A festa de todas as mesas

O Natal é especial em Portugal e o que o distingue de todos os outros é a marcação religiosa forte e fundadora que lhe reconhecemos, acompanhada de inúmeros pequenos grandes rituais e costumes pagãos que sempre nos deram motivos para rir e foliar. Claro que de permeio está o que comemos e bebemos.   TEXTO […]

O Natal é especial em Portugal e o que o distingue de todos os outros é a marcação religiosa forte e fundadora que lhe reconhecemos, acompanhada de inúmeros pequenos grandes rituais e costumes pagãos que sempre nos deram motivos para rir e foliar. Claro que de permeio está o que comemos e bebemos.

 

TEXTO Fernando Melo FOTOS Ricardo Palma Veiga

O calendário litúrgico nacional chegou a ter mais dias de guarda – jejum e abstinência – do que os dias livres de constrangimentos religiosos, raiando as duas centenas por ano. Não espanta por isso que a quadra natalícia exacerbasse o bacalhau salgado seco, na luxuosa configuração de demolhado e cozido, comido na consoada. Adaptado a cada bolsa, todos tinham acesso à sua posta, complementada por couves que as geadas curtiam como nenhum outro tratamento legumeiro, batatas e um ovo cozido. O polvo conservava-se outrora seco, como o bacalhau, e ainda hoje faz parte do tratamento vespertino do Natal. Digamos que estamos em património literalmente nacional.

O peru é relativamente recente na alimentação europeia, perde para o capão em suculência e sabor, mas há que considerá-lo, pela montagem de palácio que permite, e por não enjeitar nenhum dos recheios com que se lhe enche o papo. Matéria moldável, do ponto de vista culinário, que para mais ninguém se importa de comer fria. Vezeiro e primevo é o cabrito assado, um pouco por toda a parte. Alguém determinou que fosse o animal sacrificial por excelência. Adaptámo-nos depressa, e o bicho também nunca reclamou, é notícia nacional. O Alentejo e o Algarve gostam da carne de porco assada, pelo menos em termos históricos.

Os frutos secos e o fumeiro estão no pico do sabor e frescura, tudo se aprimora e dá ao aconchego das brasas e dos fornos, nos acondicionamentos mais diversos. São campeões os pinhões e as amêndoas, acompanham muito bem os frutos cristalizados, especialmente figos, ameixas e passas de uva. Os sonhos, rabanadas, filhós e seus semelhantes configuram tentação sistemática e a doçaria conventual, o trabalho dos ovos, pudins, quase derrotam o bolo-rei. Mas rei é rei e há assuntos que não têm discussão. Vale a pena fazer um pequeno périplo pelo país, todos os lugares são igualmente importantes, mas todos também têm as suas especificidades.

Sempre o bacalhau
Em Aveiro, respira-se a maresia como se de oxigénio vital se tratasse, e a pescaria ainda puxa a lágrima às suas gentes, independentemente da condição social, fortuna ou credo. Quando digo que as mãos de um português deviam cheirar sempre uma a peixe outra a marisco, é nesta mancha de mar, ria e salga que estou a pensar. Polvo, raia e bacalhau de antologia, na consoada são fundamentais, nas variantes mais requintadas verdadeiro luxo. Não esquecer que se transpira ovos moles – que pena as barriquinhas de madeira terem sido declaradas perigosas para a saúde! E claro que pontificam na mesa festiva da quadra.

Em Beja e Évora, a proximidade geográfica e familiar com Lisboa atesta e recomenda variações como bacalhaus, perú assado e fritos diversos, Aterra na mesa copiosa doçaria, rica em apontamentos conventuais e doce de ovos. Braga é rica e farta à mesa, está servida de receitas de bacalhau que se aprimoram a gosto, sai a doçaria frita da grande tradição e nem os mais novos se fazem rogados para deitar a mão às guloseimas.

Em Bragança, e de certa forma em toda a província transmontana, na consoada é obrigatório o bacalhau cozido com couve penca curtida pela geada, pico de sabor na altura do frio. O polvo cozido também tem licença para ficar. No dia seguinte, o almoço de Natal pode apresentar canja de galinha, seguindo-se uma carne assada, que pode ser peru, leitão, porco ou borrego. Um dia inteiro de convívio familiar com a mesa a ser renovada ao longo do dia, migas doces, bolinhos de jerimú e muitos frutos secos para ir debicando. A porta é franca e acontece muito a visita recíproca neste dia, o importante da festa já foi na noite de 24. Entre o Douro e Minho está frio, sabe bem o vinho quente a seguir ao jantar e antes de dormir, além de ajudar a digerir a poderosa couvada, com o melhor bacalhau. No próprio dia, a toada é de descanso em família, faz-se roupa velha de bacalhau e o prato central é o peru assado no forno com castanhas e batatas assadas. Cabrito sai mais a contento e também se pratica. E as gloriosas travessas de aletria fazem-nos entrar em órbita, custa a crer o simples que é de fazer face ao que bem sabe. Rabanadas em calda de açúcar, mexidos de leite e vinho e frutos secos completam o estágio delicioso.

A doçaria alentejana
Viseu, Castelo Branco, Coimbra e Guarda querem ver o bacalhau cozido com couve no meio da mesa na véspera, haja missa do galo ou não a família toca a reunir e com isso não se brinca. O almoço do dia seguinte é de quase desforra, há cabrito assado no forno de lenha, criando simpatia de sensações com a lareira da sala, doçaria diversa mas não pode faltar o arroz doce. Só nas Beiras se fazem as filhós do joelho, tendidas com as mãos ou no joelho, ganhando formas divertidas e diversas.

Pelo Ribatejo e Estremadura, coze-se bacalhau com grão e cenoura para servir na véspera, no próprio dia bate o cabrito à porta e é de o deixar entrar, que há broas castelar para ajudar a entrar na digestão. Do Alentejo já se falou acima, mas cabe aqui frisar o extenso e copioso capítulo doceiro, começando nos coscorões e terminando nas azevias de grão ou de batata-doce, de comer e chorar por mais. Em terras algarvias o galo assado canta na ceia de Natal das famílias, mas o bacalhau já o ultrapassou, de certa forma. E o peru conquistou terreno, mesmo face à incrível diversidade e orientação para o prazer dos pratos do barrocal, onde começou a juntar-se mar e terra à mesa. A Madeira permanece fiel a si própria e na consoada come-se espetada de carne em pau de loureiro. No próprio dia, valoriza-se uma boa carne de porco assada, temperada em vinha de alhos, com migas. Bolo de mel, bolo de noz e filhós abrilhantam a festa. Nos Açores é maior a proximidade em relação aos costumes do continente, entrando-se pelo bacalhau na consoada e saindo-se pelo perú no almoço do dia de Natal.

Um país que respira em uníssono mas reluz e brilha com cores muito próprias em cada região ou recanto. Natal é mesmo todos os dias.

“La Liste” mundial com 8 restaurantes portugueses

La Liste

Que ajuda usa para seleccionar um restaurante? TripAdvisor, Zomato? Os mais diversos guias (Michelin, Expresso, etc)? Livros? Revistas e jornais? E se alguém conseguisse coligir e avaliar a gigantesca quantidade de informação actualmente existente sobre o ‘valor’ de cada restaurante? Pois bem, foi isso mesmo que fez uma empresa francesa, cujo trabalho culminou no que […]

Que ajuda usa para seleccionar um restaurante? TripAdvisor, Zomato? Os mais diversos guias (Michelin, Expresso, etc)? Livros? Revistas e jornais?
E se alguém conseguisse coligir e avaliar a gigantesca quantidade de informação actualmente existente sobre o ‘valor’ de cada restaurante? Pois bem, foi isso mesmo que fez uma empresa francesa, cujo trabalho culminou no que se chama de “La Liste”. No fundo, é uma lista que leva em conta avaliações de cerca de 16.000 restaurantes de todo o mundo, hierarquizados pelo valor atribuído por um algoritmo que cruzou centenas de críticas gastronómicas (de publicações especializadas e críticos), assim como de milhões de críticas on-line, nos sites dedicados a estas matérias. As avaliações são ponderadas, com os críticos gastronómicos e chefes de cozinha a terem o maior peso. Não espere lá encontrar o seu restaurante diário, porque a lista está fundamentalmente virada para estabelecimentos de classe alta.
A lista dos melhores, actualizada anualmente, está já disponível on line mas o maior interesse da empresa – liderada pelo francês Philippe Faure – é lançar uma aplicação para dispositivos móveis, a ficar on line já no início de 2018 (versão Android). A aplicação – em várias línguas – irá ajudá-lo a escolher o restaurante conforme vários parâmetros, seleccionar a comida, fazer reservas e mais.
A pontuação está definida em percentagem, que, quanto maior for, mais valor dá ao restaurante. O mais pontuado neste momento é o Guy Savoy (Paris), com 99.75%. Dos 100 primeiros consta apenas um português, o The Ocean (em Porches, no Algarve), que conseguiu uns notáveis 97.50%. O resto da lista, com mais de mil nomes de todo o mundo, apenas lista restaurantes com 80 ou mais por cento. Além do The Ocean, Portugal tem mais sete restaurantes: Il Gallo D’Oro (Funchal, 95), The Yeatman (Vila Nova de Gaia, 94,50), Belcanto (Lisboa, 94), Vila Joya (Albufeira, Portugal 90,75), Fortaleza do Guincho (Cascais, 83,25), Henrique Leis (Almancil, 80,50) e Largo do Paço (Amarante, 80).
Pode obter mais informações no site https://www.laliste.com/laliste/world

Évora não é só Migas

A cidade alentejana está a fervilhar de turismo, mas não é fácil romper com a tradição. No último ano apareceram dois novos conceitos vencedores.   Restaurante: Origens Chef: Gonçalo Queiroz Cozinha: Contemporânea portuguesa Preço: 30-40€ Há muito tempo que isto não acontecia a James Codd. “Estou a comer há três horas. Foi uma das melhores […]

A cidade alentejana está a fervilhar de turismo, mas não é fácil romper com a tradição. No último ano apareceram dois novos conceitos vencedores.

 

Restaurante: Origens
Chef: Gonçalo Queiroz
Cozinha: Contemporânea portuguesa
Preço: 30-40€
Há muito tempo que isto não acontecia a James Codd. “Estou a comer há três horas. Foi uma das melhores refeições que fiz. E olhe que eu ando sempre a viajar pelo mundo”, atira o turista americano, já no final do almoço, enquanto a mulher vai confirmando tudo, assentindo com a cabeça. “Incrível, os produtos são excelentes, o chef é extraordinário.” Com residência em San Antonio, no Texas, o casal representa apenas mais dois fãs que Gonçalo Queiroz conquistou desde que abriu portas, já lá vão uns meses. “Lembro-me bem. Foi no dia do jogo Portugal-Islândia [para o Euro 2016 de futebol]. Julgava que não ia aparecer ninguém e estive cheio.”

A estreia foi conturbada mas tudo acabou em bem. O Origens, mesmo em cima da Praça do Giraldo, foi um sonho antigo, cuidadosamente preparado. O corpo começou a ganhar forma numa pasta virtual do computador do chef, formado na Escola Profissional da Região do Alentejo. “Há alguns anos criei uma pasta para onde ia gravando coisas que me seriam úteis se montasse um restaurante.”

Enquanto andava pelo país e pelo mundo, o chef estudava o negócio e fazia crescer o ficheiro informático com artigos sobre equipamentos de cozinha, legislação, receituário ou mesmo louça que poderia vir a usar no seu restaurante.

Em todas as cozinhas por onde passou aprendeu alguma coisa — e foram muitas. Apesar de jovem, Gonçalo andou pela Bica do Sapato, em Lisboa; pelo hotel M’ar de Ar, em Évora; depois pelo L’And and Vineyards, de Miguel Laffan, em Montemor- o-Novo; até ir abrir o Ecorkhotel, em Évora, já como chef.

O percurso em Portugal foi então interrompido para uma estadia de dois anos no Dubai. “Estive no Picante, o único restaurante português do Médio Oriente. Era chef e aprendi muito sobre a parte das contas, que me seria muito útil no futuro.” O regresso a Évora aconteceu há três anos. O espaço apareceu e foi só tratar de juntar tudo.

Na mesa, aparecem vários produtos da região mas ninguém vai lá por causa das migas. “Temos pratos tradicionais com uma apresentação contemporânea”, sintetiza Gonçalo. Exemplos: braz de farinheira; um bacalhau assado que traz também duas peças do gadídeo fritas; polvo assado com migas de batata, espinafres e molho de tomate; as bochechas de porco com puré de feijão catarino e coentros; ou as sardinhas assadas com escabeche e salada de pepino e cenoura.

Na garrafeira, só há vinhos do Alentejo, com aposta nos biológicos e algumas coisas mais originais e “polémicas” (palavra do chef), como um brett alentejano.

Restaurante: Degust’Ar Bistrô
Chef: António Nobre
Cozinha: Petiscos neo-alentejanos
Preço: 25-35€
O espaço não é novo, o chef também não. O Degust’Ar é um restaurante sólido de um hotel sólido (M’Ar de Ar) com um chef sólido. A novidade está no Bistrô, uma nova ala do restaurante com carta de petiscos para partilhar. E que petiscos.

Ao contrário do que se pensa, já vai sendo difícil encontrar certas comidas simples como deve de ser, mesmo no Alentejo. Aquela ideia de que entramos em qualquer tasco e é um fartote de coisas boas é uma treta com anos.

Daí que um almoço recente neste Degust’Ar Bistrô, com António Nobre na cozinha, tenha sido um momento raro. Pela mesa desfilaram só tesourinhos do antigamente, bem empratados e temperados.

A mão de chef só se notou quando isso fez sentido. Aconteceu, por exemplo, com os ovos mexidos com espargos, estes cozinhados a vapor antes de misturados, crocantes, saborosíssimos. Ou nos camarões ao alhinho, os bichos grandes, aros de malagueta imersos num molho puxado de alho, intenso.

Melhor também não podia estar o queijo de Évora assado, com orégãos e azeite, nem os ovos de codorniz com paio. Mais vanguardistas as molejas de borrego, a gordura cortada com tiras de casca de laranja e alecrim.

De resto, os pezinhos de coentrada eram pezinhos de coentrada sem modernices, simplesmente perfeitos: vinagre bem medido, o pão frito bem seco, o molho com gelatina e coentros no ponto. O mesmo da salada de orelha de porco, a carne cortada em cubinhos pequenos e sólidos e o típico azeite com coentros e alho. E das tiras de porco de raça alentejana, igualmente polvilhadas de coentros.

António Nobre anda noutros voos e tem outras ambições. O seu restaurante bandeira continua a ser o Degust’Ar, mesmo ao lado, onde há menus de degustação que competem com as mesas mais sofisticadas de Lisboa. Mas neste Bistrô consegue-se comer muito bem e sem fazer tanto prejuízo nas finanças.

Os vinhos são sobretudo alentejanos, como seria de esperar, bem seleccionados e sempre com a temperatura medida à frente do cliente. Bistrô não é bandalheira.

Portugal conquista mais duas estrelas Michelin

O guia Michelin 2018 para a Península Ibérica passa a incluir mais dois restaurantes portugueses, ambos no Algarve: o Gusto by Heinz Beck, com Danielle Pirillo aos comandos, e o VISTA, liderado pelo chefe João Oliveira, conquistaram a sua primeira estrela. A divulgação dos restaurantes destacados pelo guia gastronómico mais conceituado do mundo foi recebida […]

O guia Michelin 2018 para a Península Ibérica passa a incluir mais dois restaurantes portugueses, ambos no Algarve: o Gusto by Heinz Beck, com Danielle Pirillo aos comandos, e o VISTA, liderado pelo chefe João Oliveira, conquistaram a sua primeira estrela. A divulgação dos restaurantes destacados pelo guia gastronómico mais conceituado do mundo foi recebida em Portugal com um misto de sentimentos: por um lado, há boas notícias, com a manutenção da classificação dos 21 restaurantes que já faziam parte da lista de “estrelados” e a inclusão de outros dois; por outro, e face à evolução do panorama gastronómico português, apenas mais duas estrelas “sabe a pouco”.
Do lado dos novos distinguidos, no entanto, reina a satisfação. “É com enorme alegria que recebo a primeira estrela do Gusto. Este é um momento bastante especial para toda a equipa, não podíamos estar mais felizes. Esta conquista reflecte a nossa dedicação, a paixão pela gastronomia e, claro, a vontade de fazer cada vez mais e melhor”, comentou Danielle Pirillo, que trabalhou com Heinz Beck em Roma, no La Pergola (3 estrelas) e está desde 2014 como chefe residente do Gusto by Heinz Beck, restaurante situado no hotel Conrad Algarve, em Almancil.

João Oliveira no VISTA

No Vista, espaço gastronómico do Bela Vista Hotel & SPA – Relais & Châteaux, na Praia da Rocha, o chefe João Oliveira, de apenas 30 anos, mas com 14 de experiência, também não escondeu a sua satisfação pela conquista da primeira estrela Michelin: “É o reconhecimento máximo que podemos receber, pelo trabalho que temos vindo a desenvolver, e por tudo o que construímos nos últimos anos no VISTA”. “Para a equipa”, reforça, “é um momento particularmente importante e dedico-o a todos que trabalham lado a lado na nossa cozinha e à equipa de sala que assegura a excelência no contacto com os clientes.”
A edição 2018 do guia Michelin passa, assim, a contar com 23 restaurantes portugueses: Belcanto (Lisboa), Il Gallo d’Oro (Funchal), Ocean (Porches), The Yetman (V.N. Gaia) e Vila Joya (Albufeira), com duas estrelas; e Alma (Lisboa), Antiqvvm (Porto), Bom Bom (Carvoeiro), Casa de Chá da Boa Nova (Leça da Palmeira), Eleven (Lisboa), Feitoria (Lisboa), Fortaleza do Guincho (Cascais), Gusto (Almancil), Henrique Leis (Almancil), Lab by Sergi Arola (Sintra), Largo do Paço (Amarante), L’And Vineyards (Montemor-o-Novo), Loco (Lisboa), Pedro Lemos (Porto), São Gabriel (Almancil) VISTA (Praia da Rocha), William (Funchal) e Willie’s (Vilamoura), todos com uma estrela.
Em Espanha, foram acrescentados à lista mais 17 restaurantes com uma estrela, há quatro novos “duas estrelas” e dois que subiram à categoria máxima: o ABaC, de Jordi Cruz, em Barcelona; e o Aponiente, de Angel León, em Cádiz.

10 Razões para ir comer ao bordel da Alice

Numa antiga arrecadação da Pensão Amor, em Lisboa, nasceu um restaurante que é um espectáculo erótico-gourmet. Saiba porque é que tem mesmo de ir ver — e comer — a Alice no País dos Bordéis. Já.   1. Trata-se de uma peça de teatro imersivo e isso, só por si, é divertido. O público é […]

Numa antiga arrecadação da Pensão Amor, em Lisboa, nasceu um restaurante que é um espectáculo erótico-gourmet. Saiba porque é que tem mesmo de ir ver — e comer — a Alice no País dos Bordéis. Já.

 

1. Trata-se de uma peça de teatro imersivo e isso, só por si, é divertido. O público é convidado a entrar no mundo dos bordéis do Cais do Sodré e a interagir com o actor Francisco Beatriz ou com a actriz Sofia Portugal, que protagonizam a personagem Alice em diferentes sessões.

2. No final do espectáculo, que dura cerca de meia hora, a peça prossegue ao balcão do bordel. A comida é bem real, uma das melhores experiências de alta-cozinha que pode ter em Lisboa, neste momento.

3. Esta é única forma de conhecer um piso secreto da Pensão Amor. Onde antes funcionou a arrecadação do bordel, mesmo por baixo do bar, está um andar de tectos baixos que esconde diversos artefactos do universo erótico-porno.

4. Durante o shot de teatro, antes do jantar propriamente dito, vai ficar a saber como funcionavam os bordéis do Cais do Sodré. Para recuperar o ambiente antigo, foram resgatados alguns objectos históricos. Roger Mor, autor da peça, destaca as fotografias por cima da imagem de Eusébio que recuperam o submundo da comunidade travesti dos anos 60 e 70.

5. Conheça também excertos de filmes pornográficos que não encontrará facilmente na Internet. Trata-se das primeiras imagens em movimento do género, produzidas no início do século XX.

6. Daqui a uns anos vai poder dizer: “Eu fui um dos primeiros a experimentar a cozinha de Guilherme Spalk.” O jovem chef, que lidera a equipa de quatro pessoas responsáveis pelas comidas e pelos vinhos, tem tudo para se tornar num caso sério.

7. A degustação Fecha as Pernas e Abre a Boca conta com 10 pratos e pratinhos, tudo alta relojoaria culinária, e vinhos que podem incluir desde o espumante Blanc des Blancs de Luís Pato ao Automático, o branco do Dão feito com uma das castas do momento, o Encruzado.

8. Se nunca comeu faisão, tem aqui uma oportunidade rara. O prato principal de carne usa esta ave e Guilherme Spalk é mestre a tratá-la. O bicho vem de Inglaterra, congelado, mas é selvagem. Acompanha com amêndoa torrada, alperce seco e nectarina, bem como com um creme de bolbo de aipo.

9. A experiência, idealmente, deve ser vivida em casal. No final pode sentir efeitos afrodisíacos — e não apenas por causa da ostra no topo do linguado. Deixe o comprimido azul no bolso.

10. Os 70 euros por pessoa que custa a peça e a degustação são um dos melhores negócios de Lisboa, mesmo contando apenas com a experiência de fine dining. Mas apressem-se: em Novembro a Alice deixa a má vida.

Nozes

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga ÀS vezes, pego numa de fugida e depois não consigo parar, qual psicopata, cascas projectadas para todo o lado, o chão da cozinha um tapete de cascalho. Nozes é bom e não só por causa das proteínas e gorduras saudáveis. Nozes é doce, é salgado, é picante, […]

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

ÀS vezes, pego numa de fugida e depois não consigo parar, qual psicopata, cascas projectadas para todo o lado, o chão da cozinha um tapete de cascalho. Nozes é bom e não só por causa das proteínas e gorduras saudáveis. Nozes é doce, é salgado, é picante, é seco e untuoso. Nozes fica bem com tudo.

Algumas cautelas. A primeira coisa que tem de saber é que deve comprar da nacional, agora e até Dezembro. A segunda é que não deve escolher as de casca branquinha, porque essas foram lixiviadas, vêm provavelmente dos EUA ou do Chile, e estão fora de época. O terceiro conselho é não atalhar: o risco da noz comprada em miolo saber mal compara-se com atravessar a A1 de olhos vendados.

No Alentejo, a colheita pode começar no início de Setembro, mas em Trás-os-Montes costuma acontecer já Outono dentro. É relativamente fácil distinguir umas de outras. As alentejanas, por norma, são de variedades norte-americanas, têm maior calibre e uma casca mais fina. As transmontanas são quase sempre de variedades francesas, como a velhinha franquette, mais pequeninas e escuras, mas com um picante extraordinário. Problema: ambas desaparecem das bancas rapidamente, uma vez que a produção nacional é mínima, abaixo dos 10 por cento.

No prato, as nozes usam-se em várias receitas, mas nas saladas transformam qualquer folhinha numa coisa séria, seja em pedaços, seja polvilhadas num vinagrete. Vão bem com tomate, alface, com vegetais mais picantes, como rúcula e agrião, queijos e requeijões ou compotas e doces de fruta. Há já também no mercado óleo de noz que, sendo carote, é suave e faz brilhar qualquer pratinho simples.

Os franceses, naturalmente, dominam a culinária da noz. Desde terrinas a assados, passando pela pastelaria, utilizam-na abundantemente. Mas são os ingleses quem detém a receita mais surpreendente: picles de noz, feitos com a casca e o fruto ainda verde. Charles Dickens dizia mesmo que a noz, não sendo de conserva, só serve para comer com cerveja.

Enfim, ingleses. Vá por nós.

Marisco sem risco

É caro, raro e é refeição completa quando o calor aperta. O vinho branco parece querer expulsar as rolhas logo que fica geladinho como a gente gosta. Está montada a festa bem portuguesa da cascaria. Mas se é certo que não há duas provas iguais, por que há algumas tão decepcionantes?   EXCEPÇÃO feita a […]

É caro, raro e é refeição completa quando o calor aperta. O vinho branco parece querer expulsar as rolhas logo que fica geladinho como a gente gosta. Está montada a festa bem portuguesa da cascaria. Mas se é certo que não há duas provas iguais, por que há algumas tão decepcionantes?

 

EXCEPÇÃO feita a muito poucos restaurantes, coze-se demasiado o marisco. Aliás, tudo se coze demasiado nos restaurantes do nosso país, para ser mais correcto. De um lado está o pavor da congestão quando está mal passado, do outro a ideia fixa de que os clientes gostam de tudo muito bem passado. Uma cacofonia que se instala sem que ninguém pergunte a ninguém como gosta afinal. Com o marisco então, o problema agiganta-se, não tem conta o que se estraga no sabor por cozer demasiado, quando se trata de alimentos caros, quando não muito caros. Pior, a verdade ninguém sabe ao pormenor os tempos correctos de cozedura do marisco para ficar com o máximo rendimento de sabor, nem tão pouco sabem que cada marisco tem o seu tempo e forma de cozer. Estamos no tempo de o consumir, talvez por termos mais tempo e vontade do debulhe e trabalho que a cascaria exige. Por isso, apesar de não ser o melhor momento de consumo, vamos dar uma voltinha pela mariscada e tentar olhar para cada espécie com outros olhos.

O primeiro passo para a criar uma relação nova e conhecedora com o marisco é perder o medo. De nada adianta refugiar-se nos lugares-comuns de não conseguir mexer em animais vivos, ter pena dos bichinhos coitadinhos, ou convencer-se de que é melhor continuar tudo como está e o marisco come-se nas marisqueiras. Medo e preguiça andam de mãos dadas, mas depois de uma primeira experiência bem sucedida, nunca mais vai querer deixar de comprar cru ou mesmo vivo e cozinhar em casa. Começamos pelas amêijoas que devemos mesmo comprar vivas. Acha que não consegue? Consegue sim, costumam estar a zona do peixe dos supermercados, em saquinhos de rede e acamadas em gelo. Dê-lhes um piparote com o dedo para ver se reagem, e pegue no saquinho mais reactivo que essas estão vivas de certeza. Em casa, é só pôr de molho em água fria com bastante sal durante uma hora, para expulsar eventuais areias. Depois é só escorrê-las, preparar numa frigideira um fundo de alho, e muito pouco azeite e vinho branco e levá-las a abrir. Coentros picadinhos quando estiverem prontas e já está. Se correu bem e tem coragem para mais um desafio, vamos à santola. Viva, claro e cautela com as pinças, aquilo foi feito para destruir inimigos como por exemplo nós. Já agora, o macho tem as pinças grandes e o abdómen pontiagudo e coze com o lume mais vivo do que a fêmea, Só no tempo são iguais, 25 minutos. Para as atordoar, podem por-se meia hora no congelador antes de as cozer. Não salgue a água da cozedura se a santola for fêmea.

O berbigão precisa de mais tempo em água com muito sal do que as amêijoas, pelo menos duas horas, depois deve ser levado à frigideira para abrir apenas, em menos de dois minutos ficam prontos. Reserve os sucos da operação, são deliciosos e de sabor intenso, óptima base para um arroz de berbigão, acompanhamento fantástico de filetes de peixe. O lingueirão, ou navalha dá mais trabalho na preparação, e há que mudar várias vezes a água em que se põe de molho e antes de se por a cozer deve passar-se por água a correr. Depois tem de ser tudo muito rápido. Com a água a ferver em cachão, 30 segundos no máximo é o tempo de cozedura ideal. Já agora, produza um creme de amêndoas com chalotas picadas, cebolinho e sirva ao lado do lingueirão, delícia garantida.

A sapateira é o caranguejão forte e vigoroso que conhecemos e pode dar luta ao entrar na água fervente e temos de usar uma colher de pau ou equivalente para a manter na água. Mas rapidamente desiste, e em quinze minutos de imersão em água ou caldo fervente fica cozida, bitola média. As que encontramos nas boas marisqueiras são cozidas assim, mas muitas vezes ficam esquecidas e lá se vai o sabor, para não falar da textura sem interesse que ganha. Uma lástima, realmente. O chamado camarão da costa, pequenino, coze num minuto apenas, depois da água voltar a levantar fervura. Ficam com uma consistência rija e cheios de sabor, maravilha. Os lagostins ficam óptimos em quatro minutos, e os percebes em trinta segundos apenas. É uma dor de alma vê-los cozer por demasiado tempo, pouco mais fica que uma tripa sensaborona. Onde se abusa francamente é nas vieiras. Compram-se frescas, abrem-se cruas e só mesmo levar à frigideira com um pouco de óleo ou manteiga 30 segundos de cada lado. As zamburinhas menos de metade do tempo.

Conheço muitas pessoas que acham que as vieiras não sabem a nada, e isso é justamente por terem cozido demais. Basta fazer a experiência. E pior que estragar o sabor é ficarem borrachosas, quase difíceis de mastigar. É o sabor que nos deve guiar quando construímos as nossas próprias tabelas de cozedura de marisco, sendo que a maioria é possível comer cru, ao natural. O caso extremo é a ostra, que abrimos luxando ou quebrando o tendão da concha e que comemos viva. Não é para pessoas sensíveis, é certo, este exercício, e os pingos de limão que se deitava antigamente para garantir que estava viva pela contractura da válvula deu hoje no ritual de tempero que não fica mal. Fique sabendo, a propósito todos os bivalves se podem comer crus. E sabe aquela crença de que os bivalves fechados após a cozedura não se devem abrir? É falsa. Da lagosta muito há também para contar e por isso mesmo fica para a próxima. Para já, a ousadia escrita na porta do frigorífico e que a moção de mariscar em casa perdure. Boas experiências!

Todos ao Tejo

Não é fácil comer bem a olhar para o rio, em Lisboa. Para contrariar isso, abriram agora, de uma assentada, três novos restaurantes com grandes ambições.   Sud Lisboa Até Marcelo já lá esteve Toda a gente quer lá ir, Marcelo Rebelo de Sousa já lá foi. O costume. Pode ter sido só a proverbial […]

Não é fácil comer bem a olhar para o rio, em Lisboa. Para contrariar isso, abriram agora, de uma assentada, três novos restaurantes com grandes ambições.

 

Sud Lisboa
Até Marcelo já lá esteve
Toda a gente quer lá ir, Marcelo Rebelo de Sousa já lá foi. O costume. Pode ter sido só a proverbial compulsão do Presidente da República pela selfie e pelo Tejo (lembremo-nos do seu mergulho, em 1989), mas convém notar que estamos perante um mega-investimento do grupo hoteleiro SANA (16 milhões de euros) e do restaurante-bar-piscina de que toda a Lisboa “trendy” anda a falar. O sítio foi recuperado e remodelado a partir dos edifícios da antiga discoteca BBC e do Piazza di Mare, 2500 metros quadrados em cima do rio, na Avenida Brasília. A autoria do projecto é do famoso ateliê do arquitecto António Pinto, a residir em Bruxelas. A decoração tem ambiente posh-sofisticado e uma piscina infinita boa para aparecer em fotografias das redes sociais, com um cocktail na mão. No Sud Lisboa Terrazza há várias zonas de restauração e diferentes cartas, consoante a altura do dia. Pequenos-almoços servidos desde as 8h00 (menus a partir de 11€), almoços e jantares de inspiração italiana (conte com mais de 35€ por refeição), chá das cinco, bar na piscina (acesso custa 35€), sempre com DJ, saxofonistas ou divas a cantar, garantido-se animação até às 2h00. O chef é Carlo Di Nunzio, com experiência a gerir restaurantes de hotéis e grandes equipas, que lhe vai ser útil na organização de grandes eventos, outra das valências do Sud.

Watt
Energia renovada de Kiko
Não fica com os pés de molho no rio, mas está mesmo ali ao lado, na Avenida 24 de Julho, no moderníssimo (e polémico) edifício sede da EDP. O chef Kiko Martins tomou conta da carta (o chef executivo é Martin Schreiner, colaborador do grupo) e quis criar um menu totalmente dedicado a dar energia às pessoas. De fora ficam fritos, açúcares maus, banha, manteiga, apostando-se em fibras, proteínas boas e antioxidantes. Dito assim, soa a cadeia de comida saudável, mas não é nada disso. O desafio era agarrar no conceito da energia, do agrado do senhorio, e dar-lhe um menu de autor, com pratos do mundo, como burrata com tomate bio em várias texturas (12,30€), ou cordeiro com grão, coberto de pistáchios, de inspiração magrebina (20,40€). O espaço é moderno e amplo, com design do britânico Jasper Morrison e senta uma centena de pessoas. O tempo dirá se o sexto restaurante de Kiko Martins é energia renovada ou nem por isso.

Charkoal
Um Cordeirinho em Oeiras
Já há algum tempo que José Cordeiro é mais consultor do que chefe — e basta abrir o seu suis generis site (com galeria de famosos e tudo) para se perceber isso. Ora, o recém- inaugurado Charkoal, na Marina de Oeiras, onde era o Peter Café Sport, usa precisamente essa valência, não podendo por isso ser apresentado como um restaurante do chef Cordeiro. Está lá um bocadinho de si, conselhos e alguma formação, o resto é publicidade enganosa. Dito isto, a carta dá razões para ir conhecer o sítio. A cozinha usa sobretudo a grelha, mas há de tudo um pouco: quem não gosta de gaspacho de morangos (3,20€) tem creme de legumes (2,20€), quem não aguenta um costeletão maturado na brasa (48€, duas pessoas), pode ir pelo polvo com molho verde (15€), e para quem estiver mais virado para as massas também se arranja um linguine de camarão (17€). Se sair chamuscado deste Charkoal, pode sempre arrefecer com um mergulho no mar, mesmo ali ao lado.