Vinhão vs. Sousão: A dupla face de uma uva

Vinhão no Minho e Sousão no Douro e no resto do país – dois nomes da mesma casta, duas realidades unidas geneticamente e separadas estilisticamente, duas faces da mesma moeda, cara e coroa, yin e yang. Uma casta intensa, com tudo no máximo – cor, acidez, tanino, onde as possíveis fraquezas são consequências das suas virtudes. […]
Vinhão no Minho e Sousão no Douro e no resto do país – dois nomes da mesma casta, duas realidades unidas geneticamente e separadas estilisticamente, duas faces da mesma moeda, cara e coroa, yin e yang. Uma casta intensa, com tudo no máximo – cor, acidez, tanino, onde as possíveis fraquezas são consequências das suas virtudes.
Texto: Valéria Zeferino
Como no caso de Syrah e Shiraz, é mais do que uma sinonimia regional, trata-se de diferenças no perfil de vinhos produzidos. O Vinhão representa um vinho popular, por vezes rústico, franco e imediato na fruta e no modo de consumo e o Sousão refere-se ao vinho de nicho, menos divulgado e mais selectivo, onde a forte personalidade da casta fica moldada pela abordagem enológica.
Entretanto, está-se a assistir a uma mudança de paradigma: há Vinhões que ultrapassam a estigma do “vinho do ano” e Sousões a fingir que são Vinhões, como é o caso do Sousão Divina Lampreia da Quinta do Vallado ou de Maçanita Vinhos, onde esta questão se coloca mesmo no rótulo: é Sousão ou será Vinhão?
Na viragem do século, Vinhão/Sousão era a quarta casta tinta mais plantada em Portugal, representando 3% da plantação nacional. Hoje é a 10ª casta mais plantada, com 3772 ha a nível nacional, sendo a região do Minho responsável pela maioria das plantações. Com alguma expressão e peso no Douro, encontra-se também nas regiões de Trás-os-Montes, Alentejo e até no Algarve, mas é claramente minoritária, sendo mais uma curiosidade do que tendência.
Na terra de “nuestros hermanos” chama-se Sousón e está bastante presente na região de Galícia: DO Monterrei, Valdeorras, Rias Baixas, sobretudo nas sub-regiões Condado do Tea e O Rosal “coladas” ao rio Minho do outro lado da fronteira.
Planta-se também algum Vinhão/Sousão na África do Sul, Austrália e Califórnia, mas nos dados estatísticos aparece na categoria “outras castas” e normalmente é usada para produção dos vinhos licorosos.
Vinhão ou Sousão?
É uma casta originária do Minho, mais precisamente da ribeira do Lima. Viajou para o Douro no século XVII, por volta de 1790. Nesta altura, uma das principais castas do Douro era Bastardo, muito precoce, de teor alcoólico alto, mas com intensidade de cor baixíssima, por isto o Vinhão, assumindo o nome de Sousão, veio para conferir a sua cor intensa aos vinhos do Porto como alternativa às bagas de sabugueiro.
Mas existia no Minho outra casta, também antiga, com o nome Sousão. Aparecia mencionada nos estatutos da DO Vinho Verde até há relativamente pouco tempo. Esta casta não tinha nada a ver com Vinhão, nem com Sousão no Douro, mas o nome idêntico era suficiente para criar confusão. A questão resolveu-se com alteração do nome Sousão para Sezão em 2012 na lista de castas aptas à produção de Vinhos em Portugal, passando o Sousão do Douro a sinónimo oficial do Vinhão no Minho. Existem 7 clones homologados da casta e as características variam bastante em termos de rendimento, acidez e teor alcoólico.
É ou não é tintureira?
Ao contrário de maioria das castas com antocianinas concentradas na película, numa casta tintureira estas substâncias estão também presentes na polpa, ficando esta corada. As verdadeiras tintureiras são Alicante Bouschet, Petit Bouschet, Grand Noir ou Saperavi, entre mais algumas. Todas possuem a polpa corada. O nosso Vinhão ou Sousão, não tem esta característica, pelo menos de uma forma homogénea.
O Visconde de Villa Maior, na sua obra “O Douro Ilustrado”, afirma que a matéria corante do Sousão reside, como em todas as castas, na película. Embora Cincinnato da Costa, no seu “Portugal Vinícola”, mencione que Vinhão “é a casta mais retinta que conheço” e aponte outros nomes, bem sugestivos em relação à cor, como Negrão, Tinta ou Espadeiro da Tinta, ao mesmo tempo refere que “nem todos os bagos do mesmo cacho apresentam a polpa corada”.
Tiago Alves de Sousa, que representa a nova geração da empresa familiar duriensa Alves de Sousa, confirma que existe muita heterogenidade em termos de cor nos bagos de Sousão: alguns são levemente corados, outros completamente pigmentados. O produtor e enólogo Anselmo Mendes explica que aos 12-13% de álcool potencial, o Vinhão não tem cor na polpa. Existe uma grande concentração de antocianinas na película que migram para a polpa na última fase de maturação.
O mais importante de tudo é que a cor nesta casta é altamente extraível, por isto, tintureira ou não, tinge tudo e alegra aqueles que apreciam a sua cor retinta característica.

Vinhão no Minho
De entre outras castas do Minho, Vinhão é a mais conhecida e mais divulgada. Tem maior expressão nas sub-regiões de Lima, Basto, Ave. E Amarante é afamada pelos seus vinhos tintos com predominância de Vinhão, sobretudo da zona de Gatão. Não é por acaso que o primeiro “Gatão” da Borges, lançado em 1935, era tinto.
Em 1999, Vinhão ocupava 7 928 ha, em 2017 apenas metade – 3 447 ha, mas é uma das castas mais utilizadas no âmbito de restruturação da vinha (518 ha), sendo a única casta tinta a ser replantada com esta dimensão.
É curioso, que a casta Vinhão, quase ignorada no resto do país, na região dos Vinhos Verdes faz parte da vivência e hábitos gastronómicos. Nas tascas e restaurantes locais é indispensável na época da lampreia. Antigamente, o vinho de lavrador guardava-se em pipas, hoje muitos proprietários têm cubas de 100 a 500 litros para servir vinho tinto a copo e também vendê-lo a granel aos habitantes fiéis ao sabor da tradição. A partir de Novembro começa-se a procurar os melhores vinhos pelas tascas da região. E não são baratos! Compra-se a 5 euros um litro de um bom Vinhão, enquanto o vinho branco nestas condições custa um pouco mais de 1 euro por litro. Os antigos diziam que um tinto é bom quando suja as paredes das canecas ou malgas em que é bebido. Hoje em dia, a cor é ainda uma qualidade essencial, enquanto a presença de gás carbónico já é menos importante, conta o produtor da marca Sapateiro, Tiago Soares.
É entusiasmante ver alguns pequenos produtores com vontade e ambição de mudar o paradigma e mostrar ao mundo que o Vinhão é muito mais do que um vinho de garrafão, que a casta, desde que acarinhada e vinificada para potenciar as suas qualidades, é capaz de originar vinhos com personalidade e certo nível de elegância. Este potencial da casta nunca antes foi explorado na sua região de origem.
Tiago Soares fez o seu Sapateiro Vinhão perseguindo o propósito de mostrar que a casta pode dar um vinho sério, pleno e de guarda. Na qualidade de sal e pimenta adicionou 2,5% de Azal Tinto (Amaral) e 2,5% de Touriga Nacional. O estágio decorreu durante 24 meses em barrica nova de carvalho francês. O vinho foi engarrafado sem adição de CO2 e ainda estagiou 10 meses em garrafa antes de ser lançado para o mercado.
Outro pequeno produtor com um belo Vinhão de nova geração é António Sampaio da AJTS que abraçou o projecto familiar com um estilo incrível. O Vinhão, neste caso, provém de uma vinha plantada pelo seu pai em 2002. Não é uma casta muito vigorosa e no solo granítico muito pobre produz apenas 2-3 tn/ha, não necessitando de monda. As uvas são pisadas a pé em lagar, segue um estágio de 16 meses em barricas de carvalho francês e mais 9 meses em garrafa.
O Vinhão tem, de facto, a capacidade e estrutura para integrar a barrica, mantendo a sua fruta primária viva e adquirindo complexidade. Uma certa rusticidade contribui para lhe apurar o carácter.
O enólogo e produtor Anselmo Mendes tem uma abordagem completamente diferente. A uva provém de 2 ha de uma vinha velha em Ponte da Barca, que na sua opinião é a melhor zona para Vinhão. Considerando a casta muito rústica e um pouco desiquilibrada, produz “uma versão mais civilizada”, sem grande extração. Resulta num Vinhão mais ligeiro e aberto, mas que mostra o seu cartão de visita: acidez e estrutura significativa para aguentar algum tempo em garrafa.

Sousão no Douro
A casta Sousão no Douro ocupa 325 ha e maioritariamente é uma componente de lote, quer para vinhos de mesa quer para vinhos do Porto, sobretudo Vintage.
No Douro dá-se melhor nas zonas mais frescas do Baixo Corgo e em algumas partes do Cima Corgo. Já o Douro Superior é demasiado seco e quente para Sousão, pois a casta, embora preserve bem a sua acidez natural, em condições quentes, sobretudo com falta de água, tende a desidratar e passificar rapidamente e perde um pouco a sua famosa cor retinta de rubi violáceo. Como diz o enólogo e produtor António Maçanita, “o Sousão é tramado, um pouco como a Trincadeira: ou está verde ou está em passa”.
Na Quinta do Vallado fazem um monovarietal de Sousão desde 2004. Francisco Ferreira, um dos proprietários da quinta e responsável pela produção, gosta da casta pelo seu carácter vincado e consistência em termos de qualidade. Uma vinha de 5 ha de Sousão já com 25 anos fica mesmo por cima da adega, virada a poente. Francisco Ferreira conta que não precisa de fazer monda de cachos, pois a produção naturalmente não passa dos 3 500 kg/ha. Se fosse virada a Sul, não produzia nada. É normalmente vindimada na terceira semana de Setembro.
O vinho fermenta em lagar: depois do corte de 3-4 horas, durante a fermentação só molham a manta 1-2 vezes por dia. Tiram do lagar antes de acabar a fermentação. Faz maloláctica e estagia em barricas, 40% novas e 60% de 2º ano. São vinhos bastante duros no início, precisam de tempo em garrafa. Por isto agora, extraem menos, retiram mais cedo do lagar, usam menor percentagem de barrica nova e com menos tosta. O vinho fica bebível mais cedo sem perder o potencial de guarda. A partir de 2017 fazem no Vallado um Sousão na versão “Vinhão”. É feito de uvas de uma vinha mais nova, também em lagar, mas sem madeira, e lançado em Dezembro do ano de vindima, para a época de lampreia.
Para Tiago Alves de Sousa, Sousão é uma “casta extraordinária com alguns caprichos”. O interesse surgiu no âmbito do estudo das vinhas velhas do Abandonado. Fizeram o primeiro Sousão monocasta em 2009. Aprecia a sua frescura aromática com lado mais herbal, estrutura, e espinha dorsal de acidez e tanino robusto. Mas se não tiver maturação suficiente, tudo acaba por estar em demasia, angular, e o lado herbal passa a vegetal. Por outro lado, a exposição é importante. No Vale da Raposa (Baixo Corgo) com altitude 300-350 metros a vinha pode ser virada a poente, enquanto no Pinhão, na cota mais baixa tem tendência para emurchecer, por isso, lá a vinha é virada à nascente. Estagia 18 meses, 50% barricas novas e 50% de 2º ano. Uma parte é carvalho nacional que, pela experiência de Tiago Alves de Sousa, funciona bem com o perfil da casta, pois “se a madeira for muito subtil, o vinho come-a”.
O Sousão dos irmãos Maçanita é o mais provocativo de todos no Douro, não só pela sua graduação baixa (12,5%), como pelo estilo. António Maçanita explica que não foi propositadamente, é mais uma constatação do que a casta proporcionou. E não foi vindimado mais cedo, a Joana indica que uvas foram colhidas em Setembro depois da Touriga Nacional de letra A. Provavelmente, tem a ver com clone específico. A vinha fica no Cima Corgo, entre Pinhão e Ferrão, numa zona com vegetação e bastante água, não permitindo grande desidratação. Fica a macerar num lagarete até arrancar a fermentação (sem inoculação). O vinho dá aromas de tinta-da-china, faz lembrar Vinhão. É bruto, é rijo, é ácido – por isso procuraram o conforto na barrica nova para aconchegá-lo um pouco, onde ficou 11 meses.
Pelas suas caractarísticas intrínsecas, Vinhão/Sousão dificilmente chegará ao estrelato de uma Touriga Nacional. Continuará como um vinho de nicho, a despertar o interesse dos enófilos, sobretudo nos mercados mais maduros, onde se procura diferença de estilos e se aprecia o carácter de castas autóctones.
Nesta prova foi especialmente interessante constatar a mudança de paradigma nas mãos de produtores irriquetos, capazes de agarrar numa casta rústica e teimosa e mostrar o seu brilho interior. Imaginem Tarzan musculado, rijo e bruto a ser educado e vestido por um alfaiate de alta costura. É o que se pode fazer com Vinhão/Sousão.
(Artigo publicado na edição de Junho 2021)[/vc_column_text][vc_column_text]
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Touriga Nacional: Orgulho Nacional

Da “casta mais plantada nos contrarrótulos” de meados dos anos 90, a Touriga Nacional tornou-se a mais emblemática casta portuguesa. A área de vinha de Touriga Nacional não pára de aumentar, fazendo a poesia de contrarrótulo já não um exagero de marketing, mas sim uma verdade dita antes de o ser, uma profecia auto-realizável. Num […]
Da “casta mais plantada nos contrarrótulos” de meados dos anos 90, a Touriga Nacional tornou-se a mais emblemática casta portuguesa. A área de vinha de Touriga Nacional não pára de aumentar, fazendo a poesia de contrarrótulo já não um exagero de marketing, mas sim uma verdade dita antes de o ser, uma profecia auto-realizável. Num país tão orgulhoso das suas castas, a Touriga Nacional é a superstar, o Cristiano Ronaldo de uma selecção campeã.
Texto: Luís Antunes
Fotos: Ricardo Palma Veiga
Num país milenar de vinho, escrever a história da Touriga Nacional é escrever a história da revolução tranquila que os vinhos portugueses atravessaram nos últimos 30 anos. Relembremos a história, em jeito de um livro (adaptação em prosa de “Os Lusíadas”) que na minha infância estava em todas as bibliotecas de escola primária: “A Touriga Nacional contada às crianças e lembrada ao povo.”
Vamos lá então. Apesar de elogiada desde tempos antigos, mesmo antes da praga da filoxera (a partir de c.1860), como capaz de produzir grandes vinhos, a Touriga Nacional era até há pouco tempo uma casta com pouquíssima expressão em todo o Portugal. Quando no final dos anos 80 o vinho de mesa português começou a revolução que hoje nos orgulha a todos, poucos falavam de castas, quanto mais de Touriga Nacional. Claro que no mundo do vinho tudo é lento, e para que apareçam vinhas a dar vinhos estremes de Touriga Nacional, com qualidade de topo, as plantações têm de ter ocorrido anos antes, por vezes décadas antes. Para que vejamos como no mundo do vinho tudo é lento e ainda misterioso basta revermos a recente entrevista televisiva do experiente jornalista e apreciador de vinhos Miguel Sousa Tavares ao experiente crítico e produtor de vinhos Pedro Garcias: quando Miguel lhe perguntou o que é afinal uma casta, Pedro pouco mais fez do que gaguejar. Uma casta?!… Ora, na verdade não é fácil sem ir ao Lineu. Mas com um exemplo é evidente para todos: maçã Reineta, maçã Golden Delicious, maçã Royal Gala, tudo castas, variedades, cultivares (de “cultivated varieties”). Ok? Bora lá, então. Siga.
Voltemos ao ano de 1995. Nesta colheita apareciam os primeiros vinhos comercializados de Touriga Nacional, e os apreciadores prestavam atenção. Álvaro de Castro, um dos pioneiros do Novo Dão, contou-me que andou nas vinhas velhas a colher o Tourigo (nome local da casta, como há muitos outros noutros locais, Preto Mortágua na Bairrada, Tourigão no Douro) escolhendo-a de cepa em cepa. O Dão será a região de origem desta casta, sabe-se hoje pela maior variabilidade genética, e também o sítio onde ela se terá adaptado melhor ao terroir. O sucesso destes vinhos levou a uma aposta cada vez maior dos produtores na Touriga Nacional. De repente, todos os vinhos continham Touriga Nacional, foi a fase do contrarrótulo. Dizia-se na altura que haveria menos de 1% de área de vinha com Touriga. Mas os números do IVV de 2018 já mostram mais de 13 mil hectares, um total de 7% das plantações de vinha, o que é um aumento extraordinário em apenas 20 anos. Note-se que apenas há 5 anos, o mesmo relatório assinalava 8 mil hectares, 3.7% da área total.
Para esta aposta, muito contribuiu a selecção de clones. Os clones antigos eram muito dados a doenças, que contribuíam para uma baixíssima produção. Com a selecção clonal, os níveis de produção, subiram, mas para Álvaro de Castro, os clones antigos ainda são os que dão os melhores vinhos. Com esta ideia concorda Manuel Lobo Vasconcelos, enólogo da Quinta do Crasto no Douro, bem como de outros projectos da sua família no Tejo e Alentejo. Apesar de na zona da Quinta do Crasto se poderem encontrar algumas das primeiras vinhas monovarietais de Touriga Nacional, plantadas nos anos 1960, Manuel não usa essas uvas para o extraordinário varietal de Touriga que faz no Crasto, prefere de longe as uvas dos chamados PEDRITMs, vinhas plantadas em 1985-86 por Nuno Magalhães, com selecção massal, o que preserva mais material genético antigo. O Quinta do Crasto Touriga Nacional sai assim destas duas parcelas de cerca de 5ha, que produzem apenas 8 a 9 mil garrafas por ano, e nem todos os anos alcança a qualidade que o produtor exige.
A Touriga é uma casta que sabe ser amiga na vinha e recompensadora na adega. Mas também sabe ser caprichosa. Álvaro e Manuel numa coisa concordam: tudo tem de ser bem feito. Na vinha, a variedade tem de estar plantada no sítio certo, já que a Touriga sofre com exposições muito agressivas. Estas duas parcelas do Crasto estão viradas uma a Nascente e outra a Norte, o que evita exposições excessivas. Quando exposta a Sul, em anos quentes as videiras sofrem muito, as folhas basais desaparecem e o vinho fica rústico, estruturado, mas sem elegância.
Uma peça-chave é a marcação da data de vindima, para assegurar equilíbrio entre a acidez e o pH. Nos anos em que se consegue o equilíbrio perfeito, os vinhos têm fruta preta, muito bem definida e focada, e um lado de grande frescura. Também no Crasto o primeiro TN foi de 1995, mas houve poucas garrafas, depois 1999, 2001, 2004, e desde então com mais regularidade. Este equilíbrio entre acidez total e pH fazem com que o vinho envelheça lindamente em garrafa, assegura Manuel Lobo. Com sobre-extracção, o vinho morre. Manuel faz uma primeira pisa em lagar, e depois finaliza o vinho em cuba de inox refrigerada, com um controle rigoroso da cinética fermentativa, em particular cuidando da nutrição das leveduras. Quando o vinho reduz não se consegue recuperar os aromas elegantes. Fundamental também é selecionar as melhores barricas, tem de se encontrar a barrica que não vai matar o vinho. Na Touriga por vezes falta um pouco de meio de boca, e a barrica ajuda a construir a sensação de continuidade na boca, de modo a o vinho não secar no final. Em resumo, para Manuel Lobo, os principais pontos são a viticultura, a barrica, e não dormir na vindima, já que tudo tem de ser perfeito, uma remontagem a mais pode estragar o vinho.
Nos anos de construção da febre da Touriga Nacional, chegou a haver entre os apreciadores alguma quase rejeição da casta, já que alguns vinhos mostravam uma exuberância aromática tão impressionante que se poderia tornar cansativa. Essa exuberância resultava de vários factores, fossem as vinhas novas a dificultar a maturação perfeita e a gerar uma ênfase no lado cítrico (bergamorta), fosse a própria juventude dos vinhos, já que com algum estágio em garrafa eles se acalmavam e ofereciam um lado mais sério. Mas se uns provadores rejeitavam esse lado festivo da casta, outros agradeciam-no, já que ele dava aos vinhos um apelo imediato e um reconhecimento de um carácter varietal que não era normal nos vinhos portugueses, tradicionalmente feitos com lotes de várias castas. Aliás, no Douro, e ainda segundo Manuel Lobo, a Touriga Nacional sempre será uma grande casta de lote, em particular na mágica parceria com a Touriga Franca (que agora já se pode chamar, de novo, Francesa), que tem acidez baixa e pH alto. A Nacional aporta sempre aquela frescura tão necessária para dar equilíbrio aos vinhos.
Frescura não é o problema dos vinhos do Dão, apesar de por vezes se verem alguns graus alcoólicos tão elevados que dão razão a Álvaro de Castro quando diz que durante uns anos o Dão andou a tentar fazer Douro, enquanto o Douro tentava fazer Dão. Se durante anos o peso da região de origem era marcante em relação ao peso da casta dos vinhos, pouco a pouco isso esbateu-se. Álvaro faz o seu Carrocel com Touriga Nacional de várias parcelas, mas prefere sempre os vinhos de lote, embora obviamente no Dão a Touriga tenha sempre um grande peso no lote, mas isso começa logo na vinha. Para Álvaro, se é verdade que a Touriga está agora na sua fase madura, ela é apenas “mais uma” casta, Portugal é um país de lotes. É verdade que de algumas castas se pode fazer vinho estreme, e a Touriga é uma delas. Mas os lotes que começam na vinha, com muitas castas, funcionaram bem em muitos sítios. A Touriga, com as dificuldades que traz na vinha e na adega, exige que tudo seja bem feito. Álvaro diz que nunca viu uma videira de Touriga com excesso de produção, principalmente as de clones antigos. Até em cima de fontes de água nunca produzem demais. Nos clones antigos, pelo contrário, a dificuldade é a irregularidade na produção, na floração pode perder-se toda a produção. Nos primeiros vinhos que produziu, Álvaro teve bastantes problemas com a dekkera, o famoso brett. A Touriga Nacional é naturalmente rica em ácidos que favorecem o desenvolvimento da dekkera, ou brettanomyces, bactérias que dão ao vinho um aroma desagradável, por vezes chamado suor de cavalo. Depois de anos de experiência e com o aumento do conhecimento científico, esse problema está agora bastante controlado. Uma solução mais fácil é a filtração apertada do vinho, mas para evitar rapar o vinho, Álvaro defende que é preferível usar sucessivas e cuidadosas passagens a limpo (trasfegas), já que é junto das borras que as bactérias estão mais presentes. Em geral, Álvaro prefere fazer a Touriga Nacional em lagares, ou cubas abertas, e de modo geral com pouca tecnologia. Em cubas mais sofisticadas o vinho resulta mais intenso, mais redutor, e caminha tudo no sentido da extracção.
Nesta prova de mais de 40 vinhos, apareceu ocasionalmente um tracito de brett, mas nada que me chocasse. Como em tudo, há provadores mais sensíveis a uns defeitos do que a outros, e grosso modo, achei os vinhos bastante limpos. Também fiquei agradavelmente surpreendido por vários outros factores. Não encontrei, nem em vinhos muito jovens, exuberâncias excessivas, vinhos com explosão aromática que quase pareciam cocktails de frutas. Nada disso, sempre vinhos sérios, e em todas as faixas da ampla gama de preços convocada neste prova. Encontrei ainda bastante contenção do lado alcoólico, prova de que pouco a pouco os excessos de todo o tipo estão a recuar, e os vinhos apresentam-se hoje como bons companheiros à mesa, não como cúmplices da GNR no caça-multas. Houve vinhos muito jovens e outros já com alguma idade, e em todos, com excepções raras, encontrei muita saúde e equilíbrio, provando que os méritos propalados da casta não eram só fogo de palha, e os vinhos realmente mostram as qualidades que há décadas vêm fazendo de advogados da casta, e da casta como uma das estrelas para vinhos mono-varietais. Vinhos fragrantes, joviais, muito frescos, com cores bonitas e boa fruta, na boca estruturados, com corpo, acidez e taninos em sintonia, muito vinosos, muito gastronómicos, sempre a pedir um prato consistente da nossa cozinha tradicional. Se quase todos os vinhos iriam crescer com mais tempo em garrafa, mesmo nas excepções que não seriam de abrir já, a vontade de o provar e um prato adequado podem fazer a harmonização já hoje, e com grande prazer. É verdade que são tradicionalmente raros os vinhos tintos estremes, com evidente excepção da super-localizada Baga na Bairrada. Mas com a Touriga Nacional, vemos uma casta de grande universalidade, capaz de produzir grandes vinhos em todos os sítios onde ela é plantada, evidência mais forte agora que o binómio viticultura-enologia recebeu o seu alimento preferido: tempo. Com vinhas adultas e mais experiência, os resultados estão à vista. Touriga, és o Orgulho Nacional.
(Artigo publicado na edição de Junho 2021)[/vc_column_text][vc_column_text]
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Tintos de luxo do Alentejo – Por menos de €30

Clássicos ou modernos, com castas portuguesas ou internacionais, os vinhos do Alentejo surpreendem pela qualidade em estilos muito distintos. Demonstram uma diversidade de abordagens enológicas e talento de quem os faz, independentemente de serem produzidos por uma casa familiar, uma grande empresa ou uma adega cooperativa. E dão-nos a possibilidade de aceder a tudo isto […]
Clássicos ou modernos, com castas portuguesas ou internacionais, os vinhos do Alentejo surpreendem pela qualidade em estilos muito distintos. Demonstram uma diversidade de abordagens enológicas e talento de quem os faz, independentemente de serem produzidos por uma casa familiar, uma grande empresa ou uma adega cooperativa. E dão-nos a possibilidade de aceder a tudo isto por um preço sensato.
Texto: Valéria Zeferino
Fotos: Ricardo Palma Veiga
A região do Alentejo não só contribui com 18% da produção nacional de vinhos (3º lugar a seguir ao Douro e Lisboa) mas também representa a maior quota do mercado, quase 40% em valor e 35% em volume. É por si só uma grande marca.
O Alentejo tem um papel importante na projecção da imagem de qualidade e classe dos vinhos portugueses no palco internacional. Embora não tenha beneficiado da histórica protecção regulamentar do Douro e tenha atravessado várias crises, encontrou o seu caminho para a excelência.
A fama nem sempre traz só coisas boas. Segundo o produtor e enólogo João Portugal Ramos, quando uma região se torna famosa, é sempre um objecto de cobiça, atrai novos investimentos. Por um lado é bom, mas existem dois tipos de operadores. Uns vêm para prestigiar a região, outros procuram apenas fazer negócio, criando volume sem valor.

Zonas diferentes – qualidade transversal
A região do Alentejo caracteriza-se por 4 zonas distintas – Alto Alentejo mais a norte, Alentejo Central, Baixo Alentejo a sul e Alentejo litoral. Dadas às condições edafoclimáticas e históricas, é dividida em 8 sub-regiões.
Mais a norte, no Alto Alentejo, fica Portalegre situado no sopé da Serra de São Mamede. É bem diferente do resto da região devido a maior altitude – até 700 metros – que se traduz em precipitação abundante (cerca de 800 mm/ano) e maior continentalidade que promove grandes amplitudes térmicas diurnas e anuais. Os solos são maioritariamente de origem granítica com algum xisto. Teve grande impulso e investimento nos últimos 10 anos graças às suas características únicas.
No Alentejo central a serra da Ossa separa duas sub-regiões com tradição vitivinícola bem antiga. A norte fica Borba com maior precipitação e a sul está Redondo, protegida pela serra dos ventos nortenhos. As suas encostas e planícies onduladas são expostas a sul, proporcionando condições climáticas mais quentes e secas.
Junto à cidade de Évora localiza-se a sub-região com o mesmo nome. As vinhas estendem-se em zonas planas, com grande nível de insolação e cerca de 600 mm de precipitação anual.
A este, e até ao rio Guadiana, estende-se Reguengos, também com fortes tradições vitivinícolas. Na margem esquerda do Guadiana fica Granja-Amareleja, na zona com mais horas de sol de Portugal, com Verões muito quentes e dos mais secos de todo o Alentejo. A precipitação anual baixa aos 500 mm, sendo bastante desafiante, sobretudo em condições de aquecimento global.
Mais a sul, já no Baixo Alentejo, encontra-se a sub-região de Moura, a que tem menor área de vinha e também a Vidigueira, desde há muito famosa pela casta Antão Vaz e pela excelência dos seus vinhos brancos. Por muito distintas que sejam, de norte a sul, do litoral ao interior, em praticamente todas as zonas do Alentejo há produtores de topo e marcas conhecidas e respeitadas.
As grandes marcas
Alentejo é uma região de fama relativamente recente, mas tem os seus vinhos de culto e ícones históricos, cujo reconhecimento no mercado enalteceu a imagem da região, e também as estrelas em ascenção que projectam o seu futuro.
A Herdade das Servas, por exemplo, tem uma história ligada à produção de vinho, que abrange mais de três séculos, comercializando os seus vinhos em garrafa a partir de 1940. Na mesma época, já eram famosos os vinhos de talha da casa José de Sousa Rosado Fernandes, adquirida em 1986 pela histórica José Maria da Fonseca.
A história da Mouchão no Alentejo começou nos finais do século XIX com a plantação das primeiras cepas de Alicante Bouschet trazida de França. A construção da adega, iniciada em 1901 assinalou o novo século. Em 1954 foi lançado o primeiro vinho com a marca Mouchão que se tornou um dos ícones da região.
A Tapada do Chaves pode gabar-se de uma história secular, tendo plantado as suas primeiras vinhas em 1901 (castas tintas) e 1903 (castas brancas), e são das parcelas mais velhas no Alentejo, na sub-região de Portalegre. Há três anos foi adquirida pela outra empresa de grande renome na região – Fundação Eugénio de Almeida. Fundada em 1963, é associada a três grandes marcas portuguesas: Cartuxa, criada ainda na década dos 80, Pêra Manca lançada em 1990, ambos num estilo bem clássico, com castas tradicionais alentejanas. O Scala Coeli surgiu em 2005 para expressar um estilo mais moderno.
Quando sararam as cicatrizes da revolução, na altura dos anos 80-90 aparecem mais marcas emblemáticas.
Em 1985, realiza-se a primeira colheita sob a marca Esporão e desde aquela altura a empresa associa arte ao vinho, convidando artistas portugueses para criar os rótulos dos Esporão Reserva e Private Selection – uma decisão de marketing inovadora na altura. Este ano, a marca Esporão foi reconhecida pela revista Drinks International como uma das 50 marcas de vinho mais admiradas do mundo, ficando em 13º lugar no ranking.
Júlio Bastos, proveniente de uma antiga família produtora de vinhos, assinala esta época com os seus famosos Garrafeiras da Quinta do Carmo (de 1985, 1986 e 1987). A marca hoje pertence à Bacalhôa, mas a partir de 2000 o produtor avança com um novo projecto – Dona Maria
João Portugal Ramos é uma figura incontornável no Alentejo, conhece a região como ninguém. Começou o seu percurso enólogico em 1980. Quando se deu o boom dos vinhos do Alentejo a partir de 1985, prestou consultadoria a várias casas conhecidas da região, e na década dos 90 arrancou com o seu próprio projecto em Estremoz.
Em 1986, Joaquim e Leonilde Silveira plantaram a sua primeira vinha na Tapada de Coelheiros, na zona de Arraiolos. O primeiro vinho chegou ao mercado em 1994 com o rótulo inspirado num tapete de Arraiolos com cenas de caça.
Em 1988 um casal americano-dinamarquês, Hans e Carrie Jorgensen, iniciaram a sua aventura de Cortes de Cima no Alentejo perto da Vidigueira. A Sogrape entra no Alentejo em 1991 e em 1996 adquire a Herdade do Peso para reforçar a sua posição na região promissora. Em 1994 o irreverente Miguel Louro estreou-se com vinhos de carácter desruptivo.
Na viragem do século, surgem os “millennials” da região a fazer uma nova história.
Catarina Vieira, realizando o sonho do seu pai, começou a plantar vinhas no Baixo Alentejo, entre a Vidigueira e Cuba, em 2001, e em 2007 o mercado conheceu a primeira marca da Herdade de Rocim – Olho de Mocho. É uma das casas mais dinâmicas e empreendedoras da reigão.
Em 2004 António Maçanita arranca com a Fita Preta, abraçando projectos desafiantes, criando vinhos com carácter vincado e marcas irreverentes que geram polémica e criam empatia. Em 2005 entra no palco a Herdade da Malhadinha, com os rótulos desenhados pelas crianças da família, e foi construída a adega da Herdade dos Grous, também no Baixo Alentejo.
Do outro lado da região, no Alto Alentejo, no mesmo ano arranca o projecto de Altas Quintas baseado nas vinhas de altitude. Há três anos a família Symington adquiriu esta propriedade com 43 hectares de vinha instalada entre os 490 e os 550 metros nos solos xistosos e graníticos e criou a marca Fonte Souto. Pedro Correia, o enólogo dos “não fortiticados” da Symington, afirma que “aquela zona pouco ou nada tem a ver com o Douro”. Em Portalegre acabaram a vindima apenas em meados de Outubro, quando no Douro já tinham acabado há tempo. Julho, Agosto e Setembro no Douro marcam pelas temperaturas extremamente elevadas e em Portalegre não aquece tanto e as noites estão mais frias.

Grandes vinhos dão trabalho
Os vinhos de gama alta e média alta exigem muita atenção por parte dos produtores. A diferença está nas nuances e pormenores, que são infinitos.
O enólogo da Esporão, David Baverstock, afirma que os detalhes são indispensáveis quando se quer produzir grandes vinhos. Desde os cuidados a ter na viticultura à abordagem enológica – tudo em função da parcela e da casta. Os rendimentos não podem ultrapassar 4-5 tn/ha para maioria das castas e 7/8 tn/ha no caso de Alicante Bouschet. A separação das uvas destinadas para os vinhos de topo é feita na altura da vindima. Para vinificações usam cubas mais pequenas, que levam apenas 5 toneladas e não 50 como para Monte Velho, por exemplo. Usam lagares de mármore ou cubas rotativas (estas, por serem fechadas, funcionam bem na vinificação da Touriga Nacional, preservando melhor a sua parte aromática). David nota que as castas como Syrah, Alicante Bouschet e Touriga Nacional aguentam bem barricas novas, mas prefere as de maior dimensão (500 litros) “para uma fusão melhor e evolução mais lenta”.
Para António Maçanita, o vinho do Alentejo é textura, concentração “e até mais frescura do que no Douro”. O desafio é evitar passas, vindimar quase maduro. Logo que as uvas ganham cor (a fase do pintor), tira uns cachos mais atrasados para promover o amadurecimento mais homogéneo. Acompanha as parcelas de perto e apanha só o que já está maduro. Porque a mesma casta, nas parcelas distintas, amadurece nas alturas diferentes, vai colhendo um pouco de cada vez. A logística da vindima é complexa, mas vale a pena. Um lote de vinhos também não é estanque e pode variar em função do ano. Em seu entender, a Touriga Nacional no Alentejo não entrega qualidade todos os anos, por exemplo.
Preocupações com o álcool
Sendo o Alentejo uma região quente, inevitavelmente, surge a questão do teor alcoólico dos vinhos que ao longo dos anos tem tendência a subir (um tema transversal a várias regiões do país). Tirando uma parte dos consumidores adeptos dos vinhos “potentes”, existe uma preocupação geral e uma pressão internacional de várias companhias anti-álcool.
Os produtores estão cientes disto. David Baverstock confirma a preocupação sobre o tema, sobretudo a nível de aceitação comercial. Pessoalmente, acha que “até 15%, se a concentração permite, tudo bem, mais do que isto já é um exagero”.
Mesmo colocando de lado a questão do aquecimento global, muitas coisas mudaram ao longo das décadas. Supostamente para melhor. Com viticultura de antigamente e o objectivo de produzir mais, os vinhos não chegavam a 10,5-11% de álcool, por vezes adicionava-se mosto concentrado (sendo esta prática autorizada) para aumentar 1-2%. Aprendeu-se a controlar as produções, orientar a viticultura para a planta ser mais eficiente na sua capacidade fotossintética, escolheram-se clones menos produtivos, pratica-se monda de cachos… O resultado – álcool a mais.
“Agora queixamo-nos que Aragonez fica sem acidez”, – dá um exemplo António Maçanita, “mas é o Aragonez que fica sem acidez, ou aquele que nós seleccionámos para dar mais álcool?”
Castas e tendências
Segundo os dados do IVV, em 30 anos a área de vinha plantada no Alentejo duplicou (de 11.510 hectares em 1989 para 24.709 em 2019). Embora o património vitícola na região seja bastante jovem, nas sub-regiões de Portalegre, Granja-Amareleja e Vidigueira, sobretudo, existem vinhas centenárias.
A questão das castas portuguesas vs. internacionais e estilo clássico vs. moderno continua a ser pertinente. Uns produtores, como Paulo Laureano ou Duarte Leal da Costa defendem, desde sempre, as castas portuguesas.
Os números mostram que as castas nacionais como Aragonez e Trincadeira continuam a ser as mais plantadas, seguidas de Alicante Bouschet. Esta, embora seja de origem francesa, já se pode considerar tradicional no Alentejo pela sua longa história e méritos confirmados. Obtida por cruzamento de Grenache com Petit Bouschet nos meados do século XIX, terá sido trazida para Portugal no final do mesmo século e plantada na Herdade do Mouchão pela família Reynolds. O reconhecimento da casta pelos produtores e consumidores não foi imediato e só aconteceu nos anos 90 do século passado. Hoje, há mais Alicante Bouschet em Portugal do que em França, de onde é original e onde é praticamente desprezada. Gosta de clima quente, precisa de muitas horas de sol, para amadurecer os seus taninos esmagadores. Com produção controlada e plantada no sítio certo, dá vinhos com estrutura e concentração, preparados para aguentar anos em garrafa.
Syrah apareceu na região há apenas duas décadas, pela mão dos proprietários da Cortes de Cima, onde a primeira vindima aconteceu em 1998 “incognitamente” porque não fazia parte de castas permitidas para a região. Hoje é a quarta casta mais plantada no Alentejo e continua a liderar a lista das castas mais utilizadas na reestruturação da vinha. A Cabernet Sauvignon também faz parte das primeiras 10 na lista de castas mais plantadas da região.
João Portugal Ramos refere que nos seus topos de gama dá preferência às castas portuguesas. Também gosta de Syrah, como uma casta melhoradora, e repara que “no Alentejo a Syrah é moldada pela região; ou melhor, o perfil da casta vai ao encontro do perfil do Alentejo.”
António Maçanita acha que esta abertura foi uma fase necessária para a região: mostrámos que conseguimos fazer as castas mais conhecidas como noutras regiões do mundo. O foco agora é recuperar equilíbrio. “As castas e os vinhos do século XXI não devem ser uma cópia do passado, mas uma integração gradual de castas que podem complementar o perfil.”
A verdade é que, como esta prova mais uma vez demonstrou, o Alentejo oferece um nível de qualidade aliado a diversidade de castas e estilos, como talvez nenhuma outra região do mundo. E poder aceder a estes vinhos por valores bastante razoáveis é, sem dúvida, um privilégio.

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Vidigueira
Tinto - 2019 -
Quinta da Fonte Souto
Tinto - 2017 -
Foral de Évora
Tinto - 2017 -
Quinta do Carmo
Tinto - 2016 -
Pousio
Tinto - 2017 -
Monsaraz Gold Edition
Tinto - 2017 -
Herdade Paço do Conde Winemakers Selection
Tinto - 2016 -
Herdade do Gamito
Tinto - 2017 -
Herdade Aldeia de Cima
Tinto - 2018 -
Duquesa Maria Private Selection
Tinto - 2017 -
Conde D’Ervideira
Tinto - 2018 -
Comenda Grande Family Estate
Tinto - 2014 -
Adega de Borba
Tinto - 2011 -
Touriga Nacional da Peceguina
Tinto - 2018 -
Tapada de Coelheiros
Tinto - 2015 -
Ravasqueira Vinha das Romãs
Tinto - 2018 -
Quinta do Paral
Tinto - 2017 -
Ponte
Tinto - 2015 -
Paulo Laureano Vinhas Velhas Private Selection
Tinto - 2017 -
Olho de Mocho Single Vineyard
Tinto - 2018 -
José de Sousa
Tinto - 2017 -
Herdade dos Grous 23 Barricas
Tinto - 2018 -
Herdade do Peso Essência do Peso
Tinto - 2017 -
Herdade das Servas
Tinto - 2016 -
Esporão
Tinto - 2017 -
Bombeira do Guadiana Mário
Tinto - 2017 -
Adega Mayor Reserva do Comendador
Tinto - 2016 -
Quinta da Viçosa Single Vineyard
Tinto - 2017 -
Palpite
Tinto - 2018 -
Herdade do Sobroso
Tinto - 2018
Sugestão: O movimento rosa

Provámos rosés provenientes do norte, centro e sul, litoral e interior do país, passando pelas ilhas. Por todo o território novos vinhos emergem, lado a lado com aqueles que foram pioneiros. Vinhos sérios, ambiciosos, diferentes, num movimento rosa apaixonante. Aqui fica uma vintena de sugestões menos óbvias, para partir à descoberta. TEXTO Nuno de Oliveira […]
Provámos rosés provenientes do norte, centro e sul, litoral e interior do país, passando pelas ilhas. Por todo o território novos vinhos emergem, lado a lado com aqueles que foram pioneiros. Vinhos sérios, ambiciosos, diferentes, num movimento rosa apaixonante. Aqui fica uma vintena de sugestões menos óbvias, para partir à descoberta.
TEXTO Nuno de Oliveira Garcia
Apesar do tempo que levamos a compilar selecções anuais de rosés, a verdade é que a cada ano somos surpreendidos com novos vinhos. De néctar de nicho e aposta pessoal de produtores de vanguarda – casos de Dirk Niepoort (‘Redoma’), Domingos Soares Franco (‘Coleção Privada Moscatel Roxo’), Júlio Bastos (‘Dona Maria’) e, mais recentemente, Ravasqueira (‘Premium’) e Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo (agora só com uma referência, tendo sido suprimido o Reserva) – o vinho rosé de perfil sério e elegante passou a modelo quase obrigatório numa gama. O exemplo mais acabado desta tendência é a empresa Wine & Soul que lança agora, na gama Manoella, precisamente um rosé para completar o branco e os tintos desta magnífica propriedade duriense. O mesmo tinha acontecido com a Quinta da Pacheca que lançou também um rosé reserva ambicioso não há muito tempo, fechando o seu portefólio de vinhos.
A cada ano somos também surpreendidos pelas novidades das regiões cuja aposta num rosé de qualidade é particularmente levada a sério, seja pela sua frequência e ocupação turística, seja por uma inata propensão para este tipo de néctar vínico. Casos notórios do Algarve e dos Açores que contribuem com duas referências cada para a nossa lista. Com efeito, a procura de vinhos leves e frescos por parte de clientes internacionais faz com que os rosés sejam uma seleção quase natural, em especial para o produtor tipo algarvio que invariavelmente esgota os seus rosés poucos meses depois de os ver lançados no mercado. A par das indicadas na nossa selecção, ambas estreias absolutas, diga-se, destacamos ainda as marcas algarvias Cabrita e Quinta do Barranco Longo (o mais interessante é a versão ‘Oaked’), cujos produtores levam já várias colheitas de experiência.
Na região do Tejo, de enorme projeção nos mercados internacionais, há muito que se levou a sério os seus rosés gulosos e atractivos, propícios para a exportação e não só, aspecto bem visível em produtores como Quinta da Lagoalva de Cima, Quinta da Alorna, Fiuza, Casal Branco, e até no irreverente Areias Gordas. Outra região muito bem-sucedida, e também na exportação, é o Alentejo, região que nos últimos anos tem vendido um valor próximo de 2,5 milhões de garrafas de rosés, e apenas nos referimos aos vinhos certificados. Marcas como Lima Mayer (sempre num registo estruturado) e Alento (Luís Louro/Monte Branco), bem como Herdade do Rocim (Rocim) e Paço do Infantes, estes dois últimos feitos a partir de Touriga Nacional, são referências deliciosas e obrigatórias.
Mais a norte, no Douro, o preço elevado do quilo da uva, em especial da Touriga Nacional, e a atenção maioritária dada a tintos (DOCs e Portos), fez com que durante muitos anos os rosés fossem tudo menos uma prioridade. Até há bem pouco tempo, para o protótipo produtor duriense, os rosés eram um vinho desinteressante e que não prestigiava a região (nada de mais errado, todavia). Tudo isso tem vindo mudar, com rosés cada mais ambiciosos e sedutores que em vez de desabonar a região, abrem-na a novos clientes. A par dos selecionados abaixo, vinhos como ‘Redoma’, verdadeiro pioneiro, ‘Vinha Grande’, ‘Vallado Touriga Nacional’, ‘Quinta Nova’, ‘Avidagos Reserva’ são óptimas compras.
Em busca da frescura
Mas quanto a regiões, a verdade é que existem terroirs mais propícios a rosés que outros… É certo que, como desenvolveremos adiante, um bom rosé é, sobretudo, um vinho feito na adega e vindimado na altura perfeita para obtermos um vinho gracioso e leve. Sucede, que existem regiões no nosso país que, sobretudo pelo seu clima, propiciam a produção de néctares muito frescos e de acidez vibrante. Neste domínio, as regiões atlânticas de Lisboa e da Bairrada ganham destaque, sendo que desta última vêm vários dos melhores rosés nacionais, como sejam ‘Aliás de Outrora’ (João Soares e Nuno Mira do Ó), ‘Giz’ (Luis Gomes, o fundador de um dos mais excitantes projetos da região), ‘Quinta do Poço do Lobo Reserva’ (Caves S. João) ou, mais recentemente, ‘Buçaco’ (Alexandre de Almeida) e ‘Casa de Saima’ (Graça da Silva Miranda), quase todos com recurso à casta Baga e/ou Pinot Noir. Também o exclusivo ‘Principal Tête de Cuvée’ – uma estrela no firmamento nacional de rosés, como atesta a nota na nossa seleção – é bairradino e 100% feito de Pinot Noir, com última edição ainda no mercado a ser a de 2010 (mas atenção, a segunda marca é igualmente de qualidade, de nome ‘Colinas’ cujo último rosé no mercado é de 2015).
Menos atlântica, mas ainda temperada e com alguma altitude, a região do Dão apresenta também um número significativo de bons rosés, casos do Quinta do Perdigão, Fonte de Ouro, Quinta de Lemos ‘Nélita’, ‘Elpenor’, entre outros. Um dos vencedores do nosso painel, ‘Tirados a Ferro’, provém precisamente da região, no limite sul, no terroir de Midões, outrora famoso pelos brancos. Um aviso: trata-se apenas de uma barrica (o que deveria ser “proibido” até, dada a escassez!) e o preço escalda… Quanto a castas, são várias na região a permitem a criação de vinhos elegantes e florais, como seja a Touriga Nacional, o Alfrocheiro e a Tinta Roriz, e a temperatura média – mais fresca que outras regiões vizinhas – ajuda no perfil elegante.
Por falar em castas, é notório que o actual perfil de rosé de gama alta privilegia uvas que proporcionam cor clara, aroma e prova de boca delicados, e com boa acidez. A casta Baga é daquelas que consegue preencher todos esses requisitos com relativa facilidade e, por isso, não espanta os bons resultados que almeja em rosé. Mais a norte, a casta Espadeiro é utilizada pela mesma razão, assim como a Negra Mole no Algarve, casta na qual cada cacho tem uvas em diferentes estados de maturação e cor. A omnipresente Touriga Nacional, quando vindimada cedo, contribui com os seus aromas florais muito elegantes, a Tinta Francisca apresenta cor aberta e fruto bonito, e a uva francesa Pinot Noir – com pouca cor, fruto elegante e por vezes fresco e subtil – também funciona bem, sobretudo em terroirs atlânticos.
Já que nos referimos a castas francesas, nos solos calcários e barrentos do sul de França – regiões de Bandol, Bergerac, Corbière – vingam as uvas Mourvèdre, Cinsault e Carignan. Alguns dos melhores produtores de rosé do mundo produzem precisamente na Provence os seus vinhos que são vendidos um pouco em todo o mundo como produtos sofisticados que são. Já no Ródano – regiões de Tavel e Lirac – é a Grenache que reina também nos rosés, e um pouco por todo o país a Syrah faz parte de lotes de rosés conceituados, tal como sucede no nosso país. A fruta encarnada do Aragonez/Tinta Roriz também proporciona, sobretudo em lotes, rosés de muito bom nível no nosso país, e o mesmo sucede em Espanha, na versão Tempranillo, sendo que o mercado espanhol tem sido palco de uma autêntica revolução rosa nas últimas três colheitas. Com efeito, depois de anos a privilegiarem tintos concentrados e maduros, os produtores espanhóis viraram-se para produtos mais leves e frescos, sendo a aposta em rosés de qualidade uma consequência natural dessa evolução.
Criar ambição
A regra é, portanto, evitar utilizar castas rústicas e com muita cor, como seja as francesas Alicante Bouschet, Petit Verdot, Grand Noir, a georgiana Saperavi ou a lusitana Vinhão. A uva Cabernet Sauvignon, salvo exceções, também não é uma das preferidas para rosé, sobretudo pelas notas vegetais que pode aportar ao lote final e pela quantidade de antocianinas na película que tingem significativamente o líquido (por isso, aliás, não há hábito de fazer brancos de Cabernet…). Uma alternativa à utilização exclusiva de castas tintas passa pela inclusão de uvas brancas no lote final, solução que em Portugal foi seguida pelo conhecido produtor Soalheiro misturando Pinot Noir e Alvarinho, com a versão de 2019 a ser talvez a mais bem conseguida até hoje. Outros produtores nacionais também incluem uma pequena parte de vinho branco nos rosés, mas não o referem nos rótulos ou contrarrótulos. Mais assumida é a política de utilização de borras de vinho branco na elaboração de rosés sempre com belíssimos resultados, contribuindo tanto com cremosidade como com acidez crocante para o vinho final. Na verdade, existem nos rosés de topo de gama com tendências comuns evidentes, como seja a utilização de bica aberta (evitando-se a sangria de tintos) e a fermentação (em parte ou totalmente) em barrica.
Tal como escrevemos no passado, um dos maiores desafios dos rosés em Portugal é ser levado a sério enquanto vinho, e ser vendido um preço relativamente alto. Em todo o caso, como a nossa selecção demonstra, já são vários os rosés em Portugal acima de 10€ e mesmo de 20€. Em França, os melhores produtores (não necessariamente os mais famosos…) – como seja Domaine Hauvette Domaine de Terrebrune ou Clos Cibonne –, raramente ultrapassam o preço de €30 a garrafa, e o mesmo sucede com os melhores rosés espanhóis como ‘Pícaro del Aguilla’ (que na verdade é um clarete), e ‘Viña Tondonia Gran Reserva’ (Lopez de Herédía), este um pouco mais caro e vendido sempre com mais de 5 ou 6 anos a contar da vindima. Nos Estados Unidos da América, aí sim, a moda de rosés explodiu faz já alguns anos fazendo com que seja difícil encontrar um topo de gama abaixo de $50, sobretudo se constar da famosa lista dos 100 melhores vinhos do mundo…
Outro desafio é a definição do conceito ou tipo de rosé, sempre que falamos de um néctar topo de gama. Será um rosé de guarda, gastronómico ou de terroir? De terroir é mais difícil de concordar, pois não só se produzem bons rosés em todo o território nacional, como os rosés são, por regra, menos marcados pelas nuances e diferenças entre regiões do que brancos e tintos. A explicação para esse fenómeno reside no facto de as uvas serem colhidas muito cedo (por vezes mais cedo do que as uvas brancas), bastante antes de a maturação fenólica estar completa. Por outro lado, como as uvas são vindimadas cedo, as temperaturas altas e a perda de acidez típicas das regiões mais a sul não costumam ser um problema. Isso faz com que o líquido, quase sempre lágrima apenas, seja muito leve e fresco, mas relativamente indiferenciado e incaracterístico quando à casta ou ao solo… Na verdade, um bom rosé depende mais dos cuidados e exigências na (data da) vindima e na adega do que do ano agrícola ou das particularidades de uma região. Mas este facto em nada deve afastar o consumidor deste tipo de vinho, muito pelo contrário. A razão de termos cada vez melhores rosés portugueses é o maior nível de profissionalismo por parte de produtores e enólogos no nosso país. Paralelamente, a razão de termos cada vez mais e diferentes rosés é o consumidor cada vez estar mais esclarecido e sem preconceitos. Não queira ficar de fora…
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Vinhos Leves: Quando o simples sabe bem

Os Vinhos Leves, na região de Lisboa, surgiram no século passado, por necessidade, devido à viticultura da época. Hoje, a categoria solidifica-se nos vinhos regionais e é representada por vinhos aromáticos, leves, descomplicados, perfeitos para usufruir nestes dias mais quentes. TEXTO Valéria Zeferino O mundo já conhece vinhos com este perfil há muito tempo, basta […]
Os Vinhos Leves, na região de Lisboa, surgiram no século passado, por necessidade, devido à viticultura da época. Hoje, a categoria solidifica-se nos vinhos regionais e é representada por vinhos aromáticos, leves, descomplicados, perfeitos para usufruir nestes dias mais quentes.
TEXTO Valéria Zeferino
O mundo já conhece vinhos com este perfil há muito tempo, basta lembrar os Rieslings da Alemanha na sua versão mais simples. A existência dos vinhos leves na região de Lisboa deveu-se, inicialmente, à dificuldade de amadurecimento das uvas, associada a vários factores como a forte influência atlântica e humidade elevada, sobretudo em certas zonas menos protegidas; e também solos férteis e castas menos nobres e altamente produtivas, incluindo alguns híbridos, criados na Estação Agronómica de Dois Portos na década de 1950.
Os mostos com um teor alcoólico baixo, que não chegavam aos 11% fixados como o limite mínimo para os vinhos “comuns”, obrigavam os produtores fazer lotes com outros vinhos de maior graduação, ou simplesmente adicionar álcool ou aguardente vínica. Para resolver esta questão, o Ministério da Agricultura através da Portaria 547/85 de 6 de Agosto, autorizou a produção de vinhos de grau mais baixo, devendo estes conter na rotulagem a menção “vinho leve” ou “baixo grau”. Esta medida, na altura, não estava relacionada com a região de produção.
Mais tarde, com a Portaria n.º 351/93 de 24 de Março, a menção tradicional “Leve” ficou associada, em exclusivo, às regiões de Lisboa (antiga Estremadura) e Tejo (antigo Ribatejo). A menção destinava-se a vinhos regionais com grau até 10% e acidez mínima de 4,5g/l. Devido à evolução das condições edafoclimáticas da região de Lisboa, em 2018 o limite máximo do título alcoométrico volúmico adquirido do vinho com direito à menção Leve foi aumentado em 0,5% até os 10,5%.
O primeiro Vinho Leve Regional Estremadura foi produzido sob a marca Sôttal pela Companhia Agrícola do Sanguinhal e, segundo o seu director comercial Diogo Reis, queria dizer “eu sou o tal” do Sanguinhal. A marca já existia antes, desde os anos 20 e 30 do século passado, sendo utilizada para diversos vinhos.
Inicialmente, os Vinhos Leves eram brancos e tintos. O tempo e as preferências do mercado vieram a corrigir o estilo. Enquanto os se tintos procuram encorpados, os rosés começaram a ganhar terreno.
De acordo com os dados da CVR Lisboa “o crescimento exponencial das vendas nos últimos 5 anos (duplicaram, chegando em 2019 a 56 milhões de garrafas), em especial dos vinhos tintos que representam 75% da produção da região, levou os produtores, a orientarem as suas produções de tintos para vinhos “não leves”.
Ao mesmo tempo “as preferências dos consumidores e a própria avaliação dos críticos de vinho que reconhecem no branco leve e rosé leve uma mais valia qualitativa, o mesmo não sucedendo com o tinto”, levaram os produtores a fazer as suas escolhas a favor de brancos e rosés.
Dos 126 engarrafadores de vinhos de Lisboa presentes actualmente no mercado, cerca de 20 produzem Vinho Leve. As vendas de Vinho Leve têm-se mantido estáveis ao longo dos anos, variando entre 2 e 3 milhões de garrafas por ano. A maior parte é comercializada nas grandes superfícies (80%), tendo também uma boa presença na restauração local e alguma exportação.
O Presidente da CVR Lisboa, Francisco Toscano Rico, nota que o volume de produção e consequentemente das vendas, está fortemente condicionado pelas condições climatéricas, sendo que o aumento das temperaturas leva a que cada vez seja mais difícil produzir mostos com um grau alcoólico tão baixo. Ou seja, o potencial produtivo desta categoria de vinho está logo à cabeça condicionada pela própria natureza, não se perspectivando que no futuro este cenário se venha a inverter.
Ao mesmo tempo, nota-se uma melhoria substancial no nível qualitativo destes vinhos, contribuindo para isso a vindima no momento certo e a escolha de castas mais nobres. O próprio branding tem melhorado muito entre alguns produtores que apostam neste segmento, com rótulos que comunicam muito bem a ideia de “vinho leve”, transmitindo a sua essência na imagem.
Como se faz um Vinho Leve?
Os vinhos leves muitas vezes são feitos de castas aromáticas, como Moscatel Graúdo ou Fernão Pires, se bem que esta última é mais difícil de colher atempadamente, com teor alcoólico mais baixo.
Miguel Móteo, enólogo da Companhia Agrícola do Sanguinhal, conta que na utilização de Moscatel esta casa foi uma das primeiras. Na região de Lisboa, a casta é bastante produtiva o que leva a nunca atingir os valores elevados de maturação em termos de açúcar, mantendo-se nos níveis de 9-10%. O facto de ser vindimado mais cedo, penaliza um pouco a parte aromática, o que é compensado pela maceração com películas. Diz que quando se fermenta o Moscatel, “a adega parece um laboratório de perfume”. O Moscatel contribui com 50% do lote e para o Vinho Leve vindimam as uvas de certas parcelas, pois do outro lado da Serra de Montejunto já é mais quente e as maturações sobem. O Arinto amadurece lentamente e mantém a frescura. Entra com 40% e na altura da vindima para Vinho Leve tem 8 g/l de acidez. Vital é uma casta com mais corpo. Matura bem e desidrata facilmente devido à pelicula fina. É melhor para os vinhos DOC, por isto só entra em 10% no lote.
Carlos Nicolau, da Casa Agrícola Nicolau confessa que a casta Moscatel não foi a primeira opção. Aconteceu mesmo uma história engraçada. Como muitas casas agrícolas na chamada “região Oeste”, a Casa Agrícola Nicolau também tem produção frutícola. Plantaram a casta Moscatel, que também é apreciada como uva de mesa, a pedido de um parceiro seu. Mas só se conseguiu vender uma vez, pois as uvas eram pouco doces. A partir daí, foram redireccionadas para produzir o vinho leve (e com sucesso) já há cerca de 20 anos.
Outras castas da região, como Arinto, Malvasia Rei, Jampal, Seara Nova, Vital, Tamarez e outras também entram nos lotes de acordo com a preferência de cada produtor.
O vinho é feito como se fosse uma base para espumantes: fermenta até ficar seco e depois acrescenta-se o mosto concentrado para o fazer ligeiramente mais doce. O nível de doçura não está indicado pela regulamentação e fica à consideração do produtor. Costuma variar entre 10 e 17 g/l, compensados e equilibrados pela acidez sempre bem elevada.
É óbvio que com o grau de álcool baixo e com açúcar residual, o vinho tem de ser bem estabilizado microbiologicamente através de processos térmicos, filtrações rigorosas e adições de conservantes como DMDC ou sorbato de potássio para evitar o crescimento de microorganismos. Cabe ao produtor adaptar a técnica mais adequada para o seu caso.
Os Vinhos Leves não são todos iguais. Para além das castas utilizadas, com ou sem maceração pelicular, varia o nível de acidez, a sensação de gaseificação (no Mundus nota-se muito menos, do que no Solar da Marquesa, por exemplo, onde as bolhas vão subindo do fundo do copo a lembrar um espumante). A maior parte dos vinhos fermenta em cubas de inox, mas o Mundus Evolução da Adega da Vermelha tem um toque de madeira para conferir alguma complexidade ao vinho.
3 razões para repensar o Vinho Leve
Um vinho que abre o caminho para o mundo dos vinhos
Este tipo de vinho faz muito mais pelo vinho do que possamos pensar. É uma alternativa a refrigerantes e até à cerveja junto dos consumidores na faixa dos 20+ anos. É uma introdução ao mundo do vinho, mais adaptada ao paladar mais jovem. Há quem não goste de cerveja por ser amarga, mas um vinho simples, aromático, com uma ligeira doçura e um bocadinho de gás até vai muito bem. Não é um vinho que obrigue a um grande exercício sensorial, mas cumpre a sua missão de ser agradável e proporcionar um momento de socialização, quando é bem-feito e servido bem fresco à volta de 8-10˚C. É um vinho também leve para carteira, não ultrapassando os €4 PVP, e também acessível na restauração.
Um vinho adequado para uma vida saudável
Tem uma gradução alcoólica mais baixa do que os vinhos “não leves”, não ultrapassa os 10,5%, situando-se maioria dos Vinhos Leves entre os 9 e 10%, o que o torna bem menos calórico do que o habitual.
Um vinho flexível que desafia preconceitos
Gostar de vinho não é só beber vinhos caros de produtores famosos ou mais bem pontuados. Um verdadeiro enófilo não marginaliza nenhum tipo de vinho e sabe beber um vinho adequado a contextos diferentes. Quando vamos à praia, levamos um fato de banho e não um vestido de noite ou smoking. Numa esplanada junto à piscina quem consegue apreciar devidamente um Porto Vintage, por exemplo? O Vinho Leve parece que foi desenhado para estes momentos descontraídos e de socialização.
O Vinho Leve à mesa
Sendo leves e equilibrados, tornam-se autosuficientes numa esplanada ao pé da praia ou piscina. Ideal para uma conversa descontraída, fazem companhia sem atrair muita atenção. Entretanto, podem acompanhar umas entradas simples, como umas tostas barradas com um paté, humus ou guacamole, sushi ou marisco. Uma pizza havaiana que inclui pedaços de ananás é outra aposta segura. Comida indiana ou chinesa, que contém especiaria ou alguma doçura no sabor funciona sempre muito bem.
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Artigo da edição nº40, Agosto 2020
Sugestão: Loureiro, a rainha do Lima

São várias as castas de uva que proliferam no Minho. Umas são bem conhecidas de todos, aparecendo em lugar de destaque nos rótulos das garrafas. Outras, um pouco mais obscuras, são hoje apenas curiosidades ampelográficas. Das primeiras, destacamos a variedade Loureiro, para muitos a melhor casta da região dos Vinhos Verdes. TEXTO João Paulo Martins […]
São várias as castas de uva que proliferam no Minho. Umas são bem conhecidas de todos, aparecendo em lugar de destaque nos rótulos das garrafas. Outras, um pouco mais obscuras, são hoje apenas curiosidades ampelográficas. Das primeiras, destacamos a variedade Loureiro, para muitos a melhor casta da região dos Vinhos Verdes.
TEXTO João Paulo Martins
As castas de uva têm por vezes características enigmáticas. Uma delas é a diferente apetência que mostram em querer viajar. Temos em Portugal exemplos para todas as situações, desde variedades que evidenciam muitas virtudes em todos os locais para onde foram levadas, caso da Alvarinho, mas também a Verdelho, Arinto ou Roupeiro, até outras que se quedaram na zona de origem e não deram mostras de querer viajar muito. Recordamos aqui o caso paradigmático da Encruzado e da que hoje tratamos, a Loureiro. No que respeita a esta variedade emblemática dos Vinhos Verdes, foram feitas algumas tentativas de a levar para outras zonas. Recordamos aqui que ela já esteve plantada na Quinta dos Carvalhais, no Dão, onde chegou a integrar, por uma única vez, um branco feito de lote entre Bical e Loureiro, na colheita de 2000. À época enólogo nessa quinta do Dão, Manuel Vieira disse à Grandes Escolhas que a casta produzia muito, mesmo muito, mas que “originava mostos com teor ácido baixo”, o que contraria a ideia que temos dela. A ideia de arrancar a vinha foi decisão empresarial, mas, na verdade, o tal 2000 Bical/Loureiro, ainda em 2019 dava mostras de estar em grande forma. Também na zona de Setúbal se fizeram experiências com a Loureiro. Domingos Sores Franco, enólogo da casa José Maria da Fonseca, confirmou que a casta foi para ali levada, há muitas décadas, pelo seu tio António Soares Franco. Ainda hoje tem cerca de 2ha de Loureiro plantados na zona de Azeitão, destinando-se o mosto para o lote do Quinta de Camarate branco doce, um vinho que nada tem a ver com vinhos doces de colheita tardia, mas que Domingos nos confirma ser um enorme sucesso, do qual se produzem 25.000 litros por ano. “Noto-lhe aromas de grande qualidade que lembram os que se conseguem no Minho, mas aqui tem menos acidez, tem mesmo uma certa gordura e peso na boca que funcionam muito bem no branco doce, onde a juntamos com a casta Alvarinho”, disse.

Uma casta produtiva
O vale do rio Lima, o solar do Loureiro, é bem distinto em configuração dos vales do Minho ou do Douro, importantes rios que atravessam a região dos Vinhos Verdes. O vale do Lima é amplo e largo, deixando entrar a influência atlântica bem dentro de terra.
Como já escreveu João Afonso em reportagem publicada neste revista, “em termos orográficos podemos dividir a sub-região do Lima em três zonas distintas: a zona mais litoral e ventosa de Viana, com vale aberto e pouca montanha; uma zona intermédia de Ponte de Lima (de Geraz do Lima até Jolda e Gondufe) ainda de vale aberto, mais protegido da nortada e já com traços de montanha; e a zona interior de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez com vale mais estreito, de perfil montanhoso e com alguma continentalidade a misturar-se com o clima marítimo.”
A casta Loureiro gosta de frio, mas não aprecia vento. Segundo Anselmo Mendes, “prefere zonas mais abrigadas para evitar partir as varas e é exigente na gestão da sebe para que a vinha possa respirar. Produz bem, mas não convém deixar ir muito além das 10 ton/hectare para não perder carácter.” Esta produtividade, que se pode considerar normal na região do Verdes está, no entanto, muito acima do que encontramos noutras zonas do país, nomeadamente na vizinha região do Douro. José Luis Moreira da Siva é enólogo na quinta dos Murças (Douro) e, por via da aquisição por parte do Esporão da Quinta do Ameal, ficou também responsável pela viticultura e enologia desta propriedade minhota. As diferenças não podiam ser maiores, “é que estou a lidar com produções por hectare que são cinco vezes superiores às do Douro, com terrenos muito mais férteis e também muito mais propícios às doenças e pragas da vinha e tudo isso é um grande desafio”. José Luis confirma que apesar dessa pressão das doenças, é no Minho mais fácil assegurar uma produção regular, com solos ricos e água com fartura. A Quinta do Ameal esteve durante algum tempo certificada como bio, mas, foi-nos confirmada, essa certificação foi abandonada. O enólogo foi pragmático: “estamos a seguir tratamentos e práticas bio, mas se houver um ataque a sério avançamos com tratamentos químicos; não faz sentido perder a produção por falta de tratamentos. Estou de resto convencido que enquanto no Douro é mais fácil a certificação bio, aqui nos Verdes tenho muito mais dúvidas”.
Polivalente na adega
Na adega, a Loureiro mostra-se polivalente. Na Quinta do Ameal sempre se usou uma vinificação diferenciada, ora em inox ora em barricas usadas, praticando abundantemente a bâtonnage, mesmo no inox. Essa prática pode ser fundamental sobretudo se se pretende fazer um Loureiro que dure 20 anos na garrafa. No Ameal sempre existiu a preocupação de mostrar a longevidade da casta Loureiro, a única plantada na quinta e inúmeras provas confirmam amplamente que o tempo está muito mais ao lado da casta do que em tempos se pensava. Anselmo Mendes diz-nos que, “com o tempo, os aromas transformam-se e surgem algumas notas terpénicas que, essas sim, fazem lembrar o Riesling do Mosela”. No entanto, salienta ainda, “existem vários clones de interesse desigual, alguns originam vinhos com notas de Moscatel, mas eu prefiro uns clones que fazem vinhos mais discretos, mas que evoluem bem com o tempo”.

Além da fermentação em inox e barrica (mais usada do que nova), no Ameal estão a fazer-se ensaios com ovos e túlipas de cimento. E trabalhar com teores alcoólicos na casa dos 11,5% de “chega perfeitamente, não precisamos de mais”, confirma Moreira da Silva.
Mesmo nas outras sub-regiões dos Verdes onde a Loureiro entra em lote com outras variedades, os resultados são compensadores. É boa a ligação com a casta Arinto e está em desuso o lote com a Trajadura, uma variedade que recolhe cada vez menos adeptos. Como nos diz Anselmo Mendes, “em tempos era usada para fazer baixar a acidez do Alvarinho, mas hoje já se usa menos”. E em Valença, bem perto da zona de Monção e Melgaço, mas fora da sub-região, a casta Loureiro dá resultados muito interessantes.
Tal como acontece noutras sub-regiões dos Vinho Verdes, o Vale do Lima é a pátria da casta Loureiro, é ali sem dúvida que melhor se expressa e também a casta que melhor expressa as virtudes daquele terroir. Já na sub-região do Sousa impera a Arinto, em Baião a Avesso, exemplos que nos mostram que, embora viajantes, as castas encontram por vezes razões de sobra para não saírem de onde estão.
SABIA QUE…
Loureiro, uma variedade das terras friasA casta Loureiro é, do ponto de vista económico, a variedade mais importante da região dos Vinhos Verdes. É no vale do rio Lima que ela melhor mostra as suas virtudes. Casta produtiva, gosta sobretudo de zonas onde se faça ainda sentir a influência atlântica, contribuindo com elevada acidez para os mostos. Por esta razão é aqui, na sub-região do Lima, que melhores resultados origina. As zonas mais interiores, de Basto até Baião e Amarante já não lhe convêm porque perde rapidamente a acidez, característica marcante desta casta. Gera vinhos de teor alcoólico médio, mas muito aromáticos, razão pela qual é muito procurada pelos viticultores. Também presente nas Rias Baixas tem aí, no entanto, um peso muito residual, uma vez que a região é quase monocultura de Alvarinho. Apesar de gerar boas produções, não se pode deixar produzir demais porque depois perde aromas. Prefere solos férteis e abundância de água, mostrando muitas dificuldades para enfrentar o stress hídrico. Existem vários clones certificados desta casta sendo mais cotado o que gera o cacho com bagos pequenos e coloração dourada. Segundo informação da CVR dos Vinhos Verdes, existem 189 marcas válidas de vinhos varietais de Loureiro, correspondendo a 111 engarrafadores. Até aos anos 80 do século passado não existiam no mercado vinhos varietais de Loureiro e foi então nessa década que surgiram os primeiros varietais de Loureiro, da Adega Cooperativa Ponte de Lima e de alguns produtores engarrafadores, como a Quinta de S. Cláudio, Casa dos Cunhas ou Quinta do Luou.
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Douro tinto por menos de €10: Vinhos ambiciosos, compras inteligentes

Foram 36 os “candidatos” tintos e durienses com preços em euros até ao redondo 10, e o conjunto mostrou ser campeão na relação qualidade-preço, revelando frescura e complexidade. Será este segmento a compra inteligente do Douro? TEXTO Mariana Lopes FOTOS Ricardo Gomez Já se faz vinho no vale do Douro, segundo os mais antigos vestígios, […]
Foram 36 os “candidatos” tintos e durienses com preços em euros até ao redondo 10, e o conjunto mostrou ser campeão na relação qualidade-preço, revelando frescura e complexidade. Será este segmento a compra inteligente do Douro?
TEXTO Mariana Lopes
FOTOS Ricardo Gomez
Já se faz vinho no vale do Douro, segundo os mais antigos vestígios, há mais de 2 mil anos. No entanto, se olharmos apenas para os últimos dez, a evolução dos números desta região foi absolutamente notável, principalmente no que toca à produção e à comercialização. Segundo dados estatísticos recolhidos dos sites do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto e do Instituto da Vinha e do Vinho, a área total de vinha diminuiu de 2010 (45.553ha) para 2019 (43.608ha). No entanto, a área de vinha apta a Denominação de Origem (DO) Douro e Porto aumentou, no mesmo período, de 38.364ha para 40.071ha, o que significa que aquele decréscimo de área total de vinha representa, na verdade, boas notícias. Falamos de vinhas de uma região (e já que esta Grande Prova assenta em vinhos tintos) em que as castas tintas predominantes são a Tinta Amarela, Tinta Barroca, Tinta Roriz, Touriga Francesa, Touriga Nacional e Tinto Cão, mas onde as (verdadeiras) vinhas velhas escondem dezenas de outras uvas antigas. São precisamente estas seis variedades de uva e também, de forma mais ocasional, a Sousão, que entram nos lotes de vinhos tintos do Douro com preço inferior a 10 euros, apenas variando entre elas e nas percentagens de cada uma. Note-se que a newsletter da associação ProDouro, na sua edição de Maio, deu conta de que já se pode oficialmente voltar a chamar Touriga Francesa à Touriga Franca. Nessa edição, pode ler-se: “Segundo o aviso nº 3999/2020 do Instituto da Vinha e do Vinho, publicado em Diário da República de 6 de Março «são incluídos na lista de castas anexa à referida Portaria [nº 380/2012 de 22 de Novembro] e da qual faz parte integrante as seguintes castas e sinónimos: (…) Casta Touriga-Francesa como sinónimo da casta Touriga-Franca (PRT52205), apenas na rotulagem da DO Porto, Douro e IG Duriense».”
Já no que toca à produtividade, devida aos solos pobres, clima agreste e orografia difícil, o Douro não é uma região que se caracterize por elevado rendimento, estando a produtividade permitida tabelada num máximo de 55 hectolitros (cerca de 7.500kg) por hectare. A produtividade média fica-se, inclusive, pelos 30 hectolitros (cerca de 4.100kg) por hectare, contra, por exemplo, os cerca de 7.600 kg/ha do Alentejo (dado de 2016).
Mas é quando chegamos aos números da produção de vinho que a coisa fica ainda mais séria. Em 2010, a produção total de vinho apto para poder originar DO Douro era de pouco mais de 50 milhões de litros. Em 2019, passou os 81 milhões. Em volume, as vendas de vinho tinto certificado DO Douro passaram, no mesmo período, de 17.543.521 litros para 30.024.831 litros, o que correspondeu, em valor, a um salto dos quase 80 milhões de euros para mais de 134 milhões. Tudo isto com um aumento de 43 cêntimos por litro, dos 4.04 euros para os 4.47, o que conclui que o Douro conseguiu aumentar a produção e as vendas sem baixar o preço, o que é sempre de louvar.
Os anos vitícolas 2017 e 2018
Quase todos os vinhos provados são das colheitas de 2017 (maioria) e 2018, dois anos vitícolas que se revelaram bastante díspares. A família Symington, com mais de 1000 hectares de vinha no Douro, produz óptimos relatórios de vindima que são excelentes apoios para qualquer trabalho, e o disposto a seguir foi baseado nesses mesmos relatórios, podendo ajudar a perceber os perfis dos vinhos destas colheitas. O ano de 2017 foi, em geral, bastante quente e seco, com a maioria dos seus meses a registar um nível de precipitação bem abaixo da média. Março, Abril e Maio foram, inclusive, cerca de 2.6ºC mais quentes do que a média e Abril, em concreto, foi o mais quente desde 1931. Junho também não quis ficar atrás, e foi o mais quente desde 1980, com a temperatura a atingir os 43ºC. Julho manteve-se seco e quente. Já Agosto mostrou-se mais moderado, com noites relativamente frescas. Consequentemente, e devido a esta seca, as produções em 2017 acabaram por diminuir.
A seca prolongou-se até Março de 2018, ano que acabou por divergir bastante do anterior porque em Março, Abril e Maio choveu abundantemente, a um nível que chegou a ser duas vezes acima da média destes meses. Depois, a 28 de Maio deu-se um episódio dantesco que poucos esquecerão: uma tempestade acompanhada de forte granizo, tendo a zona do Pinhão sofrido uma precipitação de 90mm em menos de duas horas. Foi desastroso e muitos produtores viram os seus solos arrastados para o rio e as vinhas destruídas, e também por isso as perdas na produção em 2018 foram muito grandes, mesmo com o resto do ano vitícola (com a excepção de um Setembro bastante mais quente do que o habitual) a revelar-se “normal”, com números próximos da média. Em 2017, a produção total de vinho DO Douro foi de 51.564.497 litros e em 2018 caiu de forma impressionante para os 38.530.429 litros.
Como são os tintos do Douro até €10?
A amostra de 36 tintos do Douro com preço até 10 euros, é já suficiente para que se possam tirar algumas conclusões interessantes, a partir dos pontos em comum que apresentaram, e até dos que divergiram por alguma razão. Em primeiro lugar, é preciso ter em conta que a faixa de preço se situou, na maior parte dos casos, nos 7, 8 e 9 euros. Uma das ilações, e a minha favorita, é o facto de este conjunto dos tintos ter apresentado uma enorme frescura transversal, e também um nível de complexidade já bem “jeitoso” para o segmento de preço. Os enólogos de alguns dos vinhos mais bem pontuados desta Grande Prova vieram ajudar a perceber isto e várias outras coisas. Francisco Baptista, autor do Andreza Reserva 2017, da Lua Cheia em Vinhas Velhas, explica que “o Douro é uma região que se tem adaptado as novas tendências, de vinhos com frescura e complexidade, e isto deve-se à riqueza de todo o vale, como as diferentes altitudes, vinhas em encosta com diferentes exposições, e três sub-regiões totalmente diferentes. Esta vindima [2017] foi complicada, pois começámos em Agosto com imenso calor e a maturação foi rápida nas zonas perto do rio, mas os mostos eram ricos em antocianas, polifenóis e ácidos. Na meia encosta, em vinhas viradas a Norte e nos planaltos, o equilíbrio era extraordinário”. Quanto à complexidade, o enólogo diz que esta “não é de admirar”, porque “a viticultura tem feito um trabalho notável na região e, se as castas estiverem nos sítios certos, a partir daí o trabalho na adega é facilitado”. Manuel Lobo, enólogo-chefe dos vinhos Quinta do Crasto, vai de encontro à ideia da pluralidade de terroirs do Douro com que se pode “jogar”, e acrescenta que “a resposta está na “nova era” de enologia, que assenta os seus pilares no respeito pela vinha e consequentemente pelo seu equilíbrio natural”. Em relação ao ano 2017, Manuel Lobo conta que “para encontrar o equilíbrio e frescura, foi fundamental não falhar o ponto óptimo de maturação, evitando assim os aromas de sobre-maturação, e privilegiar a altitude e exposições Norte e Nascente”. E é precisamente esta a exposição das vinhas que dão origem ao Flor das Tecedeiras, cuja enologia está a cargo de Rui Cunha (também do Quinta dos Avidagos Reserva 2017), que reforça que “isso contribui muito para o seu lado de frescura”. Jorge Moreira, responsável pelos vinhos da Real Companhia Velha, neste caso o Quinta dos Aciprestes 2017, e também pelos Quinta de La Rosa, lembra que “no passado havia uma grande procura por concentração e potência, mas hoje os enólogos estão muito mais virados para o equilíbrio. Assim, a frescura e a própria acidez passaram a ser uma das nossas maiores preocupações”. Paulo Coutinho, que assina os vinhos da Quinta do Portal, é ainda mais assertivo quando fala de complexidade e afirma que esta “vem claramente de um ano quente, pois a vinha, para produzir um bom vinho, precisa de sofrer. Mas, por exemplo, 2003 foi bem mais quente, produzindo ainda maior complexidade, mas faltou acidez e frescura. Já 2017 beneficiou do que 2009 já tinha beneficiado no Douro, que foi uma busca incessante por maior elegância e frescura. O enólogo da região tentou, desde aí, combater a concentração nos anos mais quentes com a acidez, seja recorrendo à altitude, ao portefólio das castas, ou ao controlo na viticultura, com práticas que nos permitem proteger a folha e fruto da agressividade do tempo quente”.
Mas, o que deve ser um vinho deste segmento de preço, tendo em conta o que o consumidor procura neles? José Manuel Sousa Soares, enólogo da Quinta de Ventozelo, da Gran Cruz, elucida de forma muito pertinente que, para si e nesta empresa, é “necessariamente um vinho da gama média em qualidade e com um preço pouco superior à entrada de gama. Pretende-se que a força, o carácter e a complexidade do lugar sejam evidentes num vinho acessível, marcado pela expressividade das castas que o compõem”. Jorge Moreira concorda e, além de falar na identidade regional, refere que “devem ser equilibrados e estar em bom momento para serem consumidos”, e que são vinhos que estão “no nosso segundo patamar qualitativo, tendo em conta que os de entrada de gama têm carácter regional, os do segundo patamar já mostram a Quinta de onde vêm, num terceiro mostram a casta e/ou a vinha, e assim sucessivamente”. Uma hierarquia e perspetiva interessante, demonstrada por este enólogo.
Rui Cunha, por sua vez, defende o contraditório de uma forma válida: “De uma forma geral, nós (e eu também sou consumidor) procuramos aqui vinhos equilibrados, coerentes, com complexidade e bom final de boca. Mas não há uma definição de como deve ser um vinho ‘nesta faixa de preço’. No projecto das Tecedeiras, o Flor das Tecedeiras está na gama de entrada mas, nos Avidagos, o Avidagos Reserva é um ‘premium’. Este é só um dos argumentos”. Já Paulo Coutinho vê esta questão um pouco como um “jogo de cintura”, explicando que “esta é uma gama de preço onde o consumidor procura chegar sempre que quer um pouco mais de sofisticação e complexidade do que o habitual. Já não é o vinho do dia-a-dia. Além disso, é quando o consumidor pensa não só nele, mas na companhia para o tomar, e normalmente escolhe esta gama dos [quase] 10 euros para iniciar o jogo antes de passar o ponto alto, ao nível acima. Assim, tem de ter a complexidade suficiente para não defraudar”. Manuel Lobo acrescenta que “devem ser vinhos que despertem também no consumidor a curiosidade para conhecer melhor a região”.
Na vinha e na adega
Há um elemento comum nas respostas dos enólogos, que é a vinha, o respeito por ela, e a importância da viticultura, e isto não só nesta prova, mas em muitas outras que a Grandes Escolhas já fez. O que nos leva a indagar sobre se, para cada tipo de vinho, haverá ou não uma viticultura especifica, e até, em concreto no Douro, castas favoritas ou “essenciais” para tintos deste segmento. José Manuel Sousa Soares começa por expor que “na viticultura temos de escolher métodos que expressem bem o carácter das castas e dos locais de produção, de forma a que a produção seja equilibrada com o potencial vitícola em causa, quer do ponto de vista qualitativo como quantitativo, e que promova a boa sanidade vegetal. Não há, portanto, soluções únicas nem sempre vencedoras, até porque os anos, do ponto de vista climático, não se repetem e originam alteração do potencial das uvas. É necessário um acompanhamento muito próximo da evolução anual que possibilite a escolha acertada das datas de vindima em cada parcela”. Este enólogo escolheu integrar Alicante Bouschet no lote do Ventozelo 2016, juntamente com Touriga Francesa e Sousão, porque aquela casta “está instalada numa meia encosta virada a Nascente-Norte e, em 2016, apresentava frescura com algum carácter vegetal muito importante para o resultado final”. Além deste pormenor, que confere alguma originalidade, José Manuel Soares acredita que, neste tipo de vinho, “a Touriga Franca [ou Francesa] é essencial na estruturação”. Jorge Moreira e Francisco Baptista também elegem a Touriga Francesa como favorita nestes lotes, este último dizendo que dá “pouco álcool, boa acidez, e fruta vermelha intensa e fresca”. E Manuel Lobo reforça que não há receitas, mas que “é fundamental estarmos presentes. O modelo deve ser de equilíbrio e de respeito pela identidade o que, na minha opinião, só se consegue com uma viticultura de precisão.”. E defende, nestes vinhos, a tríade “Touriga Nacional, para aroma e frescura, Touriga Franca, para volume e estrutura, e Tinta Roriz, que dá elegância e persistência”. Depois de confessar que lhe dá gozo voltar a usar o nome “Francesa”, Paulo Coutinho confessa que esta é a “pacificadora do lote”, mas que adora a Tinta Roriz para esta categoria, achando “incrível para o frutado que pretendo”. E Rui Cunha volta a trazer o fundamental contra-argumento: “De nada serve dizer que uma determinada casta é fundamental se o local não lhe é favorável. Felizmente, a região do Douro é rica em castas que estão muito bem-adaptadas aos variadíssimos ‘micro-terroirs’”.
Quanto à enologia destes vinhos, e quando falamos do ano quente de 2017, Manuel Lobo diz que “foi essencial controlar muito bem as extracções e as temperaturas de fermentação” para que não se perdesse frescura. Jorge Moreira e Paulo Coutinho sublinham a pouca extracção e o primeiro fala também da necessidade de vindimar cedo “quando ainda temos fruta fresca”, e do “cuidado com a madeira nova para não descaracterizar os vinhos”. Rui Cunha toca estes pontos mas acrescenta (e muito bem) o factor higiene. E depois de tudo isto, só há uma coisa a desejar, nos tempos que correm: haja higiene e saúde para beber vinhos desta qualidade!
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Artigo da edição nº38, Junho 2020
Alentejo tinto até €8: Muita qualidade a preço acessível

O vinho do Alentejo é, de longe, líder nacional de vendas, apreciado pelos consumidores em todo o país. É ainda uma região com beleza paisagística que oferece enoturismo de excelência, quer em unidades hoteleiras, quer a nível de gastronomia. E por fim, o espírito inovador está presente em vários projectos desafiantes na região. TEXTO Valéria […]
O vinho do Alentejo é, de longe, líder nacional de vendas, apreciado pelos consumidores em todo o país. É ainda uma região com beleza paisagística que oferece enoturismo de excelência, quer em unidades hoteleiras, quer a nível de gastronomia. E por fim, o espírito inovador está presente em vários projectos desafiantes na região.
TEXTO Valéria Zeferino
FOTOS Ricardo Gomez
Desde o ínicio de produção de vinho no território que agora se chama Alentejo, pelos tartessos e fenícios, passaram várias épocas de ouro e crises profundas: invasão muçulmana; guerra de independência; aposta de Marquês de Pombal no desenvolvimento da região do Douro com arranque de vinhas no resto do país; a praga da filoxera; primeira guerra mundial ou a campanha cerealífera do “Estado Novo”.
Nos últimos 30 anos, a dimensão de vinha cresceu de 11.510 para 24.709 hectares registados em 2019 (dados do IVV). Tem a segunda maior área de vinha em Portugal, a seguir ao Douro e ultrapassando a região do Minho.
Em termos de volume de produção, ocupa o terceiro lugar em Portugal com 1.092.617 hl, que corresponde a 18% de produção nacional a seguir às regiões do Douro (21%) e Lisboa (19%). O facto de ter maior área de vinha e produzir menos do que na região de Lisboa tem a ver com a produtividade média por hectare de vinha, que é inferior no Alentejo (cerca de 44 hl/ha versus 60 hl/ha em Lisboa).
Alentejo é a região mais presente no retalho em Portugal, com quota de mercado superior a 35% em valor, seguido pela região de Vinhos Verdes com mais de 18% e Península de Setúbal com 16,5%, valores registados em 2019. Em volume, a quota de mercado aumenta para 39,5% em 2019 e acima de 40% no ano anterior.
Alentejo ou Regional Alentejano?
O principal objectivo da DO (Denominação de Origem) Alentejo é preservar a identidade de uma determinada área de produção, enquanto a IG (Indicação Geográfica) Regional Alentejano alberga a possibilidade de alguma ousadia. Mesmo assim, a regulamentação a nível de DO não é estanque, tendo sido objecto na última década de várias alterações.
Em 2010 foram simplificadas as regras das 8 sub-regiões do Alentejo e introduziu-se o conceito de castas obrigatórias generalizadas a todas elas, que devem representar, isoladamente ou em conjunto, 75% do lote. Eram 9 brancas (todas tipicamente alentejanas) e 8 tintas, entre as quais para além de tradicionais (Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez, Cabernet Sauvignon, Castelão e Trincadeira) passou a figurar a estrela portuguesa Touriga Nacional e Syrah que conquistou produtores nacionais e entrou nos lotes alentejanos como uma casta melhoradora. Em 2014, ao leque de castas obrigatórias juntaram-se mais quatro, que bem representam a região: Grand-Noir (curiosamente, a casta esteve sempre presente no encepamento de Portalegre e em casas histórias de Reguengos, como José de Sousa), Moreto, Tinta Caiada e Tinta Grossa. Para além destas, existe uma lista de 47 castas, nacionais e estrangeiras, que podem ser utilizadas na elaboração de vinhos com DO, não ultrapassando 25%.
Obviamente, a IG oferece mais flexibilidade ao produtor: permite mais rendimento por hectare e muito mais castas à escolha. Quem quiser, pode fazer 100% Chenin Blanc, Chasselas, Vinhão ou Zinfandel.
Não existe grande diferença entre DO e IG em termos de qualidade exigida para aprovação. Por exemplo, um vinho designado como Reserva tem de obter no mínimo 70 pontos e Grande Reserva 80 pontos (escala 0/100), independentemente se for para certificar como DO Alentejo ou Regional Alentejano.
Se analisar a produção só de vinhos tranquilos, sem tomar em consideração espumantes e licorosos, na última campanha de 2018/2019 há mais vinhos produzidos com DO do que com IG, sendo 591.407 hl versus 479.688 hl, respectivamente. Cerca de 75% são tintos e rosés. As sub-regiões de Reguengos e Borba representam o maior peso na produção da região.
Explorar a região de forma inovadora
Apesar de ter uma posição confortável no mercado nacional, a região não parou no tempo, promovendo várias iniciativas, quer a nível de produtores, quer a nível institucional.
Para além das sub-regiões conhecidas historicamente e com carácter diferenciador, como Vidigueira, Évora, Borba ou Reguengos, há projectos interessantes noutras zonas, como a DO Portalegre ou o litoral Alentejano, onde o clima é temperado pela altitude ou pela influência atlântica, respectivamente.
Outro projecto altamente inovador é o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo desenvolvido pela CVR Alentejana em parceria com a Universidade de Évora. Este programa pioneiro em Portugal visa a adaptação de melhores práticas na vinha e na adega para produzir uvas e vinho de qualidade e de forma economicamente viável, protegendo ao mesmo tempo o meio ambiente. Isto consegue-se através de optimização na gestão de energia e água na vinha e na adega, redução, reutilização e reciclagem de resíduos. Sendo o Alentejo uma região com disponibilidade de água limitada (que se pode agravar com as alterações climáticas), a gestão eficiente deste recurso torna-se particularmente relevante para os produtores.
Para dar um exemplo, no Alentejo, o consumo de água varia entre os 1,2 (nos casos mais eficientes) e os 14,4 litros de água por litro de vinho. As ferramentas previstas no programa permitirão a redução do consumo de água até os 0,75 e 1 litro de água por cada litro de vinho produzido. O melhoramento na eficiência energética levará à redução de consumo e custos associados; redução de emissões de gases que contribuem para o efeito de estufa; permitirá aliviar circuitos sobrecarregados (sistemas de frio ou aquecimento, sobretudo na vindima que é altura de maior consumo energético). O programa é de adesão voluntária e gratuita e actualmente conta com 396 membros.
A nível de enoturismo, recentemente foi inaugurado um novo espaço da Rota dos Vinhos de Alentejo, onde os interessados podem conhecer melhor a região, não só através de provas de vinhos, mas também de forma interactiva. É possível cheirar os aromas das castas principais da região; aprender mais sobre solos, cujas amostras estão disponíveis para observar; organizar uma viagem através de uma plataforma interactiva que disponibiliza informação sobre os produtores com aplicação de vários filtros (tem ou não restaurante ou unidade hoteleira, por exemplo).
O que são vinhos “até 8 euros”
A nossa prova centrou-se em vinhos tintos do Alentejo com preço médio de mercado igual ou inferior a €8. É muito curioso verificar que ao subir um degrau de preço, de 5 para 8 euros, por exemplo, já estamos num patamar diferente em termos de qualidade. Muitos dos vinhos nesta faixa de preços não são propriamente os vinhos de entrada de gama. No caso de alguns produtores mais pequenos, até os vinhos que abrem o portefólio produzidos em maior quantidade, nada têm a ver com os vinhos básicos e simples, normalmente associados a entradas de gama. Ao mesmo tempo não são vinhos caros, representando uma óptima oferta para um consumidor mais exigente.
O enólogo Ricardo Constantino, da Herdade das Servas, está seguro da importância deste segmento de preço para o consumidor. “Nem todos podem comprar vinhos caros. A gama de entrada pode ser mais simples, mais versátil e consensual; a gama média é para um consumidor mais esclarecido.” Se dos vinhos de entrada produzem 1.000.000 garrafas vendidas a 5 euros PVP, desta gama média fazem 150.000 garrafas de tinto (e 30.000 de branco). Procuram “alguma complexidade, algum tanino sem ser muito marcado, nem madeira muito presente, apenas para dar o equilíbrio a fruta”.
Na Herdade da Calada, o vinho Caladessa representa uma gama média, da qual produzem metade dos vinhos de entrada e o dobro dos topos de gama. Vendem mais no canal horeca no mercado interno. O enólogo Eduardo Cardeal repara que “os vinhos da gama média são importantes para o sustento das casas: têm uma margem maior, comparativamente às entradas de gama, acabam por ser uma mais valia.”
Segundo o enólogo Oscar Gato, a gama de monovarietais foi criada na Adega de Borba para dar resposta ao mercado que procura perceber melhor as castas que normalmente entram em lotes. Estes vinhos não estão nas grandes superfícies e, curiosamente, vendem-se muito bem na loja online da própria adega. Mas são quantidades limitadas. Do Senses Syrah, por exemplo, só produzem cerca de 5.000 garrafas.
No caso da HMR, Pousio Selection é um entrada de gama, mas de um patamar diferente. Como não conseguem competir com as adegas cooperativas e outros produtores de grande dimensão, não apostam no vinho de combate, não vendem os seus vinhos nas grandes superfícies e procuram que o preço não seja o factor principal na decisão de compra pelos seus parceiros e pelo consumidor final. Na definição do perfil deste vinho o enólogo Nuno Elias dá primazia à fruta em detrimento de estrutura. A gama Selection fazem 120.000 garrafas de tinto, 47.000 de branco e 20.000 de rosé que em conjunto representam mais de metade da produção total de 320.000 garrafas.
O vinho Carlos Reynolds também consubstancia a entrada de gama para Reynolds Wine Growers. Fazem 50.000 garrafas que representam 25% da produção. Segundo o enólogo Nelson Martins, pretende-se um vinho menos estruturado, com mais frescura e pureza de fruta.
O objectivo do projecto Bojador de Pedro Ribeiro é mostrar a elegância e autenticidade do terroir da Vidigueira, onde trabalha vinhas velhas em viticultura biológica. Começou pequeno e cresceu nos últimos anos, chegando a quase 400.000 garrafas, onde o entrada de gama representa cerca de 50%.
Mas quais são os factores que contribuem significativamente para que o vinho de qualidade possa ser acessível em termos de preço?
Uma viticultura com contas
A orografia relativamente plana do Alentejo e extensão de vinhas oferecem possibilidade de mecanização o que reduz o custo de produção. O clima quente e seco durante a maturação e vindima minimiza a carga de doenças na vinha. Não é por acaso que o Alentejo tem a segunda maior área de vinha em agricultura biológica (a seguir a Trás-os-Montes) com 991 hectares, o que corresponde a 28% da área de vinha em produção biológica em Portugal continental (de acordo com os dados mais recentes da Direcção de Agricultura e Desenvolvimento Rural).
Alguns produtores fazem a diferenciação logo na vinha, por castas e por parcelas. E não limitam tanto a produção, como para os vinhos de gama alta, procurando um compromisso entre várias componentes que contribuem para o produto final.
Eduardo Cardeal confirma que as produções por hectare são maiores, a monda dos cachos, se for necessária, é muito reduzida. Fazem segmentação na vinha, não é tanto em função da casta, como das parcelas. Uma parcela de Touriga Nacional produz 10 tn/ha e outra 5 tn/ha.
Nelson Martins também refere que “a vinha é trabalhada de maneira diferente. Por exemplo, em vez de limitar a produção de Alicante Bouschet ou Alfrocheiro a 4-5 tn/ha, deixam produzir até 7 tn/ha. Desta forma, as uvas também conservam mais acidez, o que é bom para vinhos gastronómicos”.
Nuno Elias tem opinião semelhante, ao dizer que a mesma casta em talhões diferentes pode ter produtividade e características bem distintas. Por exemplo, o Alicante Bouschet que entra no lote do Pousio Selection não é o mesmo que serve de base ao monovarietal.
Na Herdade das Servas a selecção de castas é feita em função do perfil de vinho desenhado para esta gama. Pretende-se alguma complexidade e tem que se sentir o contributo de cada casta. “Propositadamente utilizamos Cabernet Sauvignon e Trincadeira para transmitir alguma sensação vegetal para o vinho ser mais gastronómico, não apenas frutado. Alicante Bouschet para dar complexidade e Touriga Nacional para transmitir uma fruta mais fresca e boa acidez. A Touriga nunca entra na gama mais baixa”, repara Ricardo Constantino.
No caso da HMR a abordagem é diferente. “As castas seleccionadas para esta gama são menos taninosas e com boa fruta, como Alicante Bouschet, Syrah e Touriga Nacional. Por exemplo o Cabernet Sauvignon ou Petit Verdot não entram nesta gama”, explica Nuno Elias.
Cuidados na adega
Há várias formas de fazer vinho para atingir um equilíbrio entre custos de produção, qualidade do produto e preço moderado para consumidor. Os produtores com quem falámos, de um modo geral, têm cuidado com extracção, preferem uma maceração pré-fermentativa a frio, evitando a pós-fermentativa num ambiente mais extractivo por causa do álcool. Nuno Elias até prefere prensar logo quando acaba a fermentação para não extrair tanino em demasia.
As temperaturas de fermentação são geralmente mais baixas (22-25˚C) para não elevar a extracção de compostos fenólicos e realçar o componente frutado no aroma.
Na Reynolds, Nelson Martins presta especial atenção às leveduras e para os vinhos mais jovens, prefere as leveduras que aportam mais fruta. No início não usam Saccharomyces, adicionando-as para finalizar a fermentação e não deixar açúcar residual.
Pedro Ribeiro, pelo contrário, fermenta com leveduras indígenas e é apologista de enologia de intervenção mínima em termos de utilização de produtos enológicos. Porque o projecto nasceu pequeno, apenas 100.000 garrafas e a filosofia era esta. Hoje, quando o volume aumentou significativamente, é um risco assumido, sabendo que não pode continuar a crescer em volume para manter a filosofia.
Eduardo Cardeal, na Herdade da Calada, recorre à maceração carbónica das castas “com aromas primários clássicos – Touriga Nacional, Syrah, Touriga Franca, Alfrocheiro. Mas não faz o mesmo com a Tinta Caiada, por ter precursores de pirazina.”
Nuno Elias não faz maceração carbónica, mas coloca algumas camadas de bagos inteiros (depende de colheita e da maturação), o que impede contacto inicial com grainhas e películas e promove alguma fermentação intracelular para libertar os precursores aromáticos sem extrair tanino.
Obviamente, nesta faixa de preço há muitos vinhos que não estagiam em madeira. Também se utilizam madeiras alternativas, como aduelas, por exemplo, que são mais aproximadas às barricas pela sua grossura, comparativamente aos chips/aparas. O estágio em barricas, quando é praticado, ocorre em barricas usadas, onde às vezes estagia apenas uma parte do lote.
Segundo Eduardo Cardeal “a amortização de preço já foi feita nos vinhos de topos de gama.” Por isso o Caladessa estagia 12 meses em barricas usadas.
Na Adega de Borba existe um parque de 1.200 barricas; as novas destinam-se aos vinhos premium, as usadas servem para gama média, como é o caso do Senses Syrah que estagia 9 meses em barrica de carvalho. Existem regras internas para a reutilização das barricas, normalmente durante 7 anos.
Na Reynolds Wine Growers, para o estágio de vinhos mais jovens utilizam balseiros de carvalho de 10.000 litros que também não representam custo, nem marcam o vinho.
Na HMR, nos vinhos de entrada 80% do lote não vê barrica, mas no final engloba cerca de 20% de vinhos que estagiaram em barrica para reserva.
Pedro Ribeiro fermenta em cubas de cimento e balseiros de madeira, depois estagia 6 meses em barricas usadas de 500 litros para dar uma boa textura e não marcar muito o vinho.
Na Herdade das Servas para os vinhos de gama média prevêem um estágio bastante prolongado: um ano em barrica, mais um ano ou ano e meio em cuba para manter frescura e mais 6-8 meses em garrafa antes de lançar para o mercado.
Óscar Gato toca mais num aspecto importante que tem certo peso no PVP – os atributos do produto final que não têm a ver com a qualidade do mesmo, como é o caso das garrafas e dos rótulos. “Podíamos fazer uma garrafa ‘xpto’ com um rótulo pujante, mas nós escolhemos garrafas mais leves, ligeiramente troncocónicas e um rótulo adequado.”
É entusiasmante ver esta diversidade de abordagens e estilos, bom senso a par com alguns desafios pelo meio. O resultado está à vista: eleva-se a fasquia do “bom e barato” para “muito bom e acessível”.
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Artigo da edição nº37, Maio 2020