Roteiro: Algarve – A discreta revolução
Uma História com 2500 anos Os vinhos estarão no Algarve há muito, muito tempo. Segundo o livro “A Vinha e o Vinho no Algarve – O renascer de uma velha tradição”, coordenado por João Pedro Bernardes e Luís Filipe Oliveira, do Centro de Estudos do Património da Universidade do Algarve, “foram (…) os Fenícios […]
Uma História com 2500 anos
Os vinhos estarão no Algarve há muito, muito tempo. Segundo o livro “A Vinha e o Vinho no Algarve – O renascer de uma velha tradição”, coordenado por João Pedro Bernardes e Luís Filipe Oliveira, do Centro de Estudos do Património da Universidade do Algarve, “foram (…) os Fenícios ou os Gregos que, a partir do século VIII a.C., permitiram os primeiros contactos da região com o vinho, uma bebida cara e de consumo muito restrito”. O vinho chegava de barco em ânforas, cujos restos, descobertos em abundância, continham vestígios de vinho. Não tardou que os autóctones começassem a plantar a videira, mais a jeito de experiência. A chegada dos romanos, alguns séculos depois, veio expandir o cultivo, a par da oliveira. Mas, aparentemente, ainda em pouca quantidade, destinando-se o pouco vinho resultante a ocasiões especiais e/ou elites sociais. Nos séculos seguintes, a produção local não inviabilizou a importação, que passava pela actual Itália para, calcula-se, a espanhola Andaluzia e a Gália, actual França. Por essa altura, o vasilhame de transporte vai passando do barro (as famosas ânforas vinárias), para a madeira, com os barris e tonéis a assegurarem também a função de armazenamento.
Terá sido já na nossa era que se fomentou o cultivo da vinha no Algarve, através de explorações
agrícolas fundadas por colonos romanos ou sob a sua influência. Estes colonos trouxeram ainda as suas técnicas de vinificação. Com a queda do Império Romano, estas explorações entram em colapso, por volta do século V. Dos séculos seguintes pouco ou nada se sabe, mas não custa perceber que alguma vinha se tenha mantido na paisagem algarvia, incluindo na presença islâmica no sul de Portugal, que durou até ao século XIII. Os árabes, curiosamente, já detinham bons conhecimentos sobre a vinha e o vinho, patentes, por exemplo, em tratados agronómicos da altura. E tanto assim era que o rei Afonso III responsabilizou os mouros que por aqui ficaram pelo cultivo das suas vinhas na região.
E os anos foram passando. Existem bons registos do século XV e posteriores que mostram que o cultivo da vinha e o fabrico do vinho tinha, entretanto, crescido significativamente. Juntamente com frutas (especialmente o figo), o vinho começou a ser exportado, por mar, para a região de Lisboa e também para o Norte da Europa (muitas vezes de Lisboa). Isto pressupunha áreas de vinha já consideráveis. Diz “A Vinha e o Vinho no Algarve” que a vinha “ocupava uma mancha que se estendia por toda a faixa litoral, subindo inclusive o barrocal, para se deter apenas nas imediações da serra algarvia”. E estava sobretudo junto às povoações.
Os séculos posteriores não trouxeram grandes novidades a este panorama. Mesmo os procedimentos de viticultura e enologia, pouco se alteraram ao longo dos anos. Práticas poucas vezes sãs davam, muitas vezes, origem a vinhos defeituosos ou alterados com ingredientes. A introdução de conhecimentos mais modernos nem sempre era bem-vinda: muitos produtores achavam que o vinho feito “à moda antiga” era o preferido dos consumidores. Noutras paragens, não era assim. De tal maneira que surge em Lisboa uma proibição de entrada de “vinhos inferiores e avinagrados do Algarve”.
A obra de João Pedro Bernardes e Luís Filipe Oliveira refere-o explicitamente, apontando razões para isso: por um lado, o acervo das castas tradicionais, “que privilegiavam a quantidade e não a qualidade”. E por outro, a influência das condições climáticas do Algarve, com calor na Primavera e Verão e temperaturas moderadas no resto do ano; estas condições proporcionavam vinhos alcoólicos, com poucos taninos e acidez, comprometendo a sua evolução. Mas, se pensarmos bem, o panorama não seria tão diferente noutras regiões do país.
Sara Silva, Presidente da Comissão Vitivinícola do Algarve, entrou na casa em 2010, mas só gere os seus destinos desde 2019, à frente de uma equipa de cinco pessoas.
O vinho algarvio no século XX
E chegamos rapidamente ao século XX, já depois de resolvida a hecatombe da Filoxera e os estragos causados pela chegada das doenças fúngicas chamadas de Oídio e Míldio. Refira-se que a Filoxera não atacou tão severamente os vinhedos algarvios como nas outras regiões, por duas grandes razões: os solos de areia e a consociação da vinha com outras culturas, como a figueira, oliveira, alfarrobeira e amendoeira. Ou seja, as vinhas eram na sua maioria pequenas e afastadas, o que dificultava a propagação da praga. De tal maneira que, já nos anos 80, cerca de 17% da área de vinha algarvia ainda estava em pé franco, sem recorrer ao enxerto com bacelo americano, imune à Filoxera. Em Lagoa, essa percentagem era 37%!
Nas primeiras décadas do século, o comércio local de vinho era pouco desenvolvido e o vinho era comercializado a granel, em garrafões ou barris e o seu destino era sobretudo as tabernas. Em 1945, começam a surgir as primeiras adegas cooperativas, com Lagoa e Lagos a assumir a dianteira. Em 1951 já existiam 15 cooperativas no Algarve. Numa região de pequenas vinhas e pequenas explorações agrícolas, as adegas algarvias chegaram a vinificar a grande maioria da produção da região. E foram também responsáveis por um aumento de qualidade do vinho e da sua uniformização. Mas o destino de quase todas estava traçado: com a chegada da laranja, e depois do turismo e do betão, muitas vinhas desapareceram, recebendo os agricultores os respectivos (e generosos) subsídios para as arrancar, ou a venda dos direitos de plantação para outras regiões.
As cooperativas, já de si pequenas, não conseguiram resistir. A única sobrevivente foi a de Lagoa (que, entretanto, se fundiu com Lagos). Chegou a vinificar 80% do vinho algarvio, já nos anos 90, mas foi definhando. Hoje continua a laborar, mas recebe uma pequena parte das uvas que em tempos lá entraram, junto à famosa Nacional 125. Chegou a fazer 4 milhões de litros, hoje produz apenas 200 mil litros próprios. Mas aqui faz-se mais: conhecida agora como “Única”, esta cooperativa acaba por tomar um papel importante na região, prestando serviços de adega a vários produtores.
No entanto, não foram apenas as cooperativas a sofrer. Muitos produtores de uva e vinho desapareceram ou viram as suas produções diminuir. No início da década de 2000, o Algarve tinha perdido 90% (!) da sua área de vinha.
Rumo à discreta revolução
A região vitivinícola do Algarve foi, entretanto, demarcada em 1980, tendo como sub-regiões Lagos, Portimão, Lagoa e Tavira. A Comissão Vitivinícola Algarvia (CVA), contudo, só inicia a sua actividade em 1994. A partir de 1998, a CVA conseguiu dinamizar um pouco o Algarve vitícola, incentivando a renovação das vinhas algarvias. Em 2005 já tinham sido reestruturadas cerca de 400 hectares de vinhas. No entanto, eram ainda poucos os produtores. A chegada do cantor inglês Cliff Richard, que plantou vinhas na sua propriedade de Albufeira em 1998, ajudou à notoriedade do vinho da região.
O panorama só se alterou significativamente na última década. Segundo Sara Silva, “em 2010, a região tinha apenas 16 produtores de vinho, hoje são 50”. A presidente da CVA entrou na casa em 2010, mas só gere os seus destinos desde 2019, à frente de uma equipa de cinco pessoas. A explosão deveu-se à entrada de novos produtores locais e outros vindos de fora. Mas já veremos o porquê desta pequena revolução.
Dois produtores são de referir em particular: estamos a falar da Casa Santos Lima, um dos maiores exportadores de vinho de Portugal (com vinhas sobretudo na região de Lisboa), e da Aveleda, o maior potentado nos Vinhos Verdes, mas com vinhas no Douro e Bairrada. Ambas com investimentos pesados. A Casa Santos Lima, por exemplo, chegou em 2013 à zona de Tavira, e é já, de longe, o maior certificador da região. Já agora, os três players seguintes são a Aveleda, a Quinta do Barranco Longo e a Quinta dos Vales. Mais ainda: corre na região o rumor de que outras grandes empresas têm “o olho posto” neste território com um terroir muito próprio.
Um território junto ao mar
A vinha algarvia cresce num clima de Invernos amenos e Verões quentes e secos. Ou seja, um clima mediterrânico bem vincado, com fraca amplitude térmica e pouco vento. Lembremo-nos que todo o Algarve está protegido dos ventos frios do norte por várias cordilheiras montanhosas, que se estendem de leste a oeste. A sul, a proximidade ao mar, contudo, costuma dar uma boa ajuda a manter os teores de acidez nas uvas, algo tão importante para dar frescura aos vinhos. As temperaturas amenas no Inverno e o número de horas de sol (cerca de 3 mil!) fazem com que, aqui, as vinhas comecem a trabalhar mais cedo que no resto do país. E, claro, as vindimas seguem esta precocidade.
Com pouca chuva durante os meses mais quentes, todos os produtores que visitámos durante esta reportagem tinham rega instalada, quase todos indo buscar a água ao subsolo. No litoral, predominam os solos arenosos e argilo-arenosos, com alguma fertilidade. No barrocal, a faixa mais para o interior, os solos são maioritariamente calcários de vertentes pedregosas, também com pouca fertilidade. Existem alguns aluviões, de alta fertilidade, quase sempre junto a rios e linhas de água. Mais para o interior, na serra algarvia, os solos são cada vez mais pobres e secos, predominando o xisto e outras rochas.
Uma (muito) pequena região vitivinícola
Actualmente existem no Algarve cerca de 600 hectares de vinha apta a produzir uvas para fazer vinhos certificados (DOC e Regional). Para se ter uma ideia da reduzida dimensão, podemos dizer que vários produtores individuais portugueses possuem mais do que isto. Ainda por comparação, a vizinha região do Alentejo tem perto de 24 mil hectares de vinha para DO/IG, cerca de 40 vezes mais do que todo o Algarve. O anuário do Instituto da Vinha e do Vinho indica que, em 2021, o Algarve era a mais pequena região de Portugal continental em área de vinha.
Outrora depósito de muita vinha, o litoral algarvio tem hoje poucas cepas. Ao longo dos anos, foi cedendo o lugar ao barrocal, onde está agora a maioria da vinha. Um “restinho” vai para a serra algarvia, onde existe um exemplo extremo: o anterior presidente da CVA, Carlos Garcias, está a explorar uma pequena vinha na serra da Fóia, a mais alta do Algarve. A vinha foi plantada em terraços que se aproximam de uma altitude de 700 metros. É impressionante a diferença de temperatura daqui para o litoral. Em Agosto, na viagem de Portimão à Quinta de São Francisco (como se chama a exploração), durante uns meros 35 minutos de carro, vemos o termómetro descer cerca de oito graus.
A ascensão da casta Negra Mole
Em termos de castas, o Algarve moderno tem de tudo um pouco. Mas uma se destaca de todas as outras: a clássica algarvia Negra Mole, que tinha vindo a ser progressivamente abandonada por vários viticultores à procura de vinhos mais modernos, começa agora a ser a estrela da região. Dos 50 produtores, cerca de 20 têm-na no encepamento e as suas uvas são actualmente muito cobiçadas e valorizadas: ouvimos falar de preços a rondar €1,50, ou mais, este ano, o que torna esta uva uma das mais caras do país. Outros viticultores que visitámos pensam plantá-la e/ou aumentar a área existente. Mas, verdade seja dita, também existem os que não querem Negra Mole, que continua a ser a casta mais plantada do Algarve. Na vinha, a Negra Mole é única. A primeira vez que viu a casta na vinha, o enólogo Bernardo Cabral (que oficia na Arvad, produtor de Estômbar) ficou estupefacto: “isto tem tudo para dar errado: no mesmo cacho existem uvas brancas, rosadas e tintas”. Já foi há muitos anos, mas ainda hoje se ri da experiência. A Negra Mole é uma variedade que dá vinhos com pouca cor, e por isso é fácil fazer rosés (e mesmo brancos). Considerada tinta, tem, contudo, taninos muitos suaves (alguns enólogos usam engaços, grainhas e macerações prolongadas para extrair mais cor e taninos nos tintos) e se for bem tratada na vinha e adega, dá vinhos que, apesar de discretos, possuem uma excelente frescura e leveza. Exactamente o que cliente moderno está a pedir… De resto, os vinhos tintos certificados no Algarve usam uma multitude de castas que podemos encontrar noutras regiões: desde as nacionais Alicante Bouschet, Aragonez, Syrah, Touriga Nacional, Castelão, Trincadeira (Crato Preto), etc.
Nas castas brancas, destacava-se o Crato Branco, mais conhecida como Síria ou Roupeiro noutras regiões. Nos produtores mais virados para a qualidade, está a ser ultrapassada por uvas com melhores teores de acidez, como o Arinto, Verdelho ou Encruzado e as mais conhecidas internacionalmente (Sauvignon Blanc, Chardonnay, etc). Patrick Agostini, da Quinta do Francês, ainda vinificou Crato Branco durante alguns anos, mas diz que oxida muito facilmente e não se vendia bem no enoturismo: “o nosso cliente é estrangeiro e compra o que conhece”, disse-nos ele.
Algarve precisa de mais adegas
A região produz cerca de 1,6 milhões de litros de vinho e introduz no mercado mais de um milhão de garrafas de vinho certificado, quase todo Regional Algarve (mais de 90%). A CVA tem tentado que o DOC Algarve tenha mais aderentes, mas os produtores, pelo que ouvimos, não vêem grande necessidade de mudar. Curiosamente, isto parece derrotar a existência das quatro sub-regiões algarvias. O tema está agora a ser debatido no Conselho Geral da CVA e alguma decisão irá surgir nos próximos tempos.
Como muitos produtores não têm adega, as três existentes que prestam serviços começam a atingir os seus limites. Com o crescimento na área de vinha e no número de produtores (quatro ou cinco por ano), Sara Silva acredita que mais adegas terão de surgir, e, de facto, várias estão apenas à espera dos demorados licenciamentos.
O antigo e o moderno
Quando bem vinificados, os vinhos tintos algarvios sempre tiveram um perfil muito suave, com pouco tanino, pouca cor, pouco aroma e muito álcool. E o algarvio sempre gostou deste tipo de vinho. Os melhores chegaram mesmo a ter prémios em concursos.
Hoje, o panorama é muito diferente. O encepamento mudou muito, as áreas de vinha também, assim como as produções, mais baixas, mas com melhor qualidade e concentração. A mudança ocorreu tanto nos tintos como nos brancos e rosés. Na verdade, o Algarve é hoje terra de brancos e rosés. É isso que a maioria dos enófilos procura nas superfícies comerciais, nos restaurantes, hotéis e wine bars. Não espanta, por isso, que a maioria dos novos projectos leve isto em consideração. Ou seja, o encepamento passou a estar mais virado para estes tipos de vinho. Uma parte das uvas tintas vai, por isso, para os rosés.
Em tempos, os vinhos generosos tiveram alguma fama e houve quem defendesse que o terroir algarvio será propício a estes. Apesar de muito poucos o fazerem actualmente, detectámos vontade de alguns produtores em levar a cabo algumas tentativas.
A modernidade vínica não foi exclusivamente endógena. A entrada de técnicos e produtores de fora também trouxe experiência e novas abordagens. Nomes como Joana Maçanita e Pedro Mendes (responsáveis por vários produtores), Bernardo Cabral (Arvad), António Narciso (Artemis), e Jorge Páscoa (Quinta do Canhoto), são apenas alguns exemplos, mas existem mais.
Vinhos para todos os gostos
A maioria dos produtores está em sintonia com o consumidor local (especialmente o turista enófilo), tentando produzir vinhos cada vez mais frescos e elegantes e menos alcoólicos, especialmente brancos e rosés. O grande segredo é apanhar as uvas mais cedo e de facto, no início de Agosto, já muita gente estava a vindimar nas quintas que visitámos.
Um dos produtores com mais sucesso, Rui Virgínia (Quinta do Barranco Longo), tem vários brancos que não passam dos 11,5 graus de álcool. E, dos que provámos, nem um indício de desequilíbrio ou acidez descasada.
Nos tintos, alguns produtores mais atrevidos, como Patrick Agostini (Quinta do Francês), produzem vinhos poderosos, alcoólicos e com taninos algo aguerridos. Mas, verdade seja dita, o seu terroir, de serra com solo xistosos, assim o proporciona. São vinhos caros, mas o médico francês vende tudo, a maior parte no Algarve.
Um mercado muito apetecível
Empresas muito profissionais como a Casa Santos Lima e Aveleda, com milhões de litros produzidos em várias regiões do país e anos de experiência na comercialização e promoção, não investem à toa. Especialmente quando os investimentos são pesados, como aqui já aconteceu e vai continuar a acontecer. Porquê então o Algarve? Porque, desde logo, o preço do vinho algarvio é o mais elevado do país (sem contar com Madeira e Açores, claro). A julgar pelos números da Nielsen, a mais conhecida empresa de estudos de mercado neste sector, há sete anos consecutivos que o Algarve lidera, destacado no preço médio por litro pago pela distribuição e restauração. Só por comparação, um litro de vinho algarvio valia €13,50 em 2022, contra €6,20 no Alentejo e €9,70 no Douro.
Como é isto possível, numa região com pouca notoriedade vínica? Na verdade, é fácil de perceber. Até agora o mercado local tem absorvido quase todo o vinho, Sara Silva estima entre 70 a 80%. Essa é, aliás, a principal razão por que é difícil encontrar, no resto do país, vinho algarvio nos restaurantes e grandes superfícies: “Para quê enviar para Lisboa e enfrentar uma concorrência aguerrida quando consigo escoar aqui toda a produção e a bom preço?” parecem perguntar os produtores algarvios. Ora, o turista e/ou residente estrangeiro é o maior consumidor. Não sendo tão sensíveis a marcas e regiões vínicas, estes enófilos têm tendência a escolher vinhos locais e, pelos vistos, têm gostado, porque têm continuado a comprar. Por outro lado, não custa perceber que a melhoria substancial na qualidade média tem levado muitos enófilos algarvios a escolher também vinhos locais. A enorme profusão de garrafeiras, lojas gourmet e wine bars é sinal claro desta realidade. Felizmente existe capacidade de compra: o Algarve é a segunda região com maior PIB per capita de Portugal, a seguir à Área Metropolitana de Lisboa (dados de 2021). Este é, sem dúvida, um mercado à parte do resto do país.
O poderoso Enoturismo
A par do generoso mercado local, o enoturismo é a outra faceta do vinho algarvio. De facto, é uma belíssima fonte de receitas para muitos produtores de vinho que visitamos. A maioria dos visitantes é estrangeira e não se importa de pagar para calcorrear as vinhas em visita guiada e depois provar os vinhos da casa, em prova conduzida. Um petisco a acompanhar e são duas ou três horas bem passadas, que, para o turista estrangeiro, vale bem 10, 20 ou 30 euros por cabeça. Ou muito mais, para experiências personalizadas como, por exemplo, um workshop de fazer lotes de vinhos (€285 na Quinta dos Vales). Melhor ainda, alguns turistas levam vinho para casa ou pagam ao produtor para os enviar para qualquer destino além-fronteiras. Patrick Agostini, da Quinta do Francês, confidenciou-nos: “seria difícil sobreviver sem o enoturismo”. É também por isso que diversos produtores, como a Quinta da Malaca (entre Portimão e Vilamoura) estão a ultimar obras para receber turistas. Outros, como a Aveleda (Alvor) e Artemis (Tavira), esperavam com impaciência pelas licenças de construção, que, pelos vistos, estão a levar entre dois e três anos.
Há dois anos, nasceu a rota de vinhos do Algarve, chamada de Algarve Wine Tourism. Contando com cerca de 25 produtores aderentes, já tem site próprio (algarvewinetourism.pt) e uma app (Algarve Wines), contendo toda a informação de que o enoturista precisa. “É um potencial que já cá estava”, diz Sara Silva, que lamenta não ter acesso a maiores fundos para promoção.
Do Algarve, com muito orgulho
Depois do sol, da praia e do golfe, o Algarve arrisca-se a ter no vinho mais um forte motivo de atracção turística. À parte a notoriedade, o Algarve não perde para qualquer outra região vitivinícola portuguesa. Avista-se facilmente um futuro risonho e um exemplo de enoturismo para o mundo. Os vinhos são muito bons, só falta que o resto do país (e o mundo) os descubra, de preferência saboreando-os com a magnífica gastronomia algarvia.
Os produtores
Para fazer esta reportagem, visitámos oito produtores, escolhidos com a ajuda da CVA. Procurou-se visitar várias realidades, com vinhas junto ao litoral, no barrocal e na serra. Produtores grandes, médios e um pequeno. Mas existem muitos mais e a trabalhar muito bem. Ao mesmo tempo, falámos com vários enólogos e técnicos de viticultura. Aqui fica um apanhado breve de cada um.
Artemis
Do Dão para o Algarve, perto de Tavira. Este é o percurso que António Narciso passou a fazer desde que assumiu a responsabilidade produtiva por esta exploração, propriedade do advogado Vicente Marques. No Dão, a marca é Dom Vicente, aqui é Monte da Ria e Solar da Ria. A vinha está mesmo no litoral e as uvas são, por enquanto, vinificadas numa adega improvisada, na zona industrial de Tavira. A adega própria (e enoturismo) será construída junto às vinhas, nos próximos tempos.
domvicente.shop/pt
Arvad
O nome deriva do que se pensa ter sido o nome do rio Arade em fenício, que significava refúgio. Projecto recente, propriedade de um empresário que comprou terras ao pé de Estômbar. Começou a plantar em 2016 e em 2019 saíram os primeiros vinhos, com a assinatura do enólogo Bernardo Cabral. Possui enoturismo com muita classe e vista esplendorosa sobre o vale do rio Arade. Um hotel de charme está em construção, a estrear em 2025.
arvad.pt
Aveleda
Um dos maiores projectos do Algarve, com 24 hectares de vinha, junto ao Alvor. Resultou da aquisição, em 2019, por parte da Aveleda, da quinta do Morgado da Torre, que já aqui produzia vinho há muitos anos e em boa quantidade. A vinha própria tem mudado e crescido, assim como a produção, actualmente a rondar os 100 mil litros, da marca Villa Alvor. Outra parte da vinha é arrendada. Tudo é colhido à máquina. A casa possui adega e enoturismo com loja, mas ambas vão ser substituídas: o novo e generoso edifício está apenas à espera da aprovação para começar a construção.
villaalvor.pt
Quinta da Malaca
À frente deste projecto está a família Cabrita. A história tem décadas de idade, com o avô Francisco, mas apenas em 2010 se iniciou no engarrafamento com marca própria. Luís Cabrita é a cara da casa e o mais ligado à gestão. As vinhas (cerca de 30 hectares, algumas com 70 anos) estão em Pêra, junto ao litoral e a escassos 2 quilómetros do mar, nos típicos solos arenosos. Os vinhos — Malaca, monocasta, e Vale de Parra, vinhos de lote — são vinificados em adega próxima, com a responsabilidade de Joana Maçanita. A empresa está a terminar as instalações de enoturismo, mas já tem clientes desde há anos.
facebook.com/vinho.malaca
Quinta do Canhoto
Propriedade dos irmãos Josefina e Edgar Fernandes, esta quinta ao pé de Albufeira conta com uma vinha a rondar os dez hectares, totalmente reconvertida em 2009 (existiam cepas com mais de 100 anos). As uvas são vinificadas na adega própria, projectada pela jovem arquitecta Joana Fernandes, da nova geração. Inaugurada em 2019, a adega já ganhou um prémio de design e ainda bem, porque aqui o enoturismo é explorado intensamente, acompanhado pelos vinhos da casa, da marca Esquerdino. A enologia está a cargo de Jorge Páscoa, mais conhecido pela sua actividade na região de Lisboa.
quintadocanhoto.com
Quinta do Francês
Desde cedo que o médico francês Patrick Agostini sonhava em produzir o seu vinho. Em Bordéus tirou o curso de viticultura e enologia, mas foi em plena serra algarvia, a oeste de Silves, que realizou o seu sonho. A partir de 2000, do nada, criou uma vinha (hoje com 12 hectares), depois uma adega e fundou um enoturismo com muito sucesso, gerido pela mulher, Fátima Santos. Um dos projectos mais originais com mais pergaminhos do Algarve.
quintadofrances.com
Quinta dos Capinhas
Mais um projecto familiar, explorado pela família Capinha, em Porches. Neste barrocal algarvio estão plantados, desde 2015, 8 hectares de vinha, que dão origem aos vinhos com a marca da quinta. A casa não possui adega, vinificando na Única, a cooperativa de Lagoa. Alguns brancos na Adega do Pateiro, na Quinta da Penina, com Pedro Mendes. O enoturismo é aqui muito explorado e costuma estar cheio, tal como as três villas que a quinta possui para alojamento de turistas, situadas em plena vinha.
quintadoscapinhas.com
Sul Composto
A empresa pertence a Carlos Garcias, anterior presidente da CVA. É agora um pequeno produtor, usando uvas de uma propriedade familiar em Burgau e comprando outras para vinificar com a marca Al-Mudd. Outra marca é Terraços da Fóia, que resulta de uma vinha arrendada a uma altitude de quase 700 metros, das castas Tinta Roriz e, mais recentemente, Riesling. Implantado em terraços virados a norte, ao estilo do Douro, este terroir é único no Algarve e Carlos não esconde a sua adoração pelo sossego do local, com uma vista deslumbrante.
sulcomposto.pt
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2023)
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Ianthis
- 2021 -
Arvad
- 2022 -
Quinta do Francês Terraços
Tinto - 2021 -
Quinta dos Capinhas
Tinto - 2020 -
Monte da Ria
Tinto - 2021 -
Malaca
Tinto - 2022 -
Villa Alvor
Tinto - 2022 -
Terraços da Fóia
Tinto - 2022 -
Esquerdino
Tinto - 2021 -
Arvad
Rosé - 2022 -
Esquerdino
Rosé - 2022 -
Al-Mudd
Rosé - 2022 -
Monte da Ria
Branco - 2020 -
Quinta dos Capinhas
Branco - 2021 -
Villa Alvor
Branco - 2022 -
Malaca
Branco - 2022
Vidigal Wines: Quando a sorte bate à Porta 6
Quem conhece Manuel Bio, CEO do grupo Abegoaria (na fotografia de abertura), já percebeu que é feliz a fazer negócios, quer seja vender ou comprar, de pequena ou grande escala. Com olho para potencial e oportunidades, grande visão estratégica e racionalidade financeira, já salvou empresas da falência e, até hoje, expandiu a Abegoaria às regiões […]
Quem conhece Manuel Bio, CEO do grupo Abegoaria (na fotografia de abertura), já percebeu que é feliz a fazer negócios, quer seja vender ou comprar, de pequena ou grande escala. Com olho para potencial e oportunidades, grande visão estratégica e racionalidade financeira, já salvou empresas da falência e, até hoje, expandiu a Abegoaria às regiões do Alentejo, Douro, Lisboa, Tejo, Dão e Vinhos Verdes, conquistando as casas dos consumidores portugueses com vinhos de enorme sucesso, sobretudo nos supermercados. A ambição, contudo, é também internacional, e, para isso, a Abegoaria concretizou recentemente um dos seus projectos mais arrojados, com a compra da totalidade da Vidigal Wines — sediada em Cortes, Leiria — que antes pertencia a António Mendes Lopes e a capital norueguês. A Vidigal tem origem ainda no início do século XX, numa quinta fundada por um cónego e, no início dos anos 90, alguns proprietários depois, passa para as mãos de António Mendes Lopes que, conjugando as suas vivências no estrangeiro com bastante criatividade e uma (boa) dose de loucura, levou a Vidigal Wines a ser uma das empresas de vinho portuguesas com mais sucesso na exportação, apoiada no fenómeno Porta 6, com milhões de garrafas vendidas lá fora, números que nunca pararam de crescer. A marca nasceu em 2012 e, neste momento, é o tinto português que mais vende fora de Portugal, e o segundo vinho europeu mais vendido no mercado inglês, com quase 5 milhões de garrafas comercializadas no Reino Unido. A seguir, vêm os mercados do Brasil, Israel e Canadá. A produção total anual do Porta 6 tinto supera os 8 milhões de garrafas. António Mendes Lopes não tinha, no entanto, intenções de continuar ligado à empresa após a aquisição, mas acabou por ficar como consultor, “porque o convenceram de que ali fazia falta”. Manuel Bio, e a restante equipa administrativa do grupo, conheceram António em pleno início de pandemia de Covid-19, com as primeiras conversas sobre um possível negócio em 2020. A concretização do acordo deu-se em 2022, mas em 2021 estava tudo quase fechado, e já trabalhavam em algumas coisas em conjunto.
Porta 6 é o tinto português que mais vende fora de portugal. E segundo vinho europeu mais vendido no mercado inglês, com quase 5 milhões de garrafas comercializadas no Reino Unido.
“Para nós era talvez a única empresa que, nesta fase mais recente, ‘jogava’ connosco, porque éramos muito fortes no mercado interno, com uma posição bastante privilegiada na grande distribuição e consumo em casa. Estávamos a começar a olhar para o consumo fora de casa e a desenhar uma divisão de ‘fine wines’, mas ainda não era estratégia para o grupo, queríamos fazê-lo com tempo. Estávamos a tentar a exportação, sendo que começar na exportação com vinhos portugueses é difícil e o sucesso demora a chegar. Surgiu assim esta empresa, que não tinha nada do que nós tínhamos, e tinha tudo o que estávamos à procura. No fundo, a Vidigal veio antecipar 10 anos a nossa estratégia de exportação. É um grande investimento, mas ganhámos 10 anos lá fora, e também alguns vinhos muito interessantes para o consumo fora de casa e para a tal divisão ‘fine wines’, como o Brutalis”, explica Manuel Bio. Luís Bio, director de internacionalização da Abegoaria, acrescenta, “podemo-nos orgulhar, como grupo, de sermos hoje praticamente nº1 em off trade (supermercados); nº1 em Inglaterra, também nos supermercados; top 5 no Brasil; nº1 em Israel… ou seja, conseguimos consolidar nesta aquisição uma “value story” e um vinho como o Porta 6, que faz com que, hoje, sejamos produtores de dois terços do vinho português vendido nos supermercados em Inglaterra”. António Mendes Lopes interrompe: “Não é o vinho Porta 6, é a marca”. E continua, explicando que “o Porta 6 é todo imagem. O vinho é bom, mas isso não chega. O Porta 6 tem de ser como é porque a imagem está na cabeça das pessoas, é muito mais do que a qualidade do vinho.
O ex-proprietário da Vidigal Wines, que sempre defendeu aquilo a que chama um modelo horizontal de trabalho, acredita que é esta a fórmula que serve uma marca. “Cada um faz o seu papel e as pessoas não sabem nem se metem no dos outros. Porque temos de perceber que as pessoas não fazem bem tudo, nem é possível que assim seja. Há um enólogo melhor para transformar as uvas em vinho, outro melhor para finalizar o vinho e os lotes… Eu deito-me a pensar num rótulo e numa marca, no final de uma viagem tenho um texto feito… não me tirem isto, que é o que eu gosto de fazer! Mas não me falem em uvas e vinhas, porque eu não gosto. Só gosto de uvas quando já estão no tegão”, exemplifica António Mendes Lopes, convicto de que “é preciso cercarmo-nos de pessoas teimosas e criativas, pessoas capazes de dizer ‘não’ na nossa cara. Pessoas que conseguem pensar juntas. A inteligência colectiva funciona”, remata. Neste sentido, criou um departamento chamado Brand Defender, onde os accionistas não participam, para defesa das marcas e da qualidade das mesmas. “Quem tiver interesse em poupar, e não em gastar, não pode entrar neste departamento”, sublinha António Mendes Lopes, que advoga não haver ciência exacta para o sucesso, mas acredita em alguns princípios: “Começa-se por fazer as coisas com qualidade e por manter qualidade e o estilo teimosamente, aconteça o que acontecer. Não se pode comprometer a qualidade ou o estilo. E depois espera-se… espera-se que a sorte chegue. Por definição, a sorte não pode ser planeada. É por isso que se chama sorte”. E por falar em estilo, insere-se aqui uma das componentes mais importantes da marca Porta 6, a imagem. O rótulo icónico é a reprodução de uma pintura que estava a ser vendida a turistas nas ruas de Lisboa pelo próprio autor, o artista alemão Hauke Vagt, que residia no bairro de Alfama, perto do castelo de São Jorge. A pintura do famoso eléctrico amarelo chegou às mãos de António Mendes Lopes, que decidiu negociar com o autor e fazer dela o rótulo do Porta 6. “Qualquer pessoa poderia ter comprado aquela pintura e transformá-la num rótulo, mas fomos nós que o fizemos”, afirma, também numa alusão à sorte de que tanto fala.
Os enólogos António Ventura, Rafael Neuparth (à esquerda) e Arnaldo Simões (último à direita) com Luís Bio, Manuel Bio e António Mendes Lopes.
Já António Ventura e Rafael Neuparth são os enólogos responsáveis pelos vinhos da Vidigal Wines, e Arnaldo Simões dedica-se à finalização dos lotes, estando residente na empresa. Como se faz um vinho de 8 milhões de garrafas, como o Porta 6 tinto, mantendo a qualidade e consistência? Perguntamos. “Acabou por ser fácil, porque tudo isto foi crescendo ano após ano, não começámos com 8 milhões, foi mais com duas paletes…”, diz António Ventura, entre risos. O que mudou tudo foi, na verdade, o “momento James Martin”, o chef-celebridade inglês que se lembrou de afirmar, no programa BBC Saturday Kitchen, que o Porta 6 era um dos melhores tintos que tinha provado em dez anos. Nessa altura, a única distribuidora da marca no Reino Unido era a Majestic que, depois do programa ir para o ar, viu o seu site “ir abaixo” com tanta solicitação. “Foi aqui que a sorte nos bateu à porta. Coube-nos recebê-la, acarinhá-la e trabalhar com ela”, lembra António Mendes Lopes. Nessa altura, foi difícil ter vinho para tanta procura, e um incremento revelou-se obrigatório. “Estavam a pedir-nos dez contentores, e tivemos de fazer esse trabalho. No ano seguinte já estávamos preparados. Nesse ano não tínhamos vinificação, o vinho era adquirido a terceiros, mas em 2014 nasce a adega das Encostas do Atlântico [empresa junto a Caldas da Rainha que é 70% da Vidigal Wines e que detém também as vinhas do projecto] e passámos a ter a nossa vinificação, o que nos facilitou muito e nos permitiu criar volume com qualidade. Temos uma equipa de enologia lá, liderada pelo Mauro Azóia, e outra na Vidigal, onde se faz apenas a finalização, mas cruzamos muito a informação e estamos sempre a provar juntos”, desvenda António Ventura. A Vidigal Wines explora, através da Encostas do Atlântico, cerca de 350 hectares de vinha, que se situam maioritariamente nas regiões de Alenquer e das Caldas da Rainha.
Para algo completamente diferente…
Embora o porta-bandeira da empresa (passe-se a expressão) seja o Porta 6, há outro elemento no portefólio com conceito e posicionamento totalmente distintos, o topo de gama Brutalis. Fazendo jus ao nome, é um tinto de potência, desaconselhado aos fracos de coração (ou, por outra perspectiva, talvez funcione como desfibrilhador), com Alicante Bouschet na base do lote e 20% de Cabernet Sauvignon. António Mendes Lopes, que viveu na Dinamarca, chamou Brutalis ao vinho inspirando-se num rinoceronte com o mesmo nome, que se encontrava num jardim zoológico daquele país. “Era meio louco, levava tudo à frente”, descreve. Mesmo os mercados mais fortes para o Brutalis são, na sua maioria, completamente diferentes dos do Porta 6, passando sobretudo por Portugal, Alemanha, Brasil, China e Macau. Uma prova vertical de oito colheitas deste tinto, do mais antigo para o que está actualmente no mercado, revelou algumas surpresas, com algumas edições a chocar pela juventude e vivacidade, e outras até mais elegantes, que resultaram um pouco menos “Brutalis” do que a equipa da Vidigal pretendia. O primeiro, de 2005 (ainda Regional Estremadura), foi o único feito com uvas da Quinta da Cortesia, na Merceana, mas rapidamente se percebeu que não era a vinha ideal para o perfil que se procurava. Apresenta um perfume exótico de fruta negra, especiarias, sândalo e cera de abelha. Na boca é mais leve do que se esperava, bem vegetal e maduro na fruta, chão de bosque e leve balsâmico no final (16,5 valores).
A partir do 2008 e até ao 2013, entram as uvas da “vinha do cemitério” (precisamente por ser perto de um), também na zona da Merceana. O 2008 foi uma das surpresas positivas, bastante vivo no nariz de fruta silvestre madura, muita pimenta branca, um leve lado resinoso, e outro mais lácteo e fumado. Na boca tem o tanino ainda aguerrido, muito novo, quase infante. Agradavelmente adstringente, largo e longo (17,5). O 2009 entra no mesmo registo do anterior mas mais vegetal, com uma gordura fumada bem presente. Na boca é um pouco mais magro, choveu cedo nesse ano e António Ventura diz ser a causa (17). O 2012 é, curiosamente, talvez o menos Brutalis de todos mas o que mais impressiona ao nível da qualidade absoluta. Nariz muito elegante e fino no perfume, onde balsâmicos encontram chão de bosque, eucalipto, mirtilo e arando. Na boca é vivo no lado especiado e balsâmico, potente e com muito carácter mas extremamente elegante em simultâneo, longo e sedoso no final (18). Já o 2013 é talvez o mais especiado de todos, com muita pimenta preta, cardamomo, levíssimo açafrão e agulha de pinheiro. Na boca está muito novo, imponente, tanino adstringente e final de potência. Para esperar em garrafa (17). O 2015 muda totalmente de cenário, passando a ter origem numa vinha perto do Cadaval, no lado Norte da Serra de Montejunto. Mais balsâmico no nariz do que os outros, com nota vegetal e bagas silvestres. Na boca tem uma juventude pornográfica, muito intenso e vegetal, tanino bruto e por limar. Longe do momento certo (17,5). No 2017, os balsâmicos juntam-se a fruta silvestre e cera de abelha no aroma. Bem adstringente, mas com volume a suportar, tem a particularidade de fazer sentir o álcool no final um pouco quente e medicinal (17). No mercado está o 2018, que se revela bem diferente das anteriores colheitas, a denotar mais as notas típicas do Cabernet Sauvignon. Ganhou equilíbrio e frescura balsâmica, mantendo a intensidade dos taninos. Promete crescer em garrafa (17,5).
Em apenas três anos, desde a aquisição, a Abegoaria duplicou as vendas globais da Vidigal Wines. “Sempre fomos uma empresa comercialmente muito agressiva, o que ajudou muito a que isso acontecesse. Aproveitámos, claro, o momento óptimo em que a Vidigal estava, sobretudo ao nível do produto e da imagem. Depois, foi abrir os canais, aproveitando clientes que já tínhamos na Abegoaria, nacionais e internacionais, e fazendo o mesmo com os vinhos da Abegoaria nos clientes da Vidigal”, adianta Manuel Bio. Um dos grandes objectivos do grupo é aproveitar as suas valências comerciais no mercado nacional, para levar a marca Porta 6 a ter, em Portugal, o mesmo sucesso que tem no mercado internacional. Para isso, a Abegoaria conta com a sinergia que já tinha com a distribuidora Vinalda, que assumiu a tarefa de trabalhar a marca no canal on trade (a sua especialidade) e continuar a alavancá-la no off trade. A tarefa é difícil, como reconhece Manuel Bio, mas não impossível, e os resultados, atesta, têm sido muito positivos…
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2023)
Fernão Pires: Uva de antigamente, casta de futuro
É uma casta antiga, já conhecida no século XVIII, mencionada em 1788 no Douro, nas Beiras e Estremadura e em 1790 em Castelo Branco e Guarda. No seu trabalho “O Portugal Vinícola” de 1900, Cincinnato da Costa descreve Fernão Pires como “uma boa das castas brancas da região do Tejo” que “produz muito e as […]
É uma casta antiga, já conhecida no século XVIII, mencionada em 1788 no Douro, nas Beiras e Estremadura e em 1790 em Castelo Branco e Guarda. No seu trabalho “O Portugal Vinícola” de 1900, Cincinnato da Costa descreve Fernão Pires como “uma boa das castas brancas da região do Tejo” que “produz muito e as suas uvas dão grande rendimento em mosto”. Também refere que a casta “forma a base de alguns vinhos brancos afamados das proximidades de Lisboa e que “os vinhos extremes de Fernão Pires quando bem fabricados, dão excelentes vinhos de pasto, próprios para peixe, delgados, citrinos, de paladar e aroma delicados”.
A casta terá surgido por cruzamento natural de Malvasia Fina com uma variedade desconhecida. Para além do sinónimo oficial de Maria Gomes utilizado na Bairrada, tem outras sinonímias regionais menos conhecidas que praticamente caíram em desuso, como o Gaeiro (provavelmente por estar muito disseminada na localidade das Gaeiras, no concelho de Óbidos), Molinho na Península de Setúbal ou até Alvarinhão em Melgaço. Aguiar em 1866 descreveu uma sub-variedade desta casta com origem na freguesia do Beco, concelho de Ferreira do Zezere, chamada “Fernão Pires do Beco” com porte erecto (ao contrário do habitual semi-erecto e horizontal) e Cincinnato da Costa analisou cachos de Fernão Pires e Fernão Pires do Beco, bem diferentes entre si. Hoje tudo indica que se tratava de um clone da mesma casta.
Omnipresente mas não compreendido
É a casta branca mais presente em Portugal, ocupa 6% das plantações da vinha no nosso país. Já ocupou mais (9% em 1989 e 8% em 1999) e chegou mesmo a ser a casta mais plantada, branca ou tinta. Ficou popular pela mesma razão que a impedia de tornar-se numa estrela – a sua forte identidade aromática e produções generosas, bom grau e acidez média/baixa. É um grande componente de lote, onde contribui com aromas e volume de boca. Mas nunca foi admirada e tornou-se “démodé” quando o rumo mudou para a qualidade e perfis de vinhos mais frescos. Abriu-se a porta às castas estrangeiras e outras nacionais; não gostar da Fernão Pires tornou-se quase obrigatório por ser “demasiado alcoólica”, “chata”, “enjoativa” e “com falta de frescura”.
O que vale é que as tendências não cristalizam e agora o país lembrou-se, e bem, de dar protagonismo às castas menos compreendidas e mal-amadas por “falta disto” ou “excesso daquilo”, mostrando que no sítio certo, com dedicação certa, cada casta pode ter uma performance gloriosa. Um actor popular também pode merecer um óscar com um papel certo.
Graças a umas casas consistentes, sobretudo na região do Tejo, onde a casta é identitária, e a alguns produtores entusiastas, hoje temos excelentes exemplos de Fernão Pires em várias regiões do país.
Qual é o melhor terroir?
Trata-se de uma casta bastante flexível em termos de clima, adapta-se bem a diferentes tipos de solo, desde que haja humidade suficiente. Não se importa com calor, mas é muito sensível à falta de água – a folha fica amarela e cai, comprometendo a actividade fotossintética. Precisa de ter compromisso com área foliar significativa.
É na região do Tejo que o Fernão Pires detém maior protagonismo, ocupando mais de 35% das plantações. Mas o Tejo não é todo igual. A responsável de enologia na Falua, Antonina Barbosa, distingue o Fernão Pires da zona das lezírias (na sub-região do Campo), mais jovem e exuberante que funciona sobretudo na composição de lotes, onde contribui com a parte aromática, e o Fernão Pires de vinha mais velha e de produção muito baixa da Charneca, onde a empresa possui a já famosa vinha do Convento, com um magnífico terroir de pedra rolada. Já o Fernão Pires mais impactante da Quinta do Casal Branco fica nos solos arenosos com argila a 1-1,5 metro. É uma vinha muito velha, plantada em vaso e não regada.
Na Beira Atlântica, que inclui a DOC Bairrada, a sua versão feminina, Maria Gomes, é responsável por 21,5% das plantações. Também é muito importante na região de Lisboa, ocupando mais de 10% de encepamento. Na Península de Setúbal, Fernão Pires é a segunda casta mais plantada, com 9,4% de encepamento (até fica à frente do Moscatel de Setúbal com 8,5%).
Menos relevância tem no Minho com apenas 2,5% do total, pois com as consagradas Alvarinho e Loureiro, e o Avesso como estrela em ascensão, Fernão Pires não tem tido muito espaço. No entanto, nas novas plantações regionais, começa a aumentar a sua presença, sendo importante na estratégia vitícola da Aveleda, por exemplo. A presença mais residual é registada no Dão (1,6%), Alentejo (1,4%) e Trás-os-Montes (1,2%).
A casta Fernão Pires não é muito associada à Beira Interior, ocupando cerca de 1% de vinha. Entretanto, a produtora e enóloga Patrícia Santos ficou fascinada pela performance da casta na zona de Pinhel, onde mostra quase uma salinidade inexplicável. Compara com vinhos de Sancerre, que, feitos de uma casta aromática, naquela região revelam uma personalidade diferente.
Na Bairrada, o vinho Avó Fausto da Quinta das Bágeiras é feito 100% de Maria Gomes, mas a uva não vem sempre do mesmo sítio. Há zonas mais argilo-calcárias, outras com maior percentagem de areia, e a qualidade varia com as condições de cada ano e a capacidade de retenção de água em solos diferentes.
O produtor Daniel Afonso tem as suas vinhas na zona de Colares com forte influência atlântica e confessa que gosta da Fernão Pires porque dá sempre um volume de boca muito bom e, passado dois anos depois da vindima, quase se mastiga, sem a frescura ser prejudicada. Tem um toque exótico e consegue ser bastante complexa. Conta que quando começou a trabalhar com a casta muitas vezes ouviu: “Eh, esta casta só faz vinhos maus e chatos”. Olha que não, depende da zona!
A data de vindima também varia bastante. Na Quinta do Casal Branco, neste ano de 2023, já vindimaram Fernão Pires no final de Julho. Na bairradina Quinta das Bágeiras a vindima da Maria Gomes ocorre normalmente a 8-10 de Setembro. O importante é apanhar a casta no momento certo para o vinho que se pretende produzir com ela.
O momento de vindima é crucial
É amiga do produtor… até ao momento de vindima. É campeã em todas as fases fenológicas como o abrolhamento (é preciso podar mais tarde para evitar as geadas), a floração, o pintor e a maturação e serve de referência nacional para estados fenológicos de outras castas. Não espera por ninguém e não deixa margem de manobra nas vindimas. Obriga os enólogos a regressar de férias no final de Julho para controlar a maturação. A parte boa é que não tem problemas com as chuvas do equinócio.
Manuel Lobo que conhece bem Fernão Pires por ser o enólogo consultor na Quinta do Casal Branco, propriedade de seu tio José Lobo de Vasconcelos, diz que o próprio bago da casta é muito expressivo e reflecte a qualidade. Se se trincar o bago no momento de perfeita maturação é uma explosão de sabor. “Passado apenas 1-2 dias a acidez cai a pique e os aromas já não são tão atraentes”. Manuel lembra-se que, no início, foi difícil explicar às pessoas que “tem de se vindimar amanhã” independentemente de ser um fim-de-semana ou acontecer uma festa local neste dia.
Antigamente quando se vindimava com calma, o açúcar subia, os ácidos degradavam e os aromas tornavam-se sobremaduros. Os vinhos eram mais alcoólicos, com falta de frescura e por vezes enjoativos. O que os safava era a possibilidade de serem loteados com vinhos de outras castas, como Arinto, por exemplo. A Quinta da Lapa faz um vinho que recupera essa história, chama-se mesmo Fernão Pirão, como se apelidava o vinho feito das uvas apanhadas tarde vinificadas com curtimenta e a temperaturas elevadas.
No entanto, a vindima no momento certo não tem que ver apenas com o nível de açúcar e com o teor de álcool provável, do género “até 12% temos acidez, depois perdemos a frescura”. Não é linear que o Fernão Pires apanhado com 11,5% seja melhor do que apanhado com 13%. No mesmo sítio talvez, mas há muitos factores em jogo, como o solo, o clima, a idade da vinha, o clone, o porta-enxerto, a produção, a variação do ano. A combinação destes factores leva ao equilíbrio próprio para cada caso. Por exemplo, Daniel Afonso, na zona de Colares, normalmente apanha Fernão Pires com 13% e 7 g/l de acidez, e em 2021 apanhou com 14% e 8 g/l de acidez. Manuel Lobo costuma ter cubas com parâmetros analíticos diferentes para depois lotear da melhor forma.
Controlar a produção
É casta bastante vigorosa e produtiva, varia de 8 a 18 tn/ha em média, existindo extremos como 25-30 tn/ha nos solos mais férteis do Campo e produções baixíssimas como na Vinha do Convento, da Falua, onde produz apenas 3-4 tn/ha, chegando a 5 tn/ha em alguns anos.
Mário Sérgio, da Quinta das Bágeiras, atribui grande importância à quantidade de produção. Nas vinhas dele não ultrapassa as 6-7 tn/ha. Também dá para fazer 2-3 vindimas, apanhando primeiro a uva para espumante e aguardente e, passado 15 dias já tem o equilíbrio para o vinho branco.
Na vinha velha, com mais de 70 anos, da Quinta do Casal Branco, a produção de Fernão Pires fica no nível dos 8-9 tn/ha, mas com compasso mais apertado (ou seja, com mais plantas por ha). Daniel Afonso observa que com 3 kg/planta e 15 tn/ha não tem falta de qualidade.
Abordagem enológica
A Fernão Pires é bastante plástica, tanto dá para fazer um espumante ou aguardente, como um colheita tardia. O mosto e o vinho apresentam alguma sensibilidade à oxidação, mas os produtores que trabalham com o pH mais baixo não se queixam. É uma casta de assinatura claramente terpénica, com grande número e concentração de compostos aromáticos livres (que apresentam aromas ainda nas uvas) e ligados, que podem ser libertados durante a vinificação. A maceração pelicular, por exemplo, aumenta bastante a complexidade e intensidade aromática do vinho e se a acidez for de bom nível, não apresenta o perigo de perder a frescura.
Para os vinhos mais expressivos, cada vez mais produtores apontam para fermentação com leveduras indígenas (e uvas sãs apanhadas antes das chuvas do equinócio não apresentam tanto risco). Assim faz Mário Sérgio na Quinta das Bágeiras, Manuel Lobo na Quinta do Casal Branco, Antonina Barbosa na Falua e Daniel Afonso no seu projecto Baías e Enseadas.
O estágio em madeira para Fernão Pires não é uma questão consensual, considera-se que dado o perfil aromático intenso, a barrica não lhe fica bem, sobretudo nova. Mas há excelentes exemplos de tudo.
Manuel Lobo deixa arrancar a fermentação em cuba e quando baixa os 30 pontos de densidade vai para a barrica (40% nova), onde fica 18 meses com bâtonnage. Mas uma parte fica só em cuba para compor o lote. Mário Sérgio estagia tudo em barricas bastante usadas de 500 litros e Daniel Afonso prefere as de 225 litros. Antonina Barbosa não usa barrica de todo para Fernão Pires, mas aproveita muito as borras para dar volume de boca e textura. Faz maceração pelicular, depois da prensagem, fica ainda com borras totais a baixa temperatura para criar volume e estrutura. Claro que isto tudo só é possível com pH baixo. A seguir à fermentação, sem trasfega, o vinho fica com as borras da fermentação na cuba durante mais 1 ano. Não vai para a barrica precisamente para mostrar o puro carácter da casta e do terroir.
Fernão Pires com ambição
Ao contrário da ideia generalizada de que os vinhos de Fernão Pires não justificam guarda, lembro-me de uma prova temática organizada pela CVR Tejo, onde provámos alguns vinhos de 2003, 2000, 1994 e 1983 com 12-12,5% de teor alcoólico, uma bela frescura e concentração do sabor. Isto prova mais uma vez que não devemos por todas as culpas na casta, quando não lhe damos a devida atenção.
O que falta à Fernão Pires é talvez aquela patine de casta chique, para toda a gente falar nela. A sua omnipresença não permite contar uma história do género “desencantámos uma variedade rara e salvámo-la do esquecimento”. Mas o que podemos fazer é salvar do esquecimento a sua reputação e agora já temos muitos argumentos ao seu favor. Basta olhar (e provar!) os vinhos que sugerimos nesta peça.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2023)
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Casa Cadaval
Branco - 2021 -
Quinta da Lagoalva
- 2021 -
Trois Curtimenta
- 2021 -
Quinta das Bágeiras Avô Fausto
- 2021 -
Falcoaria Vinhas Velhas
- 2020 -
Devaneio
Branco - -
Cabeça de Toiro Terroir
Branco - 2021 -
Baías e Enseadas Escolha Pessoal
Branco - 2021 -
Quinta da Lapa Retro Fernão Pirão
Branco - 2021 -
Casa da Atela
Branco - 2021 -
Casal das Aires Vinhas Velhas
- 2020 -
Quinta da Alorna Reserva das Pedras
- 2018 -
Falua Unoaked
- 2019 -
Encosta do Sobral Vinhas Velhas
Branco - 2020 -
Hugo Mendes
Branco - 2021 -
Rosa da Mata
Branco - 2020 -
Contracena
Branco - 2020 -
Canto do Marquês
Branco - 2020
Herdade de Espirra: O Castelão continua a ser aposta
Em sessão aberta à imprensa, o projecto Herdade de Espirra apresentou os vinhos Pavão de Espirra tinto 2020 e Herdade de Espirra Reserva tinto 2018. O primeiro é um vinho de entrada de gama, com um perfil assumidamente consensual, onde o aroma vivo a frutos vermelhos e um equilíbrio de corpo e taninos procura adequar-se […]
Em sessão aberta à imprensa, o projecto Herdade de Espirra apresentou os vinhos Pavão de Espirra tinto 2020 e Herdade de Espirra Reserva tinto 2018. O primeiro é um vinho de entrada de gama, com um perfil assumidamente consensual, onde o aroma vivo a frutos vermelhos e um equilíbrio de corpo e taninos procura adequar-se a momentos de consumo descontraídos e informais. O Reserva é bastante mais ambicioso. As uvas, provenientes de vinhas com mais de 40 anos, são colhidas manualmente e pisadas a pé, fermentando em lagares e beneficiando de um estágio de 24 meses em barricas de carvalho francês, a que se seguem mais doze meses em garrafa. A intenção é, como explicou Ana Varandas, mostrar a tipicidade do Castelão sem maquilhagem: fruta preta, encorpado, bons taninos. Esta casta, que atinge nos terrenos de areia de Pegões uma das suas melhores expressões, permite fazer vinhos de forte carácter e grande identidade.
Na ocasião foi também mostrada uma nova embalagem do Pavão de Espirra rosé 2021, num formato Bag in Tube, de três litros, rotulada com papel Navigator e produzida a partir de florestas geridas de forma sustentável e devidamente certificadas.
Estas preocupações ambientais atravessam toda a política da empresa. The Navigator Company é um produtor integrado de floresta, pasta, papel, “tissue”, soluções de packaging e bioenergia. A administração do grupo, presente neste encontro, reforçou este compromisso na sustentabilidade ambiental, nas soluções recicláveis e biodegradáveis e na diversidade de culturas e plantações patente em mais de 130 espécies diferentes de árvores e arbustos, muitas sem viabilidade económica, mas que são mantidas e financiadas para garantir a continuidade das espécies. A meta da neutralidade carbónica é uma aposta a médio prazo. A manutenção das vinhas e a produção de vinho na Herdade de Espirra são um exemplo vivo desta política. Representando um valor absolutamente residual no negócio global da companhia, esta foi herdada da anterior Portucel e integrada em 1985, sendo mantida e valorizada como mais um exemplo nessa aposta na biodiversidade. Por isso, as vinhas convivem pacificamente na herdade de Pegões com um total 1700 hectares, com outras actividades agro-florestais como a produção de pinhão, pastoreio, viveiros florestais e madeira. Apesar de, recentemente, se ter introduzido na propriedade novas castas como Aragonez, Touriga Nacional e Alicante Bouschet, o Castelão continua e continuará a ser o eixo da produção de vinho da Herdade, todo ele obtido a partir de vinhas em Produção Integrada.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2023)
World of Wine: Nesta aula é permitido beber
A oferta educativa em vinho existente em Portugal é tudo menos abundante ou frequente, sobretudo se estivermos a falar de opções menos exigentes e académicas, como a certificação WSET (Wine & Spirit Education Trust). No entanto, pelo menos na zona do Porto, a situação está assegurada com a The Wine School do World of Wine […]
A oferta educativa em vinho existente em Portugal é tudo menos abundante ou frequente, sobretudo se estivermos a falar de opções menos exigentes e académicas, como a certificação WSET (Wine & Spirit Education Trust). No entanto, pelo menos na zona do Porto, a situação está assegurada com a The Wine School do World of Wine (WOW), em Vila Nova de Gaia. Esta “Escola de Vinho” inaugurou em 2021, está sempre aberta e com formações constantes, deste o WSET a workshops de curta duração, passando por muitos outros cursos, para todos os níveis de conhecimento e “carteira”.
“A nossa missão prende-se com o conceito de ‘edutainment’, ou seja, educação com entretenimento. Consideramos que o sector do vinho em Portugal é complexo e se fecha muito em si”, explica-nos José Sá, director da Escola de Vinho. Com background em Engenharia Mecânica, entrou no mundo do vinho por paixão e criou a “Wine Tellers”, um projecto onde pretendia, já na altura, comunicar o vinho de forma diferente. Entretanto, foi sommelier no hotel The Yeatman e sommelier responsável no Le Monumental Palace, ingressando, simultaneamente, especializações académicas na área dos vinhos. Voltando à sua “antiga casa”, esteve na génese do museu Wine Experience do WOW antes de assumir a direcção da The Wine School, sendo actualmente responsável por uma equipa permanente de quatro formadores.
Bilingue, com oferta em português e inglês, a Escola de Vinho do WOW dá-nos a sensação de estarmos mesmo numa escola, começando num átrio central que dá acesso a salas de aula, salas de prova e uma sala privada com cozinha, além de zonas de apoio como a cozinha e a copa. Foi construída de raíz com este propósito, por isso as condições e os vários espaços são exímios. As salas de aula e prova estão, por sua vez, equipadas com módulos independentes de ar condicionado, que têm filtros de carvão e mecanismos que colocam a área em pressão positiva, elementos que “anulam cheiros e impedem a contaminação de aromas”, explica José Sá. Também não faltam equipamentos de frio para os vinhos e outros de higienização profissional para os copos. “Queremos proporcionar o mesmo nível de serviço e profissionalismo tanto na nossa prova mais simples e acessível, como na mais premium e aprofundada”, refere o director.
A vertente académica
É a primeira escola em Portugal a leccionar o WSET — entidade internacional líder na educação em vinhos e bebidas espirituosas — também em inglês, além de português, nos níveis 1 e 2, no entanto, o foco não é apenas o contexto vínico internacional, mas também o vinho português e o contexto nacional. Prova disso é, a título de exemplo, o programa desenvolvido de forma original pela equipa da escola, o “Portuguese Wine Specialist” (PWS), que permite estudar em detalhe os vinhos portugueses com a mesma metodologia do WSET. Este é um programa de dois níveis, para já — “Nível 1: Saber de vinho em Portugal” (€75) e “Nível 2: Entender as regiões portuguesas” (€185) — e não obriga a participação no WSET, embora a escola tenha disponíveis packs vantajosos que juntam os dois programas.
Na certificação WSET, tentam oferecer uma experiência mais enriquecedora, indo para além dos mínimos exigidos pelo programa. “Incluímos mais 20% de vinhos do que o obrigatório nos dois níveis WSET, bem como mais uma hora no nível 1 e mais duas no nível 2”, adianta José Sá, que revela, ainda, que o nível 3 chegará à The Wine School em 2024, e que pretendem vir a ter disponível o mais recente WSET em cerveja.
“Queremos proporcionar o mesmo nível de serviço e profissionalismo tanto na nossa prova mais simples e acessível, como na mais premium e aprofundada.”
Mais que Uma Prova
Num registo diário e lúdico, das 11h00 às 19h00 e sem marcação obrigatória, as sessões “Mais que Uma Prova” têm o objectivo de “democratizar o conhecimento sobre o vinho”. As provas personalizadas (desde €20 por pessoa), com duração de 30 minutos, dividem-se em várias opções: selecção de três vinhos; selecção de cinco vinhos, harmonização de dois vinhos e duas trufas de chocolate; ou harmonização de três vinhos e três queijos. Já a prova “Desmistificar o Vinho” (€35) dura 45 minutos, inclui cinco vinhos, aborda um destes temas à escolha: “Como provar vinho”, “História e estilos de vinho do Porto”, “Regiões portuguesas” ou “Harmonização de vinho e chocolate”.
Cursos Práticos
Concebidos tanto para curiosos como para profissionais da área, os cursos práticos são dados a turmas pequenas e podem ser organizados de forma privada, como momentos de teambuilding ou outras ocasiões especiais. São cursos como “Introdução ao vinho e à prova” (€45 por pessoa), com duração de três horas e prova de oito vinhos; ou “Vinhos fortificados portugueses” (€185), com duração de cinco horas e prova de doze vinhos; entre outros.
Provas Exclusivas
Estas são sessões de prova personalizadas, em ambiente privado, com vinhos “excepcionais e icónicos” e garantia da “máxima atenção especializada a cada provador e a cada tema”. As sessões já desenhadas pela escola têm vários temas e preços dos €95 aos €225, consoante o número e tipologia de vinhos, mas também é possível organizar à medida. As Provas Exclusivas têm, ainda, a vantagem de poderem ser realizadas a bordo de um iate, no rio Douro.
Para Além da Uva
As masterclasses (€45) ou provas (€25) “Para Além da Uva” fazem parte do calendário anual e são anunciadas nas redes sociais da The Wine School e na página da escola em wow.pt. Nestas, são convidados especialistas do sector do vinho, de outras bebidas e da gastronomia em geral, para orientar sessões aprofundadas sobre temas específicos e tendências de interesse. Os convidados podem ser, por exemplo, enólogos, produtores, chefs de cozinha, sommeliers, jornalistas, entre outros.
E muito mais…
A Escola de Vinho do WOW está também a iniciar-se na organização de Tours no segmento premium, por várias regiões vitivinícolas de Portugal. Em marcha está a construção de uma zona exterior de balcão e a introdução de pequenos momentos educativos de harmonização no átrio e no futuro balcão exterior, bem como a criação de livros originais de apoio aos cursos.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2023)
Grande Prova: Brancos da Bairrada
A liga dos duros Outrora essencialmente conhecida por produzir grandes tintos – mas, então, apenas duas a três vezes por década –, a Bairrada é, actualmente, um paraíso (“à beira-mar plantado”, diga-se) para produzir todo o tipo de néctares vínicos. Inserida na região Beira Atlântico, a Bairrada é uma faixa litoral bem no centro do […]
A liga dos duros
Outrora essencialmente conhecida por produzir grandes tintos – mas, então, apenas duas a três vezes por década –, a Bairrada é, actualmente, um paraíso (“à beira-mar plantado”, diga-se) para produzir todo o tipo de néctares vínicos. Inserida na região Beira Atlântico, a Bairrada é uma faixa litoral bem no centro do país, com ligeiro pendor a norte, compreendendo os concelhos de Anadia, Mealhada, Oliveira do Bairro e também, ainda que parcialmente, os de Águeda, Cantanhede, Vagos e até Coimbra. No que diz respeito a outras regiões vitivinícolas, delimita a Norte com Lafões (não se afastando muito dos Vinhos Verdes), e a Este a região do Dão. É um território muito específico, podendo ser resumido como um planalto de baixa altitude, circunscrevido ora pelo Oceano Atlântico a Oeste, ora pelas Serras do Caramulo e Buçaco a Este, com notórias tradições gastronómicas muito próprias, do leitão ao espumante, passando pela aletria.
Mas voltemos à história recente: a explicação para tão poucos anos excelentes, no que a tintos dizia respeito, centrava-se na relação entre casta e o clima atlântico que caracteriza a região, sobretudo em anos chuvosos. Com forte propensão para precipitação no início de setembro, era habitual a casta Baga – a principal tinta da região e tardia na maturação – não estar totalmente madura aquando das primeiras chuvas, originando o perfil menos consistente e mais rústico por vezes comum na região até há duas décadas. Claro que, nos anos mais quentes e secos, a Baga amadurecia bem dando origem a tintos encorpados que, mesmo acima dos 14% vol., retinham a acidez e os taninos necessários para uma excelente prova, mais a mais mantendo os vinhos longevos por décadas. Foram, essencialmente, esses tintos que deram fama à região.
Hoje, como sabemos, o clima não é exactamente o mesmo de há três ou quatro décadas, com uma subida notória da temperatura média anual, o que provoca uma vindima mais precoce e, com isso, reduz-se o risco de uma vindima à chuva. Todavia, a Bairrada é ainda caracterizada por verões amenos, para não dizer mesmo com noites frias e neblinas marcadas pelos ventos de Oeste e Noroeste claramente vindos do Atlântico. Tanto assim o é que, no Verão e início de Outono, a amplitude térmica chega a uns impressionantes 20ºC, com destaque para o eixo entre Oliveira do Bairro e Luso (passando por Anadia e Mealhada), sendo Cantanhede ligeiramente mais quente em média. Sucede que, actualmente, com a crescente procura por vinhos mais frescos e de acidez vibrante, e com o Sul e interior do nosso país a atingirem temperaturas elevadíssimas, o perfil atlântico e pouco solarengo da Bairrada é uma vantagem evidente, em particular nos brancos, aos quais nos dedicaremos nas próximas linhas (para não falar dos espumantes, onde a Bairrada é a principal região produtora e aquela com mais tradição em Portugal).
UVAS QUE EXPRESSAM O LOCAL
Se quanto ao clima já nos referimos, importa recordar que, ao nível dos solos, a Bairrada é caracterizada por manchas e afloramentos argilo-calcários de origem jurássica e triássica, perfis reconhecidamente privilegiados para vinhos distintos (em Portugal, o perfil mais parecido será o dos terrenos calcários de Bucelas, cujos DOC são obrigatoriamente brancos). Dentro da região, os melhores locais para vinho são ainda caracterizados pelos típicos “barros”, solos argilosos, mas sempre com o teor de calcário a marcar a identidade da região. Em Cantanhede, Mealhada, Anadia e, mais a Norte, em redor de Oliveira do Bairro, podemos encontrar vários solos calcários e margas ou calcários margosos, geralmente com alguma percentagem de limo bastante poroso. Não espanta, assim que a quase totalidade dos vinhos aqui provados venham de vinhas com presença de calcários, algo que se pressente em prova pela finura e frescura que manifestam, tanto os mais vinhos mais novos, como aqueles com mais estágio em garrafa. Uma excepção é o requintado Quinta de Foz de Arouce, de uma vinha de Cercial próxima da Lousã, cuja localização, e respetivo solo xistoso, levam a que seja certificado como Beira Atlântico.
Outro factor de sucesso são as castas nacionais bem-adaptadas à região, algumas delas quase exclusivas da Bairrada. Se, por um lado, encontramos a Maria Gomes (conhecida a Sul por Fernão Pires) – a uva branca mais plantada na Bairrada – e o Arinto, ambas castas presentes em quase todo o território nacional, por outro lado, uvas como Cercial e Bical encontram na Bairrada um lugar de eleição (apesar de esta última estar presente, com menor expressão, no Dão). Nas castas brancas não nativas, a Sauvignon Blanc e a Chardonnay são as mais representadas. Ora, se em algum lugar no nosso país faz sentido afirmar que as castas expressam o terroir, esse lugar é a Bairrada. Com efeito, mesmo as castas mais expressivas do ponto de vista da fruta e até “maduronas” — como a Chardonnay — revigoram na Bairrada e dão lugar a vinhos finos, recatados e de acidez crocante. O Arinto, por sua vez, já de si propenso a um perfil seco e com boa acidez, marca presença em muitos lotes, sendo eleita muitas vezes a solo nos topos de gama fermentados ou estagiados em barrica, como podemos verificar na presente prova (excelente, a edição única do vinho Doravante de uma vinha de Arinto entretanto já arrancada).
Se, por um lado, encontramos a Maria Gomes (conhecida a Sul por Fernão Pires) – a uva branca mais plantada na Bairrada – e o Arinto, ambas castas presentes em quase todo o território nacional, por outro lado, uvas como Cercial e Bical encontram na Bairrada um lugar de eleição (apesar de esta última estar presente, com menor expressão, no Dão). Nas castas brancas não nativas, a Sauvignon Blanc e a Chardonnay são as mais representadas.
O FACTOR HUMANO
Deixámos para o fim um dos factores diferenciadores da região mais desafiador: os produtores. A típica persistência bairradina, e a lendária capacidade dos bairradinos em perpetuar as suas tradições, faz com que, em 2023, estejam a ser lançados vinhos elaborados da mesma forma que o eram há mais de 50 anos, por exemplo com fermentações em tonéis antigos de madeira. São, em muitos casos e como esta prova demonstrou, produções mínimas (por vezes, pouco mais de 500 garrafas), de vinhos lançados com vários anos em garrafa (por vezes até 5 anos). É, certamente, a liga dos duros! Com efeito, existe um punhado de produtores absolutamente “clássico”, cuja qualidade e originalidade dos vinhos brancos é elogiada internacionalmente. Nomes e marcas como Quinta das Bágeiras, Casa de Saima, Frei João (Caves São João), Sidónio de Sousa, fazem parte desse lote juntamente com outros. Esta identidade é tão marcada que, mesmo gerações mais novas e produtores mais recentes, continuam esse legado de tradicionalismo assente em vinhas velhas e enologia pouco interventiva, como é o caso dos produtores Filipa Pato & William Wouters, Niepoort Vinhos (que entrou na região há mais de uma década), Luís Gomes (Giz) ou os projectos de enólogos como V Puro e Botão, entre tantos outros. Mas não se pense que a região não tem inovadores, alguns deles, aliás, pioneiros e responsáveis durante décadas por colocar a Bairrada no mapa internacional. Caso de Luís Pato, inovador nas mondas e na utilização de meias barricas francesas; ou de Carlos Campolargo, experimentando todo o tipo de castas, das mais típicas da região às internacionais, muitas vezes em estreme; e passando pelos vinhos ambiciosos e monumentais de João Póvoa, primeiro na Quinta de Baixo e, desde 2005, no projecto Kompassus. Igualmente importantes serão outros produtores de origem local, com várias gerações de vinhos “às costas”, e que persistem em apresentar, ano após ano, vinhos cada vez melhores respeitando o ADN da Bairrada, ou seja frescura, acidez e carácter, caso de Jorge Rama, António Selas, Regateiro, entre outros.
Com tantas razões para brancos de excelência, não espanta que os dados disponíveis apontem para a produção crescente destes vinhos certificados enquanto DOC Bairrada. Em 2022, foram quase 610 mil litros, um terço mais do que a média dos 10 anos anteriores. Boas notícias, portanto! Com este volume e, sobretudo, tanta qualidade a preços relativamente cordiais (os vencedores da prova custam menos de €30 a garrafa), não queira ser um daqueles a passar ao lado de alguns dos melhores brancos de Portugal…
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2023)
-
Niepoort Vinhas Velhas
- 2017 -
Luis Pato Parcela Cândido
- 2021 -
Kompassus Private Collection
- 2019 -
Casa de Saima
- 2021 -
Quinta das Bágeiras
- 2021 -
Doravante
- 2017 -
Singular
Branco - 2019 -
Sidónio de Sousa
Branco - 2021 -
Quinta dos Abibes
Branco - 2017 -
Milheiro Selas
Branco - 2018 -
Medusa
Branco - 2018 -
Rama Carvalho Grande
Branco - 2019 -
Arco d’Aguieira
Branco - 2019 -
Trabuca Cercial da Bairrada
Branco - 2020 -
Regateiro Raízes de Família
Branco - 2019 -
Encontro 1
Branco - 2015 -
Ortigão 4/16
Branco - 2017 -
Messias
Branco - 2007 -
Marquês de Marialva
Branco - 2016 -
Giz Vinhas Velhas
Branco - 2020 -
Frei João
Branco - 2020 -
Casa do Canto 3 Barricas
Branco - 2018 -
Campolargo Barrica
Branco - 2021 -
Botão Vinha das Lamas
Branco - 2021
Quinta do Cardo: Um pioneiro da Beira Interior
Os primeiros vinhos da Beira Interior que provei enquanto jornalista do sector foram produzidos na Quinta do Cardo, na época o expoente máximo da região. Dado que comecei a escrever sobre o tema em 1989, isso já diz muito sobre a longevidade desta casa. Mas, na verdade, a sua estreia enquanto produtora de vinhos dá-se […]
Os primeiros vinhos da Beira Interior que provei enquanto jornalista do sector foram produzidos na Quinta do Cardo, na época o expoente máximo da região. Dado que comecei a escrever sobre o tema em 1989, isso já diz muito sobre a longevidade desta casa. Mas, na verdade, a sua estreia enquanto produtora de vinhos dá-se bem antes disso. Situada junto à aldeia medieval de Castelo Rodrigo, a história vitivinícola “moderna” da Quinta do Cardo tem início em 1932, com a plantação dos primeiros talhões de vinha pelo casal José António Andrade Maia e Esmeralda Aguilar Fonseca Maia, a quem seu pai tinha oferecido a propriedade. Mantida na família até ao início dos anos 80, acabou por ser perdida ao jogo (imagine-se!) e colocada em hasta pública. E assim, em 1983, os 200 hectares da quinta (dos quais 12 de vinha tradicional) chegaram às mãos de Maria Luíza Lima e do seu marido, Artur Ribeiro da Silva.
Maria Luíza e Artur não eram estranhos ao mundo do vinho, longe disso. Ambos engenheiros, ela tinha um conhecimento profundo da produção vitivinícola, enquanto profissional em empresas de topo e proprietária no Douro; e ele foi, sem dúvida alguma, um dos mais brilhantes criadores de equipamentos para a indústria do vinho nos anos 80 e 90, através da empresa Vinipal, com várias patentes registadas no curriculum.
Não espanta por isso que a nova adega, por eles construída em 1984, integrasse o que de mais moderno havia em equipamento enológico na época, incluindo, por exemplo, remontagem gasosa para vinificação de tintos, estabilização pelo frio em contínuo, prensa pneumática, pasteurização flash e cubas com atmosfera inerte. Quando, no início de 1990, a visitei pela primeira vez, a adega era um verdadeiro centro de investigação e experimentação da tecnologia do vinho.
Também a vinha foi objecto de grandes ampliações, tendo sido plantados, ao longo dos anos, mais de 40 hectares, num mix entre as castas identitárias da região (Síria, Arinto, Mourisco) e as que na vizinha região do Douro tinham provas dadas (Tinta Roriz, Touriga Nacional e Touriga Francesa). O pioneirismo da adega estendeu-se à abordagem vitícola: todas as parcelas foram instaladas em regime de proteção integrada (algo raro numa época em que o conceito de sustentabilidade ambiental era praticamente desconhecido) e com rega gota-a-gota. Inovador para aqueles tempos, foi também o facto de o casal ter encarado a vinha velha como um tesouro a preservar, tendo-a recuperado e suprido as falhas das cepas mortas. O primeiro branco com o rótulo Quinta do Cardo nasceu em 1986 e dois anos depois o primeiro tinto. A marca tornou-se famosa em muito pouco tempo, sobretudo pelos brancos, uma notoriedade que terá certamente beneficiado da conjugação entre um terroir perfeitamente adequado e uma adega onde avançados sistemas de frio imperavam. Nos melhores restaurantes de Lisboa e Porto, ouvia-se pela primeira vez falar de vinhos de Castelo Rodrigo. E jornalistas novos no ofício, como era o meu caso, estreavam-se a provar nas cubas brancos e tintos estremes de Síria, Rufete e Mourisco.
Com propriedade e marca tão apetecíveis, Maria Luíza Lima e Artur Ribeiro da Silva acabariam por não resistir à proposta da Companhia das Quintas que em 1999 iniciava o seu ambicioso projecto de instalação nas principais regiões de Portugal. Foi esta empresa que concluiu a plantação das novas vinhas e ampliou a adega tendo em vista o aumento da produção. Em 2009 todos os vinhedos do Cardo passaram ao sistema de produção biológico, certificado pela Sativa, tornando-se assim no primeiro produtor nacional a fazê-lo naquela escala. Em 2014, a certificação bio estendia-se a todos os vinhos da Quinta do Cardo.
Com o aproximar do final da década, os problemas financeiros que a Companhia das Quintas atravessava levaram a forte limitação dos investimentos nas propriedades, primeiro, e posterior desagregação da estrutura produtiva. Depauperada, quase sem actividade, a Quinta do Cardo seria então adquirida pelo casal Artur Gama e Eva Moura Guedes, que trouxeram para a sociedade outro membro da família, António Mexia. E assim, a mais histórica referência da Beira Interior ganhava uma nova vida e uma segunda oportunidade.
Uma nova vida
Artur Gama e Eva Moura Guedes já sabiam o que custa produzir vinho e colocar uma marca a rodar no mercado. Afinal de contas, desde 2015 que tinham em mãos a Quinta da Boa Esperança, na região de Lisboa, a que se soma a vasta experiência de Artur no trading de vinhos. Mas porquê, agora, a Quinta do Cardo? “Foi resultado de uma oportunidade, mas também de um ‘amor à primeira vista’. Quando percorremos o caminho que nos levou à quinta, ficámos desde logo marcados pela beleza, pela história, pelo silêncio, pela relação das pessoas com estas terras altas”, revela Artur Gama. O potencial para as práticas sustentáveis foi outro factor de decisão. “A localização do Cardo, o seu clima, altitude e natureza do terroir, tornam este projecto vinícola particularmente adaptado às alterações climáticas e à consequente necessidade de reduzir o consumo de água e de adoptar métodos de agricultura regenerativa, permitindo o desenho de vinhos de grande qualidade, amigos do ambiente e, ainda, das novas tendências em termos de consumo”, explica o produtor.
A experiência e os resultados obtidos pelo modelo de produção integrada na Quinta da Boa Esperança (situada numa região bem mais difícil para estas práticas, devido à humidade) ajudaram a fortalecer a convicção dos sócios de que a Quinta do Cardo só faria sentido com a aposta “numa visão sustentável integrada – nas vertentes ambiental, económica, social e cultural.” A história pioneira da Quinta do Cardo na agricultura biológica era igualmente trunfo a não desperdiçar.
Não foi nada fácil, porém, colocar a propriedade de novo em marcha. Quando da sua aquisição, em 2021, a Quinta do Cardo estava praticamente inoperacional. A vindima de 2020 não chegou a ser feita, o sistema de rega estava desactivado, a vinha sem cuidados, o parque de máquinas não existia, a adega tinha muitos problemas infra-estruturais e tecnológicos. Foi preciso intervir rápido e estabelecer prioridades: “reparar” a vinha e recuperar equipamentos de adega, para garantir a vindima de 2021. Após estas intervenções urgentes que devolveram a operacionalidade da Quinta, fizeram-se os primeiros investimentos estratégicos. Assim, em 2022 foram plantados 10 hectares com Síria, Arinto e Malvasia Fina, sobretudo, e também Rufete. Uma nova captação e sistema de irrigação automatizou parte significativa da vinha existente. Ao mesmo tempo, adquiriram-se tractores, alfaias agrícolas, uma bateria de cubas para vinificação de brancos e reestruturou-se o parque de barricas. “Todas as intervenções feitas até agora tiveram como propósito aprofundar a dimensão da sustentabilidade, nos seus quatro pilares, e valorizar o contexto extraordinário da Beira Interior para a exploração vinícola e para a produção de vinhos”, diz Artur Gama.
“O Futuro da Quinta e da marca passa, sem dúvida, pela Síria”, garante Jorge Rosa Santos
Um território único
A Quinta do Cardo merece, na verdade, todo o carinho que lhe possam dar. E, dando-lhe oportunidade, ela retribui com vinhos que expressam um território pleno de singularidades. A começar pelo clima. A serra da Marofa e Castelo Rodrigo, ali ao lado, ajudam a suavizar os ventos continentais e limitam a ocorrência de granizo. A uma altitude média de 750 metros, os Invernos são rigorosos, os abrolhamentos tardios, as maturações lentas (preservando a acidez das uvas), com grandes amplitudes térmicas no Verão, favorecido com noites frescas. As vinhas do Cardo estão plantadas em solos profundos, com pouca matéria orgânica, enorme prevalência de argila, com pH ácido e rocha-mãe de granito quartzítico a mais de 2 metros de profundidade.
A área actual de vinha ronda os 80 hectares, com destaque para algumas parcelas “históricas”. É o caso da Vinha do Lomedo, plantada no início dos anos 70. São cerca de 10 hectares de Síria, a uva branca identitária da Beira Interior, onde nascem consistentemente vinhos de excelência, tornando-a uma verdadeira referência regional e nacional desta casta. A Vinha do Pombal, com mais de 25 anos, é outra parcela estreme: exclusivamente Touriga Nacional, 4 hectares de cepas plantadas com compasso apertado, dá origem a alguns dos melhores tintos da casa. Já a Vinha do Castelo, plantada em 1999 com Tinta Roriz, está a ser trabalhada para, no futuro, originar também ela um vinho de parcela. Para além destas, encontramos noutros talhões Touriga Nacional, Tinta Roriz e Touriga Franca, além de pequenas parcelas de Tinto Cão, Alicante Bouschet, Merlot e Caladoc.
Tirando a vinha plantada em 2022 com Síria, Arinto, Malvasia Fina e Rufete, foi isto que os enólogos Jorge Rosa Santos e Rui Lopes encontraram quando foram convidados a “tomar conta” da produção da quinta. “Chegámos em Agosto de 2021”, recorda Jorge, “e felizmente a vindima apenas começou em meados de Setembro, o que nos deu tempo para programar a colheita, fazer revisões na adega e, na medida do possível, conhecer as vinhas, muito com a ajuda do Sr. Ermindo Coelho o feitor da casa, que aqui já fez 35 vindimas.” Jorge e Rui têm apenas duas vindimas na Quinta do Cardo (quando escrevo estas palavras estarão à beira da terceira que, segundo eles, “promete imenso”), mas dois anos são suficientes para perceberem o que têm em mãos. “A quinta tem um potencial tremendo”, refere Rui Lopes. “Logo na vindima de 2021, e com a vinha no estado em que estava, foi possível produzir brancos de enorme finura, precisão, mineralidade e elegância e tintos expressivos e genuínos, com taninos firmes e marcadas nuances balsâmicas”, acentua.
De então para cá, a equipa de viticultura da casa tem vindo a desenvolver trabalhos que vão permitir aumentar a produtividade – tremendamente escassa, é o maior problema da quinta, afectando a rentabilidade – e a qualidade das uvas. Para tal, foram alteradas as podas em alguns talhões, com a descompactação do solo, correcção do pH, incorporação de matéria orgânica e enriquecimento do coberto natural com sementeiras. “A vinha está a reagir de forma fantástica”, exulta Artur Gama, “ela percebe quando é bem tratada…”
Orgânico é marca da casa
Como atrás referi, todas as vinhas da Quinta do Cardo são trabalhadas em modo orgânico desde 2009, um compromisso e uma forma de estar que saem reforçadas com os seus novos proprietários. Mas quais são os principais desafios colocados pela viticultura orgânica na Quinta do Cardo? Jorge Rosa Santos responde: “O modo de produção orgânico em regiões ou vinhas com chuva ou humidade frequentes pode ter consequências drásticas para a própria preservação ambiental, seja pela sobredosagem de cobre e enxofre ou gasto desmesurado de combustível no controlo da flora na linha e entre-linha. Já para não mencionar o impacto enorme na produtividade, o qual, acrescido ao modo de produção mais trabalhoso, torna o vinho mais caro ao consumidor.” Não é o caso da Quinta do Cardo, que parece talhada para o modelo bio. “Estamos a 750 metros de altitude, temos aqui um ciclo vegetativo curto, abrolhamento tardio e amplitudes térmicas enormes”, salienta Jorge. “Além disso, a precipitação média anual, tal como em toda a região do Ribacôa, é muito baixa. Ou seja, estão reunidas todas as condições para operarmos em modo produção orgânico, sem redução da produção. Em termos vitícolas, o maior desafio prende-se com o controlo da flora na entrelinha e com as intervenções na sebe, que permitam o bom arejamento”, conclui.
Existem riscos, claro, mas a equipa está preparada para eles. “Sabemos que teremos anos mais desafiantes do que outros”, diz Rui Lopes. “As vindimas de 2002, 2010, 2014 foram problemáticas. Por dedução lógica, a cada 10 vindimas, teremos talvez duas com problemas de sanidade e consequente baixa produtividade. Mas, actualmente, temos as nossas vinhas com um vigor médio-baixo, logo uma sebe bastante arejada e produtividade média-baixa, pelo que o risco é moderado. Além disso as vinhas são todas ao alto e em parcelas contíguas, o tempo de reacção para um tratamento orgânico é muito rápido”, remata o enólogo.
Para o produtor, Artur Gama, não subsistem quaisquer dúvidas: “Apesar de todos os riscos, acreditamos que nesta região a produção em modo orgânico é, neste momento e nos anos vindouros, a escolha certa. A região tem ganho espaço e reconhecimento, mas no posicionamento médio-alto continua a ter algumas dificuldades. A nossa missão é apostar nesse posicionamento e achamos que o modo de produção orgânico contribui como factor de diferenciação. Além de estar absolutamente alinhado com os nossos valores institucionais de sustentabilidade.”
“Queremos no futuro reconverter parte das vinhas tintas e apostar em castas como Rufete, Marufo e Jaen”, revela Rui Lopes
Castas e identidade
Variedade identitária da Beira Interior, a casta Síria tem lugar de destaque na Quinta do Cardo. “O futuro da quinta e da marca passa, sem dúvida, pela Síria”, garante Jorge Rosa Santos. “Acreditamos muito no potencial da casta a esta altitude e nestes solos. Tem enorme maleabilidade, pois aceita bem a madeira ou o estágio sobre borras em cuba de inox. E em casos especiais consegue representar muito bem a identidade da parcela, como no caso do branco Vinha do Lomedo”, acrescenta. Certamente por isso, a casta representa 90% da área de branco da Quinta do Cardo. Já nos tintos, o panorama é algo diferente. Apesar de produtor e enólogos estarem muito satisfeitos com o desempenho de variedades como Touriga Nacional ou Touriga Franca, reconhecem a necessidade de uma maior representatividade das castas autóctones no encepamento da propriedade. “Queremos no futuro reconverter parte das vinhas tintas e apostar em castas como Rufete, Marufo e Jaen”, revela Rui Lopes. “Vamos manter alguma Tinta Roriz, que tão bom resultado tem na Beira Interior e em regiões vizinhas portuguesas e espanholas. Mas, acreditamos que esta região terá também potencial para outras castas portuguesas, tal como a Trincadeira e Alicante Bouschet, esta última com excelentes resultados, numa pequena parcela que temos”, adianta. A Garnacha, amplamente plantada ali bem perto, do outro lado da fronteira, nas regiões de Arribe e de Toro, é outra possibilidade para ensaiar quando existir oportunidade.
Hoje, a Quinta do Cardo está a produzir cerca de 300 toneladas de uva/ano, mas quando a vinha plantada em 2022 entrar em plena produção, será possível atingir as 400 toneladas. A vindima de 2022 deu origem a cerca de 200.000 garrafas. O mercado nacional é o destino de cerca de 70% das vendas, com a exportação a subir tendencialmente, ampliando os principais mercados já existentes (Reino Unido, Brasil, Estados Unidos, Canadá e Europa central) e abrindo outros.
Artur Gama tem uma visão muito clara do que pretende para a sua mais recente aposta vitivinícola: “Vemos a Quinta do Cardo a afirmar-se como o projecto de referência da Beira Interior e como líder nos vinhos orgânicos. No final desta década queremos ultrapassar o milhão e meio de garrafas, num posicionamento de segmento alto e muito virado para exportação, onde se valoriza a componente orgânica e a sustentabilidade global.”
Sustentabilidade que, como faz sempre questão de realçar, não deve ser apenas ambiental, mas também económica, social e cultural. Nesse sentido, há algo que o preocupa e que, infelizmente, não é novo e nem exclusivo da Beira Interior. “Estamos particularmente inquietos com a desertificação da região e com os inerentes problemas sociais e económicos criados”, diz. “Também por isso, queremos contribuir positivamente para os atenuar, estabelecendo parcerias com empresas, polos de ensino locais e com o concelho de Figueira Castelo Rodrigo, para o desenvolvimento de projectos nas áreas cultural, social e de investigação. Não tenho dúvidas: a Beira Interior será ‘the next big thing’. Tivemos a sorte de encontrar a Quinta do Cardo. Queremos partilhá-la.”
(Artigo publicado na edição de Stemebro de 2023)
Morgado do Quintão: Para uma arqueologia dos vinhos algarvios
Nas mãos da família Caldas Vasconcelos há quatro gerações, a casa foi fundada em 1810 pelo 1º Conde de Silves e sempre ali se produziu vinho, a par de outras culturas, nesses tempos sobretudo para consumo próprio, a exemplo de muitas outras propriedades na região. O que aqui merece relevo, é que os seus proprietários […]
Nas mãos da família Caldas Vasconcelos há quatro gerações, a casa foi fundada em 1810 pelo 1º Conde de Silves e sempre ali se produziu vinho, a par de outras culturas, nesses tempos sobretudo para consumo próprio, a exemplo de muitas outras propriedades na região. O que aqui merece relevo, é que os seus proprietários souberam resistir à tendência geral da região nos anos 80 e 90 do século passado de abandono da vinha e porfiaram em manter a produção, entregando as uvas na adega cooperativa local. Mas foi só mais recentemente, em 2016, que Filipe Vasconcellos e sua irmã Teresa, com a morte de sua mãe assumiram a gestão da propriedade e resolveram ensaiar a produção de vinho engarrafado. Primeiro, de uma forma tímida, com o lançamento de 2000 garrafas e depois a pouco e pouco, à medida que estendiam a área de plantação até chegar hoje aos 18 hectares e com uma produção que anda em média nas 30 000 garrafas. Mas Filipe e Teresa tinham ideias claras do que queriam fazer e foram em contramão à tendência de reproduzir no Algarve as castas e os métodos que fizeram o sucesso dos vinhos alentejanos. Com vinhas muito velhas, algumas com mais de 90 anos e de produção exígua, resistiram ao impulso de as arrancar e fizeram delas a imagem de marca da sua casa. Negra Mole e Castelão nos tintos e Crato (Síria) nos brancos eram as cepas tradicionais do Algarve de antanho. E foram nestas que apostaram, com o incentivo entusiasmado da enóloga Joana Maçanita que assumiu a direção de enologia e que hoje dá a cara e, ouvindo como fala, o coração, pelo projecto.
Filipe Vasconcellos e a sua irmã Teresa assumiram, em 2016, a gestão da propriedade.
As vinhas novas entretanto plantadas respeitam esta filosofia da casa e reproduzem em alguns aspectos as condições das vinhas primitivas: castas misturadas, ou como hoje dizemos “field blend, pouca intervenção na vinha e na adega. Mas as preocupações na sustentabilidade e a aposta na produção biológica que está em vias de ser certificada são bem contemporâneas. Na prova que nos proporcionaram sob a sombra generosa de uma oliveira milenar (Filipe avançou que ela teria mais 2000 anos!) ficou muito claro o perfil pretendido dos vinhos ali produzidos. Joana Maçanita explicou que esta era a verdadeira identidade dos vinhos do Algarve e aquilo que defende ser o seu futuro. Vinhos brancos frescos e com boa acidez e tintos com pouca cor e também carregados de frescura, para se beberem no verão escaldante. Por isso a aposta vincada na Negra Mole, a porta bandeira dos vinhos algarvios, fazendo com ela os seus Claretes de Negra Mole, com os quais fizemos uma prova vertical muito interessante, lembrando os Pinot Noir. O espírito inquieto de Joana tem convencido os proprietários a avançarem por experiências desafiantes que também nos foram dadas a provar, como é o caso do Espumante de 2019, um pouco resinoso mas delgado na boca, um Palhete que junta Negra Mola com Crato, um Branco de Ânfora 2021 carregado de salinidade e outro Branco de Tintas 2021.
A casta Negra Mole é a grande aposta do projecto
Esta aposta tem sido bem conseguida, os grupos de visitantes (a maior parte estrangeiros) sucedem-se aos portões da propriedade e os vinhos do Morgado do Quintão são hoje um dos principais pontos de atracção na exploração do enoturismo, para o qual a casa está muito bem apetrechada com os seus pequenos chalés pitorescos e com o suporte de uma cozinha criativa e bem apresentada, baseada nos produtos e sabores tradicionais da região.
(Artigo publicado na edição de Agosto de 2023)