Entrevista: António e Martim Guedes

António Martim Guedes

“Uma empresa com 150 anos tem de ser sustentável”  Texto: Luís Lopes   Fotos: Anabela Trindade Se é verdade que, no mundo dos negócios, raras são as empresas familiares que sobrevivem à terceira geração, o sector do vinho pode ser considerado uma raridade. A quinta geração da Aveleda, liderada pelos primos António e Martim Guedes, tem […]

“Uma empresa com 150 anos tem de ser sustentável”

 Texto: Luís Lopes   Fotos: Anabela Trindade

Se é verdade que, no mundo dos negócios, raras são as empresas familiares que sobrevivem à terceira geração, o sector do vinho pode ser considerado uma raridade. A quinta geração da Aveleda, liderada pelos primos António e Martim Guedes, tem levado ainda mais longe o trabalho dos seus antecessores, crescendo em todos os parâmetros. Um dos segredos está em pensar a longo prazo, no negócio e em tudo o que o rodeia. Para que a empresa, fundada em 1870, “possa cá estar mais 150 anos.”

António Azevedo Guedes e Martim Andersen Guedes dirigem a Aveleda enquanto co-CEO’s. Ainda que bem distintos na maneira de ser e no percurso académico e profissional, afinam pelo mesmo diapasão no que toca a estratégia e aos objectivos. Nessa quase mágica complementaridade está um dos segredos que têm permitido, com criatividade, espírito de inovação e investimento, mas também muita segurança e contenção, continuar a desenvolver uma empresa já de si extremamente sólida e rentável mas que, como tantas outras desta dimensão, está sujeita a imponderáveis conjunturais dos mercados ou constrangimentos estruturais das regiões vinícolas onde opera.

Martim, 45 anos de idade, especializou-se em gestão e coordena a área financeira, marketing, vendas, recursos humanos; António, 46, herdou de seu pai António Guedes, recentemente falecido, a paixão pelas coisas da terra, estudou viticultura e enologia e é o responsável por toda a área de produção da empresa. Empresa que fechou o ano de 2022 com 45 milhões de euros de facturação (há 10 anos facturava 25 milhões…) e tem no seu plano estratégico alcançar 53 milhões em 2025.

70% do que a Aveleda produz é destinado a exportação (75 países, EUA, Alemanha e Brasil à cabeça), com os Vinhos Verdes a representarem 78% do negócio. Nas marcas, pontifica o incontornável Casal Garcia, com 69% do total.

O crescimento recente da empresa tem também sido alicerçado em aquisições – Quinta Vale D. Maria, no Douro, ou Vila Alvor, no Algarve – mas também em grandes investimentos em vinha. Ao contrário do que muitos consumidores possam pensar, esta é uma empresa produtora: só na região dos Vinhos Verdes possui 450 hectares (objectivo: 600 ha) em 6 distintos pólos vitícolas, a que se somam mais 75 hectares no Douro, 18 na Bairrada (Quinta da Aguieira) e 30 no Algarve. Este é um breve retrato de uma Aveleda que aprofundámos em animada conversa com António e Martim Guedes.

António Martim Guedes
Martim e António Guedes são a quinta geração familiar à frente dos destinos da Aveleda.

Com uma facturação que quase duplicou numa década (45 milhões em 2022), a Aveleda tem também fama de ser a empresa portuguesa de vinhos mais rentável. A que se deve esse sucesso?

AG: Antes de mais, nós herdámos, e isso ajuda muito: os nossos pais deixaram-nos uma empresa que, no início da década de 2000, era já altamente rentável. Herdámos esse histórico mas também herdámos o “mindset”, ou seja, foi-nos ensinado que o negócio tinha de ser rentável porque, caso contrário, seria muito difícil gerar dinheiro para investir no desenvolvimento do próprio negócio.

MG: Sempre nos focámos muito nas nossas marcas e na sua valorização. Evitámos, por exemplo, o negócio das marcas exclusivas ou marcas próprias dos supermercados. É um modelo que a curto prazo sabe bem, mas que a longo prazo acaba por destruir valor. Isto também contribuiu muito para que a empresa e os seus colaboradores estejam focados no que interessa.

No futuro, queremos passar para 30 a 40% de autossuficiência em uva. Isso implica ter 600 hectares de vinha própria na região dos Vinhos Verdes, ou seja, vamos plantar mais 150 hectares.

É grande verdade que herdaram marcas fortes e uma empresa rentável. Mas acrescentaram valor (e num contexto concorrencial bem mais difícil…) o que nem sempre acontece nestas empresas familiares do vinho, quando há uma mudança geracional…

AG: A Aveleda em 2000 tinha duas ou três marcas, o portefólio era muito pequeno, era uma empresa orientada para poucas marcas, grandes volumes e elevada rentabilidade. Procurámos manter essa disciplina, essa cultura interna de foco na nossa marca, embora hoje tenhamos muito mais referências por marca. Mas continuamos a ter a marca mãe (Casal Garcia) muito forte, o que nos permite fazer os investimentos necessários ao desenvolvimento de negócio.

Vou colocar a pergunta de forma muito simples: onde é que se gasta o dinheiro? Quais os focos de investimento estratégico: viticultura, equipamento, enoturismo, marketing?

AG: Vai variando muito. O último quadro de investimento estratégico, até 2020, sem prejuízo do investimento nas marcas, que tem sempre de existir, foi sobretudo muito estrutural, nomeadamente vinha, adegas, aquisições de marcas e empresas. Passou muito pelo lado, se quiser, patrimonial.  Nos próximos anos vamos claramente baixar o nível de investimento em aquisições e sabemos que, no que a vinha respeita, 70% do esforço de investimento planeado já está feito. Daqui para a frente o nosso investimento será mais na capacitação, embora tenhamos já optimizado muito esta vertente: produzimos mais 50 e tal por cento com os mesmos equipamentos. Mas há um limite para essa optimização. Por isso, agora, para podermos crescer no volume teremos de investir no sentido de acompanhar esse crescimento. Se crescermos mais 2 milhões de litros nas vendas, precisamos de mais 2 milhões de litros de capacidade em cubas…

MG: Desde que chegámos à empresa passámos por três ciclos, ou planos estratégicos, muito distintos. De 2010 a 2014 foi um plano muito virado para a eficiência. Não houve grande crescimento em vendas, mas melhorámos muito rácios de eficiência e rentabilidade através do controlo de custos. O plano 2015-2020 foi o contrário, virado para a expansão: triplicámos a área de vinha, comprámos duas quintas no Douro e uma no Algarve, passámos de 22 para 81 produtos, de 14 milhões para 20 milhões de garrafas. Um plano de crescimento “agressivo” se assim se pode chamar. O plano 2021-2025 visa dar solidez ao trajecto mais recente. O objectivo é continuar a crescer, sim, mas não com mais produtos, antes consolidando o que existe. Os investimentos acompanham essa estratégia e vão ser canalizados sobretudo para os equipamentos de produção, não para aumentos de área de vinha ou entrada em novas regiões.

Ainda assim, a Aveleda aproxima-se já dos 600 hectares de vinha em produção, 450 dos quais na região dos Vinhos Verdes. Numa região onde o preço da uva é, digamos, modesto, tamanho investimento em vinha só se entende pela dificuldade em obter a matéria-prima certa. E isso leva-me à questão: como avaliam a viticultura dos Vinhos Verdes e o seu futuro a médio e longo prazo?

AG: Nós fazemos um tratamento estatístico da informação que recebemos, pelos nossos meios ou através da CVR dos Vinhos Verdes. Visitamos com frequência os viticultores que nos entregam uva e conhecemos os problemas que enfrentam. Conhecemos, portanto, a realidade no terreno e confrontamos essa realidade com a estatística. A partir daí, é fácil perceber várias coisas. Sabemos que a região tem vindo a perder área de vinha ano após ano, e de forma significativa. Olhamos para a média de idades dos nossos fornecedores e vemos que é muito elevada. A dimensão da parcela por viticultor é baixíssima, menos de um hectare. Esta é uma viticultura “caseira”, em que os proprietários fazem tudo. Como não gastam na plantação da vinha pois têm os apoios financeiros, e são eles que tratam das videiras, conseguem ter alguma rentabilidade. Mas no dia em que desaparecerem, os filhos, que já vivem em Lisboa, Porto, ou outra cidade, não vão querer continuar com o “hobby” dos pais. Porque há também aqui um elemento cultural, de paixão pelo campo, pela vinha, pela horta, um apego às raízes que os seus filhos dificilmente terão. Eles vão ao supermercado comprar o que precisam, não vão querer trabalhar no campo para obter o produto. Todos juntos, estes viticultores já bastante envelhecidos representam uma enorme área de vinha que se vai perder muito rapidamente. A estatística confirma isto: em cada ano, na região, perdemos 2% de área de vinha; e perdemos, por falecimento, 3% das pessoas.

Portanto, estávamos obrigados a fazer alguma coisa. Mas não nos limitámos a plantar vinhas. Fortalecemos as parcerias que temos com os nossos fornecedores de uva, a quem damos apoio técnico e incentivamos a serem mais rentáveis e competitivos. Sabemos que vamos ter menos viticultores, mas procuramos que ampliem a sua área de vinha e que, sobretudo, que sejam mais profissionais, que encarem a viticultura como um negócio e não uma actividade exercida apenas por paixão e amor à terra. Hoje, para entrar no CPA (Clube de Produtores Aveleda), é preciso ter, no mínimo, 5 hectares. Mas a maioria tem muito mais do que isso, vários com 50 hectares. Acreditamos que 10 hectares é o mínimo para poder exercer uma viticultura profissional e rentável.

Na Aveleda sabíamos também que temos uma excessiva dependência de compra de uva. O CPA funciona bem, mas não é suficiente para suportar o crescimento de 50% nas nossas vendas de Verdes, onde se inserem também aqui os rosés (só o Casal Garcia rosé já vale 1,6 milhões de litros). Sentimos que a pressão sobre a matéria-prima era cada vez maior, até porque a região dos Vinhos Verdes, como um todo, também cresceu nas vendas. Estamos com 10 a 15% de auto-suficiência e queremos, no futuro, e se tudo correr bem, passar para 30 a 40%, no máximo. Isso implica ter, a médio prazo, 600 hectares de vinha própria na região dos Vinhos Verdes, ou seja, vamos plantar mais 150 hectares.

Um dos grandes problemas da região assenta na criação de valor, ainda as marcas mais cotadas nos Verdes de volume não tenham um preço tão baixo assim quando comparado com congéneres de outras regiões. Mas a verdade é que o Verde é muitas vezes associado a produto mais barato. Como inverter a situação?

MG: Esse “comboio” de criação de valor já está a andar, e bem. Cada vez mais temos dois segmentos: um Vinho Verde “clássico”, correspondendo a um perfil bem definido no mercado com, é verdade, uma percepção de preço barato; e um Verde “premium”, ou “superior”, como lhe queiramos chamar, que começou com o Alvarinho mas que hoje já abarca outras castas. Este movimento em torno do Verde mais ambicioso já ganhou alguma força e, naturalmente, na Aveleda queremos ser parte activa. Daí investirmos muito nas nossas gamas premium, com os Aveleda Solos, Aveleda Parcelas, Manoel Pedro Guedes. Nada disto existia há quatro anos e hoje são produtos importantes no nosso portefólio. Significa que acreditamos vivamente na criação de valor no Vinho Verde. Os Verdes podem ser grandes vinhos brancos, é a natureza desta região. Como referi, este é um comboio em andamento, mas a começar o seu percurso, está mais perto da estação de partida do que da estação de chegada.

Os Verdes têm vindo a perder área de vinha ano após ano, e de forma significativa. Estes viticultores, já bastante envelhecidos, representam uma enorme área de vinha que se vai perder muito rapidamente.

Uma das grandes apostas da empresa, no ciclo que agora terminou, foi a diversificação, não apenas de produtos mas também através de aquisição, no Algarve e no Douro. Como avaliam os resultados obtidos em cada um destes projectos?

MG: São projectos muito diferentes. Curiosamente, o que deu mais rápido retorno foi o Algarve. Hoje já podemos dizer que foi uma aposta vencedora e em muito pouco tempo, sobretudo se pensarmos que comprámos em 2019 e apanhámos com os “anos covid”, particularmente maus no Algarve turístico. O Douro é um filme completamente distinto, apostámos numa marca de elevadíssimo prestígio como é Vale D. Maria. A primeira etapa foi fazer a transição dessa marca consagrada para o universo Aveleda, e o processo correu muitíssimo bem, consolidando a notoriedade e a percepção de qualidade dos vinhos super premium Vale D. Maria. A segunda etapa vai ser fazer crescer a marca global no segmento mais abaixo, para volumes maiores, com o apoio das vinhas do Douro Superior, no vale do Sabor.

António Martim Guedes
As antigas garrafas espelham a longa história da Aveleda.

A Aveleda tem ambição de, até 2025, facturar 2 milhões em enoturismo. É uma área em franco crescimento, ainda que sem grande expressão nos Vinhos Verdes, ou pelo menos não comparável a outras regiões. Como pensam desenvolver este segmento?

MG: Esta é uma área em que gostávamos de ter mais concorrência nos Vinhos Verdes, de forma a podermos estabelecer um cluster, como existe no Douro. Mas acreditamos que há futuro no enoturismo nesta região. A procura tem sido enorme, o ano de 2022 ficou acima de todas as expectativas, tivemos de recusar muitas visitas por falta de capacidade. O que queremos fazer no polo de Penafiel, onde estamos sedeados, é dar um carácter mais premium à oferta, torná-la mais segmentada. Há espaço para isso, podemos proporcionar experiências diferenciadoras a grupos mais exigentes. O Algarve e o Douro estão a começar e assentam em estratégias distintas. No Algarve queremos ser os primeiros a apostar a sério no “enoturismo algarvio”, algo que hoje praticamente não existe. Estamos a trabalhar para poder receber 50 a 100 mil pessoas por ano. No Douro é o oposto. Queremos dar uma superior dignidade à Quinta Vale D. Maria, aproveitando um edifício que hoje está em ruínas. Será um enoturismo com outro nível de exclusividade, para grupos de 20 ou 30 pessoas, uma experiência personalizada numa marca mais premium.

Alvarinho, Loureiro, Avesso são as variedades de que se fala. Mas o leque de castas autorizadas ou recomendadas é bem maior. Faz sentido recuperar castas antigas, como Cainho, ou apostar noutras transversais, como Fernão Pires?

AG: Faz todo o sentido. O percurso da Trajadura é um bom exemplo. A Aveleda apostou muito na Trajadura porque, com a viticultura dos anos 80, os Vinhos Verdes eram em geral demasiado ácidos e com muito pouco grau. A Trajadura era o oposto, tinha graduações superiores e baixa acidez, embora com problemas na parte aromática e na tendência oxidativa. Mas foi importante naquela época e momento. Só que muita coisa evoluiu e a Trajadura, com os problemas que tem (a produção média também não é brilhante) deixou de cumprir o objectivo. Na Aveleda procurámos uma casta que pudesse ser semelhante à Trajadura na parte ácida, mas com uma componente aromática mais expressiva e maior consistência na produção. Encontrámos tudo isso no Fernão Pires, casta que se tornou um sucesso nas nossas vinhas. É muito importante explorar castas novas, ir fazendo ensaios na vinha e na adega. Há quatro anos trouxemos varas do campo ampelográfico da EVAG (Estação Vitivinícola Amândio Galhano) e reenxertámos uma das nossas vinhas. Algumas das castas são “meias galegas” como o que chamamos Branco Legítimo e que é o Cainho. Todos os anos vamos avaliando a produção, a maturação, a acidez, etc. É importante experimentar. Claramente, existe espaço para ter mais castas na região, que mais não seja para não perdermos esse património genético. Quem sabe, um dia, vamos precisar dessa diversidade para fazer vinhos distintos.

Dos projectos noutras regiões, o que deu mais rápido retorno foi o Algarve. Foi uma aposta vencedora, sobretudo se pensarmos que comprámos em 2019 e apanhámos com os “anos covid” no Algarve turístico.

A uva Alvarinho cria no consumidor a percepção de qualidade associada a valor. Para a Aveleda a menção Vinho Verde Alvarinho na rotulagem dos vossos vinhos é suficiente ou pensam investir na sub-região de Monção e Melgaço?

AG: Pergunta provocadora… (risos). A nossa estratégia não passa por investir em Monção e Melgaço. Nos últimos anos plantámos 80 ou 90 hectares de Alvarinho em diversos tipos de solos e climas. Entendemos por isso que temos muito por onde nos entreter. Estamos seguros de que a casta Alvarinho tem condições para ter um comportamento exemplar no resto da região dos Vinhos Verdes, não apenas em Monção e Melgaço. É uma uva de enorme plasticidade e adaptabilidade, talvez melhor na parte atlântica do que na parte mais interior da região, mas mesmo assim nas nossas vinhas de xisto, na zona mais interior, tem uma performance fantástica.

Acreditam que o Loureiro pode vir a ter a mesma notoriedade e percepção de valor dos vinhos de Alvarinho?

AG: Sem dúvida que sim, mas vai demorar. O facto é que são duas belíssimas castas, em todos os aspectos. O Loureiro um pouco mais plástico, porque consegue produtividades maiores e, portanto, pode entrar em todos os segmentos, desde os bases até aos topos de gama. O Alvarinho, não sendo superior enquanto casta, como tem produtividade bem mais baixa obriga a atirar os preços mais para cima. O Loureiro vai ter de fazer o seu caminho nos vinhos de topo. Vai levar algum tempo até as pessoas perceberem que com Loureiro podemos fazer um bom vinho a 5 euros e, com trabalho diferenciado na vinha e na adega, também um grande vinho, com carácter e potencial de longevidade, a 30 ou 40 euros.

A motivação não foi trabalhar para o “rótulo” de sustentabilidade. Foi uma questão de consciência e de racionalidade financeira. Não só ganhámos dinheiro com isso, como faz sentido.

A Aveleda está em regiões muito distintas em termos de clima: Vinho Verde, Douro, Bairrada, Algarve. Como têm sentido a evolução (ou alteração, como preferirem) do clima nestas regiões? E o que pensam fazer para reduzir o impacto dos anos mais difíceis?

 AG: Primeiro, olhar para trás. As pessoas esquecem-se facilmente do histórico, esquecem-se de onde viemos. É que o clima vai tendo os seus humores. Tivemos uma década de 40 muito boa, depois tivemos um período frio nos anos 60, 70 e parte dos 80. Depois começou de novo a aquecer. O clima vai tendo as suas oscilações. O que é factor humano, ou o que é factor dinâmico do planeta, não consigo dizer. Não sei se estamos numa fase contínua de aquecimento global ou se estamos numa destas curvas de aquecimento e arrefecimento. Mas olhar para o passado permite olhar para o futuro com alguma serenidade e perceber que já alguém cá esteve antes de nós e com o mesmo problema. No tempo de Jesus Cristo fazia-se vinho em Inglaterra. Em parte dos anos 70 de 1600 não se colheu um único cacho no Château Latour, devido ao frio. Entre 1300 e 1600 houve uma pequena era glaciar na Europa. E agora estamos num período de aquecimento. Temos de trabalhar com esta perspectiva.

É evidente que nós temos muitas ideias do ponto de vista técnico e eco-fisiológico da planta. Adoptamos medidas de curto prazo como, simplesmente, aplicar caulino nas folhas (fomos pioneiros na região a fazê-lo) ou colocar rede de ensombramento. Tudo isto tem o seu custo, claro. Portanto, no curto prazo, temos soluções para minimizar os efeitos do progressivo aquecimento do globo, e a médio e longo prazo temos de perceber onde vamos plantar as próximas vinhas e com que castas. Não podemos pôr os ovos todos no mesmo cesto. Na vinha de Cabração, por exemplo, as primeiras parcelas foram plantadas a 80-100 metros de altitude; agora vamos iniciar uma segunda fase, com plantações a 350-450 metros. Em Felgueiras temos uma vinha a 100 metros de altitude e outra a 400, separadas por meio quilómetro. Isto dá-nos flexibilidade, não apenas face à evolução do clima mas também à irregularidade dos anos de colheita.

No Algarve temos vinhas plantadas a 2 km do mar. Há pouca pluviosidade, é certo, mas temos barragens e Monchique ali ao lado, onde há água. Ali não temos soluções de médio/longo prazo, a não ser passar a vinha para Sagres…

O amor pela Natureza que existe na nossa família faz com que se ganhe uma sensibilidade acrescida. Em tempos, fazíamos as coisas por intuição, porque achávamos que “é assim que deve ser”. Depois, o tempo e a ciência vieram dar-nos razão.

E no Douro?

AG: O Douro, é um desafio. Temos um colete de forças que são os regulamentos e a resistência a novas plantações, o que torna a região muito estática. A vinha do Douro foi montada para fazer Porto, com alto grau e muita concentração. Com o DOC Douro a crescer tanto, faz sentido queremos fazer tudo no mesmo sítio? Não seria melhor pensar numa estratégia de futuro, mantendo as vinhas para Porto em cotas mais baixas e passar as vinhas destinadas a Douro para cotas altas e com rega sempre que possível? Esta é uma questão de fundo que merecia maior atenção. As ideias existem, mas se queremos plantar vinha nova num local adequado, não há autorizações. Quando muito, com sorte, podemos encontrar uma boa vinha de altitude, que compramos. Assim, em termos de estratégia a longo prazo para o Douro, estamos manietados pelas regras e pelas mentalidades. No Douro discute-se muito, mas pouco se faz.

António Martim Guedes
As velhas aguardentes são um produto clássico da casa.

Como é que a empresa encara o cada vez mais premente tema da sustentabilidade, seja económica, social ou vitivinícola?

MG: Esse é, na verdade, um tema do dia. Como empresa “low profile” que somos, sentimos sempre que fazemos muito mais do que aquilo que é comunicado. Mas a verdade é que fazemos mais do que a nossa parte. Fazemos a medição rigorosa da pegada de carbono, por exemplo. Para além dos nossos emblemáticos jardins, onde existe enorme biodiversidade, há muito que plantamos 2000 árvores em cada ano. Estudamos e pesquisamos no sentido de trabalhar não contra a Natureza mas com a Natureza.

AG: Há muito que a sustentabilidade faz parte da maneira de estar da Aveleda, mesmo quando o próprio conceito não existia. Uma empresa com 150 anos tem de ser sustentável. A rentabilidade da Aveleda não acontece por acaso. Nós não queremos usar mais recursos para produzir um litro de vinho do que aqueles que são absolutamente necessários. Existe muito a tendência de fazer como sempre se fez, pelo hábito e pelo conforto. Nós questionamos tudo, procuramos sempre fazer mais com menos. Se pudermos melhorar o equilíbrio, vamos fazê-lo. Dá mais trabalho? Sem dúvida, mas é o nosso dever moral.

O meu pai tinha a paixão pela beleza das coisas. Sempre que plantava uma vinha, plantava árvores nas bordas, fazia muros. Hoje sabemos que os muros trazem enorme biodiversidade à vinha, escondem-se lá lagartos, insectos. E as árvores trazem sombra. Aquilo que, no tempo dos nossos pais era intuitivo, hoje é um modelo de sustentabilidade. É este amor pela Natureza que existe na nossa família que faz com que se ganhe uma sensibilidade acrescida. Em tempos, fazíamos as coisas por intuição, porque achávamos que “é assim que deve ser”. Depois, o tempo e a ciência vieram dar-nos razão. E, afinal, quando reduzimos drasticamente, seja a intervenção química, seja a energia, estamos também a falar de poupança. Em 2012 implementámos um plano de racionalização energética que levou a enormes poupanças. Hoje, é quase obrigatório montar painéis fotovoltaicos, por exemplo. Mas nós já os temos desde há mais de uma década. Se posso isolar as cubas, para gastar menos energia, porque não fazê-lo? Se em vez de usar pellets ou gás posso usar restos de matéria orgânica para fazer o aquecimento das águas utilizadas nas linhas de enchimento, porque não fazê-lo? A motivação não foi trabalhar para o “rótulo” de sustentabilidade. Foi uma questão de consciência e de racionalidade financeira. Não só ganhámos dinheiro com isso, como faz sentido. Significa que a sustentabilidade, se for bem feita, dá retorno.

Nós pensamos a longo prazo. Para isso, não podemos pensar só no nosso negócio, mas também no que está à nossa volta. A região dos Vinhos Verdes pagou muito mal as uvas no início dos anos 2000 e na década seguinte não tinha uvas suficientes. Depois houve que plantar à pressa. Pensar a sustentabilidade, pensar o bem de todos, pensar toda a cadeia de negócio, é fundamental para que o negócio e a empresa possam cá estar daqui a mais 150 anos.

(Artigo publicado na Edição de Fevereiro de 2023)

Lançamento: Herdade do Sobroso Élevage

Herdade do sobroso

E, de mansinho… dois grandes vinhos No último mês de 2022, a segunda edição dos topos de gama da Herdade do Sobroso bateu à porta: Élevage, branco e tinto 2021. Únicos, de excelência, e da Vidigueira.  Texto: Mariana Lopes     Fotos: Herdade do Sobroso Na Herdade do Sobroso, situada em Pedrogão junto ao Alqueva, na […]

E, de mansinho… dois grandes vinhos

No último mês de 2022, a segunda edição dos topos de gama da Herdade do Sobroso bateu à porta: Élevage, branco e tinto 2021. Únicos, de excelência, e da Vidigueira.

 Texto: Mariana Lopes     Fotos: Herdade do Sobroso

Na Herdade do Sobroso, situada em Pedrogão junto ao Alqueva, na sub-região alentejana da Vidigueira, Filipe Teixeira Pinto e Sofia Ginestal Machado têm um projecto de vinhos igual a “eles próprios”: descontraído, moderno, divertido, com muita ambição. Ao longo dos pouco mais de 20 anos desse projecto, o mesmo tem crescido ao ritmo do desenvolvimento das vinhas (as primeiras foram plantadas em 2021) que é o mesmo que dizer de forma gradual, mas sólida. Todos os vinhos do portefólio são hoje um sucesso de vendas, segundo Sofia — dos AnAs aos Arché, passando pelos Sobroso ou os Herdade do Sobroso Reserva e Grande Reserva, com destaque para os Cellar Selection (fortíssimo na restauração) — provavelmente pelo talento de Filipe, enólogo, para fazer vinhos fiéis ao local e às castas, de elevada qualidade e perfil amplamente atractivo, e onde o seu espírito experimentativo, que o enólogo tem em barda, não arranha o resultado final. Os Élevage, topos de gama agora na segunda edição, são o reflexo de tudo isto, da maturidade das vinhas do Sobroso e de uma experimentação cuidada. “De mansinho”, porque nada aqui é feito ou comunicado com demasiada bazófia (como se tem visto cada vez mais, infelizmente, em coisas infundadas ou vazias, sem suporte), surgiram um tinto e um branco de nível elevadíssimo. O Élevage branco é um lote de Antão Vaz e Perrum, e o tinto, um monovarietal de Alicante Bouschet. Existe um hectare de Perrum na Herdade Sobroso, uma casta tradicional do Alentejo, mas rara; e sete de Antão Vaz, sendo que o do Élevage vem de uma zona mais alta e com encosta exposta a Norte, numa parte de transição entre calhau e solo arenoso, franco-argilosa, como explicou Filipe Teixeira Pinto. O Alicante Bouschet, por sua vez, vem de parcelas xisto-argilosas expostas a Sul. O tinto fermenta em lagar e o branco fermenta em ânforas, as mesmas onde ambos estagiam, as italianas de nome Tava, produzidas, como já nos tinha elucidado Filipe no lançamento da primeira edição dos vinhos, “a partir de argila de elevada pureza, à qual os oleiros aplicam um processo de cozedura de altas temperaturas, entre os 1300 e os 1400ºC”, que resulta numa baixíssima porosidade, que proporciona trocas gasosas muito controladas. O formato estreito e elegante, bem diferente das tradicionais talhas alentejanas, e a sua tampa, “permitem estágios mais prolongados”, atestou o enólogo. Assim, os Élevage estagiam nestas ânforas durante 12 meses, com a particularidade de, nesta nova colheita, parte do tinto estagiar numas pequenas ânforas de 125 litros. São dois vinhos estrondosos.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2023)

David Guimaraens é conhecido no Douro, em jeito de brincadeira, como o “Ayatollah do vinho do Porto”, mas também é o homem que se emocionou quando viu os trabalhadores da vindima entrar no lagar, pela primeira vez depois do início da pandemia. Nasceu no Porto, a 13 de Outubro de 1965, e representa a sexta geração de uma família inglesa dedicada exclusivamente a este negócio, sendo hoje director técnico, enólogo e master blender do grupo The Fladgate Partnership (Taylor’s, Croft, Fonseca Guimaraens, Krohn…). Uma conversa sobre o ano vitivinícola de 2022 acabou por desaguar em temas mais fracturantes e controversos, como a sustentabilidade social e económica da região, e David terminou a denunciar os calcanhares de Aquiles do Douro.

 Texto: Mariana Lopes   Fotos: The Fladgate Partnership

Numa visita por algumas das propriedades durienses do grupo The Fladgate Partnership — que resultou, em edição anterior, numa peça sobre as inovações tecnológicas da empresa — acabámos sentados com David Guimaraens, na Quinta da Roêda, a conversar sobre “o estado da nação”. Primeiro, o clima, as vinhas e a vindima de 2022, num ano que, para quem produz vinho no Douro, segundo o enólogo, não foi dos melhores. Estávamos em finais de Setembro.

David Guimaraens“As vinhas estão acastanhadas, com ar cansado”, começou por dizer. “Normalmente, no fim da vindima estão mais verdes, mas este ano castigou-as e ficou marcado por falta de chuva, com um Inverno muito seco. Aqui, na Roêda, choveram 75 milímetros, o que é muito pouco face aos normais 300. Em Março, ainda vieram 70 milímetros que foram importantes, mas de modo geral, todo o ano foi muito seco. Paralelamente, tivemos várias vagas de calor. Usualmente, temos no Douro a ‘queima de São João’, no final de Junho, altura em que o tempo muda radicalmente. Este ano tivemos aquilo a que chamámos ‘queima de Santo António’, porque o calor forte veio no início de Junho. Daqui para a frente, houve muitos dias acima dos 40ºC, e Julho foi dos mais quentes que registámos. Por cima dos solos com pouquíssima água, estas vagas de calor só vieram agravar tudo”, explicou, com a calma e boa disposição que já lhe é característica.

Esta declaração levou à pergunta óbvia que, traduzida “para miúdos”, não é mais do que “isso significa que os vinhos vão ser maus?”, ao que David respondeu: “Não. O que foi extraordinário, foi que, quando eu vim de férias em meados de Agosto, esperava encontrar as uvas numa desgraça total. Mas, como elas nasceram já com sede, criaram uma resistência extraordinária. Bagos pequenos, como é característico, mas nenhuma uva passa, ao contrário de 2017. Tivemos sim, aquilo que acontece quando está muito calor, que é os ácidos muito, muito baixos. Mas isso não é tão dramático no vinho do Porto. Porque um dos segredos deste tipo de vinho é que a aguardente vem equilibrar tudo. Nos vinhos não fortificados, não há aguardente para equilibrar. Não fosse esta uma região de vinho do Porto…”, afirmou, cautelosamente, já a abrir caminho para um tema que lhe diz muito. Assim, nas propriedades da Fladgate iniciou-se a vindima de 2022, pelas vinhas que estavam, como diz David Guimaraens, pela “hora da morte”, em zonas mais quentes.

Mas como se lida com uma situação destas, quais os mecanismos? Para David, não há dúvidas: “Uma das riquezas do Douro é exactamente o que temos aqui, uma viticultura de montanha, com três grandes factores para trabalhar. As sub-regiões, desde o Baixo Corgo que é menos árido, ao Douro Superior, que é mais, sendo que nos anos secos a primeira aguenta melhor esta aridez; depois, a altitude, quanto maior é, menos temperatura e maior pluviosidade; e a orientação, ou exposição solar, porque dentro da mesma quinta, as vinhas têm exposições diferentes. Tudo isto, conjugado com as grandes castas que temos no Douro, é um puzzle que podemos fazer a nosso favor. Em anos extremos como este, para o lado da aridez, haverá bastantes variações de quinta para quinta, e de produtor para produtor, no resultado dos vinhos”, desenvolveu o director técnico. Portanto, antes da vindima, o ano estava desanimador, assumimos. Ao que David replicou, seguro de si: “Os vinhos do início da vindima eram pouco entusiasmantes. Se não se deve dizer isto, e dizer que é tudo mágico? Alguns preferem, mas eu não”.

Mais tarde, houve dois episódios de chuva no Douro. “Aqui na Roêda, tivemos 5 milímetros no dia 6 de Setembro — um primeiro borrifo bom para aliviar — e depois, a 13 e 14 de Setembro, vieram 30 milímetros. Num ano ‘normal’, isto seria muito, mas os solos estavam tão sequiosos que absorveram tudo, e funcionou como uma rega. Eu sou a favor de rega, mas somente de rega pluvial, que é a da chuva. Esta água veio ajudar as uvas a refinar, e incentivar as vinhas a terminar a sua maturação”, adiantou David Guimaraens, que acabou por tornar o cenário mais animador: “O ano de 2022 é o ano do rio Pinhão. Nós temos muita área de vinha no vale do Pinhão, que sofreu no início da vindima pelo que já falámos, mas acabou por haver uvas fabulosas. Fizemos, nesta zona, muitos investimentos nos últimos tempos, com compra de propriedades, por exemplo. Este é, na verdade, o centro do Douro, e tem muitas quintas, também de outros produtores, que sempre foram extraordinárias”, admitiu.

Quanto ao comportamento das castas, o enólogo desvendou que as que melhor se aguentaram no início conturbado da vindima foram a Tinta Roriz e a Touriga Nacional. A Touriga Francesa também mereceu destaque pela positiva, mas demorou mais tempo a amadurecer e a libertar a cor. Uma das que mais sofreram este ano foi, a título de exemplo, a Tinta Amarela. “Mas no vinho do Porto esta é outra vantagem, dá-se menos ênfase à casta e mais ao local, porque, e é aquilo que já se faz no Douro desde sempre, usam-se várias castas, que se complementam”, sublinhou David. “Os viticultores que têm andado a investir menos na vinha, e que as têm com menos vigor, são os mais afectados, porque estas vinhas se ressentem muito mais, e também por isto há tanta variação por local. Naturalmente que, quanto mais velha a vinha, mais resiste. Eu costumo comparar uma videira velha a um homem velho: já não produz tanto, mas o que produz é com mais sabedoria…”.

David Guimaraens

Um problema de estrutura

Perante a exposição de David Guimaraens sobre o ano vitivinícola de 2022, e os pontos mais gerais em que tocou sobre o clima, impôs-se a questão das alterações climáticas. O enólogo retorquiu com veemência: “As alterações climáticas são desculpa para muita incompetência. Neste momento, está-se a pôr debaixo das alterações climáticas muitas asneiras que têm sido feitas. Não digo, com isto, que elas não existam, pelo contrário, são muito reais. Mas por exemplo, a região do Douro tinha, antigamente, uma viticultura assente no field blend (mistura das castas) e em densidade de plantação, onde cada unidade produzia pouco, mas a soma das unidades produzia quantidade satisfatória. Além disso, o porta enxerto utilizado era o Rupestris, que é menos produtivo mas muito resistente à secura. O lote de castas que utilizávamos era também muito maior do que o que ficou depois do ‘afunilamento’ das décadas de 70/80. E quando veio a obsessão, que ainda temos hoje, a obsessão triste da mecanização, alterou-se o equilíbrio. A mecanização é uma necessidade, mas se a estamos a utilizar para baixar os custos, não estamos a ir pelo caminho certo. A nossa obsessão deve ser criar valor. A mecanização é uma evolução natural para se ir fazendo. A região está há 50 anos obcecada pela mecanização, e andamos aqui todos a chorar porque vendemos o vinho do Porto e os vinhos DOC Douro baratos, e vendemos mais barato do que regiões planas com 3 vezes mais produção. E isto leva-nos, naturalmente, ao problema da mão-de-obra”. Por esta altura da conversa, David Guimaraens, embora sempre sorridente, começava a agravar a voz, e sabíamos que o desabafo não tardava. “Nós só temos problema de mão-de-obra porque não temos dinheiro para a pagar. Os portugueses não emigram para França por gostarem de foie gras. Vão embora porque ganham mais dinheiro fora. No sector, temos visões muito deturpadas das coisas. E depois vem-se com chavões, a falar das alterações climáticas, para justificar tudo e permitir tudo. Elas são problemáticas, sobretudo ao nível dos acontecimentos extremos. Podemos dizer que o ano vitícola de 2022 foi efeito das alterações climáticas, mas se é para assumir, então, que vai ser sempre assim daqui para a frente, mais vale fechar as portas e ir embora. Temos de aprender a viver com elas. É uma chatice, há-que sermos criativos, mas já o fomos noutros momentos. Aliás, num determinado ano menos bom, em vez de ser a Quinta da Roêda a fazer um grande Vintage, será a quinta de outro produtor. Acredito vivamente que o Douro pode ser um exemplo, a nível mundial, na reacção às alterações climáticas, pela experiência que temos aqui. Podemos reconsiderar as nossas vinhas de preferência, consoante as condições. Não estou de acordo, por exemplo, que a forma de reagir seja regar a vinha”, referiu David. Mas este tema da rega daria outro almoço…

A controvérsia

No seguimento das dicas que David nos foi dando sobre as vantagens da produção de vinho do Porto, tendo em conta as adversidades climáticas, tivemos de perguntar… “é contra a existência da DOC Douro?”. O enólogo respondeu com murros na mesa: “Não, não e não. Não tem nada que ver com ser contra ou a favor. A minha visão é simples, um Vintage é engarrafado quando temos um conjunto perfeito de vinhos que reflectem um ano e um lugar, mas quando os vinhos não são perfeitos, lidamos com isso através do envelhecimento em cascos de carvalho. Estes estilos de vinho do Porto são ambos fabulosos, e são uma grande forma de nos adaptarmos às condições do nosso clima, porque somos uma região de clima mais extremado por natureza, que amadurece as uvas para álcool mais elevado. No vinho do Porto, isso não é um problema, porque adicionamos aguardente no processo. Para os produtores de DOC Douro, só não é um problema porque fazem ‘vinho do Porto para diabéticos’, que é o que eu costumo chamar, em tom de brincadeira, aos vinhos ‘de mesa’ [não-fortificados] com muito álcool e sem açúcar”, riu-se.

E foi aqui que, no semblante de David Guimaraens, o vento mudou de direcção. “O vinho do Porto é um grande exemplo de sustentabilidade, e alguns vinhos do Douro também. Mas o grande tema que eu quero trazer para a mesa vai colocar-me em apuros, e quando falo nele todos se zangam: desafio os portugueses com sentido de moralidade a denunciar que esta região é uma vergonha. Estamos numa região extraordinária, e nunca se vendeu tanto vinho do Porto de qualidade como se vende hoje. Basta olhar para o número de projectos novos de famílias ligadas ao Douro, que hoje produzem vinhos do Porto de qualidade. Falo de Vieira de Sousa, Domingos Alves de Sousa, Wine&Soul, e muitos outros. Se não estamos a vender tanto volume, é porque o consumidor bebe menos mas bebe melhor. Não vamos confundir o vinho do Porto com um estilo de vinho que está condenado à morte, mas sim que se tem de adaptar ao mercado. O vinho DOC Douro é um grande vinho, que está a ganhar cada vez mais nome pelo Mundo fora, e é muito importante para a região a longo prazo. Está a dar muito dinheiro. O turismo, por sua vez, tem trazido muita riqueza, com os centros de visita, alojamentos, programas de enoturismo… mas quem sustenta isto tudo, e toda esta paisagem, está nas ruas da amargura: é o viticultor”, confessou, finalmente. “É muito triste, porque a razão é sermos todos uma cambada de incompetentes. Empresas de vinho do Porto, empresas de DOC Douro, Estado e viticultores. O viticultor do Douro, que produz e vende ao quilo, está a falir, porque o sector é imoral. Estou farto de assistir a isto. Este ano, mais um viticultor “meu” vendeu as vinhas por não ter viabilidade económica. Uma das razões pelas quais não temos pessoas, é ser difícil o trabalho da vinha e não dar dinheiro. Esta vergonha está por denunciar: nós temos vinhas, e estas vinhas e o Douro têm um conjunto de regras que foram desenhadas quando a região só tinha uma Denominação de Origem (D.O.), que era Porto. Há 20 e poucos anos atrás, nasceu uma segunda D.O., Douro. Eu falo mal dos vinhos DOC Douro não pela qualidade — até porque quem os faz são meus amigos, de quem gosto muito — mas não tivemos a competência, ou interesse, em alterar as regras. Cerca de três quartos das videiras da região, hoje (as que têm licença para produzir Porto) podem originar duas D.O., Porto e Douro, independentemente se têm ‘benefício’ ou não. Numa videira com 4 cachos, dois podem originar vinho do Douro, e os outros dois, Porto. O vinho do Porto paga €1,50 por quilo, e o do Douro paga €0,60”, disse, visivelmente zangado, enquanto batia com os punhos na mesa. E continuou. “Esta é a realidade. Duas D.O., dois preços diferentes. E a maior mentira, que ninguém reconhece, é esta: nunca uma vinha é vindimada primeiro para vinho do Porto e depois, uma segunda vez, para DOC Douro. Nós alimentamos uma mentira no Douro, porque não temos capacidade colectiva de actualizar as regras para reflectir a nova realidade. É imoral e, acima de tudo, uma mentira. É imoral porque eu vou a uma vinha, e pelas uvas até à cota de produção pago €1,50 por quilo, e a DOC Douro compra as outras, já a pagar bem, a €0,60 ou €0,70, abaixo do custo de produção. Isto só existe porque, para o vinho do Porto, há uma cota de produção, que é o chamado ‘benefício’, que limita a oferta e a procura, tudo o resto, e como a região é excedentária em produção, é mercado livre”, esmiuçou David. “Temos duas regras, para duas D.O., na mesma videira. Mas que grande mentira! E a incompetência de todos está no seguinte: nós, empresas de vinho do Porto, ou não nos entendemos para mudar as regras, ou juntamo-nos aos outros e passamos a fazer DOC Douro e tiramos partido dela. Os viticultores não se conseguem organizar para exigir alteração. O Estado, também não muda nada, não está ‘nem aí’. E às empresas de DOC Douro não lhes interessa, porque estão a comprar matéria-prima barata. Isto é uma tragédia, é muito errado”. Ao proferir estas palavras, estava à vista de todos que David se preocupa realmente com o problema, e os seus olhos pediam por alguém se se juntasse à causa. “Sozinho, não consigo mudar nada…”.

David GuimaraensA possível solução

“Como se pode solucionar o problema?”, questionámos. David tinha a resposta na ponta da língua: “Eu só peço uma simples alteração: todos terem de optar, parcela a parcela, se fazem vinho do Porto ou Douro. Se fizerem Porto, têm o ‘benefício’, e só as uvas que sobram é que vão para não-fortificado. Se fizerem Douro, não podem receber ‘benefício’. Assim, obrigamos a região a ser honesta, porque quando vindimamos, sabemos bem que uvas vão para uma D.O. ou para outra. Agora, esta incompetência colectiva está a levar à destruição da actividade de viticultor, que é o que eu digo há vários anos. Por tudo isto, eu apelo ao boicote do vinho DOC Douro, até a região mudar as regras!” lança, revoltado. “Vamos ser honestos, decentes… Está na hora de reconhecer que as regras estão desactualizadas e que estamos a fazer o viticultor, que vive de vender uva ao quilo, definhar. Não culpo nem aponto o dedo a um ou outro, porque não é assim que se resolvem as coisas. Eu afirmo que o sistema está mal, e que todos nós sabemos que está mal, um sistema em que uns enriquecem erradamente e outros empobrecem cada vez mais”, atirou David Guimaraens. “Esta é a razão principal pela qual o David não faz vinhos DOC Douro?”. “É”. “E se as regras mudassem e ficassem mais justas, ponderaria fazer?”. Sim”.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2023)

Entrevista: Daniel Niepoort

entrevista daniel niepoort

“É importante adaptarmo-nos aos tempos, sem radicalismos” Nascido em 1992, Daniel Niepoort é hoje responsável de enologia na empresa com o seu apelido, depois de ter trabalhado em vários países do Mundo. Poderia carregar o peso de ser filho de Dirk Niepoort, mas a verdade é que o jovem de 30 anos se preocupa mais […]

“É importante adaptarmo-nos aos tempos, sem radicalismos”

Nascido em 1992, Daniel Niepoort é hoje responsável de enologia na empresa com o seu apelido, depois de ter trabalhado em vários países do Mundo. Poderia carregar o peso de ser filho de Dirk Niepoort, mas a verdade é que o jovem de 30 anos se preocupa mais com as uvas, com o que tem no seu copo e com que a empresa coloca no copo do consumidor. Apareceu, para a nossa conversa, descontraído, como já o conhecemos e queremos, e acompanhado pela sua cadela. São inseparáveis. Sobre a Niepoort e o Douro, tem as suas convicções, e não deixa nada por dizer.

Texto: Mariana Lopes      Fotos: Niepoort

Quem é Daniel Niepoort?

Gosto de vinhos e estou a fazê-los. Nasci em Portugal, no entanto, não sou um clássico português: a minha mãe é da Suíça e o lado do meu pai é holandês e alemão. Uma grande mistura, mas o meu coração é português. Estive até aos 4 ou 5 anos cá, e depois do divórcio dos meus pais, fui com a minha mãe para a Suíça. Fiz lá a escola e a tropa, depois fiz um curso técnico de 3 anos, em Viticultura e Enologia, na Universidade de Strickhof. No curso, alternavam-se as aulas com os estágios académicos, e este foi o meu primeiro contacto com a área, sem ser através do meu pai. Com o meu pai, o contacto com o vinho era diferente, e foi bom poder ter as duas perspectivas…

entrevista daniel niepoort
Daniel com o pai Dirk Niepoort.

Sempre acompanhaste o teu pai nestas “andanças”, enquanto filho e curioso do vinho?

Quem conhece o meu pai sabe que a vida dele sempre foi a Niepoort. Quando eu era criança, nunca tinha as férias convencionais, de ir à praia e etc. Estava com ele a fazer lotes, jantares, viagens de vinho, visitas a produtores. Hoje é igual, porque trabalho na Niepoort e ele, além de meu pai, é o meu patrão, e acima de tudo, muito meu amigo. Mesmo durante os tempos que passei na Suíça, recorria muito ao meu pai, e felizmente os meus pais sempre se deram bem depois do divórcio, nunca foi difícil para mim.

O curso foi determinante para a tua vida profissional?

O curso técnico foi muito importante para aprender as bases, mas é um pouco frustrante o facto de, na escola, ser muito à base do “isto faz-se desta maneira, e pronto”. Do outro lado tinha o meu pai a dizer “mas eu faço assado”, e eu replicava isso na escola. Nesta altura, o meu pai não me ajudou nada com o curso, eu tinha mesmo de pesquisar e aprender por mim. Perguntava-lhe, triste, “‘Papi’, porque não me ajudas com isto?”, e ele respondia “tens de fazer as tuas coisas, por ti”. Escolhi depois alguns sítios na Suíça para estagiar, ainda durante o curso, e na maioria foi um desastre. Ligava ao meu pai a dizer o que tinha acontecido, e ele replicava “ainda bem, é assim que aprendes, a fazer”.

Acabei o curso, ainda fiz uma vindima na Suíça, e depois quis ir estagiar profissionalmente para alguns sítios, e o meu pai ajudou-me a ir para essas empresas, com contactos e nomes. Ele queria que eu saísse e não fosse logo para a Niepoort. Fui, então, para vários países: França, África do Sul, Austrália, Argentina, Espanha, Itália… ver como se fazia vinho em todo o lado. Ele sempre me disse, e também ao meu irmão, que também trabalha connosco: “Vocês têm de encontrar o vosso caminho, e se não gostarem de fazer vinho, não têm de fazer. Se quiserem, não digo que não”. Aqui, eu tive a minha fase “será que eu gosto mesmo de vinho, ou estou influenciado?, mas a decisão que tomei foi a melhor.

Foi, então, depois dos estágios profissionais que vieste para a Niepoort?

Ainda não. A seguir, fui para a Alemanha, região de Mosel, onde conseguia, pelo facto da vindima ser tarde, fazer vindima também em Portugal e França. Acabei por ser sócio do projecto alemão e fiquei lá 5 anos. Depois é que vim para Portugal, e já cá estou há 3 anos. Na verdade, não tinha muita vontade, não pelo país, mas porque ainda não queria assumir a responsabilidade de um projecto de tanto peso como a Niepoort. Além disso, a empresa estava a atravessar uma fase conturbada, com “guerras internas e familiares”. Eu não queria ter nada que ver com isso. Só que, para ser sincero, adorava a Niepoort, os vinhos do Porto… tive um clique, percebi que tinha de vir, e o meu pai aceitou.

entrevista daniel niepoort

Como foi, nessa altura, ingressar na Niepoort? O que fazias?

Comecei por tentar perceber o que era exactamente o trabalho do meu pai. E depois percebi que é difícil, e que requer trabalhar para uma coisa cujo resultado só dez anos depois. Uma das melhores coisas foi… as pessoas. Mas aprendi que também podem ser a pior. Nós, funcionários, crescemos na empresa. Há alguns que estão na Niepoort quase há 50 anos. São os trabalhadores que fazem a empresa, talvez por isso, ou pelo meu lado suíço [ri-se], não sou obcecado pela componente familiar da coisa. Para mim é mais importante a Família Niepoort. Somos todos Niepoort. Na altura, o meu pai disse-me que eu tinha um lugar na empresa. Perguntei-lhe “a fazer o quê?”, e ele respondeu-me “não sei, vens e logo se vê”. Na verdade, ele sempre teve esta filosofia de contratar as pessoas pelo seu carácter, e não tanto pelo currículo. Quando chegavam à Niepoort, faziam a função à qual se adaptavam melhor. Andei a fazer muitas coisas diferentes, no início. Entretanto, começou a pandemia de Covid-19, e isso, para mim, foi óptimo. Nunca tinha passado tanto tempo com o meu pai, desde que entrei na empresa, e aprendi muito durante essa fase.

E qual é a tua função actual na empresa?

A minha função é perceber o meu pai [ri-se]. Oficialmente, sou responsável de enologia. Mas é um “team work”, e eu trabalho ao lado do Luís Pedro [Cândido da Silva, enólogo na Niepoort]. Gosto muito de fazer o que faço. Mal cheguei, o meu pai abrandou um pouco e confiou mim, porque sabia que eu já tinha bons conhecimentos e que, de qualquer das formas, estava lá o Luís Pedro, que é muito bom enólogo. A empresa girava muito à volta do meu pai, e porque tinha de ser assim. Um dos meus trabalhos agora, de forma faseada, é “desfocar” a Niepoort do meu pai, sendo que isso não significa que vou focá-la em mim. Vou lá estar, no meu lugar, mas sem ser uma repetição dele. Tenho sorte por, em muitos aspectos, estar sintonizado com o meu pai, na filosofia e nas ideias.

O que queres para a Niepoort e para os vinhos Niepoort? Que conceito?

Continuar o que estamos a fazer, e melhorar. Não só fazer vinho, mas fazer algo pela região. Neste momento fazemos viticultura biológica e/ou biodinâmica em todas as nossas propriedades, a 100%, e eu gosto disso. Mas também compramos muita uva, que não é de produção bio, e não escondemos isso. Talvez pareça que faria mais sentido, ao invés disto, termos mais quintas em biológico, mas sem mão-de-obra teríamos, por exemplo, de mecanizar tudo, e não é esse o biológico que eu quero. Assim, temos quase 250 viticultores, que nos trazem as uvas, e isso é como um field blend. Se calhar, não fazem tudo como nós faríamos, mas em compensação, fazem algumas coisas melhores do que nós. Têm vinhas velhas em sítios especiais, por exemplo, que dão melhores uvas que algumas das nossas. E depois, como eu já disse, são pessoas. E eu adoro pessoas. Alguns só produzem para a Niepoort.

Quais os desafios e dificuldades que encontras agora, no teu trabalho?

Estão a perder-se vinhas e viticultores, e depois há as mudanças do clima e a necessidade de ter cada vez mais tecnologia. Não podemos fugir disto, mas temos de encontrar um equilíbrio. Além disso, é preciso mudarmos a maneira de pensar. Cada vez mais, o ser humano pensa só em si e as empresas querem crescer e ser muito grandes sem pensar num “todo”. Não podemos focar-nos apenas em cêntimos, custos, e “não podemos fazer isto e aquilo”, Já nem quero falar em sustentabilidade, por ser um termo tão usado para fazer marketing. Mas é um tema que me preocupa muito. O Douro, sem as oliveiras, amendoeiras, medronhos e todas as outras culturas, seria monocultura de vinho, e isso não seria bom. Se calcularmos os custos de fazer azeite das oliveiras tradicionais, não vale a pena fazê-lo. Mas se, em vez disso, pensarmos que é um produto que não precisa de tratamento, é apanhar e prensar, e que é tão utilizado na gastronomia portuguesa, culturalmente vale a pena produzi-lo. Os suíços não sabem quantos quilos de azeitona é necessário para gerar um litro de azeite. Mas eu, como sou, em parte, português, sei. E estou convicto de que vale a pena. Quero também trabalhar mais com animais na vinha, entre outras coisas.

entrevista Daniel Niepoort

Como é que propões que se tente solucionar a perda de vinhas no Douro e o facto de muitos viticultores não terem sucessão que pegue nelas?

Ainda não sei, mas tenho várias ideias. Primeiro, motivá-los, comprando toda a sua uva, quer seja de uma vinha mais nova ou mais velha. Já fazemos isto com muitos deles. Depois, mostrar-lhes que nós percebemos o que custa trabalhar na vinha. Também pagamos as uvas ao quilo, apesar de perdermos com isso. E nós, produtores de vinho, temos de cultivar mais a relação com as pessoas que produzem e nos entregam uva. Para mim isso surge fácil, porque eu sou “um gajo do campo”. Sou, infelizmente, “obrigado” a viver em Vila Nova de Gaia, na cidade, onde está a empresa.

Ao longo das últimas décadas, a própria Niepoort foi mudando, por exemplo, nos perfis de alguns vinhos. Como vez essas mudanças?

É importante adaptarmo-nos aos tempos, sermos flexíveis, sem radicalismos. Hoje posso estar a fazer um vinho com 10% de teor alcoólico, e amanhã um com 14%. Quando eu estava na tropa, e simulávamos situações, o meu patrão dizia-me “don’t fall in love with your plan” [não te apaixones pelo teu plano]. Porque não há só uma maneira de fazer as coisas. É muito isto.

Nós não fazemos os vinhos pelas modas. Pelo contrário, acho até que criámos algumas. No fim do dia, agimos consoante o que faz sentido para nós. E Portugal, com tanta diversidade de castas e terroirs, é um sonho para experimentar. O meu pai passou por tempos duros, houve alturas em que toda a gente queria arrancar as vinhas velhas. Hoje, as pessoas dão tudo para ter uma. Tudo muda, e nós também.

Podes afirmar, hoje, que fazes o vinho de que gostas?

Sim, sem dúvida. Sei que vou fazer coisas que agradam a umas pessoas e a outras não. Na escola, diziam-me que se devia fazer vinho para o consumidor. Mas qual deles? Há tantos… Por isso, nós fazemos os vinhos de que gostamos, e vamos encontrar as pessoas que também gostam deles. No entanto, não há ditaduras na Niepoort. Se alguém me sugere, ou ao meu pai, que devíamos fazer uma coisa de maneira diferente, nós dizemos tantas vezes “não”, como “sim”.

Quando era mais novo e ingénuo, dizia ao meu pai: “Porque é que fazes tanto vinho? Podias fazer menos e vender mais caro”. Hoje, penso de forma diferente. Tenho muito orgulho no nosso Diálogo, do qual produzimos 1,5 milhões de garrafas. É um vinho fantástico, e nem toda a gente tem possibilidade de comprar vinho caro.

Qual o vinho que mais gostas de beber, fora dos teus?

O vinho que ainda não provei. Bebo muitos desses. O estilo, não consigo dizer. Gosto de tudo, depende do momento. E, de vez em quando, também sabe bem uma cerveja…

Qual o conselho mais importante que o teu pai te deu, e que transportaste para o teu dia-a-dia?

Que tenho de ser sempre fiel a mim próprio. Parece simples mas, na verdade, na Niepoort e no mundo do vinho, todos querem que eu seja como o Dirk, e ao mesmo tempo, melhor ainda do que ele.

Tens algum conselho para um jovem que esteja a entrar no mundo do vinho?

Provar muito. E não só ler e estudar, mas sim ir ao terreno trabalhar, tocar, falar com as pessoas, questionar a razão das coisas. Isto não é só química. Também a tem, mas, acima de tudo, tem muito amor.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2023)

Grande Prova: Lisboa, a magnífica

Provados quase 40 vinhos brancos, assentes em diferentes combinações de castas e elaborados segundo conceitos de vinificação muito diversos, não nos restam quaisquer dúvidas: Lisboa é “the next big thing”. Uma região singular, de perfil atlântico, capaz de produzir brancos personalizados e vibrantes, dentro do que de melhor se faz em Portugal. Texto: Nuno de […]

Provados quase 40 vinhos brancos, assentes em diferentes combinações de castas e elaborados segundo conceitos de vinificação muito diversos, não nos restam quaisquer dúvidas: Lisboa é “the next big thing”. Uma região singular, de perfil atlântico, capaz de produzir brancos personalizados e vibrantes, dentro do que de melhor se faz em Portugal.

Texto: Nuno de Oliveira Garcia      Fotos: Ricardo Palma Veiga

Ensina-nos a geografia que Portugal Continental é um território disperso verticalmente ao longo do Oceano Atlântico, com o norte e o sul a distarem mais entre si do que o este e o oeste. No que respeita a regiões vitivinícolas, porém, a longitude, e a respetiva distância ao mar, fazem a diferença quanto a perfis de vinho. No nosso país temos, como regiões essencialmente costeiras — ou seja, aquelas cujos vinhedos distam um máximo de 40 quilómetros do oceano, e com um clima maioritariamente influenciado por essa proximidade — a região dos Vinhos Verdes, a Bairrada e Lisboa. E, destas três, é a região de Lisboa aquela que é a mais marcada por essa proximidade marítima. Com efeito, enquanto a região dos Vinhos Verdes é distinta pela sua localização no extremo norte do país (e pela circunstância de produzir vinhos a partir de um conjunto limitado de castas, algumas pouco ou nada difundidas fora do seu território), e a Bairrada é destacada pelos seus característicos solos argilo-calcários, o que mais demarca a região de Lisboa é mesmo a proximidade de toda a região ao mar.

E o que essa proximidade traz a uma região extensa, de Carcavelos quase até Pombal? Em primeiro lugar, essa cercania ao oceano aporta um clima temperado, com temperaturas mediterrânicas no Inverno e amenas no Verão, e uma pluviosidade muito acima da média nacional. Francisco Bento dos Santos, à frente da Quinta do Monte d’Oiro, menciona-nos que é raro existirem temperaturas muito quentes no verão (“raramente acima dos 31ºC” diz-nos) sendo que as noites frias, com bastante humidade e vento permanente, estão sempre presentes. Assim, obtém-se maturações muito lentas e completas, boa conservação da acidez, o que, por regra, quer significar uma preservação dos aromas das castas, e bom potencial de guarda.

A proximidade ao mar proporciona também, ou melhor, explica, a existência de alguns dos melhores solos para vinhos brancos, seja os calcários com argila, muitos do período jurássico (que se encontram em Bucelas, mas também de origem atlântica no perfil ‘Kimmeridgiano’, entre Arruda dos Vinhos e Torre Vedras), seja a areia livre de filoxera (em Colares e Carcavelos). A orografia da região também beneficia a produção de vinho de qualidade, com a existência de encostas não acentuadas que permitem, simultaneamente, solos bem drenados e uma atividade vitícola sem grandes dificuldades de logística. Por tudo isto, e com castas bem-adaptadas, as produções de uva e vinho na região são genericamente altas, o que ajuda a rentabilidade dos vários projetos. Como nos confidenciou Diogo Lopes, enólogo em várias regiões (e na região de Lisboa há quase uma década e meia), “em Lisboa é possível uma viticultura com produções muito interessantes, raras até noutras regiões, sobretudo com este binómio de qualidade/produtividade, o que é decisivo para que toda a fileira, desde logo os viticultores que são devidamente recompensados e, assim, podem colocar mais investimento na produção”.

EXPORTAÇÃO DETERMINANTE

Mas serão estes factores naturais que explicam, por si só, o recente sucesso da região? Para aventarmos uma resposta, precisamos de compreender melhor o que é região de Lisboa. Em números, fornecidos pela CVR, temos cerca de 2000 viticultores e mais de 300 operadores económicos (entre produtores e engarrafadores) espalhados por 10 mil hectares de vinha certificada para IGP e DOC. Mas talvez o dado mais relevante seja o facto de, só nos últimos 5 anos, as vendas terem duplicado, alcançando-se a cifra anual de 65 milhões de garrafas. Igualmente de destaque temos a circunstância de essa produção ser exportada num total de 80%, número muitíssimo significativo mesmo comparado com o de outras regiões tradicionalmente exportadoras. É, ainda nesse sentido, paradigmático que, se retiramos da equação a exportação de vinho do Porto, uma em cada três garrafas que saem de Portugal para o estrangeiro terem origem na região de Lisboa…

O que explica tudo isto? Um dos factores na base do sucesso é a reestruturação das vinhas operada nos últimos 15 anos. Com efeito, enquanto a marca Lisboa se impunha, houve um trabalho laborioso de reestruturação de vinha, introduzindo novas castas, substituindo vinhas, e plantando-se mais uva branca. Com tudo isto, o manuseamento da vinha também melhorou muito, surgiu uma cada vez melhor abordagem de cada casta, e os profissionais são hoje mais conhecedores da sua região do que nunca. Não espanta, assim, que a produtividade da região se tenha mantido em bons níveis conjugadamente com um aumento da qualidade dos seus vinhos. Actualmente, nos brancos, as uvas Fernão Pires e Arinto dominam o encepamento, acompanhadas por Moscatel Graúdo e Chardonnay, a casta estrangeira mais representativa (talvez por o solo e o clima poderem lembrar, em alguns terroirs, a Borgonha). Ainda no mesmo tema é crescente a revitalização de castas autóctones, como seja a Malvasia de Colares, mas também a Vital e a Jampal, sendo de elogiar a fantástica adaptação da variedade Viosinho (muito habitual nos lotes do Douro) que contribui com excelentes vinhos em estreme ou em blend. Nas internacionais, a par da referida Chardonnay que está há muito na região, encontramos ainda Sauvignon Blanc, Viognier e Marsanne, todas com óptimos resultados.

Outra razão de sucesso relaciona-se com a valorização da marca Lisboa, sobretudo junto da exportação. Com a denominação Lisboa, e com a crescente fama que a capital portuguesa tem agraciado no turismo mundial, podemos afirmar que o prestígio da região é maior fora do país do que dentro. A isso ajuda uma relação preço-qualidade muito competitiva e um perfil moderno e fresco, onde a acidez está sempre muito presente, sobretudo nos vinhos brancos.

Grande Prova LisboaPERFIL DE FRESCURA

Certo é que esse perfil sempre existiu, fosse nos brancos clássicos de Colares e Bucelas ou, mais a norte, com os brancos de Óbidos (por exemplo nas clássicas Casa das Gaeiras ou Quinta das Cerejeiras). Produtores como Quinta de Pancas (brancos e tintos), Fonte das Moças (sobretudo tintos) e Quinta do Rol (em especial nos espumantes) foram esteios de qualidade ao longo dos anos para a região que viu ainda a sua fama consolidada por projectos ambiciosos como Quinta do Monte d’Oiro, Quinta da Chocapalha ou Quinta do Gradil, produtores que contribuíram com o lançamento de vinhos de grande qualidade, muitos deles com preços então pouco habituais para a região. Em Colares e Bucelas, apesar de alguma estagnação na segunda metade do século passado, o perfil refrescante e estaladiço dos seus vinhos brancos sempre se manteve, graças a produtores como Chitas (família Bernardina Paulo da Silva), Adega de Colares, Caves Velhas, Quinta do Avelar e Companhia das Quintas. Outro aspecto relevante é a chegada de uma nova vaga de produtores em toda a região, existindo hoje uma multiplicidade de marcas nunca vista. Actualmente, Lisboa é uma região que mostra uma vitalidade única, com produtores jovens, independentes e destemidos, que apresentam ao mundo os seus vinhos frescos e vibrantes, em muitos casos biológicos e de baixa intervenção. E surpreenda-se o leitor ao saber que esses mesmos produtores vendem os seus vinhos nas melhores garrafeiras de Madrid, e nos melhores restaurantes de Barcelona e até de Nova Iorque. Podemos resumir este fenómeno utilizando as palavras do enólogo Bernando Cabral (que assina em Bucelas o vinho Murgas) segundo o qual, Lisboa é, hoje, uma das regiões portuguesas “com mais mundo”. Ao mesmo tempo, a região abraçou players de dimensão significativa, caso, entre outros da DFJ, Casa Santos Lima, Parras ou Adega Mãe, empresas que dão músculo financeiro à região e consolidam tendências. No mesmo sentido, Francisco Bento dos Santos sustenta que “actualmente a região tem já projectos de todos os tipos, mas todos eles com imagem moderna e atractiva, credibilidade técnica e qualidade nos vinhos produzidos. O mercado já vê Lisboa com outros olhos…”. E isso comprova-se quando falamos de certificação pois, tratando-se esta de uma prova de vinhos com ambição, de preço médio/alto, estiveram presentes muitos vinhos orgulhosamente com indicação da respectiva DOC (Arruda, Bucelas, Colares, Óbidos…), mas mais de 90% do vinho certificado é mesmo IGP Lisboa, a “marca” institucional de maior impacto.

 

DO MELHOR DE PORTUGAL

Apesar da região ainda produzir mais tinto, não temos dúvidas que parte significativa do seu território é (mais) propícia para brancos e, em alguns terroirs, até mesmo para espumantes. A já referida temperatura média anual amena, os mencionados solos de areia e calcários, e utilização de castas com boa acidez (os estudos prévios sobre as melhores castas estão a dar resultados a cada dia que passa) apontam claramente para a produção de brancos excitantes, tensos e cítricos. Em alguns casos tal assunção não é sequer uma novidade, como sucede em Bucelas —demarcada em 1911 e onde DOC só pode ser branco — e em Colares — demarcada em 1908, onde a Malvasia (de Colares), mais a mais sem recurso a porta-excerto americano — é rei no seu estilo salino, vibrante e muitas vezes longevo. Na mesma medida, não deixa também de ser curioso encontrar na literatura antiga referências várias a grandes brancos de Torres Vedras…. Por isso já não é novidade afirmar que alguns operadores estejam a substituir videiras de uva tinta por branca, sobretudo nas DOC mais atlânticas onde menos incide a influência quente do estuário do Tejo e da lezíria ribatejana (nas zonas protegidas a oeste e norte pela Serra de Montejunto o clima é necessariamente mais seco). Com efeito, na região de Lisboa, um pouco em redor da conhecida autoestrada A8, o território é marcado por uma paisagem verdejante e ondulante, na qual raramente existem fenómenos de seca ou calor extremo, condições vantajosas para os vinhos brancos. Como nos referiu Aníbal Coutinho, produtor na região há mais de uma década, existe em Lisboa “uma riqueza de microclimas em relevos muitos variados, nos quais a maturação das uvas pode mudar bastante em poucos quilómetros”. Diogo Lopes é assertivo e conclui: “acredito verdadeiramente que Lisboa será uma das grandes regiões de brancos de Portugal”, e Daniel Afonso, o homem à frente do projeto-nicho Baías e Enseadas, é ainda mais categórico ao afirmar que “Lisboa pode vir a ser melhor região de brancos em Portugal em poucos anos”.

Pois bem, tudo o que se escreveu acima sobre a região, sobretudo respeitante à propensão para brancos frescos e tensos, foi confirmado no copo de prova, com a análise a 37 vinhos.  De diferentes colheitas e com diferentes idades (os mais antigos: um de 2012, outro de 2013 e dois de 2016), todos se revelaram em forma com a acidez (em muitos casos acima dos 7 gr. por litro) a servir de espinha dorsal nos lotes. A expressão cítrica, e por vezes com referências minerais, foi também uma constante, numa prova global fantástica com uma dezena de vinhos a mostrarem-se ao melhor nível nacional. Venha daí!

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2023)

 

Dona Sancha: senhora de Silgueiros

dona sancha quinta

Foi há pouco mais um ano que os consumidores se familiarizaram com este nome, um novo produtor no Dão, numa das sub-regiões que concentra um bom número de quintas. O portefólio tem-se alargado, a quinta tem muito para oferecer…    Texto: João Paulo Martins e Nuno de Oliveira Garcia  Fotos: Quinta Dona Sancha  O nome […]

Foi há pouco mais um ano que os consumidores se familiarizaram com este nome, um novo produtor no Dão, numa das sub-regiões que concentra um bom número de quintas. O portefólio tem-se alargado, a quinta tem muito para oferecer…

 

 Texto: João Paulo Martins e Nuno de Oliveira Garcia  Fotos: Quinta Dona Sancha

 O nome tem uma sonoridade antiga, tão antiga quanto a nacionalidade. Era na Idade Média que proliferavam os Sanchos, as Sanchas, tudo gente que herdava propriedades, ora por doação régia ora por heranças familiares. A que deu nome a este vinho, Dona Sancha Gonçalves instituiu em 1186 o Padroado de Santa Maria de Silgueiros. Pela data percebemos que Portugal enquanto país dava ainda os primeiros passos e nem o território estava todo conquistado aos mouros. A tarefa imediata era, então, o povoamento, atraindo pessoas que se fixassem, concedendo-lhes terras. As parcelas desta quinta terão, por certo, estado em muitas mãos até terem chegado ao actual proprietário – Rui Parente -, já de há muito ligado ao vinho, fundador da mais importante garrafeira de Viseu, a Cave Lusa. A actual propriedade resulta da junção de duas quintas: a quinta da Avarenta e a quinta do Senhor Rocha, separadas por uma faixa de terreno que tem vindo a ser adquirida e as duas quintas já constituem um bloco único.

Ao comando técnico deste projecto temos Paulo Nunes e Mafalda Perdigão, ambos com fortes raízes na região. Silgueiros, diz Paulo, será das sub-regiões do Dão a que tem mais área de vinha; além desta destaca a sub-região da serra da Estrela e, como afirmou “mais uma meia sub-região, Penalva do Castelo.” Esta será, disse, uma zona mais quente, mas que gera vinhos muito equilibrados.

A quinta tem 26 ha a produzir, onde se contam algumas parcelas que estão em processo de aquisição. Os vinhos são, ora de lote (tradição na região) ora varietais, nomeadamente um de uma casta outrora muito importante – Tinta Pinheira – outro de uma variedade menos falada, mas que conhece agora algum renascimento, a Cerceal-Branco. Mafalda Perdigão explicou que plantaram um talhão com 39 variedades, na prática todas as que estavam disponíveis no Centro de Estudos de Nelas e que iam além das clássicas. O futuro ditará quais as que poderão conhecer algum aproveitamento para futuros plantios. Mas, como se imagina, Paulo não tem grandes ilusões, “não acredito que fiquem todas.”

As castas, segundo os enólogos: a Bical poderá não ter grande futuro face às alterações climáticas porque perde facilmente a acidez; ao contrário, a Cerceal-Branco é uma casta de muito boa acidez, ainda que, por vezes, com menos expressão aromática. Será seguramente uma casta de futuro também porque tem boas produções, na casa das 7 ton/ha. Problemas idênticos à Bical tem a Malvasia Fina porque, caso exista uma situação de stress hídrico, ela não recupera e perde valia. A casta Jaen, “que deveria ser a porta de entrada na região” tem uma janela de oportunidade de colheita muito apertada, é uma casta muito produtiva que pode facilmente chagar às 11 toneladas/ha e por isso, precisa de um controle da produção e outro da maturação, “chega a ser duas vezes por dia” para que se possa colher no momento certo. Já a casta Encruzado tem a particularidade de “se sobrepor aos erros de abordagem, o que faz com que só um mau enólogo não faça um bom Encruzado”, Paulo dixit.

A Tinta Pinheira é, no conjunto das castas da região, das quem tem menos intensidade corante e por isso “sobreviveu mal à era Parker” mas tinha, segundo o enólogo, a função de “limpar os exageros das outras castas, é contida mas ajuda muito no lote” e foi durante décadas a casta tinta mais ácida da região. Na apresentação ficou a promessa de vir a surgir um tinto num patamar ainda acima destes todos. Ficamos à espera.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2022)

 

Quinta da Gaivosa: Um caminho de três décadas

quinta da gaivosa

“Pioneiro do Douro moderno”. Assim classifiquei Domingos Alves de Sousa numa das várias peças que publiquei sobre o projecto Quinta da Gaivosa ao longo das últimas décadas. E quando se comemoram 30 anos sobre a colheita do vinho com que tudo começou, a frase mantém-se mais actual do que nunca. Também por isso se justifica […]

“Pioneiro do Douro moderno”. Assim classifiquei Domingos Alves de Sousa numa das várias peças que publiquei sobre o projecto Quinta da Gaivosa ao longo das últimas décadas. E quando se comemoram 30 anos sobre a colheita do vinho com que tudo começou, a frase mantém-se mais actual do que nunca. Também por isso se justifica revisitar Gaivosa e a sua história, escrita com vinhos, no caso, nove, três por cada década.

 TEXTO: Luís Lopes     FOTOS: Domingos Alves de Sousa

Lembro-me bem do impacto que em mim teve, na época, o primeiro Quinta da Gaivosa, um tinto de 1992 que me impressionou. O vinho tinha madeira a mais, claro, como praticamente todos os tintos ambiciosos dos anos 90. Mas disso só me vim a aperceber quando o voltei a provar mais tarde, talvez sete ou oito anos depois, que nisto da apreciação de vinhos não apenas não se nasce ensinado como o nosso palato vai mudando com o tempo.

Absolutamente certo é que, quando o Quinta da Gaivosa nasceu, muito poucos vinhos do Douro ambicionavam tão longe em qualidade e notoriedade. Barca Velha e Quinta do Côtto eram clássicos reverenciados, mas o Douro moderno, no que aos vinhos não fortificados respeita, estava ainda por construir e marcas como Duas Quintas e Quinta da Gaivosa definiam o caminho para os que viriam a seguir.

quinta da gaivosa
A Quinta da Gaivosa comporta vinhedos com idades e modelos de plantação muito diversos.

Cheguei à Quinta da Gaivosa e a Domingos Alves de Sousa pela mão de Anselmo Mendes, na altura enólogo consultor na casa. Casa essa onde permaneceu até 2013, passando então, por inteiro, a pilotagem enológica a ser feita por Tiago Alves de Sousa, da nova geração da família, que já trabalhava ao lado de Anselmo há uma década, e com quem este partilhava a sua enorme experiência e conhecimento. Os vinhos da Gaivosa vão reflectindo estas mudanças e são também, tal como a vida, marcados por ciclos, não apenas os da Natureza mas também os das ideias e conceitos.

Na base de tudo, esteve e continua a estar Domingos Alves de Sousa, pedra basilar do projecto. Foi ele que, logo em 1992, determinou que o tinto Quinta da Gaivosa só sairia à rua nos anos de qualidade superior. Assim, depois da colheita estreante, vieram 1994 e 1995, esta última a que colocou a Gaivosa, definitivamente, “no mapa”. A seguir 1997 e 2000, todos eles elaborados a partir da vinificação conjunta das melhores parcelas desta propriedade situada na margem direita do rio Corgo, a poucos quilómetros de Santa Marta de Penaguião. Hoje com 25 hectares de vinha, já na altura havia muito por onde escolher, desde vinhedos bem antigos a mais recentes, abarcando todo o tipo de altitudes e exposição solar.

Com o 2000 encerrou-se um ciclo, para se abrir outro com o Quinta da Gaivosa 2003. Nesse ano, um esforço adicional possibilitou finalmente a vinificação isolada das pequenas parcelas, identificando as características de cada uma e selecionando com maior rigor os vinhos que viriam a fazer parte do lote final. Deste trabalho vieram também a surgir outros tintos de renome, como Vinha de Lordelo ou Abandonado, mas isso é outra história, para outro momento. Para o que agora nos interessa, bastará saber que todos os Gaivosa que se seguiram obedeceram já a um trabalho de lote a partir das barricas onde os vinhos de cada parcela descansavam sem misturas. Nasceram assim os Quinta da Gaivosa que faltam: para além do já citado 2003, também 2005, 2008, 2009, 2011, 2013, 2015, 2017 e, agora, 2019.

São 14 vinhos lançados no mercado ao longo de três décadas, não se pode dizer que tenham abusado. Entretanto, importa referir que a concorrência apertou, sobretudo a partir de 1999, quando excelentes vinhos que se tornaram referência no Douro se impuseram num mercado de topo, onde deixaram de estar apenas meia dúzia de marcas. O Gaivosa, porém, não se amedrontou nem mudou o rumo nem o estilo, assente mais na elegância do que na concentração. A família Alves de Sousa preocupou-se, isso, sim, em garantir o futuro desta e das outras marcas, sobretudo ao nível vitícola. Assim, para além da preservação das vinhas antigas, verdadeiros cofres onde o património genético das videiras é guardado e acarinhado, foram plantadas vinhas novas a partir de conceitos diversos. Grande parte da propriedade (45%) assenta em vinhas tradicionais, com as castas misturadas e idades que vão dos 45 aos 120 anos; mas existem também vinhas ao alto, patamares e aquilo a que Tiago Alves de Sousa tem devotado muito do seu tempo e paixão e a que chama “vinhas tradicionais novas”. Este modelo, que se tornou regra na Gaivosa a partir de 2014, replica as vinhas antigas procurando preservar a topografia natural da encosta, mantendo os antigos muros de xisto, com as videiras plantadas segundo as curvas de nível, em alta densidade (8.000 pés/ha), condução em Guyot duplo e mistura “organizada” das castas, com diferentes variedades co-plantadas por parcela e organizadas por linhas. Mais de 50 castas tintas e 20 brancas fazem hoje parte deste património.

Mas deixem-me, para finalizar, voltar ao Quinta da Gaivosa tinto, de onde me desviei por instantes, até porque ainda vão passar uns bons anos até as vinhas novas terem idade e estatuto para entrar na sua garrafa. Houve um terceiro ciclo na já longa história da marca, que ocorreu a partir da vindima de 2016 com a construção da nova adega. Mais e melhores condições ao nível da vinificação e estágio significam poder dar mais atenção aos vinhos que estão a fermentar nas cubas ou a estagiar nas barricas. E, sobretudo, significa não os apressar. Lançar agora o Quinta da Gaivosa tinto de 2019, quando várias prestigiadas marcas do Douro já foram “obrigadas” pela pressão do mercado a apresentar os 2020, é também uma forma de Domingos Alves de Sousa mostrar ao mundo que não tem pressa. E, na verdade, para quem faz Gaivosa há 30 anos, o tempo tem outro significado.

(PROVA VERTICAL DE REFERÊNCIAS QUE JÁ NÃO ESTÃO NO MERCADO)

18 A

Quinta da Gaivosa tinto 1992

Ano de maturação tardia, que gerou vinhos mais delicados, com menos álcool (12,5%). Estagiou em barricas de carvalho português. A evolução é notória, mas está surpreendentemente bem, notas de musgo, tabaco, balsâmicos, erva seca. Muito polido, com notável frescura de boca, cheio de equilíbrio, dá muito prazer a beber. Talvez a melhor garrafa desta colheita que bebi nos últimos anos.

19 B

Quinta da Gaivosa tinto 1995

Vindima de boas maturações, colheita precoce, um vinho que impressionou vivamente quando foi lançado. Estagiado em carvalho francês em vez do nacional, mais de duas décadas depois mantém o nível de excelência que apresentou na época, ainda com fruta no aroma, musgo, taninos presentes a dar estrutura. Muito fino, muito impactante, com belíssima frescura, um vinho histórico que, ainda hoje, continua a fazer história.

17,5 A

Quinta da Gaivosa tinto 1997

Vindima quente e concentrada, mas equilibrada. Ao contrário do que aconteceu com o 1992, esperava mais deste, sobretudo no aroma, muito balsâmico e apimentado, com bela evolução mas fruta mais apagada. Melhora muito na boca, fresco, equilibrado e apetecível.

18,5 B

Quinta da Gaivosa tinto 2000

Nevou na Gaivosa em janeiro, num ano heterogéneo, em que a natureza foi compensando frio com calor, seca com chuva. Estava tudo no ponto na vindima e o vinho revela essa fruta de excelente qualidade, ainda bem presente, bagas e morangos, notas fumadas. O equilíbrio ácido é perfeito, magnífica presença de conjunto.

18,5 B

Quinta da Gaivosa tinto 2003

O ano de estreia de Tiago Alves de Sousa na equipa de enologia foi muito quente e seco, mas a vinificação por parcela e alguma chuva em setembro permitiram esbater as agruras do clima. O vinho está belíssimo, com leves tostados, fruta muito boa, complexos balsâmicos, tabaco, alguma idade a dar complexidade tabaco. Taninos de seda, e a frescura típica da Gaivosa a equilibrar tudo.

18 A

Quinta da Gaivosa tinto 2009

Ano com dois grandes picos de calor, em agosto e setembro. Pela primeira vez, barricas usadas juntaram-se às novas. Mostra muito boa fruta madura, ainda com traços de juventude. Muita sedosidade de taninos, num registo polido, texturado, com corpo cheio, alguns amargos de esteva, amplo e envolvente.

19 B

Quinta da Gaivosa tinto 2011

Muito míldio reduziu a produção e, quando foi preciso, o verão foi ameno, com maturações lentas e preservando a acidez. A ausência de chuva fez o resto, uma vindima portentosa.  Bastante jovem, concentrado como é típico do ano, menta e esteva, um tom sisudo e austero que lhe fica bem. Um portento na boca, extremamente sólido, texturado, com taninos que nunca mais acabam, ainda a precisar de tempo para se mostrar. Seco, sério, tremendo.

18 B

Quinta da Gaivosa tinto 2015

Ano generoso na quantidade e qualidade, com vindima precoce. A barrica está evidente, mas sem excessos, um tom mais maduro na fruta, bagas e mirtilos. Bastante encorpado, concentrado e intenso, sedoso, com taninos muito redondos. Sente-se um ano quente mas o vinho tem frescura, com final amplo, pontuado por notas de fruta ácida.

Favaios: Onde reina o Moscatel

Favaios Moscatel Douro

Partimos de Vila Real e chegámos a terras de Alijó, mais propriamente a Favaios. Aqui a casta Moscatel Galego é rainha e domina a paisagem. Apesar de estarmos em plena zona demarcada do Douro, o generoso feito com Moscatel não pode ser considerado vinho do Porto. Mas não importa, o sucesso e qualidade dos moscatéis […]

Partimos de Vila Real e chegámos a terras de Alijó, mais propriamente a Favaios. Aqui a casta Moscatel Galego é rainha e domina a paisagem. Apesar de estarmos em plena zona demarcada do Douro, o generoso feito com Moscatel não pode ser considerado vinho do Porto. Mas não importa, o sucesso e qualidade dos moscatéis de Favaios fala por si.

 Texto: João Paulo Martins    Fotos: Adega Coop. de Favaios

 Este é um Douro diferente, um Douro de planaltos, um Douro pouco ou nada escarpado, uma zona que permite estender o olhar por grandes distâncias. E, o que mais se vê, são vinhas. Um verdadeiro mar de vinhas. Estas são terras altas, as tais que hoje são muito procuradas, nomeadamente para plantar cepas de uvas brancas. Entre os problemas colocados pelas alterações climáticas e a apetência cada vez mais evidente do mercado por vinhos brancos, as terras de Favaios têm tudo para ser uma zona de referência. A paisagem não engana: as vinhas são a perder de vista, todas bem perto do centro da terra. Esta proximidade é excelente para os associados da cooperativa que entregam uvas na adega; e são muitos, 500 a entregar uvas e, como nos disseram, muitos outros em lista de espera. Também o enólogo fica com o trabalho muito facilitado, uma vez que, entre a apanha dos cachos e a chegada à adega podem mediar apenas alguns minutos. Estes cooperantes dispõem de 1100ha de vinhas onde a Moscatel ocupa 620 hectares, ou seja, 2,5% de toda a área da região, mas representa 5% da produção total. Assim, além daquela variedade, existem uvas para a produção de vinhos brancos, tintos e espumantes. E ainda algum Vinho do Porto.

Favaios Moscatel DouroPode, naturalmente, perguntar-se: porquê Moscatel, e porquê aqui? Estas e outras perguntas fomos fazê-las à adega cooperativa, o grande polo vinificador da região de Favaios. Miguel Ferreira, enólogo dos vinhos generosos, ajuda na explicação, salientando a altitude que, aqui, gera condições para maturações lentas porque os estios são amenos. Amenos sim, mas com a temperatura média a aumentar; este ano foi 22ºC, quando a média anterior andava pelos 19ºC. Estamos também numa zona de boa pluviosidade, em média 1000 milímetros/ano mas este ano vitícola não passou dos 390. Curiosamente quando visitámos a adega, já em fim de vindima, chovia “a potes”, como que a dizer-nos que o futuro não era negro. “Temos então condições óptimas para brancos mas menos favoráveis para fazer vinhos tintos”, confessou Miguel.

Esta é uma zona alta, planáltica, de terrenos férteis, favorável para brancos e entre elas ganhou destaque a casta Moscatel Galego que tem várias características que se adaptam bem a este ambiente: produz bem, gera mostos com muito boa acidez, é uma variedade muito terpénica (é mesmo das poucas castas em que o sabor do bago é idêntico ao do vinho) o que torna a identificação muito fácil, mesmo em prova cega. Além destas, tem mais duas características interessantes: é resistente à seca, como ficou bem demonstrado este ano em que, apesar da falta de água, se conseguiu mais 10% de produção no Moscatel do que na edição anterior, e tem uma produção regular. A produtividade da casta tem variado entre os 5200 litros/ha em 2020 e os 6200 litros em 2022.

Para a boa produção regular muito contribuiu o trabalho de pesquisa e melhoramento da casta feito por Nuno Magalhães, um profundo conhecedor/técnico/autor, especialista em viticultura; assim, desde há 40 anos têm vindo a mudar os clones que são plantados, “não sem alguma perda da variabilidade genética” mas a produção tem-se mantido em bom nível. Hoje sabe-se que o “afunilamento clonal” é altamente negativo e é sobretudo a partir da selecção massal que agora se escolhem os garfos a plantar, assegurando assim tanta diversidade quanto possível.

Uma batalha de ontem e de hoje

A adega foi criada em 1952 e o primeiro Moscatel surgiu em 1956. Estamos, portanto, a comemorar os 70 anos da fundação. Essa foi a época da criação das adegas cooperativas, processo muito incentivado pelo Governo que, por proposta da Casa do Douro, apontava para a criação de 30 adegas cooperativas em 19 concelhos da região, em que se associassem produtores que tivessem pelo menos 10 pipas de produção. A época mais intensa de criação das cooperativas decorreu até 1964, por vezes até mais tarde, como aconteceu com a Adega Coop. de Tabuaço que só foi criada em 1993.

Os azares do generoso Moscatel remontam aos anos 30 do século passado quando, face às dificuldades que se viviam nas vendas de Vinho do Porto (que a Grande Depressão e a crise de 1929 também ajudam a explicar), se cortou o benefício nas terras mais altas (acima dos 500 metros). Favaios deixou de poder produzir Porto e, apesar da tal proibição ter sido levantada ainda nos anos 50, a verdade é que, até hoje não se faz Porto Moscatel. Porquê? Porque, ao que nos contaram, “da Câmara de Provadores do IVDP vem sempre a mesma resposta: o vinho não cheira a Porto, cheira a moscatel”. Por esta razão para os vinhos desta casta criou-se a designação Moscatel do Douro, que é demasiado vaga, como aqui nos afirmaram, uma vez que qualquer zona do Douro pode, face à lei, fazer moscatel do Douro. Essa é a batalha actual desta zona: criar a sub-região de Favaios, uma vez que as uvas daqui têm especificidades e muitas diferenças em relação às de qualquer outra zona duriense. A região tem tudo para se transformar em sub-região mas falta, ao que soubemos, mais energia na condução desse processo. Não existe uma delimitação precisa da zona de Favaios e isso seria o primeiro passo para a criação da sub-região. Também já deu entrada no Interprofissional o pedido para a produção de Moscatel Roxo, variedade que corresponde a uma mutação da Moscatel Galego, mas por enquanto ainda não é possível. Essa será também uma conquista futura.

Favaios Moscatel DouroDe tudo um pouco

A cooperativa de Favaios é muito conhecida pelo Moscatel, nomeadamente o seu Favaíto, um aperitivo de moscatel que se vende no canal HORECA, em mini-garrafas de 55 ml. O sucesso deste licoroso é tal que da linha de engarrafamento saem 25000 garrafas/hora. Para além deste vinho emblemático, a cooperativa aposta em novos produtos, como seja o espumante, aqui em duas versões. A mais ambiciosa é o Grande Reserva com estágio prolongado em cave, de que só se fazem 3000 garrafas e que é produzido com Gouveio, Arinto e Viosinho. A primeira colheita foi a de 2005. Celso Pereira, enólogo com larga experiência nas Caves Transmontanas, é o consultor para espumantes e vinhos brancos DOC; a par deste espumante, a cooperativa faz pelo método Charmat, na Bairrada, em prestação de serviços, cerca de 40000 garrafas de espumante de Moscatel.

Aqui vinificam-se 6 milhões de litros/ano dos quais 3 milhões de Moscatel, não todo para generoso uma vez que da casta se faz espumante e entra também no lote dos vinhos brancos. Fazem 1 milhão de litros de branco, outro tanto de tinto e de Porto (esta zona corresponde a letras C e D); muito do Porto produzido é vendido a granel, mas também engarrafam aqui com marca própria. O Moscatel que se faz em vinho DOC não é vendido para terceiros, é todo usado para os vinhos brancos da casa. Aos lavradores a uva é paga a 95 cêntimos/quilo, bem acima da média que outras empresas pagam na região.

De tudo o que produz, a adega exporta 20% mas mantém um elevado stock que lhe permite fazer os moscatéis com idade. Em finais de 2021 a Adega tinha 9,5 milhões de litros em stock. Foi esses vinhos que tivemos oportunidade de provar.

Assim, do Moscatel Favaios sem indicação de ano de colheita fazem-se 3 milhões de litros/ano. É elaborado todo de uma vez (usa 3 a 4 colheitas no lote). O vinho mais jovem tem pelo menos 2 anos. A ideia de 3 a 4 colheitas é para tentar fazer um lote igual todos os anos. É estabilizado pelo frio e colado e filtrado para evitar a turbidez. Têm para este vinho 10 milhões de litros em stock. Não há lei do terço (como no Vinho do Porto) no licoroso Moscatel e por isso não há limite ao que se pode engarrafar. O Moscatel Reserva 2015 vai deixar de ter indicação de ano, tal como acontece no Vinho do Porto Reserva. As uvas ficam 3 dias em maceração, um antes da fermentação e dois depois. A aguardentação é feita na cuba ainda com as massas; estagia em madeira, inicialmente balseiro velho e depois barricas onde fica um ano. Deste fazem 10 000 garrafas/ano. O Moscatel 10 anos envelhece sempre em tonel, fazem quase uma solera conseguindo-se assim uma regularidade de perfil. É um lote que está sempre a ser alimentado com o que existe e tem uma média de 15 anos de idade.

Favaios Moscatel DouroNa edição comemorativa dos 70 anos foi escolhida a melhor colheita de cada uma das décadas; o mais jovem é de 2020, depois 2011, 07, 99, 80, 75 e 64 (deste foi usado vinho engarrafado). Desta edição especial foram cheias 2000 garrafas mas metade destina-se a ser oferecida aos viticultores associados. Já do Colheita 1980 existem 8000 litros em stock de barricas e enchem-se 500 garrafas por ano.

Com tudo isto, a Adega de Favaios é uma referência absoluta nos licorosos Moscatel do Douro, sendo igualmente líder no vinho licoroso Moscatel a nível nacional. Não espanta por isso que, para muitos consumidores, a menção Favaios seja sinónimo de Moscatel.

(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2022)