com até 3 anos de antecipação!
Os enchidos não faltam, bem como o bacalhau. Para quem quiser, existem quase todos os acompanhamentos necessários em grão, incluindo o parceiro habitual, o grão de bico. Mas pode ainda encontrar compotas, conservas, condimentos e muitas outras iguarias. As preocupações com a saúde, outra área muito actual, não estão alheadas da família Branco, que iniciou uma espécie de cruzada contra o sal em excesso nos produtos. E tentam que os fornecedores recebam esta mensagem…
O primado da qualidade
A conversa foi, entretanto, enriquecida com um vinho da casa, vinificado pela Nieeport, com presunto e queijo. Admirável a combinação. Quanto aos vinhos, a selecção está cá. Não é vasta, mas tem dedo experiente e não faltam sequer os grandes ícones nacionais, incluindo muitos Vinhos do Porto e o incontornável Vintage Nacional da Quinta do Noval. Afinal, a casa é visita frequente por parte de turistas.
A família faz degustações frequentes à porta da loja, combinando toda a espécie de produtos, dos queijos aos enchidos, passando pelo bacalhau, Vinho do Porto e vinhos tranquilos.
A loja é pequena, mas não é por vontade do dono. Já não há mesmo mais espaço, mas mudar para outra localização será tarefa quase impossível, aos preços do imobiliário da baixa lisboeta. E sair daqui para qualquer outro bairro seria perder uma localização privilegiada. Pode ser que haja uma alternativa, mas, até essa possibilidade existir, a Manteigaria Silva terá de lidar com o que tem. Que já é muito. Não foi, aliás, por acaso, que lhe demos o prémio de Loja Gourmet do ano.
Contactos
Manteigaria Silva
Rua Dom Antão de Almada 1, 1100-197 Lisboa
Tel. 213 424 905
geral@manteigariasilva.pt
Horário de funcionamento: Segunda a sábado: 9h00 – 19h30.
Fecha domingos e feriados
www.manteigariasilva.pt
A taberna pôs-se fina

O taberneiro André Magalhães, o homem por trás da Taberna da Rua das Flores, abriu um restaurante sofisticado, mas com o mesmo espírito aventureiro de sempre. Na cozinha estará Guilherme Spalk, um dos mais promissores chefs da nova geração. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga NO dia da entrevista, André Magalhães tinha […]
O taberneiro André Magalhães, o homem por trás da Taberna da Rua das Flores, abriu um restaurante sofisticado, mas com o mesmo espírito aventureiro de sempre. Na cozinha estará Guilherme Spalk, um dos mais promissores chefs da nova geração.
TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga
NO dia da entrevista, André Magalhães tinha passado por um calafrio. À chegada de São Tomé e Príncipe, no aeroporto, desviaram-no para a Alfândega, onde a sua mala foi inspeccionada. Lá dentro, estavam substâncias misteriosas de que os inspectores não gostaram: fruta-pão, coentros da terra, safu, sancha culantro — tudo produtos estrangeiros habitualmente confiscados na fronteira. “Mostrei-lhes a jaleca de chef e eles deixaram passar”, conta André, horas depois do episódio, à mesa da sala da Taberna Fina.
Na cozinha, alguns desses produtos estão a ser preparados agora, para o jantar. “Gosto de integrar a influência das minhas viagens no meu trabalho”, diz Magalhães, que antes de abrir o seu novo restaurante já punha em prática esta filosofia. A sua A Taberna da Rua das Flores, uma das mesas mais lotadas de Lisboa, mesmo ali ao lado, sempre foi uma espécie de baú culinário cheio de surpresas.
A diferença com a irmã Fina começa pelo espaço. Situado no Le Consulat, um edifício com apartamentos de luxo, galeria de arte e bar, em pleno Praça Luís de Camões, a nova taberna de André Magalhães é mais sofisticada. De resto, aqui, os clientes também não podem escolher à carta, ficando nas mãos do chef para um menu com vários momentos.
E por falar em chef, eis que chega Guilherme Spalk. Na mão, traz o primeiro prato para ser fotografado, uma raia com funcho e miso. Spalk não se limita a ser um operacional. Apesar de jovem, já tem experiência de alta cozinha, tendo causado sensação a solo, no ano passado, no pop up do restaurante secreto da Pensão Amor. A sua técnica é sólida e, para além da importância dada ao empratamento, nota-se uma preocupação em cada prato com o sabor. “Ele é que é o chef”, diz Magalhães, retribuindo um elogio de Spalk: “Com o André estou sempre a aprender. Ainda hoje chegou com 50 produtos e eu não conhecia nenhum.”
A ideia é que o menu de degustação integre este lado de improviso numa equipa pequena (sete pessoas na cozinha, três na sala) com uma lotação limitada (24 comensais).
A degustação conta com três snacks, um amuse bouche, pão da Gleba e manteigas, um prato de carne, outro de peixe, uma pré-sobremesa, sobremesa e petit fours.
André Magalhães gosta da ideia de oferecer um banquete oriental, no que isso tem de harmonia entre sabores e ingredientes, aliado à sofisticação ocidental. E quer que a experiência seja saudável e digerível. “Não queremos que as pessoas vão para casa a arrotar a pimento.”
O menu só é conhecido in loco, mas o preço está fixado nos 56 euros, sem vinho.
A grande aposta é nos jantares, com este conceito, mas estava previsto começarem a ser servidos almoços em Março, no espírito de “cantina fina”.
Taberna Fina. Praça Luís de Camões
22, 1º andar, Lisboa. 938 596 429.
CVR Tejo distingue os melhores no vinho e na gastronomia

A cidade de Tomar vestiu-se a rigor para receber a 8.ª edição da ‘Gala Tejo’, evento que a Comissão Vitivinícola Regional do Tejo promove anualmente e cuja organização está a cargo da Confraria Enófila Nossa Senhora do Tejo. Na presença de 380 pessoas, o Hotel dos Templários voltou a ser palco da cerimónia de anúncio […]
A cidade de Tomar vestiu-se a rigor para receber a 8.ª edição da ‘Gala Tejo’, evento que a Comissão Vitivinícola Regional do Tejo promove anualmente e cuja organização está a cargo da Confraria Enófila Nossa Senhora do Tejo. Na presença de 380 pessoas, o Hotel dos Templários voltou a ser palco da cerimónia de anúncio e entrega dos galardões do ‘Concurso de Vinhos do Tejo’, dos ‘Prémios Vinhos do Tejo’ e do ‘Tejo Gourmet’.
No que diz respeito ao ‘IX Concurso de Vinhos do Tejo’ é de salientar a atribuição de duas das três ‘Medalhas Excelência’ à Quinta do Casal Branco, em Almeirim, pelos seus ‘Falcoaria Fernão Pires Vinhas Velhas branco 2016’ e ‘Falcoaria Colheita Tardia branco 2014’. Nos tintos, a ‘Excelência’ foi para o Tramagal (Abrantes), que coube ao ‘Casal da Coelheira Private Collection tinto 2015’. O concurso contou com o maior número de sempre de vinhos e produtores, ou seja, estiveram em prova 166 amostras (mais 8 em relação ao ano passado), de 37 produtores (mais 3 do que em 2017), dos quais 22 foram contemplados com 50 vinhos premiados. Deste total, 21 receberam ‘Diploma de Ouro’ e 29 ‘Diploma de Prata’.
Os ‘Prémios Vinhos do Tejo 2017’
No âmbito dos ‘Prémios Vinhos do Tejo 2017’, são contempladas as categorias ‘Empresa Dinamismo’ e ‘Empresa Excelência’ entregues, respectivamente, à Adega Cooperativa de Benfica do Ribatejo e à Adega Cooperativa do Cartaxo pela dedicação e determinação no universo vitivinícola.

Manuel Lobo de Vasconcellos e Joana Silva Lopes, o enólogo responsável e a enóloga residente da Quinta do Casal Branco, foram galardoados com o prémio ‘Enólogo do Ano’, pelo desempenho que os vinhos deste produtor conseguiram no ‘IX Concurso de Vinhos do Tejo’.
O ‘Prémio Carreira’ foi entregue a Mário Louro, que tem dedicado a sua vida à cultura do néctar de Baco, dentro e fora das salas onde dá formação, e de José Jacinto Freire Rodrigues, proprietário e grande impulsionador (da Quinta) do Casal da Coelheira, membro do primeiro Conselho Geral da Comissão Vitivinícola Regional, fundada em 1997, na altura como Ribatejo, e, acima de tudo, um acérrimo defensor da união em proveito de um futuro promissor para os Vinhos do Tejo.

‘Tejo Gourmet’ distingue 43 restaurantes com diplomas de ‘Ouro’ e ‘Prata’
Ao mesmo palco subiram ainda os representantes dos restaurantes galardoados no âmbito da 8.ª edição do ‘Tejo Gourmet’. Promovido há oito anos consecutivos, começou por ser um concurso de âmbito regional, o que mudou em 2014, ano em que passou a contemplar restaurante de Norte a Sul de Portugal continental e ilhas. Desde essa altura dá origem a um guia, “Na Rota do Tejo Gourmet”, uma edição anual onde constam os restaurantes participantes. Dos 51 restaurantes inscritos, 28 receberam ‘Diploma de Ouro’ e 15 foram distinguidos com ‘Diploma de Prata’, de acordo com a avaliação feita à harmonização de ‘Vinhos do Tejo’ com um menu composto por entrada, prato principal e sobremesa. No que aos prémios diz respeito, os restaurantes que melhor maridagem conseguiram foram, por ordem de serviço, o Pátio dos Petiscos (Montemor-o-Novo), o À Terra, do hotel Vila Monte Farm House (Moncarapacho, Olhão), e o Viva Lisboa, do Neya Lisboa Hotel.

A ‘Melhor Promoção’ foi atribuída ao Grupo El Galego (Santarém), a ‘Melhor Carta de Vinhos do Tejo’ é a do restaurante Naco na Pedra (Salir do Porto, Caldas da Rainha) e o ‘Prémio Revelação’ ficou com o Petiscaki (Montemor-o-Novo). O Cisco (Almeirim) tem o galardão de ‘Melhor Restaurante de Cozinha Tradicional’ enquanto o À Terra, do hotel Vila Monte Farm House (Moncarapacho, Olhão) levou para o ‘Melhor Restaurante de Cozinha Internacional’ para o Algarve. O 150 Gramas (Vila Franca de Xira) é considerada a ‘Melhor Casa de Petiscos’, o ANNA’S Restaurant (Aveiro) é a ‘Melhor Cozinha de Autor’ e o Wish (Porto) é ‘O Melhor Restaurante’ desta edição do ‘Tejo Gourmet’.
Lisboa a fervilhar

A capital europeia de que o mundo fala está imparável em matéria de restauração e eventos. Confira as novidades. Chefs e bailarinas na suite presidencial do Ritz O quarto mais exclusivo de um dos hotéis mais exclusivos de Lisboa vai servir de mesa para alguns dos mais interessantes chefs mundiais. Ao longo de todo […]
A capital europeia de que o mundo fala está imparável em matéria de restauração e eventos. Confira as novidades.
Chefs e bailarinas na suite presidencial do Ritz
O quarto mais exclusivo de um dos hotéis mais exclusivos de Lisboa vai servir de mesa para alguns dos mais interessantes chefs mundiais. Ao longo de todo o ano, a suite presidencial do Ritz sentará à mesa vinte privilegiados (de cada vez), que poderão experimentar as cozinhas do espanhol Eneko Atxa (restaurante Azurmendi, três estrelas Michelin, dia 14 de Abril), do brasileiro Alex Atala (D.O.M., duas estrelas Michelin, dia 25 de Abril) ou do francês Mauro Colagreco (Mirazur, duas estrelas Michelin, em Setembro). Ao longo da refeição, que terá um preço base de 550 euros, haverá uma encenação cuidada, que inclui a performer e bailarina Alice Joana Gonçalves. O evento está incluído no festival Sangue na Guelra, evento produzido pela agência Amuse Bouche.
Jamie’s passa por crise inédita
Apesar de já ter fechado sete restaurantes e preparar-se para encerrar mais 12, Jamie Oliver abriu mesmo em Lisboa — uma prova da força actual da capital portuguesa no mundo. A conhecida estrela da TV, com programa regular no 24 Kitchen, está a passar por uma das fases mais difíceis da sua carreira, tendo sido noticiado no mês passado que as dívidas da cadeia Jamie´s Italian ascendem a 80 milhões de euros. O plano de reestruturação está em marcha, mas só afectará restaurantes no Reino Unido. O Jamie’s Italian de Lisboa abriu com aplauso moderado e, que se saiba, sem a presença de Jamie. Há bruschettas, massas frescas, pizzas e outras especialidades de inspiração italiana, com os preços a rondar os 25/30€ por cabeça, tudo na mesma linha dos mais de 50 Jamie’s que existem no mundo.
Mais uma pitada de Avillez
Janeiro foi outro mês de sucesso para o chef José Avillez. Depois de ter ganho o Grand Prix de L’Art de La Cuisine, no início do mês, dado pela Academia Internacional de Gastronomia, o chef do Belcanto, com duas estrelas Michelin, abriu mais um restaurante. A Pitaria trata apenas de pitas e é um pequeno espaço com 18 lugares, mesmo em frente ao Bairro do Avillez, no Chiado. O pão tem a forma redonda e achatada típica e há sete variedades de recheio, dos clássicos kebab e baba ganoush até à sujuk, com uma salsicha arménia.
Rui Silvestre já tem Quorum
O chef Rui Silvestre, que em 2015 conseguiu uma estrela Michelin no restaurante Bon Bon, no Algarve, já abriu o seu restaurante em Lisboa, no Chiado. A carta tem alguns pratos que Silvestre já fazia, mas acrescenta novidades. Entre os pratos está uma interpretação de ceviche com tapioca e flores; uma sopa inspirada na pho vietnamita; raia, couve-flor e wasabi; ou as ostras com pepino e kombu. Todos podem ser provados em dois menus diferentes, um de quatro “viagens”, por 46 euros, outro de seis “viagens”, por 58 euros.
O cocktail mais louco da cidade

O Red Frog, em Lisboa, foi nomeado um dos 100 melhores bares de cocktails do mundo. O segredo está no sítio, uma cave junto à Avenida da Liberdade, e em cocktails como o Agent Provocateur, onde não falta um botão vegetal que deixa a língua dormente. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga […]
O Red Frog, em Lisboa, foi nomeado um dos 100 melhores bares de cocktails do mundo. O segredo está no sítio, uma cave junto à Avenida da Liberdade, e em cocktails como o Agent Provocateur, onde não falta um botão vegetal que deixa a língua dormente.
TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga
A porta está sempre fechada, mas há uma mensagem subtil que denuncia o bar. Na campainha, pode ler-se: “Press for cocktails”. O mistério regressa quando descemos as escadas escuras. Na cave, do lado direito, está o bar, pequeno mas cheio de preciosidades, dos uísques aos gins, e em frente a sala, com quadros inspirados no período da Lei Seca. O ambiente é escuro, e toca quase sempre cancioneiro norte-americano, sobretudo blues.
Sofás, uma mesa comprida, ao fundo uma área para fumadores e uma enorme estante a toda a largura que se abre para outra sala, secreta, e para outra, ainda mais secreta. É aqui que Paulo Gomes e Emanuel Minez, fundadores da casa em 2015, têm uma espécie de laboratório clandestino, com maquinaria diversa onde reduzem e clarificam caldos, retiram a polpa da fruta, fazem emulsões com azeites, extraem sabores de pedras e outras alquimias. Foi por causa deste cuidado que, recentemente, passaram a integrar a lista dos 100 World’s Best Bars, depois de já terem ganho o prémio de melhor bar de cocktails português pelo Lisbon Bar Show. O Agent Provocateur é uma das suas obras mais requisitadas. Só para quem gosta de experiências fortes.
Gin Hendricks
Um dos ingredientes do Hendricks é a infusão de pétalas de rosa. Esta flor “é a base do cocktail”, explica o barman Paulo Gomes, quer na cor quer nos ingredientes. Paulo Gomes tentou reproduzir as cores da lingerie da marca Agent Provocateur, sobretudo em tons de preto e rosa. A inspiração surgiu depois de ter visitado a loja em Londres.
Pimenta Rosa
A pimenta rosa entra numa redestilação feita na máquina Rotovap, juntamente com o ruibarbo, e de onde se extraem sobretudo os componentes aromáticos desta especiaria.
Cravos chineses
São usados para fazer o kombucha, bebida fermentada alimentada com chá verde ou chá preto. As flores parecem-se com os amores-perfeitos, sendo ligeiramente adocicadas.
Ruibarbo
O ruibarbo “dá notas florais e frescas”. Só se usa o caule da planta. As folhas podem ser tóxicas, mas o caule é conhecido por facilitar o trabalho do fígado, o que é muito apropriado.
Turkish Delight
É um doce tradicional turco. “Aqui desconstruímos o doce e fazemos a montagem em estado líquido.”
Botões de Sichuan
Os botões são de uma planta também conhecida no Brasil como jambu. Aqui são servidos à parte. Quando tocam a língua produzem uma espécie de choque eléctrico que deixa a boca numa dormência refrescante, estimulando a produção de saliva. “Há pessoas que ficam assustadas”, diz Paulo Gomes, rindo. “Tenho de lhes dizer que isto não é nenhuma droga.”
O sonho aveirense de Tiago e Ana

Numa cidade habituada a bacalhau e peixe grelhado, abriu um restaurante que faz a sua própria manteiga e serve gemas inseminadas com tomatada. O ovni chama-se Anna’s e tem à frente um chef-doutor e uma emigrante de regresso às origens. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga FALA sempre como se estivesse na […]
Numa cidade habituada a bacalhau e peixe grelhado, abriu um restaurante que faz a sua própria manteiga e serve gemas inseminadas com tomatada. O ovni chama-se Anna’s e tem à frente um chef-doutor e uma emigrante de regresso às origens.
TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga
FALA sempre como se estivesse na iminência de uma grande aventura. Com apenas 29 anos, tem a energia de uma criança grande — bem grande — e o entusiasmo de um explorador. “Podem vir até aqui”, diz, puxando-nos para a cozinha. Mesmo à entrada, há uma vitrina com rebentos em vaso e ervas aromáticas, lá dentro a roda a servir de portão, depois os fogões. Nas portas dos frigoríficos, vêem-se números escritos pelo seu punho, lá dentro mais códigos indecifráveis em barrigas de porco seladas em vácuo, molhos, pickles caseiros. “Tudo tem de estar embalado e registado. Sou muito organizado e muit’a maluco.” As anotações podem ser defeito de formação. Tiago Emanuel Santo é licenciado em Geografia e mestre em Gestão do Território. Actualmente, será o chef português mais culto da sua geração ou, pelo menos, o que mais sabe sobre gastronomia regional. Na Universidade Nova de Lisboa, onde está a preparar o doutoramento, tem-se dedicado a registar todos os produtos tradicionais portugueses, alguns já esquecidos, um documento com 800 entradas.
Esta paixão nota-se assim que começa a servir o menu de degustação do Anna’s, o seu novo projecto, em Aveiro. O restaurante abriu em Maio e pretende mostrar outra cozinha à cidade, criativa, inquieta mas confortável, feita de sabores nacionais e técnicas sofisticadas. A decoração é limpa, madeiras claras e cadeiras Eames brancas.
Em cima da mesa, está agora um dos azeites preferidos de Tiago, o Angélica, extraído de um pequeno olival em Moura. O produtor é tratado pelo nome, como se fosse um amigo. São todos: é o Gonçalo dos azeites, o Arlindo das carnes maturadas de Alcains, o Leonardo das ostras de Aveiro. Na boca, o Angélica surge com surpreendentes notas amargas e picantes, pouco comuns em azeites alentejanos. “O Gonçalo colhe as azeitonas à mão, ainda verdes. E depois junta as variedades cordovil e verdeal à azeitona galega”, explica Tiago.
Num pratinho ao lado, o chef despeja agora outro azeite, guardado numa garrafa sem rótulo. “Este é único. Vem de umas oliveiras centenárias da zona onde se faz o Boom.” O Boom é um festival de música electrónica, perto de Idanha-a-Nova, também conhecido pela abundância de outro tipo de substâncias, nem todas lícitas. Quando a tenda se desmonta, os festivaleiros costumam levar consigo os cogumelos mágicos mas deixam as azeitonas, uma cultura antiga na região. “Diz-se que já ali se fazia azeite no tempo dos romanos”.
As histórias, as pessoas, vão acompanhando os pratos. Nada é só o que parece. Uma manteiga não é uma manteiga. “Fazêmo-la nós, aqui. Descobrimos uma senhora da região que tem uma vaca e que nos fornece o leite não pasteurizado.”
Replicar o conceito noutras cidades
Algumas das criações de Tiago, como o extraordinário bolo lêvedo dos Açores ou o pastel de molho, já o acompanham há algum tempo. Antes de rumar a Aveiro, o chef assumiu os comandos do restaurante do Hotel Areias do Seixo, perto de Torres Vedras. Esse posto deu-lhe palco, mas foi ao mesmo tempo uma honra e uma herança difícil. Leonardo Pereira, ex-chef do Noma, o premiadíssimo restaurante de Copenhaga, tinha acabado de deixar o lugar, elevando a fasquia.
A nova aventura de Tiago não parece ser menos emocionante. O projecto nasceu da vontade e do investimento de Ana Pinto e da sua irmã (também chamada Ana, daí o nome do restaurante, Anna’s). Naturais de Aveiro, emigraram para a Venezuela muito novas, onde acabaram por gerir uma rede de supermercados e pastelarias. Com a crescente onda de violência no país, contudo, decidiram regressar a Portugal. “Mantemos alguns negócios lá, mas estamos a vender. É muito perigoso viver ali”, diz Ana Pinto, que se junta à mesa e procura refrear a velocidade com que o seu chef debita novas ideias, novos pratos, novos restaurantes.
Por esta altura, ao lado da mesa já jaziam várias garrafas que o chef tinha seleccionado para o pairing, tudo coisas exuberantes e difíceis de encontrar nos supermercados. O menu de degustação acontece em sete momentos (50€) e pode ser acompanhado por dois tipos de harmonizações, uma de 25 euros, outra mais premium, de 50 euros. Isto ao jantar. Ao almoço, o conceito — e o preço — são diferentes. Em Novembro, altura da nossa visita, por apenas 10,50€ podia comer uns filetes de peixe galo com um arroz cremoso de ervilhas, mais uma entrada (que podia ser uma canja de bacalhau com ovo escalfado) e um copo de vinho. Os pratos mudam diariamente.
A ideia de Tiago é que o conceito do Anna’s seja replicado. “Queremos fazer restaurantes deste nível noutras cidades médias do país”, diz. Mais à frente, há-de adiantar que a capital também não perde pela demora. “Vamos abrir em Lisboa. E vai ser bombástico. Um espaço enorme”, atira. O conceito é sempre o mesmo: fazer tudo em casa, dos pães aos pickles, passando pelos molhos e pelos fermentados.
A conversa é interrompida por causa de um ovo que é preciso inseminar com tomatada. Regresso à cozinha. Na banca da roda, o chef agarra numa seringa onde está o molho e espeta-a na gema. A primeira rebenta. “Dêem-me outra”. A segunda rebenta. “Não ficou bem. A gema tem de estar fresca se não acontece isto. Outra”, zanga-se. A operação repete-se até o chef achar que merece ir para a mesa.
No final, a imagem é surpreendente. A gema assenta numa areia e tem por cima um pequeno merengue, branco como um iceberg, dando um ar dramático ao conjunto. Quando a empregada leva o prato para a sala, os clientes ficam a olhar, como se fosse um ovni. Um ovni gastronómico a aterrar na Ria.
Couve Portuguesa

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga As couves portuguesas não são um vegetal simpático. As folhas são disformes, desarrumadas, soltas, difíceis de ensacar. E depois têm aquele caule gigante, rijo como um tronco, que se espalha em nervuras brancas passíveis de protagonizar um filme de terror de série B em que pequenos póneis […]
TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga
As couves portuguesas não são um vegetal simpático. As folhas são disformes, desarrumadas, soltas, difíceis de ensacar. E depois têm aquele caule gigante, rijo como um tronco, que se espalha em nervuras brancas passíveis de protagonizar um filme de terror de série B em que pequenos póneis acabam devorados pelo temível repolho assassino.
As couves portuguesas são um estorvo. Não foram feitas para bancas de mercearias modernas. E dificilmente cabem nos frigoríficos e nos tachinhos dos lares urbanos unicelulares. Precisam de grandes tachos, precisam de espaço, precisam de tempo.
De alguma forma, é surpreendente que resistam. Vêm de um antepassado neolítico, espécie de dinossauro dos legumes próxima das couves selvagens. Há mais de cinco mil anos, cresciam nas escarpas atlânticas do Norte da Europa e terão sido trazidas pelos celtas para a Ibéria.
Hoje em dia, a genética hortícola consegue produzir primas mais fofinhas, maneirinhas e compactas. Mas ainda não há nada que bata a textura e a doçura elegante de uma couve portuguesa, também conhecida como tronchuda ou penca, com pequenas variantes sobretudo no Norte: penca de Chaves, penca do Povão, tronchuda Glória de Portugal, Murciana, de Mirandela e a troncha de Safres.
Apesar das modernas formas de confecção – o vapor, sobretudo, recomenda-se para quem quer manter todas as qualidades nutritivas, e são muitas —, continuo a preferir cozê-las em água abundante, só com sal. A técnica não tem sofisticação nenhuma, mas convém usar dos ensinamentos das cozinheiras de Trás-os-Montes, a maior região produtora e consumidora, que batem os caules contra a bancada da cozinha antes de as atirar para o tacho. As rachas que nascem dessa violência, não só apressam a cozedura como abrem caminho aos sucos do tempero.
Azeite, vinagre e alho são três coisas que casam maravilhosamente com este vegetal. Mas os frutos secos (amêndoa, amendoim) também acompanham maravilhosamente, tal como as leguminosas (feijões, grão), seja em sopas, seja em migas.
Embora seja um legume todo-o-terreno, que se dá em todo o país e praticamente todo o ano, a couve portuguesa pede frio e há quem diga que até a geada é essencial para adquirir tenrura.
Daí que esta seja a altura certa para as consumir. Com ou sem bacalhau.