O Embaixador escreveu ao mundo

O chef português Nuno Mendes, de quem Gordon Ramsay disse ser “o chef dos chefs”, acaba de lançar um livro sobre a cozinha de Lisboa. Esperam-se efeitos planetários.   TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Cortesia Nuno Mendes SE um dia destes o mundo deixar de olhar para a gastronomia portuguesa como uma subespécie pobrezita da […]

O chef português Nuno Mendes, de quem Gordon Ramsay disse ser “o chef dos chefs”, acaba de lançar um livro sobre a cozinha de Lisboa. Esperam-se efeitos planetários.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Cortesia Nuno Mendes

SE um dia destes o mundo deixar de olhar para a gastronomia portuguesa como uma subespécie pobrezita da cozinha espanhola, Nuno Mendes e o seu novo livro podem muito bem ter a ver com isso. “Lisboeta” foi lançado a 18 de Outubro, em inglês, pela super-editora Bloomsbury, com o luxo das grandes produções do género; e é bem provável que, em Dezembro, esteja nas listas dos títulos de cozinha internacional que mais marcaram o ano.

A edição em língua portuguesa foi garantida pela Campo das Letras, mas não verá a luz para já. Segundo disse Nuno Mendes à Vinho Grandes Escolhas, é previsível que só esteja nas livrarias portuguesas na Primavera do próximo ano.

“Vou lançá-lo agora em inglês porque acredito que pode ser uma ferramenta muito útil para promover a cozinha portuguesa em todo o mundo”, justificou, a partir de Inglaterra, em resposta a perguntas enviadas por email. “É uma carta de amor a Lisboa e é também inspirado na comida que comia quando aí vivia, na minha juventude”.

Nas páginas do pesado bloco de 372 páginas servem-se vários pratos da Taberna do Mercado, o seu restaurante de inspiração portuguesa na capital inglesa. As receitas vão do Polvo à Lagareiro passando pela Sapateira Recheada ou pelo Prego, mas têm sempre toque de chef.

E quem é o chef? A maioria dos portugueses não o conhece. Nuno Mendes é uma espécie de guru da nova vaga, um René Redzepi (restaurante Noma) do Sul da Europa, “o chef dos chefs”, como lhe chamou Gordon Ramsay. Cresceu em Cascais, depois foi estudar biologia marítima para os EUA, depois trabalhou com gado numa quinta do pai em Portugal, depois dedicou-se à cozinha. Passou pela Trump Tower, no restaurante de Jean-Georges Vongerichten, mas foi no El Bulli, já trintão, que viu a luz da alta-cozinha moderna.

A escalada na cena londrina começou com o The Loft, um ‘supper club’ com menu de degustação. Mas foi com o Viajante que ganhou a sua primeira estrela Michelin. Este restaurante acabaria por fechar, dando lugar ao badalado The Chiltern Firehouse, financiado por um milionário. O restaurante é uma das mesas com mais famosos por cadeira, um sítio onde, na mesma noite se podem encontrar David Cameron, Kate Moss e Madonna (quando não está por Alfama).

A Taberna do Mercado, aberta em 2015, acabou por aproveitar essa euforia e é, actualmente, outro dos restaurantes mais concorridos da capital inglesa por ‘foodies’ e chefs de todo o mundo.

Não admira por isso que a voz de Nuno Mendes em Londres soe mais alto do que 30 chefs de Lisboa a gritar ao mesmo tempo. E ele tem noção disso. Há dois anos, disse ao jornal The Guardian, onde escreve semanalmente: “Quer queiramos, quer não, tornamo-nos embaixadores do nosso país”.

“Lisboeta” é o seu primeiro despacho e pode ser adquirido através da Amazon.

Ananás dos Açores

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga É comum apanharem-se maus ananases dos Açores. Durante algum tempo, fui um crítico dos ananases dos Açores. Ouvia toda a gente a dizer que eram os melhores do mundo e eu só apanhava dos ressequidos, ácidos e bafientos. Achava que a avaliação estava contaminada de patriotismo e […]

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

É comum apanharem-se maus ananases dos Açores. Durante algum tempo, fui um crítico dos ananases dos Açores. Ouvia toda a gente a dizer que eram os melhores do mundo e eu só apanhava dos ressequidos, ácidos e bafientos. Achava que a avaliação estava contaminada de patriotismo e vistas curtas.

O problema, percebi depois, é que nem todos os ananases dos Açores são iguais; nem todos os anos são bons anos; e há épocas melhores do que outras para os comer. “Agora é quando estão mais frescos e suculentos”, garantiu-me há umas semanas, por telefone, uma funcionária do Miosótis, o supermercado biológico de Lisboa. E eu fui logo atrás deles. A prova acabaria por confirmar a expectativa. Este ano, por estes dias, parecem estar doces, equilibrados de acidez e aromáticos.

Dito isto, é sempre difícil escolhê-los. Um truque clássico é, sorrateiramente, puxar uma das folhas da coroa: se ela estiver verde mas se desprender apenas com um leve resistência é bom sinal. Outra avaliação clássica do estado de maturação decorre da cor da casca, que não deve ser demasiado verde nas intersecções dos botões (não amadurece fora da planta), nem ter a casca esbranquiçada ou seca (não rejuvenesce, também). Procure um aspecto amarelo-rosado na base e um aroma doce.

Saiba ainda que o Ananás dos Açores é citado no livro “1001 Foods You Must Try Before You Die” e que é um produto biológico. O método de produção mantém-se o mesmo dos primórdios do cultivo na ilha, no século XIX. Para ser certificado como um produto DOP, tem de crescer em estufas de vidro e madeira da ilha de S. Miguel, ao longo de dois anos. O método implica a aplicação de “fumos” e a preparação de “camas quentes” à base de matéria vegetal.

Há várias maneiras de comer ananás, mas felizmente a loucura dos anos 80 passou. Já não é fácil encontrar rodelas amarelas a estragar pizzas ou enfiadas em copos de cocktails. A loucura passou. Eu gosto de os comer ao natural, no final de refeições pesadas ou gordurosas. Melhor do que Eno.

 

Pescaria em terra com Diogo, Claiton e Fernão

O restaurante Pesca foi a abertura mais aguardada da rentrée. Ricardo Dias Felner jantou lá duas semanas depois, deu os seus bitaites e ouviu o que o chef, o pasteleiro e o barman tinham a dizer sobre o assunto.   TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Nuno Correia DIOGO NORONHA andou meses a investigar produtos e […]

O restaurante Pesca foi a abertura mais aguardada da rentrée. Ricardo Dias Felner jantou lá duas semanas depois, deu os seus bitaites e ouviu o que o chef, o pasteleiro e o barman tinham a dizer sobre o assunto.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Nuno Correia

DIOGO NORONHA andou meses a investigar produtos e técnicas e, em Outubro, o chef revelou finalmente o Pesca, um restaurante pequeno e mimoso, feito em parceria com a Multifood, mas com grandes ambições. No menu, não entram carnes e só se serve peixe da costa portuguesa e selvagem, acompanhado de legumes oriundos de pequenos produtores, boa parte deles biológicos.

A entrada tem janela para a rua, onde se pode começar a beber um dos cocktails que saem das mãos de Fernão Gonçalves. Depois há uma sala pequena e nas traseiras está a zona mais agradável, um quintal que se pode fechar com uma cobertura eléctrica em madeira. Na cozinha, para além de Diogo Noronha (ex-Pedro e o Lobo e ex-Casa de Pasto) está Claiton Ferreira, o chef pasteleiro que o acompanha (muito bem) desde sempre.

O restaurante quer jogar no campeonato dos ‘estrelas Michelin’, e isso pode ser visto em vários detalhes na sala e na cozinha mas também nos preços, que andam acima dos 50 euros por cabeça. Do que experimentei, num jantar recente, saíram boas notas e algumas lições. A prova foi cega e só no final se soube quais haviam sido os pratos servidos.

Pesca sem rede. Mas pesca opípara. Ora vejamos, prato-a-prato.

COCKTAIL ZOMBIE MEXICANO COM PIMENTOS E MALAGUETA (14€)
Antes de ir à boca
O copo lembra uma escarpa com espuma do mar e plantas marinhas.
Ao que sabe
Como se bebêssemos pimentos assados. Nota-se um leve picante, mas também notas frescas e salgadas da salicórnia. O álcool está só a dar intensidade, não queima nem perturba. Grande cocktail.
Nota: 90 pontos
O que diz o barman
“Assamos os pimentos e depois fazemos um sumo na centrifugadora. Acrescentamos xarope de malagueta e canela para ligar os sabores. O álcool é tequila e mezcal, depois temos ervas da costa e espuma do mar feita com água de camarão. O copo, desenhado pela Cátia Pessoa, leva no fim um pó de sal e alface-do-mar para dar aroma.”

PÃO COM MANTEIGA
Antes de ir à boca
A côdea do pão tem um bronze uniforme, tostado sem estar queimado. O miolo é esburacado, com alvéolos médios, mas ligado e brilhante. A manteiga vem em forma redonda, com um pó escuros.
Ao que sabe
Um dos melhores pães que comi este ano. Untuoso, elástico, ácido, equilibrado, complexo, a côdea crocante e caramelizada, ligeiramente doce e salgada. A manteiga boa, mas demasiado mole, talvez pouco fria, não desmereceu o conjunto.
Nota: 95 pontos
O que diz o pasteleiro
“Usamos três farinhas biológicas: centeio, trigo e um pouco de malte para dar o sabor a caramelo. Na nossa massa-mãe entra um centeio alentejano forte. Para conseguirmos aquela côdea deixamos o pão secar durante duas horas. Fizemos várias experiências até chegarmos a este resultado.”

OSTRA PANADA (17€)
Antes de ir à boca
Há um montículo de folhas sobre terra escura, que podia muito bem simbolizar uma laje da Ilha do Pico.
Ao que sabe
Os bivalves que se escondem sob a cama de folhas picantes (mizuna) levam-nos para o mar, e depois temos a frescura e a suavidade dos fiapos de cenoura e rábano a contrastar com os sabores fortes e crocantes da areia escura. Falta talvez um cremoso a ligar os elementos todos.
Nota: 75 pontos
O que diz o chef
“Usámos lingueirão, berbigão, percebes e fizemos um escabeche. A isso acresce a mizuna e outros legumes. Pelo meio há um panado de ostra. A terra são umas migas de morcela da Guarda, a que retirámos gordura e tornámos crocantes.”

GAMBAS DA COSTA ALGARVIA (17€)
Antes de ir à boca
Parece uma escultura contemporânea de uma artista plástica gourmet. Vê-se uma bolacha tufada, que podia ser de milho e lâminas de alcaparras. O que resta está tapado (e há-de ser o melhor).
Ao que sabe
Por baixo da bolacha, estaladiça, há gambas marinadas, praticamente cruas, tenras e suculentas de mar. Na base, está um cubo de beringela, fofa, cremosa, muito boa. O conjunto tem amargos, ácidos e várias texturas, e eleva a fasquia.
Nota: 85 pontos
O que diz o chef
“A bolacha não é de milho, mas de arroz com essência de camarão. A gamba foi marinada em molho ponzu. Cozemos a beringela no vapor com uma pasta de azeitona, e depois marcámo-la na brasa. Utilizamos também os sucos dos legumes assados para fazer um molho, com sabor a pimento. A maionese é de anchovas.”

ATUM RABILHO E CECINA (19€)
Antes de ir à boca
Vêem-se folhas de capuchinhas, quais guarda-sol, sobre o que parece ser um rolo de presunto pata negra, por causa do marmoreado e da cor escura e brilhante (estava enganado, como se verá) e carne, com destroços de pão seco e vegetais.
Ao que sabe
Os pinhões ligam bem com a carne curada. A carne fresca é atum e o pão seco é adocicado e sem grande expressão. Muito bons os pickles de chalota assados. Volta a faltar um molho que una os elementos, demasiado dispersos e desgarrados.
Nota: 65 pontos
O que diz o chef
“A carne curada é cecina [o chamado presunto de vaca italiano] e não pata negra. Usamos raízes chamuscadas e uns pickles de vinagre de chalota. O bolo seco é uma madalena desidratada.”

PARGO LEGÍTIMO BRASEADO (39€)
Antes de ir à boca
Começamos a salivar só de olhar para a pele tostada e para as lascas do peixe. E sabemos que aquele puré e os bocados de laranja estão lá para ajudar a que seja tudo ainda mais emocionante.
Ao que sabe
O peixe está perfeito, húmido por dentro, caramelizado por fora, e é logo evidente que se trata de um lombinho de pargo de qualidade. O puré suavíssimo e doce, com amargo ligeiro de tupinambur, a laranja dá frescura e há um gel do fruto logo ao lado que não acrescenta grande coisa.
Nota: 85 pontos
O que diz o chef
“Falta falar no espinafre que leva um molho de sésamo e saké, com uma emulsão de alho negro.”

SALMONETE BRASEADO (39€)
Antes de ir à boca
A arrumação no prato é apertada mas cabe lá muita coisa. Pela aparência do filete vemos logo que é um salmonete e depois há vários montículos, favinhas e ervas.
Ao que sabe
O filete está magnífico, com a elasticidade típica do salmonete. A salicórnia acrescenta sal e acidez e há ainda um puré avinagrado. Escondida está também uma gema de ovo, talvez com uma cura leve, toca-se e ela espalha-se por cima das favas, misturando-se com outro molho, acastanhado e intenso. Em separado nada a apontar, mas o conjunto sofre por ter demasiados elementos e intensos.
Nota: 75 pontos
O que diz o chef
“A gema é só cozida a baixa temperatura e fazemos um puré de alcachofras. O molho acastanhado é dos fígados do salmonete — há quem diga que é a melhor parte deste peixe e eu concordo.”

CHOCOLATE DE PIURA 65% (11€)
Antes de ir à boca
Voltamos às instalações de arte contemporânea. Desta feita é outra vez um cruzamento de bolachas a dar um ar dramático ao prato. Por baixo, esconde-se uma bola de chocolate.
Ao que sabe
O chocolate tem intensidade e acidez, sem ser amargo, e percebemos que pelo meio há avelãs trituradas. Uma Nutella. Em bom.
Nota: 80 pontos
O que diz o pasteleiro
“A minha paixão é o chocolate. Este chocolate Puria é dos melhores do mundo. Tem notas a framboesa. Vem da Amazónia e é selvagem. No interior tem avelãs tostadas.”

SEIXOS DE PISTÁCHIO, FRAMBOESA E BAUNILHA
Antes de ir à boca
Quase uma palete de pintura, multicolorida. Três ovinhos, um montículo de amoras e framboesas, gelado de morango. Vai ser fresco.
Ao que sabe
Foi fresco mas também doce, cremoso, crocante. Os ovinhos tinham cada um o seu recheio, num deles uma extraordinária panacota com a baunilha (de vagem, certamente) bem marcada; noutro bombom notas a amêndoa amarga. Muito bom também o gelado de morango. Nada excessivamente doce, muito elegante.
Nota: 85 pontos
O que diz o pasteleiro
“Usamos amoras selvagens e framboesas desidratadas. Os bombons são feitos com umas natas incríveis. Um deles leva pasta de pistáchio e essa pasta às vezes leva amêndoa amarga [leva sim]. O gelado de morango só tem 45 por cento de açúcar. Foi feito na Primavera, quando os morangos estão mais doces e, depois, guardado.”

Adeus 2017, olá 2018

Últimos meses do ano foram pródigos em acontecimentos gastronómicos. E há boas novidades no horizonte lisboeta.   TEXTO Ricardo Dias Felner ABREM cada vez mais restaurantes, muitos deles movidos a turismo. Daqui resulta que há cada vez mais mesas desinteressantes, mas seria estúpido dizer-se que se come pior por causa disso. Dá para tudo. Sobretudo […]

Últimos meses do ano foram pródigos em acontecimentos gastronómicos. E há boas novidades no horizonte lisboeta.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner

ABREM cada vez mais restaurantes, muitos deles movidos a turismo. Daqui resulta que há cada vez mais mesas desinteressantes, mas seria estúpido dizer-se que se come pior por causa disso. Dá para tudo. Sobretudo em Lisboa.

Um exemplo claro da popularidade da capital portuguesa é o interesse que desperta em investidores estrangeiros. Entre os restaurantes neste grupo, está o Chustnify, de uma indiana de Nova Deli radicada em Berlim. O conceito é o de indiano cool, música electrónica e empregados hipsters, mas a comida é bem mais autêntica (e picante) do que a que lhe servem noutras salas da capital cheias de incenso e folclore (obrigatórios o caril de borrego e o kabab). Fica entre a Praça das Flores e o Príncipe Real.

Na mesma linha, bem perto dali, inaugurou o Zazah, sociedade de três brasileiros, dois com interesses imobiliários em Lisboa e capital financeiro, o outro um chef, Moisés Franco, que passou recentemente no Bairro do Avillez. A ideia é acolher pessoas que saem do trabalho, ao m da tarde, e que passam ali para beber um cocktail e petiscar, embaladas pela música e distraídas com as obras de arte nas paredes. Na carta, há croquetes de alheira (5,50€), ceviche de atum (9,50€), puré trufado (4€) ou vazia maturada (16€).

Quem também viajou para Lisboa, embora seja português, para abrir um restaurante foi António Galapito. Conhecido pelo seu trabalho com o chef Nuno Mendes, em Londres, na Taberna do Mercado, este jovem chef (faz 27 anos este mês) estabeleceu-se há um ano junto à Sé, no aparthotel The Lisboans, a preparar a abertura do seu Prado. O restaurante deveria abrir na semana em que este texto fechou, pelo que neste momento já poderá lá ir experimentar o conceito de farm to table (da horta para a mesa) criativo, muito em voga por estes dias.

Quem não cruzou fronteira alguma, a não ser a do Ribatejo, foi Rodrigo Castelo, da Taberna Ó Balcão, em Santarém. Conhecido por estar a recuperar produtos endógenos ribatejanos, como a carne de touro bravo, e de lhe dar tratamento de chef no seu restaurante escalabitano, Rodrigo irá estrear O Mariscador, na Praça do Campo Pequeno, também em Dezembro.

Para o mesmo mês estava prevista ainda a inauguração do novo restaurante de Ljubomir Stanisic, que no entanto relembra à Vinho Grandes Escolhas uma máxima intemporal: “A obra é que manda.” O chef quer trazer para a Rua do Teixeira, ao Bairro Alto, onde o seu 100 Maneiras dará lugar a este novo projecto, animais inteiros e desmanchá-los e assá-los paleoliticamente. Para isso contratou, Manuel Maldonado, especialista na arte de brincar com o fogo.

Mas nem tudo são favas contadas e contos de encantar. Neste final de ano, houve igualmente projectos a fechar. O Bagos, de Henrique Mouro, foi um deles. No que respeita a transições, a mais badalada foi a saída, concretizada em Novembro, de Pedro Pena Bastos da Herdade do Esporão. Os destinos de ambos os chefs são duas das boas interrogações que 2018 nos trará. Venha ele.

Se não é boi, é vaca…

A carne mais sensual de raça bovina esteve no VINUM Restaurant & Wine Bar. Pela quinta vez consecutiva, o restaurante da Graham’s dedicou-se, juntamente com o grupo basco Sagardi, a promover o confronto entre o boi velho e a vaca velha, desde o dia 24 de Outubro.   TEXTO Mariana Lopes FOTOS Cortesia Vinum ENQUANTO […]

A carne mais sensual de raça bovina esteve no VINUM Restaurant & Wine Bar. Pela quinta vez consecutiva, o restaurante da Graham’s dedicou-se, juntamente com o grupo basco Sagardi, a promover o confronto entre o boi velho e a vaca velha, desde o dia 24 de Outubro.

 

TEXTO Mariana Lopes FOTOS Cortesia Vinum

ENQUANTO durou o stock do boi de Trás-os-Montes e da vaca da Galiza (raça Rubia Gallega), o Vinum teve à disposição dos clientes um menu muito especial, harmonizado com vinhos Symington Family Estates, com destaque para as carnes seleccionadas pelos espanhóis Imanol Jaca, guru dos cortes bovinos, e Iñaki Lopez de Viñaspre, embaixador da gastronomia do País Basco.

Sagardi é um projecto de restauração e catering com 20 anos que tem na sua génese o transporte do conhecimento sobre a gastronomia tradicional basca para todo o mundo. A locais como Madrid, Barcelona, Valência, Sevilha, Ibiza, Buenos Aires, Cidade do México e Londres, adiciona-se o Porto, onde o grupo gere o restaurante “symingtoniano” Vinum. A Sagardi tem já 30 restaurantes e um hotel sob a sua alçada.

No dia de apresentação das Jornadas, os dois mentores da Sagardi partilharam o seu conhecimento com os presentes, apresentando uma masterclass interactiva sob o mote “Boi ou vaca – contrastes de sabores, contrastes de ideias”.

O boi de trabalho, antigamente usado para puxar as carroças e os arados, vê hoje a sua criação ameaçada pela mecanização da agricultura e pelo aumento das grandes explorações lácteas. Felizmente, em algumas aldeias do Minho e de Trás-os-Montes, onde a cultura tradicional se mantém como bandeira, ainda se encontram estes animais, apesar de poucos serem os exemplares. A vaca Rubia Gallega, grande e pesada, já é muito difícil de encontrar.

Com cerca de 500 quilos, a vaca velha servida no Vinum é proveniente de uma pequena aldeia montanhosa no interior da Galiza, e a sua carne é muito apreciada internacionalmente. Iñaki contou que “os bois eram companheiros de trabalho e tratados como família” e explicou que “o boi era usado para puxar por ser mais musculado e hormonal do que a vaca”. Sempre castrados, estes bois velhos são, na generalidade, criados com uma qualidade de vida considerada superior, tanto no que concerne a alimentação (pasto natural) como ao nível de stress a que estão sujeitos durante a vida, que é baixíssimo. O mesmo se aplica à vaca velha.

Vinãspre frisou que “para os bascos, a qualidade de vida do animal é muito mais importante na escolha da peça do que a raça ou o género, por exemplo” e, de seguida, desafiou-nos a acariciar a carne com a mão, para que sentíssemos a gordura a fundir-se com a temperatura da nossa pele e percebêssemos que na carne de qualidade não há maus odores. Continuou, afirmando: “Não acreditamos em longas maturações”, desenvolvendo depois que prefere a expressão “amadurecimento”, referindo-se à prática de deixar a carne no frio somente até que as gorduras se integrem o suficiente nas fibras, sob o risco de que o sabor se altere ou se desenvolvam bactérias. E, sabiamente, declarou que “o bom artista é o que olha muito para o produto e o ‘estropea’ pouco”. Por esta altura, já estávamos todos com vontade de a estropear, mas no prato…

Na hora de “atirar” as costeletas para a grelha, os mandamentos da dupla espanhola foram outros. “Não se pergunta se é bem ou mal-passada, ou como se quer a carne! Há um ponto ideal.” A temperatura deve ser extremamente alta e a carne deve ser completamente selada antes do punhado de sal marinho grosso cair sobre ela, para não desidratar – Assim a carne só agarra o sal de que necessita – disseram. Eram costeletas com cerca de dois quilos, cada.

Antes do almoço, provámos as carnes, boi e vaca lado a lado a mostrar-nos que o único resultado possível é o empate, quando lidamos com produtos desta qualidade. O boi, ostentando as suas teias brancas musculares, revelou-se mais intenso no primeiro contacto com o palato, e a vaca, mais feminina, mostrou uma elegância poderosa, ambos de sabor sublime. À refeição, acompanhou-se a carne de pimentos piquillo e nada mais. Como se fosse preciso acrescentar alguma coisa…

A festa de todas as mesas

O Natal é especial em Portugal e o que o distingue de todos os outros é a marcação religiosa forte e fundadora que lhe reconhecemos, acompanhada de inúmeros pequenos grandes rituais e costumes pagãos que sempre nos deram motivos para rir e foliar. Claro que de permeio está o que comemos e bebemos.   TEXTO […]

O Natal é especial em Portugal e o que o distingue de todos os outros é a marcação religiosa forte e fundadora que lhe reconhecemos, acompanhada de inúmeros pequenos grandes rituais e costumes pagãos que sempre nos deram motivos para rir e foliar. Claro que de permeio está o que comemos e bebemos.

 

TEXTO Fernando Melo FOTOS Ricardo Palma Veiga

O calendário litúrgico nacional chegou a ter mais dias de guarda – jejum e abstinência – do que os dias livres de constrangimentos religiosos, raiando as duas centenas por ano. Não espanta por isso que a quadra natalícia exacerbasse o bacalhau salgado seco, na luxuosa configuração de demolhado e cozido, comido na consoada. Adaptado a cada bolsa, todos tinham acesso à sua posta, complementada por couves que as geadas curtiam como nenhum outro tratamento legumeiro, batatas e um ovo cozido. O polvo conservava-se outrora seco, como o bacalhau, e ainda hoje faz parte do tratamento vespertino do Natal. Digamos que estamos em património literalmente nacional.

O peru é relativamente recente na alimentação europeia, perde para o capão em suculência e sabor, mas há que considerá-lo, pela montagem de palácio que permite, e por não enjeitar nenhum dos recheios com que se lhe enche o papo. Matéria moldável, do ponto de vista culinário, que para mais ninguém se importa de comer fria. Vezeiro e primevo é o cabrito assado, um pouco por toda a parte. Alguém determinou que fosse o animal sacrificial por excelência. Adaptámo-nos depressa, e o bicho também nunca reclamou, é notícia nacional. O Alentejo e o Algarve gostam da carne de porco assada, pelo menos em termos históricos.

Os frutos secos e o fumeiro estão no pico do sabor e frescura, tudo se aprimora e dá ao aconchego das brasas e dos fornos, nos acondicionamentos mais diversos. São campeões os pinhões e as amêndoas, acompanham muito bem os frutos cristalizados, especialmente figos, ameixas e passas de uva. Os sonhos, rabanadas, filhós e seus semelhantes configuram tentação sistemática e a doçaria conventual, o trabalho dos ovos, pudins, quase derrotam o bolo-rei. Mas rei é rei e há assuntos que não têm discussão. Vale a pena fazer um pequeno périplo pelo país, todos os lugares são igualmente importantes, mas todos também têm as suas especificidades.

Sempre o bacalhau
Em Aveiro, respira-se a maresia como se de oxigénio vital se tratasse, e a pescaria ainda puxa a lágrima às suas gentes, independentemente da condição social, fortuna ou credo. Quando digo que as mãos de um português deviam cheirar sempre uma a peixe outra a marisco, é nesta mancha de mar, ria e salga que estou a pensar. Polvo, raia e bacalhau de antologia, na consoada são fundamentais, nas variantes mais requintadas verdadeiro luxo. Não esquecer que se transpira ovos moles – que pena as barriquinhas de madeira terem sido declaradas perigosas para a saúde! E claro que pontificam na mesa festiva da quadra.

Em Beja e Évora, a proximidade geográfica e familiar com Lisboa atesta e recomenda variações como bacalhaus, perú assado e fritos diversos, Aterra na mesa copiosa doçaria, rica em apontamentos conventuais e doce de ovos. Braga é rica e farta à mesa, está servida de receitas de bacalhau que se aprimoram a gosto, sai a doçaria frita da grande tradição e nem os mais novos se fazem rogados para deitar a mão às guloseimas.

Em Bragança, e de certa forma em toda a província transmontana, na consoada é obrigatório o bacalhau cozido com couve penca curtida pela geada, pico de sabor na altura do frio. O polvo cozido também tem licença para ficar. No dia seguinte, o almoço de Natal pode apresentar canja de galinha, seguindo-se uma carne assada, que pode ser peru, leitão, porco ou borrego. Um dia inteiro de convívio familiar com a mesa a ser renovada ao longo do dia, migas doces, bolinhos de jerimú e muitos frutos secos para ir debicando. A porta é franca e acontece muito a visita recíproca neste dia, o importante da festa já foi na noite de 24. Entre o Douro e Minho está frio, sabe bem o vinho quente a seguir ao jantar e antes de dormir, além de ajudar a digerir a poderosa couvada, com o melhor bacalhau. No próprio dia, a toada é de descanso em família, faz-se roupa velha de bacalhau e o prato central é o peru assado no forno com castanhas e batatas assadas. Cabrito sai mais a contento e também se pratica. E as gloriosas travessas de aletria fazem-nos entrar em órbita, custa a crer o simples que é de fazer face ao que bem sabe. Rabanadas em calda de açúcar, mexidos de leite e vinho e frutos secos completam o estágio delicioso.

A doçaria alentejana
Viseu, Castelo Branco, Coimbra e Guarda querem ver o bacalhau cozido com couve no meio da mesa na véspera, haja missa do galo ou não a família toca a reunir e com isso não se brinca. O almoço do dia seguinte é de quase desforra, há cabrito assado no forno de lenha, criando simpatia de sensações com a lareira da sala, doçaria diversa mas não pode faltar o arroz doce. Só nas Beiras se fazem as filhós do joelho, tendidas com as mãos ou no joelho, ganhando formas divertidas e diversas.

Pelo Ribatejo e Estremadura, coze-se bacalhau com grão e cenoura para servir na véspera, no próprio dia bate o cabrito à porta e é de o deixar entrar, que há broas castelar para ajudar a entrar na digestão. Do Alentejo já se falou acima, mas cabe aqui frisar o extenso e copioso capítulo doceiro, começando nos coscorões e terminando nas azevias de grão ou de batata-doce, de comer e chorar por mais. Em terras algarvias o galo assado canta na ceia de Natal das famílias, mas o bacalhau já o ultrapassou, de certa forma. E o peru conquistou terreno, mesmo face à incrível diversidade e orientação para o prazer dos pratos do barrocal, onde começou a juntar-se mar e terra à mesa. A Madeira permanece fiel a si própria e na consoada come-se espetada de carne em pau de loureiro. No próprio dia, valoriza-se uma boa carne de porco assada, temperada em vinha de alhos, com migas. Bolo de mel, bolo de noz e filhós abrilhantam a festa. Nos Açores é maior a proximidade em relação aos costumes do continente, entrando-se pelo bacalhau na consoada e saindo-se pelo perú no almoço do dia de Natal.

Um país que respira em uníssono mas reluz e brilha com cores muito próprias em cada região ou recanto. Natal é mesmo todos os dias.

“La Liste” mundial com 8 restaurantes portugueses

La Liste

Que ajuda usa para seleccionar um restaurante? TripAdvisor, Zomato? Os mais diversos guias (Michelin, Expresso, etc)? Livros? Revistas e jornais? E se alguém conseguisse coligir e avaliar a gigantesca quantidade de informação actualmente existente sobre o ‘valor’ de cada restaurante? Pois bem, foi isso mesmo que fez uma empresa francesa, cujo trabalho culminou no que […]

Que ajuda usa para seleccionar um restaurante? TripAdvisor, Zomato? Os mais diversos guias (Michelin, Expresso, etc)? Livros? Revistas e jornais?
E se alguém conseguisse coligir e avaliar a gigantesca quantidade de informação actualmente existente sobre o ‘valor’ de cada restaurante? Pois bem, foi isso mesmo que fez uma empresa francesa, cujo trabalho culminou no que se chama de “La Liste”. No fundo, é uma lista que leva em conta avaliações de cerca de 16.000 restaurantes de todo o mundo, hierarquizados pelo valor atribuído por um algoritmo que cruzou centenas de críticas gastronómicas (de publicações especializadas e críticos), assim como de milhões de críticas on-line, nos sites dedicados a estas matérias. As avaliações são ponderadas, com os críticos gastronómicos e chefes de cozinha a terem o maior peso. Não espere lá encontrar o seu restaurante diário, porque a lista está fundamentalmente virada para estabelecimentos de classe alta.
A lista dos melhores, actualizada anualmente, está já disponível on line mas o maior interesse da empresa – liderada pelo francês Philippe Faure – é lançar uma aplicação para dispositivos móveis, a ficar on line já no início de 2018 (versão Android). A aplicação – em várias línguas – irá ajudá-lo a escolher o restaurante conforme vários parâmetros, seleccionar a comida, fazer reservas e mais.
A pontuação está definida em percentagem, que, quanto maior for, mais valor dá ao restaurante. O mais pontuado neste momento é o Guy Savoy (Paris), com 99.75%. Dos 100 primeiros consta apenas um português, o The Ocean (em Porches, no Algarve), que conseguiu uns notáveis 97.50%. O resto da lista, com mais de mil nomes de todo o mundo, apenas lista restaurantes com 80 ou mais por cento. Além do The Ocean, Portugal tem mais sete restaurantes: Il Gallo D’Oro (Funchal, 95), The Yeatman (Vila Nova de Gaia, 94,50), Belcanto (Lisboa, 94), Vila Joya (Albufeira, Portugal 90,75), Fortaleza do Guincho (Cascais, 83,25), Henrique Leis (Almancil, 80,50) e Largo do Paço (Amarante, 80).
Pode obter mais informações no site https://www.laliste.com/laliste/world

Évora não é só Migas

A cidade alentejana está a fervilhar de turismo, mas não é fácil romper com a tradição. No último ano apareceram dois novos conceitos vencedores.   Restaurante: Origens Chef: Gonçalo Queiroz Cozinha: Contemporânea portuguesa Preço: 30-40€ Há muito tempo que isto não acontecia a James Codd. “Estou a comer há três horas. Foi uma das melhores […]

A cidade alentejana está a fervilhar de turismo, mas não é fácil romper com a tradição. No último ano apareceram dois novos conceitos vencedores.

 

Restaurante: Origens
Chef: Gonçalo Queiroz
Cozinha: Contemporânea portuguesa
Preço: 30-40€
Há muito tempo que isto não acontecia a James Codd. “Estou a comer há três horas. Foi uma das melhores refeições que fiz. E olhe que eu ando sempre a viajar pelo mundo”, atira o turista americano, já no final do almoço, enquanto a mulher vai confirmando tudo, assentindo com a cabeça. “Incrível, os produtos são excelentes, o chef é extraordinário.” Com residência em San Antonio, no Texas, o casal representa apenas mais dois fãs que Gonçalo Queiroz conquistou desde que abriu portas, já lá vão uns meses. “Lembro-me bem. Foi no dia do jogo Portugal-Islândia [para o Euro 2016 de futebol]. Julgava que não ia aparecer ninguém e estive cheio.”

A estreia foi conturbada mas tudo acabou em bem. O Origens, mesmo em cima da Praça do Giraldo, foi um sonho antigo, cuidadosamente preparado. O corpo começou a ganhar forma numa pasta virtual do computador do chef, formado na Escola Profissional da Região do Alentejo. “Há alguns anos criei uma pasta para onde ia gravando coisas que me seriam úteis se montasse um restaurante.”

Enquanto andava pelo país e pelo mundo, o chef estudava o negócio e fazia crescer o ficheiro informático com artigos sobre equipamentos de cozinha, legislação, receituário ou mesmo louça que poderia vir a usar no seu restaurante.

Em todas as cozinhas por onde passou aprendeu alguma coisa — e foram muitas. Apesar de jovem, Gonçalo andou pela Bica do Sapato, em Lisboa; pelo hotel M’ar de Ar, em Évora; depois pelo L’And and Vineyards, de Miguel Laffan, em Montemor- o-Novo; até ir abrir o Ecorkhotel, em Évora, já como chef.

O percurso em Portugal foi então interrompido para uma estadia de dois anos no Dubai. “Estive no Picante, o único restaurante português do Médio Oriente. Era chef e aprendi muito sobre a parte das contas, que me seria muito útil no futuro.” O regresso a Évora aconteceu há três anos. O espaço apareceu e foi só tratar de juntar tudo.

Na mesa, aparecem vários produtos da região mas ninguém vai lá por causa das migas. “Temos pratos tradicionais com uma apresentação contemporânea”, sintetiza Gonçalo. Exemplos: braz de farinheira; um bacalhau assado que traz também duas peças do gadídeo fritas; polvo assado com migas de batata, espinafres e molho de tomate; as bochechas de porco com puré de feijão catarino e coentros; ou as sardinhas assadas com escabeche e salada de pepino e cenoura.

Na garrafeira, só há vinhos do Alentejo, com aposta nos biológicos e algumas coisas mais originais e “polémicas” (palavra do chef), como um brett alentejano.

Restaurante: Degust’Ar Bistrô
Chef: António Nobre
Cozinha: Petiscos neo-alentejanos
Preço: 25-35€
O espaço não é novo, o chef também não. O Degust’Ar é um restaurante sólido de um hotel sólido (M’Ar de Ar) com um chef sólido. A novidade está no Bistrô, uma nova ala do restaurante com carta de petiscos para partilhar. E que petiscos.

Ao contrário do que se pensa, já vai sendo difícil encontrar certas comidas simples como deve de ser, mesmo no Alentejo. Aquela ideia de que entramos em qualquer tasco e é um fartote de coisas boas é uma treta com anos.

Daí que um almoço recente neste Degust’Ar Bistrô, com António Nobre na cozinha, tenha sido um momento raro. Pela mesa desfilaram só tesourinhos do antigamente, bem empratados e temperados.

A mão de chef só se notou quando isso fez sentido. Aconteceu, por exemplo, com os ovos mexidos com espargos, estes cozinhados a vapor antes de misturados, crocantes, saborosíssimos. Ou nos camarões ao alhinho, os bichos grandes, aros de malagueta imersos num molho puxado de alho, intenso.

Melhor também não podia estar o queijo de Évora assado, com orégãos e azeite, nem os ovos de codorniz com paio. Mais vanguardistas as molejas de borrego, a gordura cortada com tiras de casca de laranja e alecrim.

De resto, os pezinhos de coentrada eram pezinhos de coentrada sem modernices, simplesmente perfeitos: vinagre bem medido, o pão frito bem seco, o molho com gelatina e coentros no ponto. O mesmo da salada de orelha de porco, a carne cortada em cubinhos pequenos e sólidos e o típico azeite com coentros e alho. E das tiras de porco de raça alentejana, igualmente polvilhadas de coentros.

António Nobre anda noutros voos e tem outras ambições. O seu restaurante bandeira continua a ser o Degust’Ar, mesmo ao lado, onde há menus de degustação que competem com as mesas mais sofisticadas de Lisboa. Mas neste Bistrô consegue-se comer muito bem e sem fazer tanto prejuízo nas finanças.

Os vinhos são sobretudo alentejanos, como seria de esperar, bem seleccionados e sempre com a temperatura medida à frente do cliente. Bistrô não é bandalheira.