Tintos de Verão: Enfrentar o calor em tons carmesim

tintos de verão

Há, cada vez menos, um padrão entre os tintos sobre os quais acabamos a dizer que ficariam mesmo bem a acompanhar umas sardinhas ou uma pizza. A relação do vinho com uma temperatura de serviço mais baixa, a expressão da fruta, a estrutura e os taninos são alguns dos elementos que entram na equação quando […]

Há, cada vez menos, um padrão entre os tintos sobre os quais acabamos a dizer que ficariam mesmo bem a acompanhar umas sardinhas ou uma pizza. A relação do vinho com uma temperatura de serviço mais baixa, a expressão da fruta, a estrutura e os taninos são alguns dos elementos que entram na equação quando o assunto é beber tinto em tempos quentes.

Mas então, o que pode ser, no copo, um tinto de Verão? Em linhas gerais, um vinho que a nível de corpo se encontre entre o leve e o médio, no qual a relação entre boa acidez e estrutura resulte em frescura natural (ou seja, numa aparente frescura ainda antes de lhe baixarmos a temperatura), que tenha aromas expressivos e taninos suaves.

E na produção, como é que isto se consegue? Resumindo, pode depender de vários factores, conjugados ou não, sendo os mais comuns as castas (ou casta) utilizadas, que originem, só por si, tintos mais leves e com menos cor; a localização da vinha a uma maior altitude; ou uma vinificação menos extractiva. Voltando ao resultado no copo, a boa estrutura é muito importante porque, se não existir, quando refrescarmos o vinho, este vai saber a pouco, como aconteceu no início da febre dos Pinot Noir portugueses, há uns 7 ou 8 anos atrás, em que muitos deles pareciam uma água tingida a vermelho com acidez. Felizmente, isso rapidamente mudou e hoje fazem-se belíssimos Pinot Noir em Portugal, sobretudo nas zonas litorais e com mais influência atlântica.

AdegaMãe (Torres Vedras), Casal Sta. Maria (Colares) ou Vicentino (Zambujeira do Mar), são alguns dos produtores portugueses com Pinot Noir deste perfil mais leve, e muito bem executados. Mas nem só de Pinot Noir se fazem tintos bons para a estação estival. Nos últimos anos, alguns enólogos com raízes minhotas têm vindo a recuperar um perfil tradicional (em bom…) de vinho tinto da região dos Vinhos Verdes, como é o caso de Anselmo Mendes, Constantino Ramos ou Márcio Lopes. Estes tintos são feitos de castas antigas ou já raras, algumas encontradas em vinhas velhas em ramada, como Alvarelhão, Borraçal (Cainho tinto), Doçal, Pedral, Verdelho Feijão (Verdelho tinto) ou Vinhão.

Já no Douro, um tinto de Verão é, acima de tudo, proveniente de zonas altas ou fruto de uma menor extracção. Exemplo da primeira realidade é o Andreza Altitude, que nasce no planalto de Alijó, em vinhas localizadas acima dos 450 metros. Já o Poças Fora da Série Vinho da Roga é produto de uma menor extracção e maceração.

Não adstritos a uma região específica, também os tintos claretes merecem aqui menção, obtidos através da mistura de castas tintas e brancas, com regras que diferem de região para região. Do Tejo, o Quinta da Lapa Retro é um lote de Castelão e Fernão Pires, fermentados em conjunto, com as películas. Da Bairrada, o Luís Pato Vinhas Velhas é mais uma demonstração da versatilidade da Baga, aqui numa personalidade silvestre, fresca e suave.

Temperatura é chave

A temperatura a que se deve servir um tinto de Verão, ou no Verão, depende do perfil do vinho, mas a regra geral é “refrescar sempre”, não só para o efeito directo de frescura ao beber, mas também para que possamos diminuir a percepção alcoólica do vinho e tensionar-lhe a estrutura, dando-lhe aquele “grip” que (quase) nos mata a sede. A vantagem é que não há como errar, porque um tinto que esteve demasiado tempo no frio, aquecerá rapidamente no copo nesta altura do ano. Numa faixa dos 11º aos 16ºC, mais coisa, menos coisa, e de forma simplificada e facilmente compreensível, puxamos os mais translúcidos e expressivos para baixo e os mais escuros e complexos para cima, mas sempre jogando com o nosso gosto pessoal. Para quem gosta de fazer a olho, (como eu, na verdade) num frigorífico comum, 30 a 45 minutos antes de servir (aqui depende do estilo do tinto mas também da grossura do vidro da garrafa), será óptimo.

No fim de contas, tudo isto são apenas directivas para potencialmente melhorar a experiência. Esta é a magia do vinho: a regra dentro da ausência da regra. Porque um bom vinho para um determinado momento, é o vinho que nós quisermos e, sobretudo, aquele que nos souber bem.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2023)

Luísa Amorim: “O primeiro passo para ter enoturismo é abrir a porta”

Luísa Amorim

Como é que a família Amorim entrou no vinho? Foi em 1999, com a compra da Burmester, que detinha a Quinta Nova. Já havia a vontade de entrar no vinho, estando nós na cortiça, em concreto no vinho do Porto e Douro, porque já se percebia que era uma região de futuro. Sempre se respeitou […]

Como é que a família Amorim entrou no vinho?

Foi em 1999, com a compra da Burmester, que detinha a Quinta Nova. Já havia a vontade de entrar no vinho, estando nós na cortiça, em concreto no vinho do Porto e Douro, porque já se percebia que era uma região de futuro. Sempre se respeitou e gostou muito do vinho do Porto nesta família, mas rapidamente se percebeu que o mercado, em dinâmica, não estava tão aberto ao vinho do Porto como estava ao vinho DOC Douro. Por isso, houve uma aposta cada vez maior no vinho do Douro.

Onde estava a Luísa nessa altura?

Nos Estados Unidos, a estudar Marketing. Mas acabei por entrar para a Burmester em 2000, para fazer reorganização internacional dos canais de distribuição e marketing. Entretanto, fiz ainda outras coisas no grupo Amorim, e mais tarde, em 2005, decidimos vender a Burmester e ficar com a Quinta Nova, incluindo os stocks de Vintage da quinta.

Foram pioneiros do enoturismo “à séria” no Douro. O que vos fez investir nessa componente do vinho, numa altura em que pouco se falava disso?

O nosso projecto de enoturismo começou precisamente em 2005. Foi vender e nascer. Tive oportunidade de fazer um grande tour pelo Mundo, porque comecei a trabalhar muito nova, com 21 anos. Conheci muita gente do sector do vinho e visitei muitas adegas lá fora. Depois de visitar algumas vezes os Estados Unidos, reparei que claramente havia um movimento muito forte, sobretudo em Napa Valley, mas também em Stellenbosch, na África do Sul. Olhava também muito para o modelo das caves de vinho do Porto. Neste campo, tenho de fazer justiça ao George Sandeman, que viveu muitos anos nos EUA e trouxe um conceito de sucesso para as caves em Gaia. Eu, por exemplo, aprendi muito a trabalhar no mundo do vinho do Porto, ainda nos tempos da Burmester, porque há uma coisa que as empresas de vinho do Porto têm como ninguém, que é o estilo da casa.
No grupo Amorim, sempre recebemos muitos clientes e eu cresci até a receber clientes em casa. Por tudo isto, e não só, começámos então a desenvolver na Quinta Nova o conceito de turismo rural, com hotel, e todo o enoturismo, na verdade, as experiências.

Luísa Amorim
Mas nessa altura não havia ainda muita gente a ir ao Douro…

Pois não, era dificílimo. Foi uma aposta um bocado cega, passavam-se dias e dias sem ninguém vir aqui. Começámos com uma estagiária de turismo, uma senhora que fazia a comida e uma pequeníssima equipa de limpeza, tudo pessoas de cá. Todos os anos crescíamos um bocadinho. Hoje temos mais de 40 funcionários só no enoturismo, e podemos dizer, com muito gosto, que somos uma escola. Mas o primeiro passo para ter enoturismo é abrir a porta, e foi o que nós fizemos. Tínhamos a porta aberta sempre, sete dias por semana. Isto foi uma das nossas mais valias, porque nessa altura as outras quintas fechavam quase todas ao fim-de-semana. Eu tinha amigos que me perguntavam, “gostava de ir ao Douro, o que posso fazer aí?”, e eu tinha imensa dificuldade, tinha de falar com os donos de empresas de vinho que conhecia e pedir para fazerem um programa especial. Também não havia empresas de barcos. E não dava para fazer parcerias, porque se tínhamos vinhos eramos concorrentes de outros produtores, se tínhamos hotel eramos concorrentes de outros hotéis e de restaurantes. Com o tempo, começámos a entrar em guias internacionais, nalguns clubes de enoturismo da altura, os distribuidores também iam falando lá fora, recebemos alguns jornalistas, por isso a palavra passou. Entretanto, quando a Ryanair abriu no Porto, a cidade explodiu e consequentemente o Douro. Mas só há uns 5 ou 6 anos é que as grandes empresas de vinho do Porto apostam à séria no Douro e a região começa a ser vista como um destino turístico. Notou-se quando as pessoas começaram a passar mais do que uma noite no Douro, por haver já mais coisas para fazer e sítios para ir. E o enoturismo é um sucesso garantido, porque é um tipo de turismo muito descontraído e que ajuda a descomprimir. Quem é que não gosta de comer e beber?

 

Não me desafio nada com coisas já feitas. O que me move é fazer, é a parte de que eu mais gosto, desenvolver, criar.

 

Mas ainda falta muita infra-estrutura ao Douro…

Falta imenso alojamento, restauração e oferta cultural. Falta muita coisa. Um turista pode ter muita capacidade económica, mas se passar quatro dias a visitar quintas, às vezes mais do que uma num dia, e a provar vinhos, cansa-se. No entanto, também há bastantes turistas que vêm para não fazer nada… apenas para se sentar com um copo de vinho e descansar. E embora tenhamos uma oferta grande de experiências, também incentivamos essa parte, e é por isso que muitos dos nossos clientes dizem que aqui se sentem em casa. No fundo, é pensarmos no que nós próprios queremos quando somos hóspedes ou clientes.

Quem é a Luísa Amorim, a pessoa fora do trabalho?

Sou uma pessoa de família, extremamente ligada às minhas filhas e ao meu marido. Sou uma pessoa de trabalho, gosto imenso de trabalhar. Sou extremamente criativa, estou sempre a “inventar” e a criar novos projectos. Sou de portugalidade, adoro Portugal e de viajar dentro do país e fora dele. Gosto de me sentar numa esplanada e observar as pessoas e o seu comportamento, de perceber as tendências e como as pessoas estão a evoluir no Mundo.

Como se equilibra uma vida profissional tão exigente e consumidora de tempo, com a pessoal?

Há uma frase que é fundamental para isso, que é “ter os pés na terra”, em vários sentidos. E isto é válido para o que é de mais e para o menos. Equilibra-nos. E eu gosto mais de pôr os pés na relva do que na areia, sinto que a energia fica muito mais tempo comigo. Não é fácil equilibrar tudo, mas temos de fazer por isso e por sermos felizes. A felicidade não é como uma árvore de onde simplesmente caem frutos. E temos de agradecer, darmos graças pelo que temos, e perceber que as adversidades vão sempre existir, mas que nos tornam mais fortes. A vida é um caminho de pequenas conquistas… Não está escrito em lado nenhum o que vamos sentir em determinadas fases marcantes da vida: os nossos pais envelhecem, os nossos filhos saem de casa, alguns amigos vão deixando de cá estar. E é nestes momentos que nos temos de reequilibrar. Tudo isto nos coloca em perspectiva.

Já mencionou algumas vezes a relação próxima que tem com as suas filhas adolescentes. Como é essa relação?

Sou, acima de tudo, muito amiga das minhas filhas. Sempre tentei dar-lhes mundo, desde pequenas que viajam, e formá-las para um Mundo difícil, que não é tão fácil como foi o meu. Não acredito que os filhos se conquistam com a materialidade, pelo contrário, acho que temos de lhes dar experiências e temos de os formar para serem mais rijos, trabalharem o sacrifício e a disciplina. Porque nada na vida se consegue sem esforço, e faço-as perceber que isto tanto é válido para mim como para elas. Hoje, a sociedade está um bocadinho “em falta”, e para termos sucesso e sermos felizes, temos de ser muito resilientes. Tento passar-lhes isso porque eu sou, e é fundamental na formação. Mas passo também alegria, métodos para resolver momentos da vida, e muito carinho, que é fundamental. Por vezes não é o tempo que se dá, mas a qualidade do tempo que se dá. Temos de estar lá quando os filhos mais precisam, e estar atentos e ter abertura para virem ter connosco em qualquer adversidade, porque é isto que mexe com a segurança e a auto-estima deles.

O projecto alentejano Aldeia de Cima é ainda mais pessoal, seu e do seu marido Francisco. Liga-se talvez a essa necessidade de “pé na relva” e na terra…

O Alentejo tem uma coisa que é a imensidão. Uma pessoa passa dois dias no Alentejo e fica lavada mentalmente. É lá que temos uma casa nossa, onde recebemos amigos. É um escape para mim, muito importante.

Luísa Amorim

De onde vem essa ligação ao Alentejo, e porquê ali, na serra do Mendro?

A Herdade Aldeia de Cima era do meu pai, e eu sempre fui para o Alentejo em miúda, nas férias e não só. Ele tinha várias propriedades ali, mas esta foi onde plantou mais sobreiros. Sempre adorei os alentejanos e a cozinha alentejana. Quando chegaram os confinamentos do Covid, foi para lá que fomos, e tivemos mais tempo para absorver a cultura alentejana. O Alentejo tem uma identidade muito própria, extremamente forte. É uma região onde as mulheres têm um papel muito, muito importante. A mulher é um símbolo alentejano.
Todo este envolvimento teve também a ver com a fase em que o meu pai estava, no final da sua vida. Eu pensava muito, e às vezes falava com ele sobre isso, que quando fosse mais velha, mais para a altura da reforma, faria uma vinha no Alentejo. Mas a pensar que seria mesmo muito mais tarde. Acabei por querer fazer mais cedo. Mas com que dimensão? O Alentejo já tem tanta coisa, onde é que nós nos vamos encaixar? Quais as castas que iriamos usar? Obviamente que fomos para as locais e tradicionais, nunca uso castas “estrangeiras” nos meus projectos. E sabia que não queria usar Touriga Nacional, porque embora seja uma excelente casta, mascara as outras e iguala os lotes. Mas encarei este projecto muito como “se der, dá, se não der, paciência, tentei”. Acabou por dar, e fiz pequenino, como eu queria, para usufruir.

 

Todos temos o nosso papel, e todos os modelos de negócio são válidos, desde que dêem dinheiro. Se não, não são bons negócios.

 

Porquê fazer a vinha em patamares no Alentejo?

Como estamos ali na Serra do Mendro, com aquela altitude, e tivemos de escolher os pedaços de terra onde não havia sobreiros, naquele sítio foi o que se adequou mais. Pouco terreno ali era plano. O meu marido perguntava-me, “mas onde é que tu vais plantar vinha?!”, e eu respondia-lhe, “eu acho que dá… um bocadinho aqui, outro ali…” [risos].

A Taboadella, no Dão, representou um grande desafio para si e para a equipa técnica, sair da zona de conforto e ir de encontro ao desconhecido. Porquê o Dão?

Nós e as nossas equipas sempre visitámos outras regiões vitivinícolas, e houve um dia, em 2008, que fomos ao Dão. Houve duas ou três coisas que me saltaram à vista: uma, foi o Alfrocheiro, que me encantou imenso. Outra, foi o preço baixo dos vinhos. E a terceira, o potencial da região, ali estava tudo por fazer. A região estava adormecida. E eu tenho de dizer: eu acho que anda toda a gente distraída em relação ao Dão. Não entendo a falta de investimento na região. Lá fora, todos a conhecem, os vinhos são fabulosos, brancos e tintos. Sustentável por natureza, porque produz bem, e na Taboadella não temos um pingo de rega. Mais mão-de-obra do que nas outras. Há licenças para plantar e muitas pequenas parcelas que podem produzir vinhos fabulosos, por vezes em sítios que ninguém imagina. Está rodeada por cinco montanhas. Está a menos de hora e meia do Porto. Por tudo isto, eu não compreendo a falta de investimento no Dão.

É isso que a move? Estar tudo por fazer?

Sim. Não me desafio nada com coisas já feitas. O que me move é fazer, é a parte de que eu mais gosto, desenvolver, criar. E aquela quinta, onde agora é a Taboadella, estava quase em hasta pública quando a fomos ver. Quando lá chegámos, adorámos o que vimos. Estava a precisar de muita coisa, mas era forte, tinha uma energia… E havia lá umas cubas de inox, com vinho tinto. Provámo-lo e pensámos, “se isto está assim, com estas condições… com melhores…”, e foi isto que nos fez, na verdade, comprar a quinta. E desde o início que soubemos que o nosso projecto seria para um segmento superior, de aposta no Encruzado e na Touriga Nacional, claro, mas também de fazer vinhos com outras não tão utilizadas, até porque, sobretudo no que toca ao Encruzado, o encepamento desta casta não é infinito, por isso achamos importante fazer vinhos com outras castas do Dão. Por isso também replantámos uma parte da quinta, sobretudo para termos mais brancos, acima de tudo, Encruzado.
Talvez o maior desafio no Dão seja vender os topos de gama. Há poucos produtores a produzi-los de forma consistente, como noutras regiões. E eu volto a dizer: estão todos distraídos. Andam todos a olhar para outras coisas, que são importantes, mas o Dão, no futuro, tem todas as condições para ser importantíssima em Portugal. Quem não gosta de vinhos do Dão? Mesmo lá fora, outros produtores de grandes regiões, todos os adoram.

 

 Talvez o maior desafio no Dão seja vender os topos de gama. Há poucos produtores a produzi-los de forma consistente, como noutras regiões.

 

Como foi ser um “estrangeiro” no Dão, com ambições de criar um projecto vitivinícola desta envergadura?

Correu muito bem, fomos acarinhados por todos, mas também porque entrámos com respeito, e com um bom propósito, que era o de investir na região. Depois, sempre estivemos abertos a receber as pessoas do Dão e elas perceberam isso. Não fizemos nada de diferente na íntegra, porque também acreditamos no trabalho que está a ser feito nos vinhos da região. O que fizemos de diferente foi introduzir mais métodos de vinificação e tecnologia, para nós o cimento era obrigatório. percebemos que os vinhos do Dão não precisam de muita madeira, e é uma pena quando têm demasiada. E criámos um portefólio com bastantes vinhos, e isso foi logo um grande desafio. De repente chegámos ao mercado com 8 vinhos do Dão, e isso pode ter chocado um bocado.
Nós temos de pensar que ao fazermos um projecto, ele tem de viver o local. Temos de ter a identidade. Temos de estudar, ir as raízes, a história, falar com as pessoas da região e de perto, para nos inspirarmos. Não é só inspirar no estético, no belo, mas também nas pessoas e no vinho. Tem de haver uma inspiração, uma matriz. Uma gama tem de respirar uma quinta. Por isso é que os nossos projectos são muito diferentes uns dos outros.

Os projectos vitivinícolas com “assinatura” Luísa Amorim têm todos um standard de qualidade muito alto, desde a viticultura às garrafas, passando pelo no turismo, pela adega e até pela própria arquitectura e decoração dos espaços. Esta exigência vem de onde?

Vem da cultura da minha família, do que nos foi incutido a todos, e da sorte de eu gostar muito de fazer desta forma. Nós, para nos metermos num projecto, numa nova quinta, tem de ser bom. porque “mais ou menos” não é linguagem para nós. Temos de acreditar no que vemos. Eu não sei trabalhar por trabalhar. Mas é tão válido um trabalho de baixo preço como de alto preço, são duas especialidades diferentes. E eu não sei trabalhar no baixo preço, não sei mesmo. A minha especialidade é trabalhar este conceito premium, pelo desafio, sobretudo. Eu não sou especialista em negociação de preço, mas sim na criatividade, na inovação, no contexto. Todos temos o nosso papel, e todos os modelos de negócio são válidos, desde que dêem dinheiro. Se não, não são bons negócios.

Luísa Amorim

A pior coisa que se pode fazer é adormecer no sucesso. Quando não se sente necessidade de evoluir, está o caldo entornado...

 

A Luísa fundou a IPSS Bagos d’Ouro. O que deu origem a esse “chamamento” social ligado à região?

Quem mais me cativou para fundar a Bagos d’Ouro foi o meu marido. Ele via que eu poderia fazer alguma coisa neste sentido, no Douro, pelo que eu via aqui na região e conversava em casa. Um dia decidi avançar, e o meu amigo Padre Amadeu aceitou fazê-lo comigo. Decidimos trabalhar com crianças, porque serão elas o futuro da região. Começámos pequenos, com garrafas Quinta Nova solidárias e jantares solidários. Quando consegui juntar fundos suficientes, contratámos duas pessoas, especialistas na parte técnica social. A partir daí, fomos crescendo, já são 13 anos e é um trabalho muito bonito, maravilhoso. Precisamos sempre de juntar fundos, porque temos zero dependência do Estado. É uma Associação que presta contas, mas à sociedade, e a mais ninguém. Mas é assustador ao mesmo tempo, porque agora não podemos falhar, somos responsáveis por muitos jovens e crianças, e não as podemos desiludir.
Temos o sonho de fazer algo no Alentejo, não exactamente a mesma coisa, mas algo que achamos que ainda falta na região. Mas ainda vai demorar…

Ao longo de todos destes 23 anos no mundo do vinho, fazem-se muitos amigos?

Acho que sim, houve muita gente que me deu a mão, e que tem a minha mão. É um mundo de mais amigos do que inimigos. Sobretudo porque todos sabemos que é um trabalho difícil, onde o sucesso é difícil de alcançar. Sabemos que temos de nos proteger uns aos outros, no que toca às relações governamentais, comerciais, humanas… temos de ser abertos no know-how e na passagem dele. Se não partilharmos, não crescemos. O mundo do vinho está sempre a evoluir: a garrafa é a mesma, mas o vinho não é o mesmo. A gastronomia está sempre a mudar. Se o que se come muda, o que se bebe também. Parece mentira, mas há 30 anos era difícil encontrar uma bolonhesa em Portugal. Comia-se massa, sim, mas não era à bolonhesa. Há muito menos anos do que isso, qual era o português que comia sushi? Todos nós evoluímos, e o mundo do vinho tem isso, estamos sempre a ser desafiados e incentivados a melhorar. Uma pessoa acaba de engarrafar um vinho, e já está a pensar que no próximo fará diferente. A pior coisa que se pode fazer é adormecer no sucesso. Quando não se sente necessidade de evoluir, está o caldo entornado…

 

Enquanto acharem que uma empresa pode produzir de tudo, do baixo ao alto, a região não vai crescer em preço.

 

O que é que ainda falta fazer, a nível profissional? Qual o próximo passo? Expandir o negócio do vinho para mais regiões?

Não gosto muito desta pergunta, até porque eu sou uma pessoa que, apesar de gostar muito de criar e de fazer, não pensa muito no futuro. Porque por vezes aparecem coisas de que não estávamos à espera, ou não temos oportunidade de fazer aquelas que pensámos fazer. Se me perguntarem o que falta fazer no que já tenho, aqui na Quinta Nova falta muita coisa. Por ser a nossa mais antiga, está no ponto de rebuçado para refazer. O estatuto e a marca que tem, também o exige.

E na região do Douro, o que falta?

Falta imenso. Temos um preço médio muito baixo, temos de o subir, é um preço-médio irreal. É urgente fazê-lo. Acho que é preciso as empresas perceberem que, no mercado, ou têm uma oferta, ou outra. Porque enquanto acharem que uma empresa pode produzir de tudo, do baixo ao alto, a região não vai crescer em preço. Porque o cliente vai querer sempre o preço mais barato. Temos de assumir se somos de nicho ou não. E acho que é por isso que o Douro não se assume mais, internacionalmente. Porque não se organiza, temos de querer mais, reformular as adegas, e dizer “não, eu isto não faço”.
Mesmo as pessoas que no Douro já estão orientadas no mercado, orientadas com a sua marca, com as suas contas confortáveis, têm de estar disponíveis para investir novamente. O investimento no Douro ainda não acabou… de todo. Há a ideia de que “Portugal tem tão bons vinhos, nem precisa de exportação”. Portugal tem bons vinhos, como todo o mundo tem. Desculpem-me, sou portuguesa e amo o meu país, mas não nos chega ter bons vinhos. Qualquer pessoa com vontade e um bom pedaço de terra, faz vinho. Mas falta mais do que isso. Porque fazer um grande vinho, sem investimento, só se faz uma vez. Nós não podemos pensar o vinho como pensávamos há 20 anos atrás, nem a vinificação, nem a parte comercial. Produtores novos surgem todos os dias, temos de ser mais aguerridos. Reforço que não podemos abdicar do preço. É muito duro, é difícil. Mas é um caminho que temos de definir. O produtor de nicho não pode estar em todos os canais, como o produtor de massas. Em Itália, na Toscânia, o “Super Toscano” foi um fenómeno que demorou 40 anos a construir. O Douro merecia algo assim, algo que nos levasse a mais notoriedade no mercado externo.

 

Luísa Amorim

 

Gostava que me perguntassem, que perguntassem aos produtores de vinho do Douro, o que acham que o vinho do Porto poderia fazer para vender mais, e vice-versa.

 

Porto ou Douro, ou ambos?

Há até quem ache que a região deveria ser só para o vinho do Porto, o que é totalmente errado. As uvas para vinho DOC Douro têm vindo a subir o preço, e o mercado pede-o tanto, que provavelmente haverá um problema de matéria-prima no futuro. E tirando aqueles vinhos do Porto muito envelhecidos, os preços não são assim tão diferentes… os topos de gama do Douro estão a 150 e 250 euros. Quantos Porto Vintage estão a estes preços à primeira? A DOC Douro, apesar de não comercializar vinhos velhos, como tawnies velhos e colheitas antigas, tem um preço médio apenas 13,5% abaixo do vinho do Porto.
Na verdade, para mim o Douro é duas regiões, a de vinho do Porto e a de vinho DOC Douro. Sou produtora de vinho do Douro e tenho de dizer que não faço mais vinho do Porto porque não vendo. O Douro tem de separar bem as coisas, homogeneizar a legislação para um lado e para o outro. Fala-se muito de um lado, mas não se fala do outro. E eu quero dizer aqui que nas grandes notícias sobre a estratégia para a região, são sempre os grandes senhores do vinho do Porto, e ninguém do vinho Douro fala. Porque não há voz, não há instituições, não há isto e não há aquilo. Não se pode negar que os vinhos Douro são estruturantes para a região.
Dizem que o Douro tem muita vinha. Isso é mentira. Se pegarmos na produção de vinho do Douro e de vinho do Porto, como dois sectores, vemos que afinal não é tanto. Na verdade, a vinha disponível para cada tipo de produto é de cerca de 20 mil ha. E quantidade de vinha que tem vindo a ser abandonada, e a que está cadastrada, mas abandonada…
Não há uma voz igualitária, nem os dois são ouvidos da mesma maneira. Não se está a tentar consertar o melhor caminho entre os dois lados. Ninguém pergunta a um produtor de vinho do Douro o que pensa da região, ou que estratégias é que se poderiam tomar. Isto é um assunto que me preocupa muito. Gostava que me perguntassem, que perguntassem aos produtores de vinho do Douro, o que acham que o vinho do Porto poderia fazer para vender mais, e vice-versa.

Se lhe perguntassem isso, qual seria a resposta?

Uma das minhas “teimosias”, é que não deveria haver stock mínimo de vinho do Porto. Hoje, uma pessoa jovem tem de pensar duas, três, quatro, oito vezes, antes de produzir vinho do Porto. E não se produz mais vinho do Porto por causa destas coisas. Não tenho nada contra a lei do terço, tenho contra não haver liberdade. Se fizermos as contas a 75 mil litros de vinho parado… as pipas, o armazém, o líquido parado. Mas alguém tem dinheiro para isto? É um luxo arábico. Algum jovem vai ser burro ao ponto de se meter nisto? E já falei várias vezes para o sector, “vocês não vêem o que estão a fazer, a matar o sector do vinho do Porto?”. Daqui a 15 anos vai-se precisar de mais enólogos de vinho do Porto, e as empresas vão ver-se aflitas para os arranjar… Ter este peso, de que é um sector super-estruturado e super-legislado, que não se pode mudar, não vai ser bom para ninguém. Tem de haver mais gente a fazer e vender vinho do Porto porque, mesmo com 2 séculos de história, este perde quota nos últimos 20 anos para o DOC Douro, que não pára de crescer. Segundo o Ranking de 2022, a região do Douro tinha 535 empresas a comercializar DOC Douro e apenas 133 empresas a comercializar Porto. Mas é interessante que, apesar de tudo, haja jovens empresas com vontade de oferecer ao mercado vinho do Porto, mesmo não sendo fácil de vender.
Por isso, acho que temos de ser livres, não acho que faça sentido ter de pedir uma licença para vinho do Porto e outra para vinho do Douro. Eu tenho de ser livre para das minhas uvas fazer um produto ou o outro. Mas, quem tem a vinha abandonada no Douro, não pode nem deve ter licenças. A fiscalização deve estar aqui, a intervir. Os vinhos do Douro são os que têm dado notoriedade ao nome “Douro”. Em 20 anos, já fizemos o mais difícil. Mas onde nos queremos posicionar? E o que temos de fazer para isso? Também não podemos estar mais 20 anos neste cenário, temos de progredir. Mas não estamos todos a remar para o mesmo lado. Se queremos apanhar o próximo comboio, o vinho do Porto e o vinho do Douro têm de estar juntos, de mãos dadas.

 

Luísa Amorim

Se queremos apanhar o próximo comboio, o vinho do Porto e o vinho do Douro têm de estar juntos, de mãos dadas.

 

Um conselho para os jovens empreendedores, que queiram fazer vida profissional no mundo do vinho.

Estudar bem o mercado. Não chega ser criativo. Temos de ser humildes, respeitar o que já lá está, e perceber onde nos podemos diferenciar. Se quero entrar, tenho de acrescentar. Depois, ter capacidade de trabalho, e dar muita importância à área comercial e ao marketing, fazer o mercado. Para vender um vinho, tenho de vender um contexto. E atenção às adegas! Aconselho a não fazer logo uma adega de início ou, a fazer, uma mais pequena e simples. Por último, nunca desistir. O mundo do vinho demora muitos anos, talvez dez, no mínimo, e vinte para ter sucesso…

 

(Artigo publicado na edição de Julho de 2023)

XXVI Talhas: O legado de Mestre Daniel

XXVI Talhas

Vila Ruiva, a aldeia onde minha mãe nasceu e que deixou ainda adolescente para ir estudar em Lisboa, está ali, a apenas 3 quilómetros. Cresci a ouvir contar histórias das rivalidades entre Vila Ruiva e Vila Alva e dos bailes de sábado à noite numa ou noutra destas povoações do concelho de Cuba, os quais […]

Vila Ruiva, a aldeia onde minha mãe nasceu e que deixou ainda adolescente para ir estudar em Lisboa, está ali, a apenas 3 quilómetros. Cresci a ouvir contar histórias das rivalidades entre Vila Ruiva e Vila Alva e dos bailes de sábado à noite numa ou noutra destas povoações do concelho de Cuba, os quais terminavam invariavelmente em pancadaria entre os locais e os “estrangeiros”. A primeira vez que visitei Vila Ruiva foi em 1988 ou 89. Gostei tanto que acabei por comprar e reconstruir uma pequena e velha casa no centro da vila.

Com o tempo e as frequentes visitas, aprendi a amar igualmente as duas aldeias e fiz amigos em ambas. Amigos que, em cada visita, me levavam a tomar uns copos de vinho de talha, acompanhados do imprescindível “petisco”, nas tabernas que há 30 anos ainda existiam nestas localidades. As de Vila Ruiva desapareceram, entretanto. Em Vila Alva, porém, a arte do vinho de talha manteve-se, mais discreta, sem porta aberta, na casa de alguns teimosos que em cada vindima enchiam um ou dois potes. Até que, em 2018, um grupo de jovens resolveu lançar-se “à séria” na produção de vinhos de talha, reactivando uma das mais famosas adegas da vila, a do Mestre Daniel. Cinco anos depois, Vila Alva tornou-se uma referência incontornável nos vinhos de talha do Alentejo, com animação constante ao partir do São Martinho e, cada vez mais, o ano todo.

Talhas mestre daniel
Daniel Parreira , Alda Parreira , Luis Garcia , Samuel Pernicha e Ricardo Santos , produtores de Vinho de Talha na Adega XXVI Talhas .

Daniel António Tabaquinho dos Santos, nascido em 1923, era carpinteiro e, como acontece ainda hoje no Alentejo mais recôndito, o seu jeito para o ofício granjeou-lhe o estatuto de Mestre, algo que se alcança não pelo grau académico, mas sim pelo reconhecimento da população. É o povo que decide se fulano ou beltrano é ou não Mestre. E quando passa a tratá-lo como tal, o designativo fica para a vida, associado ao nome próprio. Mestre Daniel, portanto, fazia a sua carpintaria na adega onde também fazia o vinho, seguindo a tradição familiar. Durante três décadas produziu e vendeu vinho, a partir de 22 talhas de barro de diferentes tamanhos (algumas do século XIX) e 4 talhas de cimento armado construídas nos anos 30, ali mesmo, em Vila Alva. Após o seu falecimento, em 1985, as talhas ainda viram uvas durante alguns anos, mas a adega acabaria por fechar as portas em 1990.

Até que, em 2018, seus netos Alda e Daniel Parreira, decidiram recuperar a tradição e o legado de Mestre Daniel. Para tal, desafiaram outros dois jovens, tal como eles nascidos e criados em Vila Alva e acostumados à “cultura da talha”: o designer Samuel Pernicha e o enólogo Ricardo Santos, este último com um percurso profissional que passou pela Herdade Grande, Califórnia, Nova Zelândia, Malo Wines e Quinta do Carneiro. A eles juntou-se Luis Garcia, marido da Alda, que “ajuda em tudo um pouco” e dinamiza o enoturismo.

“Sempre foi um sonho que tivemos desde a infância”, dizem. “O objectivo, para além de reactivar adega do Mestre Daniel, sempre foi o de promover a nossa aldeia e a grande tradição do vinho de talha, com mais de 2000 anos e que tem vindo a passar de geração em geração até aos dias de hoje. Acreditamos que o vinho de talha pode trazer uma nova vida a Vila Alva.”
Quando se lançaram, em 2018, não faziam a mínima ideia de como o mercado iria reagir. A “onda” do vinho de talha estava ainda no início, pelo que foi com algum receio que fizeram apenas sete ou oito talhas nessa vindima. No ano de 2022 vinificaram já em todas as 26 talhas da adega, enchendo 24 mil garrafas. A distribuição a nível nacional, feita pela Vinalda, tem vindo a dar também outra envergadura ao projecto.

Uvas, só da freguesia…

O perfil bastante clássico dos vinhos da XXVI Talhas exige uvas muito específicas desta sub-região da Vidigueira. O projecto assenta assim em algumas pequenas parcelas de vinha das famílias de Ricardo Santos e dos irmãos Parreira e também em uva comprada a viticultores locais. Quando digo locais, é locais mesmo. “Só queremos uvas da freguesia de Vila Alva”, acentua Ricardo Santos. “E apenas de vinhas antigas, não regadas, plantadas nas zonas de xisto e granito, com castas misturadas e enxertadas no local.” Um caderno de encargos que, apesar de tudo, não é difícil de cumprir, já que, por um lado, nos arredores de Vila Alva existem diversas vinhas com estas características; e, por outro, muitos pequenos viticultores da freguesia, de idade já avançada, veem no entusiasmo destes jovens uma forma de manter as suas parcelas. As castas são o mais tradicional possível: Antão Vaz, Perrum, Roupeiro, Diagalves, Manteúdo, Trincadeira, Aragonez, Tinta Grossa.

“A aceitação dos nossos vinhos e o interesse pelo nosso projecto têm sido fantásticos”, referem. “Para além do lançamento de vários vinhos e das visitas à adega, conseguimos em maio último organizar em Vila Alva o evento ‘Vinho na Vila’, com 32 produtores e 600 visitantes, cumprindo assim o nosso outro propósito: promover a nossa aldeia”.

Vinhas da Adega XXVI Talhas.

A paixão por Vila Alva, pela sua história e cultura, está presente em todas as conversas com os membros da XXVI Talhas. E não apenas nas palavras, também nas acções. “Quando recebemos clientes ou amigos na nossa adega tentamos sempre mostrar a aldeia e outras adegas onde se produz vinho de talha, mesmo que não seja para comercialização”, dizem-me. “Saber que em breve haverá mais produtores de Vila Alva, que vão passar a certificar e a engarrafar vinho de talha, ainda nos deixa mais orgulhosos e motivados. E ideias não nos faltam para continuar a fazer mais e melhor”.

O projecto da XXVI Talhas tem todos os ovos no mesmo cesto, ou seja, só produz vinho de talha, um vinho com perfil muito específico e para um nicho de consumidores especiais. Será arriscar muito? “Penso que não”, afirma Ricardo Santos. “Estamos optimistas com o panorama actual, com cada vez mais produtores e adegas a apostar nesta técnica. E a nível internacional vemos uma procura crescente por parte de um consumidor que procura vinhos genuínos e diferenciados. O interesse das pessoas em visitar as adegas tradicionais ajuda a consolidar tudo isto. Pela nossa parte, tudo faremos para que o vinho de talha não seja apenas uma moda, mas sim algo que possa fidelizar consumidores.” E, já agora, acrescento eu, trazer gente a conhecer Vila Alva. Sem esquecer que Vila Ruiva, tão linda, está mesmo ali ao lado…

(Artigo publicado na edição de Julho de 2023)

Geographic Wines: Uma entrada à la volée

geographic wines

O projecto Geographic Wines nasce da vontade de Nuno Morais Vaz em viver o mundo do vinho todos os dias de forma intensa. Quem o conhece, seja a fazer lotes, a acompanhar a vindima, ou a promover os seus vinhos, não fica com dúvidas, tanto é o seu entusiasmo. Quis o sentido da vida que […]

O projecto Geographic Wines nasce da vontade de Nuno Morais Vaz em viver o mundo do vinho todos os dias de forma intensa. Quem o conhece, seja a fazer lotes, a acompanhar a vindima, ou a promover os seus vinhos, não fica com dúvidas, tanto é o seu entusiasmo. Quis o sentido da vida que se juntasse a Daniela Matias, enóloga que, quando se conheceram, trabalhava no projecto Villa Oeiras, da responsabilidade da Câmara Municipal de Oeiras. Nuno e Daniela fazem o par dinâmico que suporta a criatividade da Geographic Wines, numa relação que se estende à a vida pessoal e familiar. Nuno é o mentor do projecto, faz dezenas de milhares de quilómetros por ano, tanto na busca das melhores vinhas, como na promoção entusiasta dos vinhos que concebe, desde os rótulos (bonitos, modernos e engraçados) aos lotes finais. Daniela acredita na ciência e no estudo, adora o trabalho da adega, mas sempre preferindo intervenções minimalistas. Ambos dizem que procuram criar vinhos únicos, tendo por base a autenticidade, a sustentabilidade social e ambiental, e a preservação e divulgação dos diferentes terroirs. Até aqui tudo muito bem… e, naturalmente, aplaudimos. Como aplaudimos também o facto de a empresa produzir vinhos em várias regiões do país, permitindo, assim, uma espécie de viajem dentro do país vitivinícola, mas com enfoque no Norte, mais concretamente na Bairrada, Douro e Vinhos Verdes.

geographic wines

Há cerca de um ano, provámos as primeiras edições dos vinhos, da colheita de 2021, criados por este jovem casal e centrados na marca Landcraft, um Sauvignon Blanc da Bairrada (de uma vinha próxima de Sangalhos) e dois Vinhos Verdes, um Alvarinho e um Loureiro. Esse trio repete-se agora na colheita de 2022, juntando-se ao portfólio a gama Lento — com um rótulo de belo efeito à semelhança de todos os produtos da empresa — na versão branco (surgirá um tinto que está a estagiar), e dois espumantes bairradinos, um branco e um rosé. Os Vinhos Verdes confirmaram as boas impressões da colheita anterior, apesar do ano difícil de 2022, com o Alvarinho, desta vez, em destaque. O Lento é produzido a partir de uvas de vinhas velhas, em field blend (com Rabigato, Síria, Folgazão, Viosinho, Malvasia, entre outras), de solos tendencialmente arenosos e com muito quartzo, e oferece uma versão duriense de um branco sofisticado e com patine (perfeito para fine-dining), a um preço muito ajustado. Todavia, foram mesmos os espumantes que deslumbraram, ambos a um nível muito alto, sendo a versão rosé absolutamente imperdível.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2023)

Lagoalva: Fernão Pires de primeira linha

Quinta da Lagoalva

A quinta possui cerca de 42 hectares de vinha (num total de 5.500 hectares com muitos outros cultivos e produções, desde cortiça a azeite, passando por cavalos), plantados junto ao rio Tejo e constituídos por uma grande variedade de castas, nacionais e mundiais. Como não poderia deixar de ser, dada a região onde está, as […]

A quinta possui cerca de 42 hectares de vinha (num total de 5.500 hectares com muitos outros cultivos e produções, desde cortiça a azeite, passando por cavalos), plantados junto ao rio Tejo e constituídos por uma grande variedade de castas, nacionais e mundiais. Como não poderia deixar de ser, dada a região onde está, as vinhas mais velhas são de Fernão Pires e têm cerca de 70 anos, sendo de destacar também as vinhas de Syrah, plantadas em 1984, das primeiras em Portugal. A longa tradição da Quinta da Lagoalva como produtora de vinho é atestada em 1888, na Exibição Portuguesa de Indústria, onde esteve presente com 600 cascos de vinho. Todavia, é mesmo a referida data de 1989 que consagra o primeiro registo como produtor engarrafador no IVV, então com a marca “Cima” (aliás, a propriedade girou muitos anos com a marca Lagoalva de Cima), com a primeira certificação atribuída pela Comissão Vitivinícola Regional do Tejo a ocorrer pouco depois, em 1992, então já como “Quinta da Lagoalva”. Mais de 3 décadas volvidas, e já com uma história significativa no universo vitivinícola português, elegeu 2023 como um ano de mudança. Essa mudança foi materializada, desde logo, no rebranding do logótipo e dos rótulos do seu portefólio de vinhos, que vão chegar ao mercado até ao final do ano, à medida que são lançadas novas colheitas. Actualmente, a produção de vinhos ronda as 650 mil garrafas, a representar cerca de 1,5 milhões de euros de faturação em 2022. As vendas em Portugal correspondem a 65% do negócio, sendo os restantes 35% alocados a mercados de exportação, com maior destaque para Alemanha, Bélgica, Brasil, China e Polónia.

Quinta da Lagoalva

A nova imagem foi desenvolvida pela agência portuguesa OM Design, em estreita colaboração com as equipas de enologia, comercial e enoturismo da Quinta da Lagoalva, num processo que demorou um ano a concretizar. Isso mesmo nos confirmou Pedro Pinhão, o actual coordenador de enologia do projecto que já leva 2 décadas ao serviço da Lagoalva, e que, desde há pouco tempo, beneficia da ajuda do jovem enólogo Luís Paulino. Os novos rótulos retratam a casa e palácio, e procuram homenagear o legado da icónica propriedade, com 830 anos de história e 660 hectares contíguos, e beneficiaram de contributos de toda a família (assumindo o legado histórico, os rótulos passaram a integrar a menção “Circa 1193”, data do primeiro registo da Quinta da Lagoalva).

A par deste rebranding foi lançado um vinho em estreia absoluta, nada menos nada mais do que um Grande Reserva Fernão Pires da colheita de 2021. As uvas deste Fernão Pires provêm da referida vinha velha com 70 anos, sujeitas a prensagem dos cachos inteiros, e fermentação em barricas usadas (de 2.º, 3.º e 4.º anos) de carvalho francês com capacidade 500 litros, nelas estagiando durante 12 meses com bâtonnage semanal durante 2 meses. A surpresa não vem propriamente do uso da casta, que é maioritária aliás na região, mas no facto de ser usada em estreme e logo posicionada como topo de gama, algo menos comum na região do Tejo, mas que é de aplaudir. Tanto mais que este lançamento se insere no âmbito do movimento de promoção desta casta, promovido pela Comissão Vitivinícola Regional do Tejo, a nível nacional e internacional, movimento que se aplaude com entusiasmo.

Foi também tempo de conhecermos as novas de parte do portefólio do produtor, caso dos colheitas do Lagoalva branco, rosé e tinto; Lagoalva Sauvignon Blanc; Lagoalva Reserva branco e tinto (ambos bi-varietais). Revelaram-se todos muito atraentes, sendo de destacar uma clara tendência para redução do álcool (vários vinhos abaixo dos 12%) e maior percepção da acidez (com uma excepção, todos os vinhos acima dos 6 g/L), aspectos que muito nos agradaram, e que revelam a atenção do produtor às novas tendência de consumo.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2023)

Dos Santos: Um novo player no Vinho do Porto

Dos Santos

Criar uma empresa de Vinho do Porto é uma aventura difícil de concretizar, face às exigências legais, em termos de stock obrigatório de 75 000 litros. Se juntarmos a isso a necessidade de criação de entreposto alfandegário e os efeitos da lei do terço que só autoriza que se comercialize por ano um terço do […]

Criar uma empresa de Vinho do Porto é uma aventura difícil de concretizar, face às exigências legais, em termos de stock obrigatório de 75 000 litros. Se juntarmos a isso a necessidade de criação de entreposto alfandegário e os efeitos da lei do terço que só autoriza que se comercialize por ano um terço do que se tem em stock, percebe-se que o investimento inicial é tremendo e isso tem sido um factor impeditivo do surgimento de novas empresas no sector. Por tudo isto, é sempre uma boa notícia o anúncio de um novo operador. Alexandre Botelho é então o rosto desta nova empresa e o negócio faz-se, como referiu, “pelos contactos com produtores da região e com o recurso a uma adega em Alijó onde, em prestação de serviços, conseguimos vinificar, estagiar, lotar e engarrafar os vinhos.” Neste momento o stock contempla cerca de 60% vinho tinto e o resto, branco. Como ainda não dispõe de entreposto, Alexandre usou as instalações e o entreposto da Quinta do Portal para poder começar a comercializar. A situação é provisória e de horizonte curto já que, refere, “sei que dentro de, no máximo, um ano, tenho de ter tudo regularizado”. A procura de armazém continua, entretanto, mas se vai ser em Gaia ou no Douro ainda não está definido. E as chamadas “dores de crescimento” já por aqui deram sinais, porque na vindima de 2022, confessa, “vou ter 15000 litros e vou precisar desesperadamente de local onde possa ter tudo. Já é muita coisa!”

 

O foco da nova empresa são os vinhos das gamas de entrada, Tawny e Ruby, Tawny com indicação de idade e Late Bottled Vintage. O Vintage surgirá a seu tempo.

Dos Santos
O foco da nova empresa são os vinhos das gamas de entrada, Tawny e Ruby, tawnies com indicação de idade e Late Bottled Vintage; como nos disse, o Vintage surgirá a seu tempo e neste momento apenas o LBV foi apresentado.
A marca teve origem no séc. XIX, quando Joaquim Ferreira Pinto decidiu criar uma empresa de Vinho do Porto tendo em vista o abastecimento do mercado brasileiro. O nome Dos Santos era o apelido de sua mulher. O negócio foi depois continuado pelos descendentes, não da melhor forma e chegados a 1920 coube a uma descendente, Margarida dos Santos, pôr ordem no caos, liquidar as contas e vender a empresa. No Dicionário Ilustrado do Vinho do Porto a empresa é omissa, tal como a marca emblemática que se vendia no Brasil – Dona Othilia – que ilustra este texto.
Foi em 2022 que Alexandre Antas Botelho, bisneto de Margarida dos Santos, recriou a marca Porto dos Santos. Sem vinhas e sem stock de família, só com muita vontade de continuar uma tradição familiar. Alexandre não esconde que “sou filho da região, o Douro é a minha prioridade e esta empresa é tudo o que tenho, não é um assunto acessório”, como que a sublinhar o empenho total neste projecto. Alexandre assume-se como enólogo e blender e tem a apoiá-lo um amigo de longa data e com créditos firmados no sector do vinho do Porto, Jaime Costa que, actualmente é técnico na Vasques de Carvalho e foi durante anos o enólogo da Burmester. Por ora, não está no negócio dos DOC Douro e na apresentação do projecto, para além dos vinhos agora lançados, provaram-se três lotes de Porto com origem em três zonas diferentes – Valdigem, Tedo (ambos margem esquerda e letra A) e Roncão, também letra A mas margem direita. A ideia era ensaiar um lote, partindo-se das diferenças de estilo de cada um dos vinhos. No fundo, uma brincadeira que procura reproduzir a tarefa do master blender que, tentativa após tentativa, tem de, em primeiro lugar, encontrar o equilíbrio do lote final e, em segundo, fazer com que esse lote corresponda depois ao “estilo da casa”, algo que no caso da Porto dos Santos é ainda um work in progress.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2023)

Trois: 1, 2, 3, Setúbal nasce outra vez

Trois Setúbal

Filipe Cardoso, Luís Simões e José Caninhas são os Trois, e querem mudar o Mundo. Pode não ser o Mundo inteiro, mas o mundo onde nasceram, cresceram e hoje trabalham: a Península de Setúbal. Além de uma amizade bonita, à qual a enternecedora diferença de idades confere carácter, o trio partilha uma visão muito única […]

Filipe Cardoso, Luís Simões e José Caninhas são os Trois, e querem mudar o Mundo. Pode não ser o Mundo inteiro, mas o mundo onde nasceram, cresceram e hoje trabalham: a Península de Setúbal. Além de uma amizade bonita, à qual a enternecedora diferença de idades confere carácter, o trio partilha uma visão muito única para os vinhos locais, sobretudo os não-fortificados, campo onde acredita haver potencial para se fazer muito melhor do que o ”bom vinho a bom preço” por que afina grande parte da região. E esta não é uma visão qualquer, mas sim a de três enólogos que falam com propriedade e que fazem, ou já fizeram, parte das equipas técnicas (e das famílias, nalguns casos) de importantes casas da Península de Setúbal, como Quinta do Piloto, Casa Horácio Simões, Quinta Brejinho da Costa ou Sociedade Vinícola de Palmela.

É convicção dos Trois que a região pode produzir, utilizando as vinhas certas e combinando de forma inteligente os métodos tradicionais e ancestrais com o conhecimento científico de hoje, grandes vinhos brancos e tintos, capazes de resistir ao teste do tempo e que espelhem verdadeiramente o carácter da Península de Setúbal e dos vários terroirs que a caracterizam. Para o comprovar, o primeiro vinho da Trois – Vinhos com Identidade, um Castelão de 2015, foi lançado em 2016, e a partir daí, ninguém os parou. O foco do projecto é, precisamente, esta casta tinta e a branca Fernão Pires, e também nas vinhas velhas, dos próprios e de viticultores com quem o trio mantém estreita relação. Estas estão localizadas em diferentes zonas e terroirs da região, desde as areias de Palmela às de Melides, passando pelos solos argilosos e calcários da Arrábida, mas, porque nem tudo é tão linear assim, e como explica Filipe Cardoso, “as zonas de transição também existem”, e algumas destas vinhas situam-se precisamente nesses locais.

Trois Setúbal

Agora, saem para o mercado mais três vinhos, as novas colheitas dos dois DOC Palmela Trois Curtimenta Fernão Pires e Trois Castelão, de 2021 e 2018, e um Moscatel Roxo de 2017, da marca de “entrada” Flor de Trois. O Fernão Pires (vinha com 40 anos), fermentado em lagar com curtimenta total e estagiado 12 meses em barricas de carvalho francês usadas, é o resultado da convicção destes enólogos de que a casta atinge o seu auge quando sujeita a vinificações mais tradicionais. Mas com uma advertência. “Um branco de curtimenta não tem de ter características de oxidação e cor dourada. Temos a sensação de que a generalidade das pessoas acha que é assim que deve ser um branco deste tipo, mas acreditamos que a curtimenta, como os nossos antepassados faziam, pode conferir coisas positivas e que não são necessariamente essas”, sublinha José Caninhas. O Castelão, de vinhas velhas, fermenta também em lagar e estagia um ano em barricas de carvalho francês usadas, e 6 meses, no mínimo, em garrafa. No copo, consegue-se sentir o seu lado clássico vinoso, mas num perfil de elegância e precisão que se coaduna com as exigências do mercado moderno. Era esse o objectivo com este vinho, e foi indubitavelmente cumprido. O Moscatel Roxo de Setúbal, por sua vez, vem responder à necessidade de um vinho deste género na gama Flor de Trois, com preço competitivo mas, de acordo com o trio, a mostrar alguma complexidade e sem se cair na tentação (frequente) de carregar na doçura.

Ao assistir à dinâmica entre os três enólogos, percebe-se que são pessoas muito diferentes, unidas por uma causa, e é isso — além dos excelentes vinhos que têm colocado no mercado, obviamente — que dá graça ao grupo. José Caninhas, uma década mais novo do que Filipe e Luís e com passado no sector agro-alimentar, assume-se como “rato de laboratório” e é nele que encontra conforto. A par disso, curiosamente, é através das emoções que sente os vinhos e admite que estes podem transportar-nos para locais e momentos específicos, “como a casa dos avós”. O copo do laboratório é o seu melhor amigo, e é neste que mais gosta de provar os vinhos. Por outro lado, Luís Simões imprime no grupo uma componente enológica “pura e dura”, fala sem rodeios e com a experiência que acumulou ao longo de anos na área. Já Filipe Cardoso harmoniza em si os dois lados, cruzando a experiência com a emoção, o que resulta no sorriso e boa disposição que apresenta onde quer que vá. Todos concordam: “Tentar dar o exemplo numa região, tem tanto de duro como de gratificante…”.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2023)

Graham’s: Os Terraços de Pedra

Graham´s

A Quinta de Malvedos fica localizada no Cima Corgo, perto do rio Tua e já muito próximo do limite da sub-região, ou seja, já a chegar ao Douro Superior. A quinta dispõe de adega própria, com lagares robóticos onde são vinificadas as uvas desta e da quinta do Tua que lhe fica bem perto. A […]

A Quinta de Malvedos fica localizada no Cima Corgo, perto do rio Tua e já muito próximo do limite da sub-região, ou seja, já a chegar ao Douro Superior. A quinta dispõe de adega própria, com lagares robóticos onde são vinificadas as uvas desta e da quinta do Tua que lhe fica bem perto. A proximidade entre a vinha e a adega é uma excelente oportunidade para poder vindimar exactamente quando se pretende e ter assim a certeza de que as uvas chegam à adega em minutos. Muitos enólogos continuam a defender a vantagem da pisa a pé sobre os lagares robóticos, mas não é o caso de Charles Symington que está muito satisfeito com os resultados e, inclusivamente, nos diz que “nem percebo como é que não há mais quintas a adoptar este método”.

 

The Stone Terraces identifica as parcelas da quinta que estão implantadas em terraços, cuja origem remonta ao séc. XVIII e que foram reconstruídos na era pós-filoxera. Uma delas, chamada de Port Arthur é constituída por duas parcelas, uma orientada a nascente e outra a poente e a vinha dos Cardenhos, virada a norte. Ao todo as duas parcelas ocupam 3ha. Na edição de 2021 este vinho representou apenas 2% da produção da quinta. Charles diz-nos que, enquanto lavrador, bem gostaria de produzir mais, mas a vinha “não dá” e isto apesar de, acrescenta, terem sido incorporadas este ano uvas de três novas castas ali plantadas: Alicante Bouschet, Sousão e Touriga Francesa. O plantio mais antigo nestes terraços remonta aos anos 90 do século passado.
Em todas as declarações do Vintage The Stone Terraces, a opção da empresa tem sido por colocar no mercado apenas uma quantidade relativamente pequena. Da edição de 2021 fizeram-se 4800 garrafas. Do 2017 foram produzidas 6360 garrafas, Portugal absorveu 32% desta quantidade. Em 2016 fizeram-se 4200 garrafas e em 2015 4800. Na primeira edição, em 2011, foram produzidas apenas 3000 garrafas. O mercado nacional é um muito importante “cliente” deste que é o mais exclusivo e caro Vintage da família Symington.
O entusiasmo em torno desta prova era grande, já que, como nos disse Charles, “nunca se fez uma vertical deste The Stone Terraces e cremos que, com 10 anos de vida, já dá para ficar com uma ideia clara do perfil destes vinhos” e, em jeito de conclusão não teve dúvidas em afirmar que “este vinho é a celebração de tudo o que é Malvedos, funciona como uma espécie de homenagem ao Douro de antigamente”.
O ano de 2021 não foi declarado com Vintage clássico pela Graham’s porque, como disse Charles, “não conseguimos na generalidade das quintas a qualidade e concentração que se exigem e um ano clássico”.
No que à prova vertical do Graham’s The Stone Terraces respeita, ficámos com uma noção clara da singularidade e qualidade desta vinha. Assim, o 2011 mostrou à evidência o ano em que nasceu, concentrado, cheio de força, um Vintage de longa duração, pleno de carácter (19); já o 2015 revelou fruta madura, tanino fino, enorme frescura ácida, dá imenso prazer a beber desde já (19); bem diferente o 2016, químico, austero, repleto de fruta negra e chocolate amargo, sisudo, ainda por desenvolver (19); finalmente, o penúltimo a chegar ao mercado, 2017, revelou-se denso na fruta, groselha preta e amoras, austero e químico, algo fechado, a revelar uma estrutura de taninos muito firme dizendo que ganhará muito em cave. Com o 2021 que apresentamos em separado, estes Vintage formam um quinteto de excelência, que faz justiça ao honroso nome da Graham’s e da Quinta de Malvedos.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2023)