Casa Relvas: Um Pom Pom rosé e outras novidades

Já relatámos, noutros textos, que o percurso da Casa Relvas pode ser descrito como uma história de família. A anteriormente conhecida por Casa Agrícola Alexandre Relvas, nome que realçava a ligação ao empresário que a fundou em 1997, conta hoje com o papel essencial de ambos os filhos. De tal modo que Alexandre Relvas, o […]
Já relatámos, noutros textos, que o percurso da Casa Relvas pode ser descrito como uma história de família. A anteriormente conhecida por Casa Agrícola Alexandre Relvas, nome que realçava a ligação ao empresário que a fundou em 1997, conta hoje com o papel essencial de ambos os filhos. De tal modo que Alexandre Relvas, o fundador (um dos filhos tem o mesmo nome, lá iremos), diz que já não acompanha tudo o que se passa neste negócio agrícola. Mas não acreditamos… Até porque o sucesso raramente vem do acaso e o êxito da Casa Relvas é inegável. Os números comprovam. Pouco mais de 20 anos depois, a produção total é hoje de oito milhões de garrafas por ano.
A gama é extensa, bem pensada, com muitas referências a serem dedicadas ao mercado externo, sendo que a exportação para mais de 30 países representa cerca de 70% das vendas globais, com mais de 15 mil pontos de venda pelo mundo. Para tal, a empresa detém e controla hoje algumas centenas de hectares de vinha no Alentejo em várias localizações, mas como sempre sucede com os projectos sólidos, o começo foi mais cauteloso. Assim, o primeiro passo foi a aquisição da Herdade de São Miguel no Redondo, em 1995, que conta hoje com 35 hectares em produção, tendo a primeira plantação ocorrido só em 2001. Situada em São Miguel de Machede, é nesta propriedade que se mantém a adega fundadora, construída em 2023, aquela que mais recebe eventos de enoturismo. Esta é uma aposta do produtor, com oferta de programas sazonais e eventos personalizados, para além do evento anual “Um dia em São Miguel”, que ocorre na Primavera.
A exportação para mais de 30 países representa cerca de 70% das vendas globais da empresa
Projecto ambicioso
Mais tarde, o investimento passou pela aquisição da Herdade da Pimenta em Évora (geograficamente a meio caminho do Redondo a Évora), que conta com quase 70 hectares, parte em modo de produção biológico. É aqui onde fica a atual morada da empresa. Mais recente foi a aquisição da Herdade dos Pisões, sita na Vidigueira, ainda com maior dimensão do que as anteriores. Esta aquisição foi a que mais contribuiu para que a Casa Relvas seja, sem dúvida, um dos players alentejanos em destaque no que a vinhos diz respeito.
Alexandre Relvas Jr., filho do empresário, que estudou enologia e viticultura em Bordéus, conta-nos que se juntou ao projeto em 2006, ou seja, cinco anos depois da plantação das primeiras vinhas e da contratação do enólogo Nuno Franco, se mantém na empresa. Nuno, que antes da Casa Relvas teve passagens por outros produtores, com destaque para o também alentejano Monte da Penha (F. Fino), é atualmente o diretor de enologia e viticultura e parte de uma equipa com mais de 70 pessoas. Tendo em consideração a dimensão da operação actual, e a necessidade de criar valor em todas as gamas, Nuno Franco conta agora com a companhia do conceituado enólogo António Braga, consultadoria que espelha bem a ambição do projecto. Com efeito, com um passado longo na Sogrape – universo com a dimensão conhecida e vários vinhos topos de gama afamados – António Braga é um trunfo para qualquer produtor que quer ver analisados todos os seus processos, no sentido de crescer em qualidade e posicionamento, sobretudo nas gamas premium e ultra-premium.
A primeira colheita no mercado foi em 2004, a original do Herdade de São Miguel Colheita Selecionada Tinto, então com apenas 26 mil garrafas. A consistência e inegável relação qualidade/preço dos vinhos fez com que esse número se multiplicasse nos anos seguintes. Em 2008, o número de garrafas comercializadas chega já ao meio milhão e, dois anos depois, atinge mesmo um milhão de vendas. Não espanta que, em 2011, tinha sido necessário construir uma nova adega, agora na Herdade da Pimenta. Em 2016, foi a vez do filho António Relvas se juntar à equipa, para desenvolver um projeto de olival, que se concretizou no ano seguinte com a plantação das primeiras plantas na Herdade dos Pisões, na Vidigueira. Atualmente, os azeites são uma aposta evidente.
Paixão pelo Alentejo
Com paixão pelo Alentejo, a Casa Relvas tem desempenhado um papel importante quer na seleção de castas de origem portuguesa e no desenvolvimento tecnológico (trabalhando em conjunto com o Instituto Superior de Agronomia e a Universidade de Évora com o intuito de conhecer e compreender a complexa vida da videira), quer quanto à sustentabilidade dos vinhos, tendo sido o primeiro produtor a receber a certificação do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo (PSVA). A verdade é que a empresa tem um pouco de tudo, de castas aos tipos de vinificação. Mas em momento algum quis ficar de fora da tradição, tendo sido dos primeiros produtores de grande dimensão a recuperar a técnica de produção de vinho de talha com mínima intervenção humana.
Já atrás dissemos que a gama é alargada, com marcas que identificam o lugar onde são criadas (caso dos vinhos Herdade de São Miguel e Herdade da Pimenta), se referem a sub-regiões (caso dos lotes Redondo e Vidigueira) e privilegiam a variedade, caso dos vários monocastas disponíveis (do Tinta Miúda ao Syrah, passando pelo Rabo de Ovelha e Sauvignon Blanc). Uma novidade saborosa é o sofisticado Pom Pom, o topo de gama rosé do produtor. O sucesso com o rosé Herdade de São Miguel Colheita Seleccionada, que atualmente vende várias dezenas de milhares de garrafas, implicou, há muito, que parte de uma vinha só fosse dedicada a rosés. Ora da seleção de uma parte dessa vinha, e de uma vinificação ainda mais cuidada, surge agora um novo vinho, mais exclusivo e mais gastronómico, tudo numa bonita garrafa. É caso para dizer que a Casa Relvas só tem razão para festejar!
(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)
Adega de Cantanhede: Os frutos das antigas vinhas

A imensidão de gigantescas cubas de inox, que se alinham mal entramos nas instalações da Adega de Cantanhede, que possui cerca de 500 associados produtores de uva em mais de 1000 hectares na região da Bairrada, transporta-nos para um ideário de enormes volumes, sem imaginar que, no meio daquela estrutura industrial, também nascem vinhos de […]
A imensidão de gigantescas cubas de inox, que se alinham mal entramos nas instalações da Adega de Cantanhede, que possui cerca de 500 associados produtores de uva em mais de 1000 hectares na região da Bairrada, transporta-nos para um ideário de enormes volumes, sem imaginar que, no meio daquela estrutura industrial, também nascem vinhos de fino rendilhado, produzidos a partir de pequenas parcelas de vinhas com mais de 50 anos e que asseguram o “Projecto Vinhas Velhas”.
A forma como este se materializa foi-nos dada a conhecer pelo enólogo residente Ivo Silva, ele que agora terá como consultor sénior António Ventura, o experiente enólogo que nos acompanhou nesta viagem pelo património vitícola do concelho de Cantanhede.
O projeto iniciou-se com uma criteriosa seleção dentro da imensidão de vinhas que produzem uva para a Adega. Foram selecionados, nesta fase inicial, 12 produtores possuidores de vinhas com mais de 50 anos, algumas delas centenárias, e, a partir daí, partiu-se para a diferenciação daquela uva e sua seleção extrema para a produção de vinhos com uma marca indelével deste terroir de Cantanhede.
Porque a média de vinha possuída por cada viticultor associado é de dois hectares, é natural que ali surjam pequenas parcelas de valor histórico incalculável, delas já se selecionando uva para produzir alguns dos vinhos mais especiais da Adega. É daquela selecção, de apenas 15 hectares dispersos pelas várias freguesias do concelho, que nascem o Baga Unoaked e o Baga Complexo, as mais recentes referências da cooperativa, que tem na Baga a expressão privilegiada para os seus vinhos autorais. Cantanhede possui, na região da Bairrada, a maior extensão de vinhas de Baga. É aqui que a casta caprichosa encontra a melhor maturação, factor imprescindível para que a escolha na criação dos topos de gama da Adega recaia nela, sendo a base do Marquês de Marialva Grande Reserva tinto e, naturalmente, do exclusivo Foral de Cantanhede.
A anuência de António Ventura a este projecto é total, assinando por baixo todo o trabalho até ora desenvolvido, reconhecendo que, não possuindo ainda um conhecimento exaustivo das vinhas velhas do concelho de Cantanhede, partilha da opinião que o seu estudo deve ainda ser mais minucioso, de modo a, num futuro não longínquo, conseguirem-se vinhos de alta costura, nascidos de cada uma daquelas pequenas parcelas de vinhas, muitas delas centenárias, enfatizando que a sua criação servirá também de homenagem aos viticultores resistentes que colocam tanta paixão no cuidado destes verdadeiros museus vivos.
Ivo Silva explica-nos também que, o rastreio destas vinhas passa por incluírem, no seu encepamento, pelo menos 80% de videiras da casta Baga, sendo que, no caso das vinhas misturadas mais antigas, onde figuram algumas uvas brancas, sobretudo Maria Gomes e Bical, estas são vindimadas para outros lotes. Contudo, há a possibilidade de também se avançar para vinhos mais exclusivos destas uvas brancas de vinhas muito velhas.
Foram selecionados, nesta fase inicial, 12 produtores possuidores de vinhas com mais de 50 anos, algumas delas centenárias, e, a partir daí, partiu-se para a diferenciação daquela uva…
Vinhos memoráveis
A vinificação segue a regra e critério do acompanhamento da uva na vinha. Controlo de temperatura na fermentação, maceração pós-fermentativa, rigor na escolha das barricas, selecção final dos melhores cascos, no sentido de trazer maior expressividade ao vinho, dotando-o do carácter e identidade que reflectem o território.
Albino Costa, membro da direcção da Adega e responsável pela viticultura, não esconde o brilho de orgulho no olhar quando se refere a este projecto que é, também, a sua jóia da coroa. Profundo conhecedor de todas as vinhas que servem a Adega, realça o trabalho de minúcia dos viticultores, verdadeiros guardiães diários das vinhas antigas, estas que produzem maior concentração, possuem maior resistência às doenças e revelam as mais equilibradas maturações. É sempre a última uva que chega à Adega, num estado sanitário imaculado, criando, nos anos excepcionais, vinhos memoráveis. Para obtenção destes resultados, não se fazem cálculos operacionais com o trabalho dos viticultores, muitos deles já em idade avançada. A forma de compensação é o benefício atribuído a estas uvas, que são pagas a um preço mais elevado por quilo. Há uma notória e dupla responsabilidade social da Adega, que passa pela preservação deste património único, motivando, ao mesmo tempo, os viticultores actuais e os futuros a olhar para a produção de uva como uma actividade digna, e a partir da qual é possível viver com conforto financeiro. A vertente sustentável também não é esquecida e, além de todo o apoio formativo dado durante o ano aos viticultores, há já uma séria preocupação em valorizar quem produz uva através de tratamentos menos nocivos para o ambiente. Associado a esta pedagogia, o departamento de viticultura ministra formação de tratamentos fitossanitários, tractorismo e toda a burocracia administrativa junto do IVV. A aposta na formação cumpre, desde sempre, aqueles que eram os principais desígnios das adegas cooperativas desde a sua criação em meados do século passado: produzir melhor vinho português.
Liderando desde o último acto eletivo a direção da Adega, Carlos Reis realça o papel firme no apoio aos associados mais antigos, procurando motivar os indecisos que tantas vezes cogitam abandonar as vinhas. É necessário manter expectativas elevadas, no sentido de também cativar novos viticultores que surjam para colmatar aqueles que, pela idade avançada, vão deixando as vinhas. A valorização da uva e o seu justo pagamento aos agricultores são o lema mais importante da actual direção. A responsabilidade é enorme porque, ainda na campanha de 2023, que redundou numa produção quase recorde de uva, houve um esforço financeiro gigantesco para não deixar nenhum agricultor para trás, absorvendo-se e vinificando-se toda a uva produzida. Os agricultores são uma comunidade de valor e é no sentido de pertença a algo, que é de todos, que se traduz a força motriz da Adega de Cantanhede.

António Ventura e a Bairrada que lhe faltava
Enólogo com mais de 40 anos de experiência, marcando com a sua acuidade técnica e humana várias casas de renome, António Ventura chega hoje a uma das mais emblemáticas e robustas adegas cooperativas nacionais.
Curiosamente, a Bairrada chega-lhe muito cedo à carreira profissional, pela mão de um dos grandes mestres da enologia nacional, Octávio Pato, dos quais guarda muitos dos ensinamentos técnicos sobre vinhos, espumantes e aguardentes, mas igualmente valores humanos e de partilha, que aplica nas suas relações profissionais e pessoais com as gentes da vinha e do vinho.
A Adega de Cantanhede é-lhe um caso muito especial, porque, sendo o maior produtor da região, tem associadas 500 famílias, as quais, na sua maioria, depende do sucesso da Adega, tendo na produção de uva uma importante, quando não única, fonte de rendimento.
O desafio é emocionante e o facto de a Adega ser, hoje, uma referência nacional, nela tendo sido realizado um trabalho notável pelos colegas que o antecederam, e ao qual pretende dar continuidade, são forte motivação. É na inovação que vê a cooperativa, prestigiando a manufactura de vinhos minuciosos, nascidos de parcelas históricas, aptas a criar vinhos distintos. Pequenos projectos que surgem dentro do grande volume, tão necessário para acertar as contas de tesouraria, criando identidade. Um fato que encaixa na perfeição na sua vocação de alfaiate, criando vinhos por medida.
Cantanhede apaixonou-o à primeira vista pelas suas particularidades, estando longe de imaginar um tão vasto património de vinhas velhas. Na área dos espumantes, onde a presença da Adega nos mercados nacional e internacional é muito forte, o enólogo valoriza o conhecimento já ali residente, tendo uma vontade imensa de ampliar e potenciar esse valor nas diversas vertentes de efervescentes, valorizando-os e tornando-os ainda mais competitivos, sem nunca descurar a sua qualidade. Consciente de que os preços médios dos espumantes estão demasiado baixos, entende que será na qualidade que se diferenciarão para incrementar valor
António Ventura é um profundo conhecedor do histórico das adegas cooperativas e da sua fulcral importância nos anos 60 e 70 na preservação da nossa viticultura, exortando os agricultores a produzir melhor. Nessa época, o incremento qualitativo dos vinhos portugueses muito ficou a dever ao papel das cooperativas. A partir de determinada altura, o modelo tornou-se desajustado, sobretudo por força de gestão não profissional. Actualmente há necessidade de as adegas cooperativas se assumirem como estruturas empresariais, com departamentos competentes, especializados e de gestão moderna e assertiva. Cantanhede é, felizmente, um exemplo de profissionalismo, não sendo de estranhar o sucesso com que se afirma ao longo dos anos.
…O rastreio destas vinhas passa por incluírem no seu encepamento, pelo menos 80% de videiras da casta Baga…
As castas de eleição
Enólogo responsável por vinhos exportados para mais de 40 países, António Ventura tem aqui um trabalho que se firma, em certa medida, na continuidade dos seus antecessores, mas procurando desenvolver novas estratégias para fortalecimento da presença dos vinhos e espumantes da Adega nos mercados externos. Se há uma cada vez maior exigência, mostra-se essencial apostar na diversidade de perfis, necessidade essa que tem de ser preenchida, se necessário, com opções diferentes de vinificação.
Tem na Castelão uma das suas uvas tintas de eleição, também pelo facto de ser umas das castas mais antigas do território e por ainda existir uma elevada expressão de vinhas velhas, sobretudo em Palmela. Olha para a Bairrada e para a Baga do mesmo modo apaixonado, reconhecendo-lhe a extrema versatilidade. A Adega é um bom exemplo do que se pode fazer com a casta Baga, produzindo grandes tintos e espumantes, pelo que tem a certeza que muito rapidamente se converterá às virtudes desta casta rainha da Bairrada.
António Ventura, também trata a Arinto por tu, conhecendo todos os seus segredos, sendo da sua responsabilidade a vinificação de cinco milhões de litros por ano desta variedade em diversas regiões do país vitícola. Possui uma enorme admiração pela casta, que traz não apenas segurança ao enólogo, mas fiabilidade. Estrutura, acidez, melhoradora de outras castas, podendo ser trabalhada a solo ou em lote, com madeira e sem madeira. A Adega sempre teve na Arinto um dos seus esteios para os vinhos brancos e António Ventura deseja poder potenciá-la ainda mais. Para o final, o enólogo consultor frisou a enorme importância da certificação DOC Bairrada para os vinhos e espumantes produzidos localmente, estando firmemente convicto que é um factor de valorização da região e, com isso, de cada um dos agentes económicos e dos seus vinhos.
(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)
Pelo terroir de Coelheiros

Os vinhos da Tapada de Coelheiros surgiram em 1991, pela mão da família Silveira e, desde então, ainda que com alguns sobressaltos pelo meio, mantiveram-se sempre como marca de primeira grandeza, uma referência no Alentejo. A herdade, situada em Igrejinha, Arraiolos, tem hoje cerca de 800 hectares, dos quais 50 de vinha, 40 de pomar […]
Os vinhos da Tapada de Coelheiros surgiram em 1991, pela mão da família Silveira e, desde então, ainda que com alguns sobressaltos pelo meio, mantiveram-se sempre como marca de primeira grandeza, uma referência no Alentejo. A herdade, situada em Igrejinha, Arraiolos, tem hoje cerca de 800 hectares, dos quais 50 de vinha, 40 de pomar (com destaque para o nogueiral), algum olival e, sobretudo, 600 hectares de sobreiros e azinheiras, onde uma vasta fauna de médio e grande porte (ovelhas, gamos, veados) se passeia livremente.
A grande revolução na Tapada de Coelheiros aconteceu após a sua aquisição, em 2015, por parte do empresário brasileiro Alberto Weisser, que chamou para consigo trabalhar o agrónomo e enólogo Luís Patrão. Desde então, progressivamente, foram sendo implementadas práticas sustentáveis e de regeneração do território, sendo a agricultura biológica e regenerativa um pilar vital de tudo o que ali é produzido.
“Centramos os nossos esforços em revitalizar e enriquecer os solos, cuidando da sua rica vida microbiana, incluindo bactérias e fungos, fundamentais para os processos naturais de cura da terra. Nós actuamos apenas como facilitadores destes processos”, diz Luís Patrão. Para tal, são utilizados produtos naturais, como leite, extratos de algas e de plantas, para fortalecer a resiliência da flora, promovendo a sua vitalidade.
É sabido que bio não significa, necessariamente, sustentável. Este último é um conceito bem mais abrangente e com implicações em diversas áreas. Na Tapada de Coelheiros existe perfeita noção disso, e diversas práticas reforçam o comprometimento de Alberto Weisser e da sua equipa com a Natureza. Existe, por exemplo uma rigorosa gestão da água, com o consumo monitorizado através de caudalímetros e sondas de solo, apoiadas por uma estação meteorológica própria. A energia, por seu lado, é fornecida por uma central fotovoltaica. Até os bebedouros para animais, espalhados pela propriedade, são alimentados por painéis solares. Existem abrigos para a fauna terrestre, poleiros para rapinas e refúgios para pequenas aves e morcegos, contribuindo para a manutenção do equilíbrio ecológico, da biodiversidade. Parte desta bicharada retribui o acolhimento, participando no controle biológico de pragas.
Um rebanho de mais de 1.300 ovelhas é responsável pelo pastoreio dos montados, contribuindo para a fertilização do solo e manutenção do coberto vegetal, tanto o espontâneo como o semeado, pensado para optimizar a fertilidade do solo, melhorar a drenagem e o arejamento e prevenir a erosão.
Os vinhos, de uma ou outra forma, terão de reflectir tudo isto. “Os nossos vinhos evocam a essência de cada parcela de vinha de onde têm origem”, refere Luís Patrão.
Vinhos de parcela
E é precisamente de parcelas que falamos, para apresentar a nova colheita do Taco e a estreia das referências Alto e Sobreira, vinhos de vinha agora “arrumados” na chamada Gama Terroir da Tapada de Coelheiros.
A vinha do Taco, com 1 hectare, plantada em 2001 é, segundo o enólogo, “um dos melhores exemplares de viticultura de sequeiro na Tapada de Coelheiros.” Está situada a uma altitude de aproximadamente 270 metros, no sopé de uma encosta, com exposição solar predominante a sul. Esta vinha tem a particularidade de ser circundada por uma densa floresta de sobreiros e azinheiras e fechada por duas linhas de água. Esta localização proporcionou depósitos de aluvião, sendo que o solo, de origem granítica, tem na superfície uma textura que varia de arenoso-argiloso para arenoso-limoso. Em profundidade, encontra-se uma camada cascalhenta, que facilita a drenagem e promove o desenvolvimento das raízes das videiras. A casta aqui plantada é Petit Verdot, proveniente de selecção massal, e a parcela está em agricultura biológica desde 2017. O Tapada de Coelheiros Taco de 2014, recentemente colocado no mercado, fermentou em inox e permaneceu 18 meses em barrica. Como tem vindo a ser habitual nesta referência (o de 2012 foi lançado em 2022) espera sempre vários anos em garrafa até chegar ao mercado.
A vinha da Sobreira foi igualmente plantada em 2001, e a casta Syrah, de selecção massal, ocupa uma parte dos seus 1,35 hectares, em sequeiro. Está localizada na cota 280-290 metros, no sopé de uma colina, com exposição noroeste, junto a uma pequena mata de sobreiros. O solo é predominantemente argilo-arenoso, com alguns elementos grosseiros de quartzo e granito, com baixa matéria orgânica. A vinha está conduzida em cordão bilateral, o que, segundo Luís Patrão, “optimiza tanto a exposição solar das uvas quanto a ventilação das folhas, proporcionando tanto boas maturações, como sanidade da fruta.” Tal como na vinha do Taco, a viticultura biológica foi aqui implementada em 2017. Em 2020, porém, passou a biodinâmica, “reflectindo o nosso compromisso com a sustentabilidade e a promoção da regeneração do solo”, destaca o enólogo.
A vinificação em separado do Syrah desta parcela, ocorrida em 2020, teve algumas nuances face ao Petit Verdot da vinha do Taco. Fermentado em lagar de inox só com as leveduras indígenas, teve uma curta maceração pós-fermentativa de cinco dias para encorajar o início natural da fermentação malolática. Depois, o vinho passou para um tonel de 1800 litros, onde amadureceu durante 18 meses, seguido de estágio em garrafa de igual período.
Dos três vinhos da Gama Terroir, o Alto é o único branco. Esta vinha, com pouco mais de 1 hectare (1,09, para ser preciso), foi uma das últimas a ser plantada pela família Silveira. Fica no centro da Tapada de Coelheiros, numa ligeira encosta, a 300 metros de altitude, envolvida entre um pomar, um prado e um bosque de pinheiros mansos que inspiram o rótulo que embeleza a garrafa. Os solos têm origem granítica, são profundos e ricos em argila. É nesta zona e em parcelas adjacentes que se encontra a maior mancha de castas brancas da herdade. A parcela Alto está plantada com a casta Arinto. Diz Luís Patrão que, nos últimos anos, foi ali promovido intenso trabalho para melhorar as coberturas de solo, semeando leguminosas nas entre-linhas para promover a fixação natural de azoto. A condução do Arinto é em Guyot bilateral, originando uma boa fertilidade.
O Alto 2018 foi feito a partir da prensagem de cachos inteiros, com fermentação do mosto em duas barricas de carvalho francês usadas, de 500 litros. Ali permaneceu o vinho mais um ano, até ao seu engarrafamento. Luís Patrão aprecia particularmente a Arinto e está convencido da longevidade em garrafa dos vinhos desta casta. Daí que não tenha hesitado em esperar todo este tempo até se decidir a enviar o Alto branco 2018 para o mercado. O vinho parece dar-lhe razão.
Como se percebe, esta Gama Terroir é constituída por vinhos oriundos de pequenas parcelas, com particularidades que a equipa considera especiais dentro dos 50 hectares de vinha da propriedade. São também por isso produzidos em quantidades reduzidas: 1.410 garrafas para o Alto, 2.244 para o Sobreira e 3.600 para o Taco. Quantidades ainda assim mais do que suficientes para reafirmar a excelência do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido e a singularidade do projecto Tapada de Coelheiros.
(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)
Casa Havaneza: Um lugar mítico com um produto mágico

É uma das mais antigas lojas de charutos do mundo. Estabelecida em 1864 por Henry Burnay, Conde Burnay, no Largo do Chiado, em Lisboa, num espaço criado uns anos antes por comerciantes de origem belga, comemora, este ano, 160 anos. São os mesmos que faz o vetusto Diário de Notícias, jornal diário que tem acompanhado […]
É uma das mais antigas lojas de charutos do mundo. Estabelecida em 1864 por Henry Burnay, Conde Burnay, no Largo do Chiado, em Lisboa, num espaço criado uns anos antes por comerciantes de origem belga, comemora, este ano, 160 anos. São os mesmos que faz o vetusto Diário de Notícias, jornal diário que tem acompanhado a vida do país e de várias gerações de portugueses até aos dias de hoje.
Henry Burnay surgiu pela primeira vez na história da Casa Havaneza em 1864, enquanto arrendatário da tabacaria. Em 27 de Maio de 1865 foi assinada nova escritura, permitindo-lhe continuar o seu negócio até 31 de Dezembro de 1874. No ano seguinte, quando nasceu a firma Henry Burnay & Cª, o banqueiro decidiu, porque os negócios estavam a correr bem, alargar o espaço da Casa Havaneza, alugando os números 124, 126 e 128 da R. Garrett. O estabelecimento passou, assim, a abranger toda a área entre a praça do Loreto e a continuação da rua do Chiado.
Foi em 1877 que os dois belgas fundadores, François Caen e Charles Vanderin, assinaram a escritura de “transacção amigável” com a firma Henry Burnay & Cª, passando a gestão da tabacaria a ser da inteira responsabilidade do banqueiro e dos seus dois sócios: Eugénio Larrouy e Ernesto Empis, cunhado de Burnay. Na altura, a passagem pela Casa Havaneza era quase uma oferta extra à do Banco Burnay, já que os clientes podiam entrar na instituição para pedir um empréstimo e, à saída, comprar um charuto cubano já que, desde a sua fundação, este estabelecimento esteve sempre ligado ao epicurismo, à comercialização de charutos cubanos premium e acessórios para fumadores. Mas também bebidas e os cristais e outros artigos usados para as servir, por exemplo.
Lugar de encontro
A localização da Casa Havaneza na baixa, no coração da vida intelectual de Lisboa na época, perto do Teatro S. Carlos e da Livraria Bertrand, entre outros, e às portas do Bairro Alto, contribuiu para que esta loja fosse um dos lugares de encontro desde a sua fundação. Alguns anos mais tarde, no início do século XX, era o único terminal de Lisboa para os telegramas da Havas, a primeira agência de notícias do mundo, o que tornava o local ainda mais apelativo para políticos, jornalistas, escritores e artistas, que ali iam procurar novas da Europa e do mundo e ostentavam, à sua porta, os seus charutos, enquanto conversavam sobre as últimas intrigas da velha Lisboa. Também aqui se localizou a primeira estação de chamadas telefónicas, para uso dos lisboetas. No livro “Os Maias”, Eça de Queiroz faz uma descrição deste lugar, num dia daquele tempo, escrevendo que “um lindo Sol dourava o lajedo; batedores de chapéu à faia fustigavam as pilecas; três varinas, de canastra à cabeça, meneavam os quadris, fortes e ágeis na plena luz. A uma esquina, vadios em farrapos fumavam; e na esquina defronte, na Havanesa, fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando.” Ou seja, naquele lugar da baixa lisboeta, em frente à Havaneza, muitos se reuniam para fumar e conversar, desde a gente anónima aos mais conhecidos e ilustres daquele tempo. Era o caso de “Rafael Bordalo Pinheiro, que se auto-retratou de charuto na mão, que também foi presença assídua e interveniente mordaz nas tertúlias da Casa Havaneza, tal como o foram outros grandes vultos da nossa cultura, entre eles, Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz e Guerra Junqueiro”, conta Pedro Rocha, CEO da Empor, empresa proprietária da Casa Havaneza, salientando que esta “sempre foi, e será, um espaço dedicado ao epicurismo, por excelência, e um lugar cheio de história política, social e cultural”.
Loja com história
Identificada, hoje, como uma das “Lojas com História” da cidade de Lisboa e monumento de interesse público, o espaço foi passando por várias remodelações na sua fachada e no seu interior, mas manteve sempre a sua função e o ambiente tradicional. Uma das primeiras decorreu ainda no início do século 20, quando saiu uma lei que obrigava as áreas financeiras dos estabelecimentos comerciais a separar-se das suas zonas de retalho. “Antes disso, na Casa Havaneza também se trocava dinheiro por ouro e faziam-se empréstimos”, conta Pedro Rocha, salientando que ali passou a funcionar também uma dependência bancária, dos mesmos proprietários. A última obra decorreu sob a supervisão de Nuno Corte Real e Alexandre Carvalho, na década de 80 do século passado e a sua estética leva, ainda hoje, turistas nacionais e estrangeiros à loja só para a apreciarem.
A Casa Havaneza do Chiado mantém, hoje, a sua essência, vendendo principalmente charutos cubanos, bebidas e acessórios para fumadores e escanções. Mas já não tem os artigos de decoração, incluindo os cristais que vinham de França e Itália noutros tempos. Ou seja, “mudou um pouco o estilo com o passar dos anos, mas a sua essência e o serviço aos clientes mantiveram-se”, afirma Pedro Rocha. E é isso que tem garantido o sucesso do seu negócio durante tanto tempo.
Mudança inevitável
A mudança foi inevitável com a chegada da era dos grandes centros comerciais a Portugal, que passaram a ser um atractivo irresistível para os clientes nacionais. A tendência não deixou os gestores da Casa Havaneza indiferentes, que iniciaram a expansão da marca, na procura de se manterem perto dos seus clientes mais tradicionais. A Casa Havaneza do Centro Comercial das Amoreiras, em Lisboa, abriu as suas portas ao público em Setembro de 1985. A loja do Colombo desde 1998 e “finalmente, concretizou-se, em 2012 um sonho antigo, a abertura de uma Casa Havaneza no Porto, que fica perto da zona do Bessa”, conta Pedro Rocha, explicando que as lojas são frequentadas pelo mesmo tipo de clientes de sempre. Afinal, quem procura as lojas da Casa Havaneza são “os aficionados e as pessoas que querem entrar neste mundo do epicurismo e aprender mais um pouco, ou seja, aqueles que sabem que ali encontram o que querem, pessoas entre os 30 e os 90 anos, sobretudo das classes média e média/alta”, revela, acrescentando que, nas suas lojas, também encontram quem os possa aconselhar, “para os ajudar a encontrar aquilo que se adapta melhor ao seu gosto pessoal”. O principal produto da casa, ainda hoje, são os charutos cubanos, o que não é de estranhar, já que esta é uma marca do Grupo Habanos, empresa que faz a distribuição dos charutos da ilha para todo o mundo. Mas também podem ser encontradas marcas da República Dominicana, Nicarágua e Honduras, onde a empresa também os fabrica.
Nasceu em Ponta Delgada, na ilha açoriana de S. Miguel, porque o pai, oficial do exército, estava lá destacado em missão. Mas não viveu na lá e sim em Castelo Branco, na Beira Baixa, a região de origem do pai, e também nas Caldas da Rainha, a cidade de origem da mãe.
Frequentou os Pupilos do Exército, onde tirou Contabilidade e Administração, e a Universidade Moderna, onde se licenciou Organização e Gestão de Empresas. Trabalhou depois na Caixa Geral de Depósitos, muitos anos na Microsoft e depois na PT, onde lançou o Office 365. E foi numa ida ao Festival del Habano, evento que se realiza uma vez por ano, em Cuba, como aficionado, numa altura em que já conhecia o distribuidor da Habanos em Portugal, entre charutos, harmonizações e outras coisas, que lhe foi feito o convite para vir para mudar de ramo de negócio.
Fumador de charutos desde os 17 anos, que diz serem a sua maior paixão, não resistiu à tentação e mudou-se para a Empor, empresa do Grupo Habanos que é proprietária da Casa Havaneza, em 2011. Esteve três anos como director comercial, antes de passar a director geral da empresa, e conta que o seu primeiro desafio foi perceber como é que se trabalhava e como funcionava um sector tão distinto daquele onde tinha trabalhado até àquela altura. “Foi essencial para perceber o que podia, ou não, mudar, e definir quais os investimentos a fazer para isso acontecer”, explica, acrescentando que a mudança teve o sucesso esperado com a ajuda de toda a equipa, o que contribuiu para a empresa se manter, até hoje como líder no seu ramo de actividade.
O que é um bom charuto?
Para Pedro Rocha, o CEO da Empor, é aquele que é feito com as melhores qualidades de folhas, produzidas nos melhores terroirs, obedecendo a todos os processos de cura, fermentação, envelhecimento. Se isto estiver tudo bem feito, um bom charuto é aquele que nos proporciona o melhor prazer possível.
A Havaneza e a literatura
Foram vários os escritores portugueses que citaram a Havaneza nos seus livros, já que este foi, principalmente entre os séculos XIX e XX, um lugar de encontro especial na Baixa Lisboeta. Eis alguns exemplos:
“Nos fins de Março de 1871 havia grande alvoroço na Casa Havanesa, ao Chiado, em Lisboa. Pessoas esbaforidas chegavam, rompiam pelos grupos que atulhavam a porta… Mas ninguém se mostrava mais exaltado que um guarda-livros do hotel, que do alto do degrau da Casa Havanesa brandia a bengala, aconselhando à França a restauração dos Bourbons.” – Eça de Queirós, em “O Crime do Padre Amaro”.
“Chiado, um cenário, um ritual de charuto a fumegar, à porta da Havaneza, Ramalho Ortigão assistiu à passagem por aqui du tout Lisbonne do seu tempo” – José Cardoso Pires, em “Lisboa, Livro de Bordo”
Vamo-nos encostar à porta da Havaneza/E veja-se passar, essa burguesa,/Que vai de risco ao meio e vai de fato preto/ Ao sport de uma hora – à igreja do Loreto” – Guerra Junqueiro, em “No Chiado”
Monte Branco: O lado imprevisto de Estremoz

Luís Louro foi um dos mais jovens produtores individuais do Alentejo, atirando-se “de cabeça” na fundação da Adega do Monte Branco logo em 2004, tinha apenas 23 anos. O gosto e “a escola” herdou-a de seu pai, Miguel Louro, conceituado criador de vinhos na vizinha Quinta do Mouro. Mas tudo o resto veio do seu […]
Luís Louro foi um dos mais jovens produtores individuais do Alentejo, atirando-se “de cabeça” na fundação da Adega do Monte Branco logo em 2004, tinha apenas 23 anos. O gosto e “a escola” herdou-a de seu pai, Miguel Louro, conceituado criador de vinhos na vizinha Quinta do Mouro. Mas tudo o resto veio do seu próprio trabalho, talento e investimento, crescendo e solidificando, a pouco e pouco, o projecto que criou, desde o início baseado, sobretudo, numa marca – Alento – genial no nome, rótulo e conteúdo da garrafa. Desde 2008 ganhou o apoio da também enóloga Inês Capão, que ali parou após experimentar outras uvas e vinhos mais a norte. A cumplicidade entre os dois profissionais é evidente, até quando discutem e discordam no melhor caminho para alcançar o objectivo. Destes debates nasce, muitas vezes, a luz, que ilumina aromas e sabores em vinhos quase sempre marcantes. E quando não chegam a consenso, prossegue cada um o seu caminho vínico, com humor e criatividade: foi assim que nasceu a linha Lou (de Louro) Ca (de Capão). Os LouCa, são duos de brancos e/ou tintos que os enólogos fazem, “à sua maneira”, sem entraves ou compromissos.

O projecto da Adega do Monte Branco estabilizou já nas 250 a 300 mil garrafas/ano, com a marca Alento (incluindo a declinação Reserva) a dar conta da maioria da produção, sobrando depois as especialidades: a já citada linha LouCA, os varietais, os vinhos de vinha e, é claro, o topo de gama, branco e tinto, simplesmente chamado Monte Branco. Tudo isto assenta em 28 hectares de vinhas próprias e outros 18 arrendados, localizados na área de Estremoz, vinhas plantadas em solos calcários, de xisto ou de transição entre ambos, entre os 320 e os 400 metros de altitude, com as idades a andar entre os dois e os 28 anos. O modelo de viticultura é o da produção integrada, com várias vinhas de sequeiro aqui trabalhadas com cuidados especiais. Naturalmente, a variabilidade entre as parcelas é enorme, em termos de solos (origem, composição e profundidade), exposição e orientação. Luís e Inês tentam tirar o maior partido de cada parcela, adaptando porta-enxertos, castas e condução às suas características específicas.
Onde nascem os vinhos
Vale a pena gastar algumas linhas com estas parcelas de vinha própria, até porque cada uma origina uvas para vinhos concretos, alguns deles agora colocados no mercado. Várias destas vinhas estão particularmente vocacionadas para brancos de topo, de teor alcoólico moderado e imensa frescura, mas a que não falta volume e equilíbrio, e que são cada vez mais “imagem de marca” pela sua presença diferenciadora, deste novo ciclo do Monte Branco, casa que este ano cumpre 20 anos (já?) de idade. Aliás, nos vinhos de topo, os brancos ocupam 30% do total.
A parcela em redor da adega, apropriadamente chamada Vinha do Monte Branco, com solos de transição de xisto/calcário, foi plantada em 2017/2018 e ocupa 3,5 hectares. É a principal vinha de brancos da casa e, segundo Luís Louro, funciona também como campo de ensaios. “Os vinhos daqui têm uma acidez incrível!”, refere. Às brancas Esgana Cão, Arinto e Galego Dourado (julgaríamos estar nos arredores de Lisboa!) juntam-se as tintas Tinta Miúda, Alicante Bouschet e Sousão. Aqui nasce o Monte Branco branco, o Vinhas Novas branco, o Ca 2021 (feito só de Esgana Cão) e o varietal de Sousão.
Já a Vinha de São Pedro tem uma parte “nova”, 3,3 hectares plantados em 2001 em xisto, com Alicante Bouschet e Aragonez (“dá tintos muito concentrados”, diz Luís Louro); e uma parte “velha”, de 1996, com 3,2 hectares de Castelão, Trincadeira e Aragonez em solos de xisto/calcário. É a vinha mais antiga da casa, de sequeiro, com as castas misturadas, onde têm sido feitas algumas experiências e ainda está a ser estudada e recuperada pelos dois enólogos.
A parcela Horta do Gaudêncio, são 2,6 hectares em solo calcário, que foram plantados em 2019 com Alicante Bouschet, Castelão e Trincadeira, com enxertia no local a partir de varas das melhores parcelas de cada casta. É também uma vinha de sequeiro, aproveitando o solo profundo com boa retenção de humidade. Inês e Luís estão surpreendidos com a qualidade geral, apesar da juventude da vinha, mas a falta de enxertadores condiciona o modelo de enxertia no campo: Cinco anos depois, a parcela ainda tem 30% de falhas. Daqui saiu o Lou tinto 2021.
A Vinha da Freira é a maior parcela, com 10,5 hectares, plantada em 2020 com Trincadeira, Alicante Bouschet, Tinta Miúda, Tinta Grossa, Moreto, Castelão, Tinta Carvalha, Marufo, Tinto Cão, Arinto, Roupeiro. Como se percebe pela diversidade, funciona também como campo de ensaios, com castas antigas do Alentejo e de outras regiões nacionais. Teve em 2023 o seu primeiro ano de produção, “com resultados muito promissores”, referem os enólogos. Também plantada em 2020, a Courela Estreita (1 hectare em calcário) contempla nada menos de 32 castas misturadas, com poda em vaso. O “field blend” foi colhido em 2023 e, ao que parece, deu para entusiasmar. Parcela que há muito deixou de ser promessa para se tornar valor seguro é a Vinha da Cabrota: 3,5 hectares de Alicante Bouschet, Aragonez e Castelão, plantados em 2001. É uma vinha de sequeiro, em solo calcário, com muito baixa produção e uvas que “temperam” com imensa frescura os melhores lotes da Adega do Monte Branco, com particular incidência nos seus tintos de topo.
(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)
Charutos: A arte de produzir e fumar “puros”

Fumar um charuto pode representar uma pausa na vida do dia a dia, para apreciar o ambiente onde se está, seja o de um canto tranquilo de casa, de uma mesa de final de repasto com amigos ou um espaço ao ar livre que oferece uma vista panorâmica. Ou seja, “há um charuto para cada […]
Fumar um charuto pode representar uma pausa na vida do dia a dia, para apreciar o ambiente onde se está, seja o de um canto tranquilo de casa, de uma mesa de final de repasto com amigos ou um espaço ao ar livre que oferece uma vista panorâmica. Ou seja, “há um charuto para cada ocasião e uma ocasião para cada charuto”, defende Pedro Rocha, CEO da Empor, empresa proprietária da histórica Casa Havaneza, loja que vende charutos em Portugal há mais de 160 anos.
Mas o universo dos charutos não envolve apenas o acto de fumar. É, muito mais do que isso, uma experiência holística muito mais vasta que esse momento, pois envolve a escolha, a arte de fazer o corte mais adequado e de os acender e, depois, a forma de os fumar. Descobrir as preferências pessoais em cada um destes aspectos é uma viagem de autodescoberta e parte do encanto fascinante deste passatempo sofisticado.
A arte de bem cortar
Aprender a cortar um charuto de maneira correta e confortável é uma arte que leva tempo para ser dominada, já que não se trata apenas de um objecto, mas de um produto artesanal que leva muito tempo a ser feito, cuja qualidade não depende apenas das características das folhas de tabaco que o compõem, mas também da experiência, profissionalismo e arte de quem as escolhe e as enrola manualmente.
Qualquer um pode cortar aleatoriamente a ponta de um charuto e começar a fumar. No entanto, o verdadeiro conhecedor reserva um pouco de tempo para admirar o trabalho feito, e identificar a forma do extremo a cortar antes de o remover da forma mais correcta. Esta pequena cerimónia transforma, desde logo, a experiência em algo muito mais profundo e agradável. O segredo é cortar apenas o suficiente para permitir uma puxada confortável e, ao mesmo tempo, preservar a estrutura do charuto. O cortador de charutos escolhido desempenha um papel significativo neste processo. Por isso, escolher o mais correcto melhora a experiência de cortar e fumar o charuto, contribuindo para que seja mais lenta, saborosa e prazerosa, tal como todos os bons momentos devem ser.
Para acender o charuto, a forma mais ortodoxa é usar um fósforo, que é mais comprido que o normal, ou um isqueiro a gás. Deve-se segurar o charuto horizontalmente e acendê-lo girando a extremidade para obter uma queimadura uniforme e intensa, antes de colocar a outra extremidade na boca para começar a fumar. Mas não se deve inspirar. Porquê? Porque a experiência pode não ser a mais agradável.
O tipo de tabaco, o clima, o solo, o conhecimento secular, desde o agricultor às pessoas que enrolam os charutos, aqueles que detêm o conhecimento e o saber fazer, são os factores que mais influenciam e contribuem para a qualidade e distinção dos charutos cubanos.
Uma hora de prazer
Para fumar um charuto, basta aspirar para dentro da boca, apreciar todos os sabores e aromas do fumo antes de o expirar lentamente. Para isso, segure o charuto perto da boca e puxe suavemente. Bastam apenas uns tragos por minuto para usufruir do prazer de os fumar, já que o acto é uma oportunidade para descontrair, relaxar e imergir na experiência.
A maioria dos charutos leva pelo menos uma hora para fumar. Quando se apagam, a meio do percurso, basta sacudir as cinzas, reacender e expirar pelo charuto para ejectar o fumo frio. De outra forma, as cinzas só devem ser removidas após algum tempo, apesar de não haver regras de etiqueta em relação ao tema. Mas o seu tempo de permanência no charuto é uma das formas de certificar a sua qualidade, que pode ser atestada por quem o fuma e está, à volta, a partilhar o momento.
E o que se pode fazer se, apesar de todos esses passos cuidadosamente orquestrados, se descobre que não se está a gostar da experiência? Basta colocar o charuto no cinzeiro e deixá-lo apagar naturalmente.
O universo dos charutos é vasto e variado, com uma infinidade de sabores, intensidades e tamanhos. Pode ser necessário algum tempo de experimentação para encontrar o tipo certo para o gosto pessoal. Por isso, é melhor experimentar marcas, formatos e tamanhos diferentes, percorrendo uma viagem de aprendizagem e conhecimento que poderá ser tão fascinante como descobrir as suas origens, desde a mais reconhecida ilha de Cuba, onde são produzidos os Habanos, até ao México, Equador, Brasil, Honduras, Nicaragua ou República Dominicana, entre outros, e os seus terroirs. São passos de um percurso longo em que é essencial também a experiência, arte de bem saber fazer e profissionalismo dos seus artesãos. No final, lembre-se que a arte de fumar charuto é uma jornada pessoal. Trata-se de saborear momentos de tranquilidade, enquanto se aprecia tudo aquilo que cada um tem para oferecer. Quer você seja um conhecedor experiente ou um iniciado curioso, o mundo dos charutos oferece uma experiência cativante, rica em tradição e repleta de sofisticação.
Depois de colhidas, as folhas de tabaco vão para armazéns de cura, onde estão vários dias, por vezes meses
A viagem até ao Habano
O tipo de tabaco, o clima, o solo, o conhecimento secular, desde o agricultor às pessoas que enrolam os charutos, aqueles que detêm o conhecimento e o saber fazer, são os quatro factores que mais influenciam e contribuem para a qualidade e distinção do Habano, ou seja, dos charutos cubanos.
A produção de cada unidade leva cerca de três anos, desde que as plantas são semeadas no campo até que cada uma é colocada na caixa respetiva, e implica mais de 500 procedimentos manuais. Até o processo de colheita de folhas obedece a regras, já que começa de baixo para cima. São retiradas apenas duas ou três folhas de cada vez, com uma semana de alternância até a planta ficar completamente despida. “Só assim se garante que têm a composição e constituição certas para integrarem os futuros Habanos”, defende Pedro Rocha.
O tabaco para a tripa e para o capote, que integram o interior dos charutos, é produzido, no campo, através do método designado como “tabaco ao sol”, enquanto que, para a capa, é produzido pelo processo de “tabaco tapado”, que decorre em instalações de forma semelhante à das às estufas, mas cobertas com tecido para originar apenas ensombramento. O objectivo é diminuir a intensidade da radiação que chega às folhas, “para que fiquem com mais goma, não criem tantas nervuras vincadas e grossas e sejam o mais elásticas possível, para ficarem com o aspecto mais apelativo possível, porque são as que ficam no exterior dos charutos”, explica o gestor.
Há três tipos principais de folha de tabaco nos charutos: o ligero, o seco e o volado. O primeiro, de grande fortaleza e queima lenta, é responsável pela sua robustez e dá-lhe um toque de sabor, o segundo, de fortaleza média, é o principal responsável pelo seu aroma e, o terceiro, aquele que tem menor fortaleza, é-o pela sua capacidade de combustão. Depois, o blend de cada marca está ligado à sua origem, no campo, e à quantidade e qualidade das folhas postas em cada charuto.
Depois de colhidas, as folhas de tabaco vão para armazéns de cura, onde estão vários dias, por vezes meses, até passarem ao tom carmelita ou castanho. A ventilação e a luz são reguladas para permitir variações naturais de temperatura e umidade. Esse processo dura, no mínimo, 50 dias, e é mais prolongado para as folhas colhidas nas zonas mais altas das plantas.
O processo seguinte, a primeira fermentação, é semelhante ao que ocorre nas pilhas de folhas que se acumulam nos jardins das casas, para serem usadas depois como fertilizante natural. Também aqui são colocadas em pilhas, que são amarradas e cobertas antes de se iniciar uma fermentação que decorre naturalmente devido, entre outros, à humidade que ainda fica retida nas folhas após o processo de cura e ao calor e humidade cubanos. Como gera calor, é supervisionada constantemente para que siga os parâmetros desejados.
As virtudes da fermentação
O processo dura até 30 dias e serve para baixar os níveis de nicotina, amoníaco, alcatrão e outros compostos menos desejáveis no charuto, tornando cada folha muito mais própria para se fumada. As destinadas ao capote e a tripa do charuto são depois humedecidas e arejadas para serem classificadas e separadas mais facilmente, já que não têm todas as mesmas dimensões e formas. Depois de escolhidas, são agrupadas em quatro categorias. Seguindo os rigorosos processos que caracterizam a produção dos charutos cubanos, somente metade das folhas são classificadas como fortaleza média, ligero, seco, volado e capote, para serem utilizadas na sua produção.
Posteriormente, todas as folhas passam por uma nova fermentação, sendo colocadas em pilhas e cobertas com panos. Também aqui a temperatura deve ser monitorizada com muito cuidado, para evitar excessos. Quando é muito alta, as pilhas são desfeitas para as folhas esfriarem antes de serem refeitas, com as folhas que estavam em cima a passarem para baixo e vice-versa. É um processo que se repete várias vezes durante esta etapa. A seguir decorre o despalillo (desengace), onde as despalilladores (desengaçadores) usam um dedal de metal no seu polegar para retirar as nervuras da base das folhas da tripa e do capote, antes de se iniciar um novo processo de fermentação.
A seguir decorre o planchado, em que as folhas ficam a estagiar. As de ligero são 24 meses e as de fortaleza média, até ao seco, entre 12 e 18 meses e o volado e as coisas com menor fortaleza nove a 12 meses”, explica Pedro Rocha. Quanto mais tempo a folha estiver a amadurecer, melhor será a sua qualidade.
Depois, as folhas de tabaco saem dos armazéns para as fábricas, onde se inicia o processo industrial, começando pela sua molha, para que possam ser manuseadas, antes de entrarem na Baraguita, onde está o “mestre da ligada”, aquele que diz o tipo de charuto que vai ser feito, um Partagas de 4, por exemplo, definindo quanto é que vai dar de cada tipo de folha de tabaco a cada enrolador para fazer o que é a norma (número) diário deste tipo de charutos.
60 tonalidades diferentes
“Nas nossas fábricas, a norma diária são 100 cem robustos por dia, aqueles que cada operador tem de fazer, explica Pedro Rocha. Ou seja, o mestre dá, a cada um, uma determinada quantidade de ligero, seco, capa e capote e anuncia qual a quantidade, de cada um deles, que cada operador tem de por em cada charuto.
Os enroladores estão na Galera a fazer isso, numa operação fiscalizada pelos vários departamentos de control de qualidade, incluindo a avaliação por “máquinas de tiro”, aquelas que controlam a capacidade de cada charuto de ter tiro, ou seja, de se conseguir dar, neles, a primeira puxada de fumo depois de serem acesos. “O charuto só não é fumável quando não tem tiro, ou seja, quando não tem canais de ar no seu interior que permitam que seja aceso e fumado”, explica Pedro Rocha, acrescentando que todo o trabalho de enrolar é feito à mão, em Cuba, mas noutros países pode ser usada uma máquina semelhante à de enrolar cigarros.
Depois de enrolado, o charuto vai para um escaparate, durante algum tempo, para baixar o seu nível de humidade até aos 65 a 70%, antes de ir para uma secção de escolha de cores. Como as folhas de tabaco podem ter 60 tonalidades diferentes após o fim de todo o processo produtivo, é preciso fazer uma selecção, para garantir que todos os charutos da mesma caixa têm os tons mais homogéneos possível. Depois de selecionados, outro operador coloca-lhes a anilha, e outro nas caixas respectivas, processos sempre acompanhados pelo controlo de qualidade. “São três anos, desde que as sementes de tabaco são plantadas no campo até que o charuto é colocado na caixa, o que implica que haja sempre folhas disponíveis armazenadas para garantir a resposta às solicitações do mercado”, salienta ainda Pedro Rocha. É um caminho longo, com muitos passos e muitas pessoas envolvidas, desde que as sementes da planta do tabaco são deitadas à terra até que cada charuto é escolhido. Por isso, é natural que o seu preço também possa chegar aos milhares de euros, apesar de, com dois, se puder comprar um. Os terroirs, os tipos de folhas, a arte de saber fazer e o profissionalismo dos operadores, e os cuidados seguidos em todas as partes de um ciclo produtivo que deu os seus primeiros passos há umas centenas de anos, dão origem a um produto com muito mais do sabores e cheiros. Para quem gosta mesmo, apreciá-los é um ritual que pode dar origem a uma pausa no tempo para pensar, apenas observar, dialogar ou conviver. Ao que parece, é irresistível…
Fontes: Casa Havaneza e os sites da Habanos, Ape to Gentleman, The Art of Manliness e William Henry
O universo dos charutos é vasto e variado, com uma infinidade de sabores, intensidades e tamanhos e pode ser necessário algum tempo de experimentação para encontrar o tipo certo
Aprofundando-se no mundo dos charutos
Quando se embarca jornada cativante de fumar charuto, há várias coisas a considerar, desde o conhecimento sobre tamanhos, formatos e embalagens, até à forma de os armazenar adequadamente.
Tamanhos e formatos
Os charutos têm vários tamanhos e formatos, comummente chamados vitolas, que têm efeito na experiência de fumar, pois afectam a taxa de queima e a extração do charuto. Por exemplo, os mais grossos, conhecidos como robustos, oferecem uma queima mais lenta e uma fumada mais fria, enquanto os mais finos e longos, como o lancero, proporcionam uma queima mais rápida e um sabor mais concentrado. Compreender as diferentes vitolas pode ajudar na seleção do charuto certo para a ocasião e duração preferida para fumar.
Invólucros de charuto
A capa, a folha mais externa de um charuto, desempenha um papel importante no seu perfil de aromas e sabores.
Harmonização com bebidas
A bebida certa pode elevar a experiência de fumar um charuto, realçando os seus sabores e oferecendo uma prova mais sofisticada. Um rum velho, um uísque single malte, um porto vintage, um café forte ou até um chá podem ser combinações perfeitas para o charuto escolhido.
Armazenamento de charutos
Manter a humidade e a temperatura corretas é essencial para preservar a qualidade dos charutos. Um humidificador de charutos bem conservado pode garantir que os seus permaneçam frescos e se mantenham aromáticos e prontos para fumar.
Notas de prova
Desenvolver um paladar refinado para identificar as diversas notas de prova de um charuto é um aspecto gratificante da jornada. Desde o primeiro terço ao final, o perfil sensorial de um charuto pode mudar bastante. Aprender a discernir essas mudanças e complexidades sutis pode aumentar e melhorar a sua capacidade de os apreciar.
Etiqueta
Finalmente, há uma etiqueta associada ao fumo de charuto, que inclui a regra de não soprar o fumo na direção dos outros e respeitar as regras dos locais onde se está a fumar.
(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)
Grande Prova: De norte a sul Os “outros” Alvarinho

A casta que hoje nos ocupa é mais uma daquelas que, por norma, dizemos ser casta portuguesa e que em boa verdade é uma variedade ibérica. Nuestros hermanos, que também a apelidam de Cainho Branco, fizeram dela a rainha das Rias Baixas e a fama ultrapassou fronteiras, tendo chegado a outros continentes. Por lá foi […]
A casta que hoje nos ocupa é mais uma daquelas que, por norma, dizemos ser casta portuguesa e que em boa verdade é uma variedade ibérica. Nuestros hermanos, que também a apelidam de Cainho Branco, fizeram dela a rainha das Rias Baixas e a fama ultrapassou fronteiras, tendo chegado a outros continentes. Por lá foi referenciada em 1843 mas A. Girão (tratado Prático da Agricultura das Vinhas) já fala dela em 1822 como casta de Monção. Entre nós esteve muito tempo confinada ao Minho, inicialmente à zona de Monção e Melgaço, onde adquiriu justa fama. Sempre dispersa nas vinhas e misturada com outras castas, a Alvarinho conheceu a primeira vinha contínua em 1964 no Palácio da Brejoeira, orientada por Amândio Galhano. Até há poucos anos era só de Monção e Melgaço que poderiam sair vinhos com Denominação de Origem Vinho Verde, mas a situação actual é bem diferente, uma vez que em qualquer zona da região se pode fazer um Alvarinho com direito a D.O.. A área de vinha deverá atingir actualmente cerca de 1500 ha.
A grande divulgação da casta só começou no final dos anos 80 do século passado, quando muitos produtores resolveram avançar para projectos próprios como engarrafadores. Passámos então de quatro ou cinco marcas – Deu la Deu, Palácio da Brejoeira, Adega de Monção e Cêpa Velha – para as mais de 100 que existem agora, com muitos milhões de garrafas produzidas anualmente. Gradualmente deixou de ser o branco da aristocracia rural minhota, vinho de ricos e de eventos de luxo, para se tornar um branco acessível a todos. Terá sido essa expansão e o sucesso que os vinhos tiveram junto do consumidor que despertou o interesse de produtores de outras zonas do país para as virtudes da Alvarinho. Temos hoje, assim, vinhos varietais em várias regiões, umas mais quentes que outras, umas de interior e outras costeiras.
A casta gosta de estar perto do mar, mas protegida do mar, ainda que tal possa parecer contraditório.
Os registos da prova
Na prova que fizemos, que não permite juízos de valor definitivos, foram, no entanto, perceptíveis algumas tendências. Mas as conclusões poderão ser apressadas porque avaliámos vinhos de idades muito diferentes; recuando no tempo, tivemos amostras desde 2023 até 2019. Por isso havia no painel algum desequilíbrio temporal. É verdade que, em termos abstractos, um branco de 2019 não se considera velho ou demasiado evoluído em nenhuma região do mundo, mas o facto de estarem aqui vinhos precocemente evoluídos pode permitir algumas leituras sobre a adaptação (ou não) da casta a solos e climas muito distintos dos da zona de origem (Minho).
A expansão da casta, cremos, ficou a dever-se às suas virtudes intrínsecas: produz bem, aromaticamente é muito rica e além de um corpo elegante, resulta com uma acidez muito expressiva que alegra o lote final. Pela experiência nas zonas de Monção e Melgaço, percebeu-se também que, uma vez plantada em solos diversos, poderia originar vinhos expressivos e diferenciados de perfil. Ora, tendo o país zonas costeiras e de interior, zonas frias e quentes, de planície e de altitude, era inevitável a “atracção fatal” que a casta exerceu sobre os produtores. É também por isso que estamos em crer que o futuro próximo nos irá trazer mais amostras de outros produtores interessados na casta.
Os resultados da prova têm algo de paradoxal: a vitória de um vinho mais “atlântico” poderá ser considerada normal, mas os dois lugares seguintes com origem em zonas de interior já podem ser mais surpreendentes. Jorge Moreira, que faz no Douro o “seu” Alvarinho Poeira e também o Quinta de Cidrô, reconhece na casta “a capacidade de mostrar bem o local de onde vem, acentuando no Douro o seu carácter mais gordo, mas conservando uma excelente acidez e pH”. Ao seu Poeira há a acrescentar o Pó de Poeira, ambos da sua propriedade mas de vinhas diferentes. Já Anselmo Mendes, com muitos vinhos feitos em Monção, acentua que “a casta gosta de estar perto do mar, mas protegida dele. Ainda que possa parecer contraditório, a verdade é que, se demasiado perto da orla marítima e sem protecção, a casta pode originar uma acidez exagerada”. Na Bairrada, onde dá apoio enológico ao vinho Kompassus, Anselmo assinala que “a casta se mostra muito bem em solos argilo-calcários, resultando num vinho um pouco mais fechado, mais reduzido, mas com mais salinidade na prova de boca; estou convencido que a proximidade do mar pode ser determinante, tal como é a influência do enólogo”, disse.
Nas zonas quentes a produção do Alvarinho pode levantar alguns problemas. Paulo Laureano que também a trabalha no Alentejo, confessa que levou algum tempo a perceber a melhor forma de contrariar a tendência da casta para a sobrematuração que deriva do clima quente. Diz, por isso, que “uma poda adequada e um clima que inclua alguma brisa são fundamentais porque a maturação pode parar por excesso de calor”. Já a Herdade da Ravasqueira começou por plantar a casta ainda em finais dos anos 90 e desde a segunda década deste século que tem feito vinhos varietais, “uma aposta segura”, como nos disse Vasco Rosa Santos, que integra a equipa de enologia da Ravasqueira. Na Herdade da Lisboa a produção tem sido irregular e, por exemplo, a partir de 2020 ainda não é certo quando voltará a haver. Ali a casta é também usada para base de espumante e, para vinho tranquilo, é fermentada em barrica.
Estamos perante uma casta que aceita vinificações variadas, desse o clássico inox, barricas de vários tipos e idades e cimento. A tendência actual, que aponta sobretudo para a vinificação e estágio em barrica usada, encontra nesta variedade uma compincha. E, tal como acontece no Minho, os produtores estão também a descobrir-lhe as virtudes para ser vinificada como base para espumante. Eles já existem abundantemente em Monção e Melgaço e, cremos, irão surgir também noutras zonas do país.
Como se pode verificar pelos vinhos que provámos, os preços podem ter enormes variações mas essa é discussão para ter noutro fórum que não este. Pode-se, de qualquer maneira, concluir que o consumidor pode ter acesso a Alvarinhos de todo o país, com muito boa qualidade e a preço sensato.
(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)
Raposeira: A celebração de cada dia

Durante o passeio pelas vinhas perto das Caves da Raposeira e pelos corredores infinitos subterrâneos, cheios de garrafas em repouso, Marta Lourenço, a enóloga responsável pela produção nesta casa e na Murganheira, partilhou a história da empresa, contada pelo seu sogro, um profundo conhecedor e especialista nesta categoria de vinhos e uma figura incontornável no […]
Durante o passeio pelas vinhas perto das Caves da Raposeira e pelos corredores infinitos subterrâneos, cheios de garrafas em repouso, Marta Lourenço, a enóloga responsável pela produção nesta casa e na Murganheira, partilhou a história da empresa, contada pelo seu sogro, um profundo conhecedor e especialista nesta categoria de vinhos e uma figura incontornável no que toca aos espumantes nacionais – Orlando Lourenço.
Lamego foi uma das primeiras regiões em Portugal onde se começou a estudar os processos de espumantização. As Caves da Raposeira tiveram o seu início no seio familiar de Adelino Pereira do Vale, com o seu filho e genros, um dos quais, José Teixeira Rebelo Junior, com residência permanente em Lamego, desempenhou um papel importante como administrador. Segundo as informações da empresa, as primeiras tentativas de criar bolhinhas começaram ainda em meados do século XIX e, a partir de 1898, já produziam e comercializavam os “vinhos espumantes tipo Champagne” na cidade de Lamego.
Nos anos 30 do século passado, a Caves Raposeira tornou-se numa empresa de grande prestígio, visitada pelas figuras do Estado Português e Brasileiro, onde a marca era bem apreciada. Nos anos 50-60, os espumantes da Raposeira eram vinhos de luxo, custando uma garrafa de 35 a 90 escudos (preço para retalhistas), numa altura em que a minha sogra se lembra que um garrafão de vinho de 5 litros custava 4,5-5 escudos. O salário dela, em Lisboa, era pouco mais de 2000 escudos e um espumante com estes preços “era nem pensar”. Tratava-se claramente de um produto para “quem pode”.
Mas não há bem que sempre dure… Quando, em 1980, faleceu o administrador da empresa, apaixonado pelas bolhinhas e dinâmico Eugénio Vale Teixeira, a Raposeira foi vendida à multinacional canadiana Seagram. As duas décadas seguintes revelaram-se um período mais desconcertante na história da empresa, que enfraqueceu a força da marca. A abordagem visava a rotatividade rápida do produto, vender barato e ganhar pela escala, descartando a importância da matéria prima e dos processos que asseguram a qualidade. Desfizeram-se das quintas (tinham quatro) e dos fornecedores de uva habituais, passando a importar vinho de mesa barato a granel. Diluíam-no, espumantizavam e vendiam barato. “Não vinificaram 1 kg de uva própria”, conta Marta Lourenço. Devido a este período negro, a Raposeira é, hoje em dia, vista como um parente pobre da Murganheira que, fundada mais tarde, não passou por estes ciclos comprometedores.
A viragem do século trouxe outro gigante multinacional a assumir a gestão das caves em Lamego. Em 2000, duas das maiores empresas mundiais do sector das bebidas alcoólicas, a britânica Diageo e a francesa Pernod Ricard fizeram uma joint-venture para adquirir a divisão de bebidas da Seagram, onde se incluía a Raposeira. No entanto, a marca não integrou o seu portfólio por muito tempo. Como a Pernod Ricard já representava duas marcas de Champagne, Moët & Chandon e Dom Perignon, em Portugal, rapidamente se desfez de um activo que não era estratégico. O melhor que aconteceu à Raposeira foi a sua aquisição pela Murganheira em 2002 e a entrada de Orlando Lourenço como administrador. É difícil de imaginar outra pessoa para quem a Raposeira representasse um valor sentimental tão grande, uma vez que já tinha ligação forte à empresa desde a infância: a sua mãe trabalhou como operária na Raposeira e o seu pai produzia vinho base para espumante destinado a esta casa. Por isto, quando entrou, o objectivo não era o lucro imediato, mas sim a recuperação da antiga fama da marca. Fez uma revolução qualitativa. Voltou a apostar na matéria prima (agora contam com uvas de mais de 400 viticultores) e introduziu novos processos de trabalho na adega, já aplicados na Murganheira.
Entre o Douro e Távora-Varosa
A Raposeira é a única empresa em Portugal que pode certificar os seus vinhos com duas denominações de origem – Távora-Varosa ou Douro. A fronteira passa precisamente pela vinha junto à adega. Entretanto, como as uvas são misturadas no vinho final, este fica “desclassificado” para vinho de mesa. Internamente estão a ponderar a possibilidade de certificação, mas não é urgente, pois a marca sobrepõe-se à associação a qualquer DO.
A maior parte das uvas (70%) vem do Douro, sobretudo do Baixo Corgo, mas do Cima Corgo e de algumas partes do Douro Superior também. Os descendentes dos fundadores, por exemplo, são os maiores produtores de uvas (na sub-região de Baixo Corgo e na fronteira com Távora-Varosa). Marta nota uma grande diferença no perfil das uvas que amadurecem em condições diferentes. O Douro é xisto, Távora-Varosa granito. As amplitudes térmicas em Távora-Varosa são bem mais pronunciadas. “As pessoas estão habituadas a usar um casaco polar por cima de uma t-shirt”, conta a enóloga. Os mostos de Távora-Varosa apresentam pH 2,7-3, enquanto no Douro 2,9-3,4 e isto faz diferença no produto final.
Do Douro vêm sobretudo a Malvasia Fina e Viosinho e as castas tintas – Touriga Nacional, Touriga Franca (ficam muito bem no espumante) e Tinta Roriz; de Távora-Varosa acresce o Pinot Blanc. A produção não é muito alta, contam com 4-8 toneladas de uva por hectare.
A mesma casta também se comporta de forma diferente. A Malvasia Fina do Douro é mais fácil, mais floral, em Távora-Varosa, mais exigente, com maior acidez e mineralidade.
Quando a enóloga Marta Lourenço entrou, em 2005, as mudanças na empresa já estavam em andamento. Para além dos espumantes doces e semi-secos, introduziram os brutos e criaram uma linha “Gourmet”, a incluir Super Reserva Blanc de Noirs Bruto, Super Reserva Blanc de Blancs Bruto, Super Reserva Rosé Bruto, Super Reserva Peerless Bruto e Super Reserva Tinto Bruto.
O processo produtivo é praticamente igual na Murganheira e na Raposeira. Existe uma única diferença na recepção de uva. Na Murganheira, a uva inteira e intacta vai directamente para a prensa, na Raposeira ainda usam o tegão e a bomba que resulta sempre em algum rompimento de bago. Para evitar isto, nos espumantes especiais usam um pequeno tapete transportador para colocar uvas na prensa. Já existe um projecto para fazer obras destinadas à melhoria na recepção de uvas. E é para breve.
O fraccionamento de prensas, as leveduras livres e o estágio prolongado são três pilares de qualidade do espumante que não se abdicam na Raposeira, tal como na Murganheira.
O mosto é separado em quatro frações: première pièce – os primeiros 400-500 litros resultantes da “lavagem” das uvas com o próprio mosto, que é descartado em anos maus e por vezes pode ser aproveitado para os espumantes meio-secos e doces; cuvée – a melhor parte do mosto destinada à produção dos espumantes brutos; taille – resultante do início da prensagem – também utilizada para espumantes meio-secos e doces; e finalmente rebêche, a última parte da prensa que é sempre descartada.
Tal como na Murganheira, na Raposeira trabalham exclusivamente com leveduras livres. É mais trabalhoso, mas qualitativamente fazem espumantes mais ricos e complexos, sobretudo com o tempo de estágio prolongado. Têm uma sala com cubas destinadas à multiplicação das leveduras, para as adaptar às condições pouco confortáveis (teor de etanol produzido na primeira fermentação e presença de gás carbónico) em que ocorre a segunda fermentação. Começam com 80% de água e 20% de vinho e depois vão aumentando a percentagem de vinho, num processo que demora sete dias e exige um controlo quase constante.
E aqui chegamos ao terceiro ponto importante – tempo de estágio. Na Raposeira os espumantes brutos estagiam com borras antes de dégorgement no mínimo quatro anos, meio-secos três anos e os doces no mínimo dois anos.
Para além dos pontos fulcrais, existem ainda muitos detalhes durante todo o processo produtivo que podem fazer a diferença. O controlo rigoroso em cada etapa é a parte menos romântica, mas vital. Na empresa não abdicam de inovação e investimentos se estes trazem benefícios na qualidade do espumante. Por exemplo, em alguns espaços usam iluminação LED específica, com espectro muito estreito, calibrado para não interagir com riboflavina (vitamina 2 presente no vinho) e não provocar alterações sensoriais chamados “gosto de luz”. Estas lâmpadas (caríssimas) produzem uma luz âmbar monocromática, que permite visibilidade suficiente para trabalhar, por exemplo na sala de giropaletes ou caves, evitando deterioração do vinho.
A Raposeira é hoje o maior produtor de espumantes em Portugal. Anualmente saem 2,5 milhões de garrafas efervescentes, das quais cerca de um milhão são espumantes meio-doces e doces e o resto – brutos, dos quais cerca de 120 000 garrafas da linha especial.
Nos longos corredores subterrâneos permanecem, em estágio, 12 milhões de garrafas, mais do que a população do nosso país. Dava uma garrafa para cada português e ainda sobrava! E 80% da produção é comercializada no mercado nacional.
Os espumantes antigos da Raposeira
Nem sabia que existiam! Depois da prova da gama actual, uma grande surpresa foi a prova de espumantes antigos. Nem todos se apresentavam em melhores condições, mas permitiu claramente sentir as diferentes épocas na vida da marca.
O Velha Reserva 1995 apresentava uma cor dourada clara, fruta compotada, a lembrar o vinho da Madeira, notas amendoadas e pão seco. O açúcar residual era bem perceptível e quase não tinha gás. O 1996 sentiu-se mais caramelizado no sabor, com notas de leite-creme e alguma ferrugem. O 2000, com limão caramelizado e nuance amendoada, era mais fresco no nariz e com mais tensão na boca, mas leve amargo no final evidenciava o uso do mosto de prensa. A partir de Velha Reserva 2001 nota-se uma mudança na elaboração: com fruta mais limpa, maior presença de gás, final com sabor a pão mas também com frescura, cremoso e com certa untuosidade. O 2005 apresentou tonalidade de limão intenso a caminhar para dourado, nariz muito limpo com notas de casca de limão cristalizada, fruta branca, tisanas, todo tenso e vibrante, cheio de vivacidade e mineralidade. O 2006 com fruta madura a lembrar pêssego em caldo, mel, notas florais, com ligeira doçura frutada no final. O 2010 tem a vida toda pela frente, cheio de fruta, intenso, bem seco e cremoso. O 2011 com sugestões de limão, pêra, tisanas e mel, expressivo e transparece frescura.
O Chardonnay 2010 – no primeiro impacto demonstrou uma ligeira redução. Mas rapidamente se recompôs, alinhou-se todo e, com boa pressão, bolha fina, textura cremosa, limpo e saboroso, finalizou a prova em grande.
Absolutamente inesperada foi a performance do Primor seco feito de Moscatel dos anos 70-80 (não deu para identificar o ano exacto), que apresentava uma cor dourada e aroma extremamente complexo e bonito com pêssego em calda, marmelada, xaropes de farmácia, mel, estragão e notas resinosas, com um enorme equilíbrio do conjunto – uma bela surpresa!
E, por fim, o Velha Reserva Bruto 1979, com uma raposa diferente no rótulo, deu uma grande prova com uma acidez fantástica, nariz doce com canela, mel e alperce em caldo, ainda com gás carbónico a vibrar. Incrível e cheio de vida.
Celebrar a vida com Raposeira
A Raposeira tem muito para contar. Já foi uma marca emblemática que dificilmente tinha concorrência em Portugal, e sofreu com a errada gestão estratégica. Agora, quando só o mais preguiçoso não produz espumante, porque está na moda, afirma-se com nova força e dinamismo, associada a uma imagem sempre impecável. A Raposeira tem um grande legado e muito know-how graças às pessoas dedicadas e profissionais que vivem a marca. O volume de produção permite manter os preços acessíveis com um nível de qualidade ao qual muitos espumantes bem mais caros não conseguem chegar.
Se o Murganheira é posicionado como um espumante para os momentos especiais, o Raposeira é um espumante de dia a dia, para celebrar a vida em qualquer momento.
(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)