Trois: Um projecto de amigos, a sério e com risos à mistura

Os protagonistas desta história são três amigos de longa data: Filipe Cardoso, Luis Simões e José Caninhas, por ordem de idades, do mais velho para o mais novo. O mais novo, à parte menos uma década de idade, possui uma diferença fundamental para os outros dois sócios: José Caninhas não tem vinha nem tem grande […]

Os protagonistas desta história são três amigos de longa data: Filipe Cardoso, Luis Simões e José Caninhas, por ordem de idades, do mais velho para o mais novo. O mais novo, à parte menos uma década de idade, possui uma diferença fundamental para os outros dois sócios: José Caninhas não tem vinha nem tem grande histórico nessa área. Ao contrário, Filipe e Luis nasceram com as vinhas e cresceram a ouvir o jargão próprio da vitivinicultura. Os antepassados eram – e são – produtores de vinhos e sempre se mostraram interessados no tema. Sempre mostraram interesse em provar outros vinhos, outras realidades. Incluindo a nível internacional. “Os nossos pais viajaram muito a conhecer novas regiões e novos vinhos, incluindo para Bordéus. E nós íamos também, desde miúdos”, avança Luis Simões. De tal maneira que, quando estes jovens foram para a universidade, um para França e outro para Itália, estavam já familiarizados com muitas práticas. Caninhas, filho de professores, estudou em Santarém, na Escola Agrícola. Mas, como cresceu em Alcochete, sempre este ligado ao campo. E teve uma passagem pela gestão agrícola, onde conheceu muitos dos bons e grandes produtores de vinho nacionais, em todas as regiões. Temos por isso três escolas enológicas diferentes.

Hoje, Luis Simões faz, entre outros, os vinhos da empresa familiar Casa Agrícola Horácio Simões. Filipe Cardoso gere a Quinta do Piloto, também familiar. Caninhas trabalha com Filipe tanto na Quinta do Piloto como na Sivipa, uma empresa mais dedicada aos vinhos de grande consumo. Além da amizade profunda que os unem, os três têm outra coisa têm em comum: uma ideia própria de vinho que nem sempre se coaduna com aquilo que a região aparenta mostrar aos enófilos. “Também não queríamos traçar o mesmo caminho que a região”, garante Filipe, que acrescenta: “a nossa região é não muito rica em diferentes terroirs (serra e areias, por exemplo), como em castas típicas, casos do Castelão, Fernão Pires e Moscatel”. Ora, os “Trois” assistiam com pena à cada vez maior importação de castas estrangeiras para a Península de Setúbal. “Acho que se esteve a perder um pouco a identidade da região, embora reconheça que o caminho parece estar agora a mudar”, continua Filipe Cardoso. Na mente deles, alguma coisa teria de ser feita. E foi Luis Simões foi quem lançou o desafio aos amigos nesse famoso almoço.

No meio de um belo robalo com arroz de lingueirão, provavam um belíssimo Castelão de 2015 acabado de fermentar de um lote de vinhos das adegas respectivas. E os três puseram-se a imaginar o que fariam para tornar o vinho ainda melhor. Cada um tinha a sua opinião e, em vez de discutirem, decidiram avançar, repartindo o vinho entre os três. A seguir fariam um lote comum. “Cada um fez a sua interpretação do vinho e decidiu de acordo com isso”, diz-nos Luis Simões. O vinho tinha Castelão da Serra da Arrábida (do Horácio Simões) e outro das areias do Poceirão, das vinhas familiares da família Cardoso. “Um dá mais frescura e aroma mais elegante (o da serra), o outro mais concentração (o das areias)”, adianta Filipe. O da Quinta do Piloto foi vinificado em ânforas argelinas, sistema típico da casa, o de Luis Simões foi feito em lagares. Depois cada um dos três escolheu a barrica para onde iria o vinho e depois preparou-o para o lote final, em iguais percentagens. Nasceu assim o primeiro Trois, nome da marca, feito de apenas 3 barricas. Este vinho serviu também para marcar uma posição na região, dominada por produtores de grande envergadura. “Queríamos provar que também há lugar para os pequeninos, para vinhos de boutique, que puxem a região para cima”, afirma Filipe Cardoso. Ou seja, uma espécie de contra-corrente. E ao mesmo tempo ir buscar a essência da região, que em tempos tinha também um bom número de vinhos de guarda.

Considerando que ambas as casas agrícolas suportam, nem que seja logisticamente e na produção, o empreendimento Trois, não deixa de ser curiosa a forma como as respectivas famílias aceitaram esta aventura dos seus filhos. José Caninhas, que está de fora, diz que foi muito bem aceite, considerando-a “um complemento às respectivas casas e uma contribuição para algo maior”.

Nascem novos elementos

O primeiro Trois foi um sucesso incluindo a nível comercial. Logo a seguir nasceu o 2016, mas ainda não está no mercado. Na colheita de 2018 os três amigos decidem levar o projecto mais adiante, preparando um branco de Fernão Pires com curtimenta, aqui provado quase em exclusividade. A técnica de curtimenta era tradicional na região e a única coisa que os ‘Trois’ mudaram foi a vinificação com controlo de temperatura. “Não é consensual, mas não queremos que seja”, diz José Cainhas. Faltava a terceira componente típica da região, o Moscatel de Setúbal. E nasceu o Intemporal I, um fabuloso Moscatel Roxo, criado com vinhos das duas casas.

Ao mesmo tempo, Filipe, Luis e José decidem criar uma segunda marca. Nasceu assim a marca Flor de Trois, com vinhos menos ambiciosos e bem mais acessíveis de preço, mas sempre com castas nacionais e típicas da região.

Até agora, os Trois foram feitos com uvas das casas de Filipe e Luis. Mas isso não significa que assim tenha de ser sempre: “se identificarmos na região uma ou mais vinhas que valham muito a pena, pois poderemos trabalhar com essas uvas”, garante Filipe. E Luis acrescenta: “este é um projecto independente, não é um prolongamento da Casa Horácio Simões ou da Quinta do Piloto”. E José dá também uma achega: “aqui a liberdade é total, não temos conselhos de administração ou contas a prestar a ninguém, excepto a nós próprios”. Filipe acrescenta numa gargalhada: “e não há directores financeiros: aqui podemos torrar o dinheiro todo à vontade”. Isto não passa de galhofa, porque todos os três gerem projectos e já deram mostras que o sabem fazer. Estes vinhos são muito caprichados, é verdade, cheios de cuidados a nível de produção e na vestimenta. Os rótulos, por exemplo, são de pasta de papel com cor, ao contrário dos normais rótulos de papel, feitos industrialmente.

De resto, é apenas preciso que o projecto seja sustentável, para haver dinheiro para pagar as uvas, comprar barricas e quaisquer outros produtos ou serviços necessários. O José Caninhas, dizem os sócios, é quem tem os pés mais assentes na terra e quem puxa às vezes os dois sonhadores à realidade. “Nós gostamos é de fazer vinho, o que está para lá é mais complicado”, reconhecem Filipe e Luis a rir. De tal maneira que ambos não sabem sequer se o restaurante onde surgiu esta associação tem os vinhos Trois. Mas garantem que vão investigar.

O projecto Trois é isso mesmo: um projecto em construção. Os três amigos ficam contentes com isso, até porque vão ganhando experiências que, de outro modo, seriam difíceis de conseguir. E mantêm a identidade da região. O mote da empresa, inscrito nas garrafas, diz assim: “honrar a memória e o trabalho”. Neste aspecto, termina assim Filipe: “respeitamos demasiado os nossos antepassados para querermos ser agora os únicos donos da razão”.

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Edição nº 34, Fevereiro de 2020

Trás-os-Montes: O carácter das montanhas, vales e planaltos

Paradoxalmente, a denominação de origem mais recente em Portugal, tem uma história vitivinícola milenar impressa nas rochas em forma de lagares rupestres espalhados pela região, testemunhas dos tempos romanos e pré-romanos. Uma região maravilhosa, isolada do mundo pelas cadeias montanhosas, escondida nos vales, estendida nos planaltos, está à espera de ser descoberta. TEXTO Valéria Zeferino […]

Paradoxalmente, a denominação de origem mais recente em Portugal, tem uma história vitivinícola milenar impressa nas rochas em forma de lagares rupestres espalhados pela região, testemunhas dos tempos romanos e pré-romanos. Uma região maravilhosa, isolada do mundo pelas cadeias montanhosas, escondida nos vales, estendida nos planaltos, está à espera de ser descoberta.

TEXTO Valéria Zeferino
FOTOS Mário Cerdeira

Se “é mais difícil ir ao Meão do que a Luanda”, como dizia Fernando Nicolau de Almeida, Trás-os-Montes deve-se comparar ao fim do mundo, pelo menos, português. É uma região selvagem e apaixonante com características ímpares e algumas surpresas no futuro mais próximo.
O seu nome é autoexplicativo. É a única região com verdadeira viticultura de montanha em termos edafoclimáticas, sendo toda formada por estruturas montanhosas de 350 a 650 metros de altitude. Tem um clima de fortes contrastes. Regista amplitudes térmicas das mais pronunciadas no país, que permitem um amadurecimento mais lento, com tempo suficiente para desenvolvimento de precursores aromáticos e menor degradação dos ácidos.

Atrás dos Montes

A distância do mar reforçada pela barreira montanhosa do Gerês, Cabreira, Alvão e Marão (todas com altitude de mais de mil metros) que criam uma protecção das influências atlânticas, aumentando continentalidade de Oeste para Este. Com base nos dados recolhidos nas estações climatológicas de Chaves e Miranda do Douro, o clima transmontano classifica-se como temperado, com noites muito frias e seca moderada.

Os concelhos situados ao longo da fronteira nordeste com Espanha – de Vinhais, Bragança, Vimioso, Miranda do Douro e Mogadouro fazem parte da “Terra Fria” com verões menos quentes, ao contrário da “Terra Quente” com temperaturas de verão superiores. A região é constituída por três sub-regiões com condições bem distintas: Chaves, Valpaços e Planalto Mirandês.

A sub-região de Chaves é delimitada pela fronteira com Espanha a norte e rodeada pelas serras montanhosas: do Larouco (com altitude máxima de 1525 metros) e do Barroso a noroeste (1279 metros), da Cabreira (1261 metros) a Oeste, do Alvão (que é um prolongamento para norte da Serra do Marão) a Norte e da Padrela a Sudeste. É atravessada pelo rio Tâmega e as vinhas situam-se nas encostas de pequenos vales, correndo em direcção ao rio.

O mesoclima é o mais chuvoso das três sub-regiões, dada a menor continentalidade, moldado sobretudo pelas montanhas, e caracteriza-se pelos invernos longos e rigorosos e verões curtos e quentes. Bastante humidade no Inverno e Primavera é propícia a geadas primaveris, pelo que alguns produtores vêem-se obrigados a investir em soluções anti-geada. Os solos, maioritariamente graníticos (com algumas manchas xistosas) com baixa fertilidade e uma boa drenagem promovem o stress hídrico necessário para maturações equilibradas. A vegetação abundante de castanheiros, carvalhos e pinheiros, com elevada transpiração, aumenta a humidade relativa face à restante região.

A sub-região de Valpaços fica na diagonal entre Bragança e Vila Real. É circundada pela serra da Coroa a Norte, da Padrela a Oeste, de Bornes a Sudeste e Nogueira a Este. Nas encostas dos rios Tua, Rabaçal e Tuela que atravessam a região, proporcionam-se microclimas favoráveis a boas maturações. De um modo geral, nesta sub-região as temperaturas durante o verão são mais elevadas e os valores de humidade relativa e de precipitação inferiores. Esta sub-região ainda “apanha” três sub-zonas diferentes. A Terra Fria, mais a Norte, nas cotas mais altas de 600 metros de altitude com pluviosidade elevada e solos mais graníticos. Adapta-se bem à produção de vinhos brancos. Mais a Sul, menor altitude, de 350-400 metros, declives pouco acentuados e predominância de solos xistosos que aquecem mais diminuindo as amplitudes térmicas. Tem pouca vegetação e regista precipitação mais moderada com fortes incursões de calor. É o domínio da Terra Quente. Entre estas duas fica uma zona de transição, de altitude intermédia. Estas duas zonas são conhecidas pelas condições para produzir grandes vinhos tintos.

O Planalto Mirandês é a sub-região que fica no Nordeste do país, com a continentalidade mais pronunciada. A Norte é limitado pela fronteira com Espanha, a Este pelo rio Douro intenacional e a Oeste pelo rio Sabor. Como o próprio nome indica, abrange uma boa parte planáltica da Terra Fria nas altitudes de 350 a 600 metros e solos maioritariamente xistosos. As zonas mais quentes situam-se mais a Sul nas arribas do Douro internacional. Os planaltos caracterizam-se pelos ventos bastante fortes, o que, conjugando com a baixa pluviosidade (precipitações praticamente nulas durante a fase activa do ciclo vegetativo) faz com que as doenças criptogâmicas da videira não se instalam. Naturalmente baixa necessidade em tratamentos, promove condições para agricultura biológica.

Para além da muita vinha velha plantada tradicionalmente em taça, aqui é praticada uma forma própria de condução chamada cabeça de salgueiro. Segundo, Luís Sampaio Arnaldo, da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte, profundo conhecedor da região, é uma condução baixa a 30 cm com 4-5 talões pequenos. O cacho fica “resguardado no interior da videira”, evitando escaldões, sendo protegido do “vento que levanta por volta das 11 da manhã”, e curiosamente, também da humidade. O orvalho de manhã fica fora da planta e por dentro os cachos mantêm-se secos.

Um bom estado sanitário das vinhas, exige poucos ou nenhum tratamento. Por isto não é de estranhar que de acordo com os dados mais recentes da Direcção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural “a vinha em agricultura biológica tem a sua maior expressão em Trás-os-Montes, correspondendo a sua superfície a 1.246ha, cerca de 36% da área total”. Depois seguem-se a região do Alentejo com 28% e da Beira Interior com 21%.

Multiplicidade de microclimas

Falando de Trás-os-Montes, não podemos esquecer que os factores de altitude, declive, exposição, proximidades dos rios, distância e maior ou menor protecção da influência atlântica, diferenças em composição de solos, criam uma multiplicidade de meso e microclimas que vão muito para além das três sub-regiões. Sabemos que a altitude é o factor que mais condiciona o clima das montanhas uma vez que a temperatura desce com a altitude, em média, cerca de 0,65˚C por cada 100 metros. Para além disto, as cadeias de montanhas interferem com a circulação atmosférica, determinando também circulações próprias entre os vales e as elevações adjacentes através dos ventos catabáticos (descendentes) e anabáticos (ascendentes) que acabam por modificar o mesoclima.

Os valores de precipitação podem variar significativamente em função de continentalidade e topografia. Aumenta à medida que vamos subindo do nível do mar para as zonas montanhosas do litoral, a partir das quais desce drasticamente nos vales encaixados do interior. Sobe novamente à medida que a altitude vai aumentando na montanha seguinte para depois descer no próximo vale, dependento, no entanto, das respectivas altitudes. No que respeita à distribuição das médias das temperaturas máximas e mínimas, nas cadeias montanhosas muitas vezes acontece o fenómeno das inversões térmicas, quando se registam temperaturas mais altas numa zona de maior altitude e mais baixas numa zona adjacente de menor altitude.

Castas

De acordo com os dados do Instituto da vinha e do Vinho (IVV) de 2018 a vinha ocupa em Trás-os-Montes 13.539 hectares. Para a DO Trás-os-Montes são permitidas 15 castas brancas e 17 tintas, mais o Moscatel Galego Roxo na sub-região de Chaves. Para o vinho regional (IG) Transmontano são também autorizadas as castas internacionais como Chardonnay, Chasselas, Gewürztraminer, Riesling, Sauvignon Blanc, Pinot Noir e Syrah, por exemplo.

A casta mais plantada na região é a omnipresente Tinta Roriz (2.189 ha), dispersa em todas as três sub-regiões. Prefere climas quentes e secos e solos bem drenados. Precisa de grandes amplitudes térmicas como em Espanha na Ribeira del Duero, e em Portugal nem sempre as tem, o que explica a sua variabilidade qualitativa. A segunda casta mais plantada é a Tinta Amarela (1.343 ha). É bastante produtiva, de maturação média, acumula bem os açúcares, mantendo bom nível de acidez e de cor. É necessário controlar o seu vigor e rendimento. Com os cachos muito compactos é especialmente sensível ao oídio e precisa de um sítio bem arejado. Apresenta um bom e regular potencial qualitativo e, segundo Luís Sampaio Arnaldo, é das castas que mais resiste ao aquecimento. É plantada nas três sub-regiões, com mais incidência em Valpaços, onde é conhecida como “Negreda”, provavelmente por causa da intensidade cromática, comparativamente com as castas como Bastardo, Marufo, Cornifesto e Tinta Carvalha.

A terceira casta mais plantada é exclusiva da sub-região do Planalto Mirandês onde ocupa 1.296 ha. Chama-se Tinta Gorda (ou só Gorda), devido ao bago bastante grande. É medianamente produtiva e o seu potencial qualitativo é regular. Possui baixo potencial alcoólico (dificilmente chega as 11%) e acidez média. Não dá muita cor e apresenta aroma simples de frutos vermelhos. É muito provável que tenha vindo do Noroeste de Espanha, onde é conhecida como Juan García. Entretanto, Luís Sampaio Arnaldo diz que há dois tipos desta casta, sendo um deles com bagos mais pequenos. Touriga Nacional (1.169 ha) e Touriga Franca (973 ha) são bastante populares em Trás-os-Montes e encontram-se em todas as três sub-regiões. Bastardo, de ciclo curto e muito precoce, sendo vindimado cedo, acaba a fermentação alcoólica e maloláctica na adega antes do inverno. Também é plantado em todas as três sub-regiões. Nas vinhas velhas há muita Baga com a alcunha local “Bastardo de Leiria”. Esta dá-se melhor na mais fresca e menos seca sub-região de Chaves.

As castas brancas mais representativas da região são Viosinho, Gouveio, Códega do Larinho, Rabigato, Malvasia Fina e Fernão Pires. Os vinhos brancos são maioritariamente de lote. Viosinho é de génese transmontana, encontra-se dispersa pelas vinhas velhas. O facto de ser pouco produtiva e com rendimentos muito baixos explica a sua popularidade reduzida. Ultimamente tem vindo a ser mais valorizada pelo excelente equilíbrio entre açúcar e acidez, proporcionando vinhos estruturados e encorpados. É regularmente lotada com outras castas, para acrescentar acidez e riqueza aromática. Gouveio foi durante anos foi catalogada erradamente como Verdelho, o que conduziu a algum desacerto entre as duas nomenclaturas.

É uma casta produtiva e relativamente temporã, medianamente generosa nos rendimentos. Sendo naturalmente rica em ácidos, proporciona vinhos frescos e vivos com bom equilíbrio entre acidez e açúcar e aromas citrinos com notas de pêssego e anis. Códega do Larinho é bastante aromática a expressar-se com sugestões intensas de fruta tropical e flores e, desde que seja vindimada no tempo certo (com 11-11,5% de álcool provável), é capaz de dar bom resultado. Síria, de polpa rija e suculenta, produz vinhos com intensidade de aroma média e com um bom equilíbrio entre álcool e acidez. Rabigato, de origem duriense, resulta em vinhos aromaticamente complexos, sugerindo notas de acácia e flor de laranjeira com apontamentos vegetais. Confere uma acidez penetrante e óptima estrutura. Enriquece vinhos de lote e pode ser vinificada em extreme. Recentemente, a Comissão Vitivinícola Regional de Trás-os-Montes (CVRTM) propôs alterações à lista das castas autorizadas, proposta que se encontra em apreciação no IVV.

Abrir para o mundo

Para além das condições climatéricas, o isolamento da região transmontana do resto do país e a dificuldade de comunicações (basta lembrar a existência da segunda língua oficial em Portugal – Mirandês) também contribuíram para a difusão da vinha nas suas terras – para beber vinho, o agricultor teve que o produzir. Praticamente todo o vinho produzido consumia-se dentro da região. Era bastante rústico, não correspondia aos gostos refinados de hoje e dificilmente competia com os vinhos mais sofisticados produzidos noutras regiões.
O reconhecimento da Denominação de Origem (DO Trás-os-Montes) e IG Transmontano, em 2006, deu um novo impulso à região. Segundo Ana Chaves, da CVRTM, “a aposta na promoção e comunicação tem resultado num aumento significativo do volume de exportação, sendo que aproximadamente 15% do vinho produzido na região é exportado para 17 diferentes países, sendo Brasil, França, Suíça, Alemanha e EUA os principais”. Segundo aos dados da CVRTM o vinho certificado corresponde a cerca de 3 milhões de garrafas por ano, sendo aproximadamente 70% de vinho tinto e 30% de vinho branco.

Estão presentes 120 marcas transmontanas no mercado e já existem produtores de vinhos com qualidade impressionante (e a nossa Grande Prova confirma isso mesmo), como a Costa Boal Family Estates, a Quinta de Arcossó, a Valle Pradinhos, a Valle de Passos, a Quinta Serra d’Oura, ou Quinta do Sobreiró, só para nomear alguns. São competentes e dinâmicos, capazes de projectar a imagem da região noutra dimensão, criando valor e notoriedade. Não faltam, pois, as condições para produzir vinhos autênticos e com carácter diferenciador. Agora é preciso ganhar o reconhecimento por parte dos enófilos e consumidores. Depois da nossa prova, estou certa de que a região de Trás-os-Montes ainda vai dar que falar.


 

Lagares Rupestres: regresso ao futuro

No concelho de Valpaços encontra-se a maior concentração (mais de uma centena) de lagares rupestres em Portugal. São de diferentes formas – rectangulares, quadrados e até circulares – escavados em maciços graníticos, mais predominantes em freguesias onde houve uma maior ocupação romana, como Santa Valha. Segundo o professor geólogo Adérito Medeiros Freitas, autor do livro “Lagares Cavados na Rocha”, os lagares “na generalidade, são romanos” e os mais antigos poderão reportar há dois mil anos ou mesmo a mil antes de Cristo”.
Sem dúvida é um grande legado histórico, um património que uma vez identificado não pode retornar ao esquecimento. Por isso já há 2 anos fazem-se os ensaios de produção de vinhos desta forma ancestral – confidenciou Ana Chaves, da CVRTM. Em 2016 realizou-se a primeira colheita de 600 garrafas e em 2018 foi repetida a experiência. Já foi preparada a documentação para certificação dos vinhos feitos em lagares rupestres e, brevemente, a história da região poderá conhecer o seu futuro.

Colheita Tardia: Uma vindima muito especial

Artigo publicado na edição nº 33, Janeiro 2020 O tempo normal das vindimas já lá vai há muito, mas eis os trabalhadores na vinha. E tesouras. E caixotes que se enchem de uvas. Os últimos meses do ano são a época dos Colheita Tardia, vinhos delicados e doces que nascem da anacrónica simbiose entre tempo […]

Artigo publicado na edição nº 33, Janeiro 2020


O tempo normal das vindimas já lá vai há muito, mas eis os trabalhadores na vinha. E tesouras. E caixotes que se enchem de uvas. Os últimos meses do ano são a época dos Colheita Tardia, vinhos delicados e doces que nascem da anacrónica simbiose entre tempo frio e húmido, fungos cinzentos e muita sabedoria. Chamam-lhe podridão nobre.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Gomez

Se o saudoso Vasco Santana, actor incontornável das comédias portuguesas dos anos 1930 e 40, estivesse aqui, não deixaria de saudar esta visão com a adaptação livre de uma das suas mais famosas falas no filme “A Canção de Lisboa”: “Esta planta está muito doente!” E tem todo o ar disso, de facto. Se na longa-metragem de José Cottinelli Telmo o boémio e cábula candidato a médico interpretado por Vasco Santana via doença nas manchas da girafa, aqui mais razões teria para desconfiar da salubridade destas uvas: bolor, podridão, todo um leque de anomalias. E, no entanto…

Felizmente, há aqui gente sabedora, com muitos anos disto. De tesouras na mão – uma mais forte, para destacar os cachos, outra de pontas finas, para aparar os bagos que interessam –, decidem com rapidez e gestos precisos o que vai para o caixote e rumará à adega e o que fica no chão, enriquecendo o solo para colheitas futuras. É assim, afinal, em todas as vindimas. Um olhar mais atento permite, no entanto, descortinar uma diferença fundamental: as uvas que se aproveitam não são as de ar mais saudável, antes as que se encontram cobertas por uma suave teia de bolores cinzentos, as películas num tom arroxeado.

Afinal, o que se passa aqui?

O dia chegou com nuvens no céu, mas boas abertas, depois da chuva da véspera. O vento mal incomoda as folhas nas encostas suaves do vale de Santar, ajudando a suportar uma temperatura que ronda os 4 graus centígrados. Parece uma meteorologia pouco clemente para final de Verão, mas a verdade é que não estamos no Verão. O Outono já vai adiantado. Estamos em Novembro e é agora que se faz uma vindima muito especial: a das uvas destinadas aos vinhos Colheita Tardia.

Os Colheita Tardia são vinhos de sobremesa, delicados, aromáticos, quase incongruentes na sua alquimia de doçura e leveza. E são o produto da podridão das uvas. Não uma podridão qualquer, como facilmente se percebe observando o trabalho da dezena e meia de pessoas que se afadigam na vinha e escutando as explicações do viticólogo da GlobalWines, Aurélio Claro.

Há cachos que estão já castanhos, completamente podres e com um cheiro avinagrado. Estes não prestam, já passaram o ponto. Outros apresentam-se em tons verdes ou amarelados, típicos das uvas saudáveis de castas brancas. Nada feito, ainda não chegaram onde era preciso. As uvas que interessam estão colonizadas no exterior por um fungo cinzento, a botrytis cinerea, mas a polpa continua sumarenta e solta-se facilmente da película. É com elas que faz o Colheita Tardia.

Pequenas quantidades

As uvas que mãos e olhos sábios colhem esta manhã em Santar, nas vinhas da Casa de Santar, geridas pela GlobalWines, foram aqui deixadas propositadamente para este fim. São, ao todo, três longas fileiras (uns 300 metros cada uma) de Encruzado e outras duas de Furmint, casta que na Hungria está na base dos afamados Tokaj, um dos mais valorizados néctares do mundo dos vinhos. Dito assim, parece pouco, mas um cálculo por alto do enólogo Osvaldo Amaro aponta para uns 8 a 10 mil quilos nesta vinha (a que junta outro tanto numa vinha adjacente). Deste total, apenas entre 10 a 20 por cento são uvas com a qualidade necessária para fazer Colheita Tardia. Todas as outras acabam no chão.

Só que o crivo da qualidade não se esgota aqui. Depois de levadas para adega – são feitas apenas três prensagens pneumáticas; a primeira sem qualquer aperto (dá origem ao chamado mosto-flor), as outras com apertos suaves – destas uvas extraem-se mostos que vão, separados, para depósitos em inox, onde se procede à clarificação estática durante três a cinco dias. Daí passam para barricas de 225 litros de segundo uso com mais de dez anos, onde se dá a fermentação alcoólica. Este processo decorre, mais ou menos, durante 30 dias e é interrompido com frio, permitindo que o vinho mantenha a doçura que o caracteriza e um grau alcoólico controlado. Segue-se a alquimia do tempo. A estabilização microbiológica e a maturação podem durar entre 12 e 48 meses. Só então estes vinhos especiais ficam prontos para chegarem ao copo.

Aurélio Claro e Osvaldo Amado.

É muito trabalho. E pouco vinho, uma vez estas uvas não têm tanto sumo como as colhidas na época normal das vindimas. Não espanta, por isso, que os Colheita Tardia sejam uma pequena preciosidade, vendidas em garrafas de menores dimensões e a preços mais elevados. A marca Casa de Santar é comercializada em meias garrafas (375ml) que custam qualquer coisa a rondar os 20 euros.
Até porque, apesar dos cuidados na vindima e do acerto dos procedimentos na adega, estamos a falar de um processo natural de apodrecimento que nem sempre produz os resultados desejados. “Todos os anos é feita a vindima do Colheita Tardia. Mas o histórico diz-nos que só se engarrafa o vinho aí umas três vezes por década”, explica Osvaldo Amaro. O crivo é apertado: “Este é um Colheita Tardia onde procuramos a nobreza da podridão tardia”, sublinha. Há outras maneiras de fazer vinhos de sobremesa, mas o enólogo da GlobalWines é taxativo: “Deviam ter outro nome.”

O saber de muitos anos

Voltemos à Vinha do Judeu, onde se apanham as uvas para o Colheita Tardia. Os vindimadores avançam devagar, mas persistentemente, ao longo das linhas, ouve-se o “tique-tique” das tesouras, aqui e ali o arrastar de um caixote, de vez em quando uma instrução ou pedido dirigidos a alguém. Fala-se pouco, toda a atenção é necessária para selecionar as uvas na vinha. É aqui que está o segredo.

Conceição Neves tem 55 anos e “já uns aninhos” disto. Apesar da insistência dos repórteres, não se estica em comentários nem se faz à fotografia: está concentrada na escolha das uvas que vão para o caixote. Garante, no entanto, que “esta vindima é mais trabalhosa, exige outra atenção”. Só se consegue abrir uma brecha nesta compostura com uma pequena provocação. Depois de tanto trabalho, deve ser um gosto beber um copinho de Colheita Tardia… “Gosto muito”, atira, finalmente com um sorriso. “É maravilhoso!”

Por volta das 9h30, já com umas boas duas horas e meia de trabalho no corpo, o pessoal interrompe a vindima para comer uma bucha. Por esta altura, a temperatura subiu uns graus e até há quem ande manga curta. Um exagero, assuma-se, que isto ainda é uma manhã bem fresquinha de Inverno. No entanto, este frio é bom para as uvas, porque protege a sua frescura enquanto aguardam que o tractor as recolha para as levar para a adega; e também para as pessoas. Trabalha-se melhor ao fresco, sim, mas o argumento mais forte tem a ver com a reduzida actividade das vespas, nomeadamente as asiáticas, que hão-de aparecer daí a algum tempo, com o sol mais alto no horizonte, atraídas pelos aromas estonteantes das uvas podres que se vão amontoando nos caixotes – algumas, as escolhidas para o Colheita Tardia – ou no solo. E estas são a maior parte.

Por agora, gozemos a pausa na vindima. Passamos pelo gigantesco sobreiro que vigia a vinha do alto da encosta – e sob o qual crescem cogumelos de dimensões jurássicas – e vamos sentar-nos junto à estrada. Daqui contemplamos um imenso anfiteatro de vinhas, entremeadas com manchas de arvoredo, a paisagem típica do Dão vinhateiro. O mosaico de cores é fantástico, desde o verde berrante da erva fresca aos tons quase vermelhos da folhagem de algumas castas, passando por toda uma paleta de amarelos, ocres, castanhos e cinzentos. A paisagem fala por si. E justifica para lá de qualquer explicação o nome do vinho que daqui sai. Este é o Outono de Santar.

Lés a Lés: A volta a Portugal em vinhos

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Rui Lopes e Jorge Rosa Santos (na foto) constituem a dupla por detrás de um dos mais dinâmicos projetos vitivinícolas no nosso país. Um projeto itinerante centrado nos vinhos brancos (mas não só) de forte carácter.

TEXTO Nuno de Oliveira Garcia
FOTOS Ricardo Gomez

A ideia de Jorge Rosa Santos, enólogo jovem, mas com várias vindimas em Portugal e no estrangeiro, começou por ser uma ‘carolice’, como o próprio descreve. Começou com a colheita de 2016, mas o primeiro vinho seria apenas lançado em novembro de 2018 quando, verdadeiramente, se iniciou a vertente comercial. Jorge percorria, e ainda percorre, grande parte do país enquanto enólogo e sempre pensou em fazer um vinho seu sem compromisso, um vinho de intervenção minimalista e que, se fosse possível, espelhasse um lugar menos evidente para o consumidor geral. Dito isto, em vez de um vinho, Jorge produziu 5 brancos e um tinto, espalhados pelo território nacional. A escolha para os rótulos teve por base o desenho de um bilhete de autocarro, precisamente uma homenagem às suas deslocações constantes. A seu lado, conta com Rui Lopes, também ele enólogo, que assume um papel estratégico de pêndulo equilibrador entre a vontade de Jorge produzir mais vinhos e o necessário sucesso comercial.

O estilo dos vinhos é predominantemente austero, sendo que para tal contribui também a escolha das regiões – falamos de Bucelas e de Encostas de Aire em Lisboa, e da Beira Interior – e das castas – Arinto e Síria, essencialmente (e também Sauvignon Blanc numa incrível versão pouco exuberante, proveniente de uma vinha de uma aldeia ao lado da Merceana). O maior desafio, todavia, foi a reprodução do vinho clássico da DOC de Encostas de Aire – o Medieval de Ourém. Vinho natural, que terá chegado a Portugal por via da Ordem de Cister, é produzido a partir de uma fórmula depositada no Mosteiro de Alcobaça, funciona como um palhete na mistura de casta branca – Fernão Pires – e tinta – Trincadeira. Um vinho a não perder; obviamente telúrico e pedagógico, mas de grande prazer, sobretudo na edição de 2016, mais fresca que a de 2017. Em suma, Lés a Lés oferece-nos uma pequena coleção de vinhos minimalistas feitos com todo o cuidado e em regiões menos baladas. É, pois, um projeto a não perder de vista, se o conseguir…

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Edição nº 33, Janeiro 2020

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António Maçanita e Fita Preta: Casa com passado, vinhos de futuro

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Quando começou o seu percurso de enólogo e produtor, António Maçanita nunca pensou vir a restaurar um paço do século XIV. Indomável, construiu-se quando ninguém estava a ver, e agora é um dos players que mais agitam as águas.

TEXTO Mariana Lopes
NOTAS DE PROVA Luís Lopes e Mariana Lopes
FOTOS Mário Cerdeira

De uma das estradas que vai de Évora para Nossa Senhora da Graça do Divor (uma freguesia que, entre menires cromeleques e antas, tem cerca de 500 habitantes), vê-se um edifício que não deixa ninguém indiferente. Pelo seu traçado, percebe-se que é coisa de outro tempo e quase parece, também, de outro lugar. António Maçanita, que na mochila trazia a Fita Preta, empresa que que fundou em 2004 com David Booth e que hoje partilha com a enóloga Sandra Sárria (sócia minoritária), passava naquela estrada inúmeras vezes e a pergunta era sempre a mesma: “O que é aquilo?”. Até que, em Maio 2015, no dia a seguir a um casamento e apesar do cansaço, as palavras “Não passa de hoje” ressoaram na sua cabeça. Foi aqui que deu início ao processo que fez com que a Fita Preta ganhasse casa própria (até aqui estava em adega alugada e não possuía vinha), adquirindo 87% da propriedade em 2016, com usufruto exclusivo e responsabilidade de recuperação. E que bela casa ganhou: um paço medieval fundado em 1306 em regime de morgadio por D. Martim Pires de Oliveira, arcebispo de Braga entre 1295 e 1313 e dono, entre outras, da vila da Vidigueira, um homem muito influente. Este entregou logo a gestão da coisa ao irmão Mem Pires, para garantir a transferência da mesma em linha direita sucessória, e porque a lei da altura era restritiva em relação à posse de bens por parte do clero.

No entanto, à data em que António Maçanita finalizou a compra, o proprietário do Paço do Morgado de Oliveira era D. João Saldanha, e há 700 anos que já estava na sua família. Por ali passaram reis, como D. João II, por exemplo, em Setembro de 1490, acompanhado do seu filho, o Príncipe D. Afonso. Por Garcia de Resende, em “Crónica de D. João II”, sabe-se que o monarca ali justou, no pátio do Paço da Oliveira. Um sítio místico, portanto, onde a Fita Preta colocou cinco historiadores a investigar e que se descobriu ter sido alvo de alterações ao longo do tempo, principalmente no século XIX, altura em que a família Saldanha tomou conta do edifício. Sem ambições museológicas e apenas pela preservação histórica e para fins funcionais, António Maçanita começou a recuperá-lo e, “escavando” as camadas de massa até à pedra, descobriu cinco portas de arco em ogiva, uma fresta e três pares de janelas em ogiva no primeiro piso (que não comunica com o térreo), resgatando o esqueleto original medieval do edifício. “Há aqui salas ‘abonitadas’ no século XVI”, esclareceu Maçanita. Também um lagar de azeite soterrado viu agora luz, que se confirmou sê-lo por um escrito de 1776 onde se lê “armazém de azeite com sua loiça”, e por outro de 1865 que refere a necessidade de obras no lagar.

Toda esta empreitada, sem qualquer financiamento externo, foi iniciada em 2017, bem como a do edifício novo, todo revestido a cortiça e perfeitamente integrado no ambiente e com a parte antiga. Assim, estes dois edifícios formam uma adega de duas naves, a de brancos no antigo e a de tintos no novo, com comunicação por tubos subterrâneos. Para a primeira, as cubas verticais de inox foram feitas com uma medida especial, para que coubessem entre as colunas de pedra originais. Estas coabitam com as barricas de madeira e com cubas horizontais, modelo de fermentação que António trouxe dos Açores, onde por ligação familiar (o pai é açoriano) também produz vinho, sob a umbrela Azores Wine Company. “O meu objectivo, nos brancos, é fazer o máximo de fermentações possíveis, trabalhando com leveduras que não geram novos perfis aromáticos, utilizando zero sulfitos até ao final da fermentação e apenas fazendo bâtonnage como ferramenta de protecção”, explicou o enólogo, apontando para as barricas, cada uma com um tipo de levedura diferente. A capela interior, datada de 1567, é também guardiã de barricas de estágio, cuidadosamente dispostas ao longo das suas paredes e a formar um corredor que leva ao altar original. No edifício novo, além da adega de tintos, espaçosa e muito prática, com as cubas, a prensa e a mesa de escolha, encontra-se a sala de provas, o laboratório, escritórios, loja e espaço para eventos.

A expansão do território

Apesar de, à sua chegada, António Maçanita ter tido um feeling de que ali se fazia vinho, à partida nada o mostrava, o terreno não continha vinha. Em 2017, começou por plantar quatro hectares, em 2019 foram mais dezasseis e em 2020 serão mais treze. Naquele solo, maioritariamente saibro e granito (a 60 metros de profundidade), a relação entre a superfície e o lençol freático é muito próxima. “Quase toda a zona de vinha é tocada pela água”, disse Maçanita. Na verdade, ali encontra-se o ribeiro do Louredo, de onde nasce o rio Xarrama (ou Enxarrama). Na parte com mais água, junto ao Paço, foi plantado Arinto, por exemplo. O historiador Francisco Bilou, autor do estudo “A Quintã da Oliveira, no termo de Évora: território, património e identidade histórica” refere precisamente a abundância de água como justificação para a configuração visual pouco comum da propriedade: “(…) a estrutura residencial não se localiza na parte mais alta da propriedade onde o domínio visual sobre o território envolvente é maior, sobretudo para o quadrante norte, mas antes a meia encosta, sendo apenas visível de sul e nascente. O que reforça a ideia de uma localização de acordo com as particularidades fisiográficas do «lugar», como são a abundância de água e a qualidade dos solos (…)”. Aliás, presume-se que da visita de D. João II, supramencionada, “tenha resultado a decisão de restaurar o velho aqueduto romano fazendo com que a água das fontes da Prata e Oliveira corresse na praça principal da cidade”, como escreveu Francisco Bilou.

Neste momento, o mapa vitícola da Fita Preta conta, além da área própria do Paço do Morgado de Oliveira e de vinte hectares recentemente adquiridos em Aldeia da Serra (no Redondo), com a exploração integral de seis hectares (bio, solos argilo-calcários) em Nora; seis em Craveira, no Redondo (granito); nove de vinha velha em Azaruja (granito); e dezasseis em Bencatel, em solos de xisto. António Maçanita descortinou: “Eu sou um fã de xisto, tínhamos de ter” e explicou que “do ponto de vista mineral é um solo mais complexo, dá textura e potência de boca aos vinhos. Além disso, o xisto faz um melhor doseamento de água para a planta ao longo do tempo. Granito dá elegância, mas é mais simples”. Em todos os locais, a preferência é por vindima manual e nocturna.

A vinha velha de Aldeia da Serra é impressionante. Tem 49 anos, solos graníticos, e está num local antes apelidado de Chão dos Eremitas, e por isso também nome de uma colecção de vinhos da Fita Preta que inclui três monocasta: Tinta Carvalha, Alicante Branco (antigo Boal de Alicante) e Trincadeira-das-Pratas (conhecida no Alentejo por Tamarez). As linhas montanhosas da Serra d’Ossa pintam-se em plano de fundo e dois riachos cortam as parcelas, onde nascem castas como, além das citadas, Fernão Pires, Roupeiro, Castelão, Trincadeira, Alfrocheiro, Moreto ou Grand Noir. É um cenário bastante aberto e solarengo, em planície, que com as imponentes videiras velhas e a presença dos riachos e de oliveiras circundantes, forma uma espécie de oásis, onde o nível freático está apenas entre os três e os cinco metros de profundidade. Aqui, os Pauperes Eremiitas (latim para Pobres Eremitas) de São Paulo faziam as suas vinhas, habitando onde é hoje o Convento de São Paulo. A importância deste local era tal, que a Bula Papal de 1397 isenta os Pauperes Eremiitas de tributos nestas vinhas, como contou Maçanita.

Um portefólio de peso

O portefólio Fita Preta é uma loucura, e não estamos a contar com vinhos de outras regiões que não o Alentejo. Tendo começado em 2004 com o tinto Preta e com o primeiro Sexy Tinto, tem crescido exponencialmente desde então. Vários outros Sexy foram adicionados, os Fita Preta, Branco de Talha, Baga ao Sol, Palpite, A Touriga Vai Nua, entre muitos outros, agora com novidades como os Chão dos Ermitas e o Laranja Mecânica, um vinho feito com dez castas e maceração de uma semana depois da primeira prensagem, fermentação espontânea em inox após segunda prensagem,

e doze meses de estágio sobre borras primárias. Tudo isto surge de uma hiperactividade mental de António Maçanita, que não se cansa de concretizar ideias, por mais mirabolantes que pareçam. Felizmente, tem os enólogos Sandra Sárria e Andrés Herrera ao seu lado que, com o mesmo espírito, alinham em todas as aventuras.
A produção actual da Fita Preta no Alentejo é de 280.000 garrafas anuais e “a vontade é de estabilizar este número”, afirmou António, admitindo que “o foco agora é aumentar o preço médio e lançar os vinhos mais tarde para o mercado”. Daquele número, 60% vai para fora do país, sobretudo para Suíça, Estados Unidos, Canadá, Bélgica, Alemanha, Holanda, França, Finlândia e Noruega. O envio de pequenas quantidades é já hábito da marca, pois “quem quer vender os nossos produtos não trabalha com grandes quantidades, nem começa com o portefólio todo, mas antes por entender o vinho. Assim, conseguimos construir um mercado exigente e de continuidade”, revela. Cheio de energia, António Maçanita não dá a entender que vá parar por aqui. Mas depois da recuperação de um Paço Medieval, só esperando para ver.

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Edição nº 33, Janeiro 2020

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Os frescos vinhos da Quinta da Lapa

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TEXTO António Falcão
FOTOS Ricardo Gomez

Manique do Intendente é uma povoação que tem de ser visitada pelo menos uma vez na vida. O seu ex-libris é a sumptuosa frontaria do palácio inacabado de Pina Manique, Intendente Geral da Polícia durante o reinado de D. Maria I e durante a vigência do Marquês de Pombal. Homem de confiança da realeza, Pina Manique acumulou cargos, terras e riquezas, mas, aparentemente, não o suficiente para terminar o seu palácio, em terras doadas por D. Maria I. Será que os fundos de que dispôs foram, entretanto, para a fundação da Casa Pia? Não o sabemos. Sabemos, isso sim, que esta zona produz vinhos brancos e tintos desde, pelo menos, 1744, certamente para abastecer algum mercado local e a cidade de Lisboa, com vinhos a granel enviados de carroça para a capital. Provavelmente por isso, Manique nunca foi muito conhecida pelo seu vinho. Isto, claro, até à entrada na região de um dos protagonistas da nossa história, José Guilherme da Costa, que adquire em 1989, a Quinta de Nossa Senhora da Conceição da Lapa, mais conhecida como Quinta da Lapa. Na altura tinha cerca de 90 hectares, mas reza a história que já tinha sido bem maior, quando estava nas mãos de uma cooperativa. Esta entrou em dificuldades e acabou por dividir o acervo em quatro, para venda. A parte da Quinta da Lapa, onde estavam as edificações, foi a última a ser vendida.

José Guilherme põe imediatamente mãos à obra. O homem forte da Tecnovia, uma grande empresa nacional do ramo da construção civil e obras públicas, cedo apontou a quinta para a agricultura, uma área de negócio que a sua família conhecia bem, desde há gerações.

A propriedade já tinha videiras, mas, verdade seja dita, foram todas arrancadas, dando lugar a novas castas, mais apropriadas para fazer vinhos ao gosto do consumidor moderno. A adega foi preparada a seguir e os vinhos foram aparecendo, mais para consumo e distribuição local que para o mercado global. No entanto, a qualidade ia criando consumidores fiéis e suscitando bastantes elogios. De tal maneira que o empresário começou a cismar em levantar a fasquia do investimento para uma ainda maior qualidade. Em 2007 entra assim Jaime Quendera para a enologia da casa, como enólogo consultor. Coincidência ou não, José Guilherme decide enviar vinhos para o Concurso Nacional de Vinhos Engarrafados. Entre as medalhas conseguidas, o Quinta da Lapa Reserva tinto 2008 obteve o prémio “Melhor Vinho” e medalha “Prestígio”. Este terá sido o factor decisivo que levou José Guilherme a investir mais tempo e dinheiro no vinho e numa gestão mais profissional na Quinta da Lapa.

Vem aí ajuda

O outro grande protagonista da história é Sílvia Canas da Costa, filha de José Guilherme, que entra em 2011 para a Quinta da Lapa, mas para supervisionar a reconversão dos edifícios rústicos. Arquitecta de profissão, Sílvia não teve aqui falta de trabalho: havia muita coisa para recuperar e diversos edifícios para reconstruir e/ou criar de raiz. Descobriram-se coisas curiosos, como as pinturas de dois altares, escondidas por tinta castanha. A figura de Santa Teresa d’Ávila emergiu como porta-estandarte da casa, por causa do seu poema de fé, inscrito em pedra sobre a porta de entrada. Santa Teresa acabou por dar lugar a vinhos especiais em sua homenagem, na altura dos 500 anos do seu nascimento.
O resultado de tantas modificações foi magnífico e no meio surgiu, para além dos imóveis agrícolas e adega, um espectacular enoturismo com onze quartos. No geral, o acervo imobiliário da quinta é substancial, muito maior do que uma quinta com 100 hectares poderia fazer prever. Este ano, a implantação arquitectónica do conjunto cresceu ainda mais com a construção da nova adega, imprescindível pelo aumento que foi acontecendo na área de vinha.

Sílvia entra para a gestão do projecto num momento em que o pai decide profissionalizar mais a exploração. “Estava um pouco cansada da arquitectura e decidi mudar para o vinho”, diz-nos a gestora enquanto caminha connosco pela estrada de terra que separa duas parcelas de vinha da quinta. Sílvia gosta de ir até ao topo do moinho próximo da casa e admirar as redondezas. Deste local alto, avista-se a quinta toda, ou quase. O facto de estar quase completamente murada facilita a identificação dos limites. No total serão alguns quilómetros de muros e redes, um número que impressiona, mas que, verdade seja dita, empalidece se o compararmos com o da vizinha Torre Bela, uma das maiores propriedades muradas da Europa, com 18 quilómetros de muros! Ali ao pé, a aldeia de Arrifana, com os seus típicos casarios brancos. A quinta encosta à aldeia pelo cemitério e, curiosamente, é dali que vêm consistentemente das melhores uvas da Quinta da Lapa. Mais ao fundo, a uma dezena de quilómetros, a imponente serra de Montejunto.

Jaime Quendera e Sílvia Canas da Costa.

A vista é magnifica e permite ver bem o terreno suavemente colinoso da quinta. Predominam os solos argilo-calcáreos, mas, como é típico na região do Tejo, existem muitas manchas. Falamos de solos fortes, com boa fertilidade, embora a produção média raramente ultrapasse as 7 toneladas por hectare. Jaime Quendera diz-nos que se procura “sobretudo o equilíbrio da produção e por isso somos cuidadosos com adubos e água”. O resto é o clima que faz.

Um clima especial

A nível climático, a Serra de Montejunto faz alguma barreira aos ventos marítimos, condicionando o clima desta região. Jaime continua espantado, ano após ano, com as amplitudes térmicas, que contribuem para a criação de vinhos com belos teores de acidez. “Chegamos a ter aqui dias com 40 graus, mas à noite corre quase sempre um vento fresco”, diz Jaime. Sílvia confirma e conta-nos uma história que elucida bem esta característica climatérica: “Numa festa que fiz aqui em Março, começamos com 25 graus na hora de almoço e terminamos, já noite dentro, com zero graus! Mesmo em Agosto, é raro haver condições para as pessoas estarem cá fora à noite”.

A frescura adicional é benéfica para os brancos, espumantes, rosés e, claro, para os tintos. Contudo, estes ficam um pouco duros no início e é por esta razão que Sílvia e Jaime não têm pressa em os lançar para o mercado. Mesmo os colheita costumam ter dois ou três anos de garrafa. Este ano, Sílvia está a (re)lançar o Reserva 2011, de uma pequena quantidade que guardou. É uma nova experiência que acabou por demonstrar que, apesar dos seus oito anos, o vinho exibe ainda muita juventude, com bastante fruta, e se mostra muito distante da decadência.

“Parecem quase vinhos de montanha, como os do Douro ou do Dão”, declara Jaime. A altitude nem sequer é elevada: estamos aqui a cerca de 100 metros acima do nível do mar, que, em linha recta, dista apenas 40 quilómetros.

A região de Lisboa é vizinha e muito perto, mas, diz-nos Jaime, “os vinhos não têm nada a ver com estes”. Jaime não faz juízos de valor, apenas constata a diferença, provocada sobretudo pelo calor, que proporciona maturações mais rápidas e dá “vinhos maduros, mas com acidez”.

A vinha a crescer

A primeira plantação de vinha começou logo em 1990 e o total terá ficado pelos 30 hectares. Ao longo dos anos, foram ocorrendo várias mudanças: castas que não provaram bem deram lugar a outras que já tinham pergaminhos confirmados. E a área de vinha foi crescendo, até chegar hoje aos 72 hectares, uma área considerável que gera cerca umas centenas de milhar de litros de vinho. “Já não temos mais espaço para plantar vinha; agora para crescer temos que ir comprando terra aos nossos vizinhos”, diz-nos Sílvia. E assim tem acontecendo: nos últimos anos a família adquiriu 10 hectares. A vinha (e adega) está cargo de Jorge Ventura, jovem viticultor e enólogo residente. Aqui está-se em regime de Produção Integrada, e existe (e sempre existirá) arrelvamento na entrelinha: “não pode ser de outra maneira, porque sem o coberto vegetal, poderia haver erosão em altura de chuvas fortes”, explica Jaime. Aqui usa-se muito o estrume como fertilizante, que vem de outra quinta da família, onde se cria gado de leite. Não resisto e pergunto a Sílvia: “o negócio do vinho é capaz de ser melhor…” Sou respondido com uma sonora gargalhada.

Uma adega bem folgada

Passamos à cozinha do enoturismo e fazemos uma degustação de alguns vinhos. Jaime e Sílvia conduzem a prova, que, se ocorresse dentro de dois meses, seria realizada na nova sala de provas da nova adega. Esta já funcionou em 2019, mas alguns pormenores estão a ser ultimados, como a espectacular sala de provas, no piso mais alto dos 3 existentes. De resto, a adega tem tudo o que é necessário para fazer vinhos de topo, incluindo muito espaço. O piso inferior, para estágio de vinho e barricas, está subterrâneo.

Voltamos aos vinhos e um dos que mais impressiona é o Homenagem Reserva 2015. Diz Jaime: “este tinto passou 24 meses em barrica nova, 12 + 12”. “12+12”? pergunto. “Sim, ao fim de um ano saiu de barricas novas para entrar em outras barricas novas”. O vinho está excessivamente amadeirado? Nada disso. Teve estrutura para aguentar dois anos em dupla madeira nova sem ficar demasiado marcado. O tempo, é verdade, ajudou a suavizar tudo. Saber estas coisas da enologia é uma das facetas de Jaime, que faz muitos milhões de litros de vinho todos os anos, em vários produtores. E tanto faz vinho abaixo dos 2 euros a garrafa como assina néctares com preços muito elevados. Mas talvez a sua maior mais valia seja a compreensão do gosto dos consumidores, que ele avalia nos múltiplos eventos a que vai pelo mundo inteiro.

Aqui dá a sua opinião, claro, mas tem a ajuda preciosa de Sílvia, que também viaja com frequência por todo o mundo e ausculta as opiniões dos enófilos. A casa já tem clientes por esse mundo fora, embora a quota da exportação ainda não tenha chegado a metade do total. China, Alemanha e Bélgica são os maiores mercados. Curiosamente, no mercado nacional e por regiões, é a Madeira que leva a dianteira. E logo a seguir vem os Açores e depois o Algarve. Nenhuma garrafa vai para a moderna distribuição. O resto do país é feito com distribuição própria, mas Sílvia acha que este modelo terá de sofrer ajustamentos para acomodar os crescimentos previstos com as novas vinhas em produção. Ou seja, as quantidades envolvidas não só crescem todos os anos como também o portefólio, que hoje comporta mais de 20 referências, incluindo quatro espumantes e sete monocastas. Para breve serão lançados projectos especiais, como um branco especial ‘Fernão Pirão’ (com curtimenta), um clarete (mistura de tinto e branco), e um varietal de Castelão, feito à antiga. Projectos não faltam, e Sílvia nem nos revelou alguns que não chegaram a ver comercialmente a luz do dia. “Só engarrafamos o que vale a pena”, revela a gestora. O resto fica no segredo dos deuses.

A visita aproxima-se do fim e disparamos a última pergunta a Sílvia: valeu a pena largar a arquitectura para vir para o mundo do vinho? Sílvia nem hesita: “foi muito difícil ao início, especialmente na área comercial, até porque vinha de outra área. Mas é um mundo muito giro e não me arrependo de aqui ter entrado”.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

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Edição nº 33, Janeiro 2020

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O que é que o Vale do Sousa tem?

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[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Estamos em Lousada onde, dizem-nos, existe uma das maiores concentrações de casas solarengas de toda a região do Vinho Verde. Terras de vinha onde reina a casta Arinto, também conhecida por Pedernã, muitas vezes acompanhada da Azal. Conduzidos pelos produtores Rogério de Castro e João Camizão, fomos à descoberta do Vale do Sousa.

TEXTO João Paulo Martins
FOTOS Anabela Trindade

Quinta de Lourosa.

Quando se visita a Quinta de Lourosa do produtor Rogério de Castro, não estamos apenas a visitar uma propriedade, estamos a entrar num laboratório, num verdadeiro campo de ensaios. Não se estranha. Rogério de Castro é uma autoridade nacional e internacional no que diz respeito à viticultura, um académico que terá formado muitos dos actuais técnicos que trabalham nas vinhas e nas adegas. Como académico e cientista, Rogério gosta de experimentar, testar para então concluir. Outros preferem “achar” coisas e ter opiniões que não têm qualquer validação científica. Aqui testa-se quase tudo o que diga respeito à vinha: as castas e os seus clones, o sistema de condução, a poda, a vindima, os solos, as exposições, as produções por hectare. É assim que, com muito trabalho de campo, se podem tirar conclusões, é desta forma que se conseguem ter boas produções por hectare sem perda de qualidade. Se lhe ouvimos dizer que aqui se chega facilmente às vinte toneladas de uva por hectare, logo pensamos que se trata de um exagero, sobretudo se aquela quantidade for comparada com a região vizinha do Douro. “Aqui estamos em terra fértil, húmida e de vegetação abundante, por isso a produção é naturalmente mais elevada”, diz-nos. A filha Joana, agora responsável também pela vinha e adega e residente na zona, confirma que muitas das experiências do pai exigem presença permanente na vinha, “às vezes se não se intervém no dia certo podemos deitar tudo a perder”, lembra-nos. Apesar da paisagem luxuriante que sugere grande abundância de água, ficamos a saber que “temos falta de água no Verão e se não regarmos na altura certa perde-se tudo em termos aromáticos; por isso há rega instalada”.

Vinha da Arrochela & Camizão.

Também viticultor e produtor em Lousada, João Camizão, agora à frente do projecto dos vinhos Sem Igual, tem longa tradição familiar ligada ao vinho. Na família produz-se ainda a marca Casa de Oleiros. Quanto a este tema da rega João é claro quanto ao uso: “a rega é uma ferramenta e devemos usá-la bem. Aqui temos água de minas e nem sempre é preciso usá-la, mas em 2017 foi mesmo necessário, ao contrário de 2019 em que não regámos nada”. A sua aposta vai também para as castas Arinto e Azal. A presença da Alvarinho tem razão prática, “não queremos fazer vinhos Alvarinho, mas vendemos a uva que é, diga-se, paga a bom preço (75 cêntimos/quilo) bem mais que todas as outras que são pagas a 50 cêntimos”, diz.

Diferentes histórias, compromissos idênticos

A Quinta de Lourosa era pertença do tio-avô do nosso anfitrião, que deixou 13 herdeiros. A falta de vocação para as lides da terra levou os descendentes a quererem vender a quinta. Quando a venda já estava com data marcada, Rogério de Castro resolveu in extremis ficar com ela. Criou-se assim uma empresa familiar de quatro sócios, os pais e dois filhos. Casa quase em ruínas e vinha a precisar de muito trabalho foi o que herdou, mas hoje funciona ali um turismo rural e a vinha tem 27 hectares. Sente-se algum orgulho quando lhe ouvimos que “isto não é uma quinta, é um laboratório!”
A paisagem espelha bem o nome da região. Ao visitar a quinta (e tivemos sorte com o tempo…) percebemos que o verde é a cor dominante da paisagem, agora que praticamente todas as cepas estão despidas de folhagem e só aqui e ali ainda se encontram folhas com as magníficas cores outonais. São várias as parcelas, não estamos num contínuo de vinhas. Existem vinhas com Alvarinho numa encosta bem exposta e por aqui acredita-se na casta que, diz, “está condenada a ser uma grande casta em qualquer lugar, mas sabemos que é em Monção e Melgaço que ela melhor se expressa”.
Já João Camizão não estava talhado para produtor de vinhos, era na área das tecnologias de comunicação que trabalhava e foi isso que o levou a Macau e à India. A sua mulher, hoje também ela dedicada ao projecto e a fazer formação em vinhos, nasceu em Angola mas viveu grande parte da vida em Macau. O apelo da terra fez com que regressasse e deixasse o apartamento do Porto para se vir instalar nas terras da família.
Os vinhos Sem Igual nasceram com a colheita de 2011. João é também defensor dos vinhos de lote, “são eles que expressam melhor as características deste vale, um terroir que ainda estou a tentar compreender. Espero também a ajuda do meu professor Rogério de Castro que conheci na pós-graduação que fiz nesta área”. Algumas vinhas velhas em ramada foram preservadas e originam um dos vinhos da casa e “se soubesse o que sei hoje talvez tivesse conservado mais cepas mas foi a pressão do VITIS (um programa de apoio à reconversão da vinha) que nos fez arrancar muita vinha”, disse.

Joana e Rogério de Castro.

Sousa com Arinto e Azal

A Quinta de Lourosa está integrada na sub-região do Vale do Sousa e aqui cabem empresas gigantes, como a Aveleda ou a Adega de Felgueiras, mas também alguns pequenos produtores, como a Quinta da Tapada, Casa de Juste, Quinta da Raza, A &D Wines e João Camizão.
Assim como a zona de Ponte de Lima é considerada a pátria da casta Loureiro, o vale do Sousa pode ser o solar minhoto do Arinto. Nesta zona dos Vinhos Verdes a casta que melhor espelha as características do solo franco-arenoso e do clima é, segundo Rogério de Castro, a Arinto, logo seguida da Azal. Esta opinião não é partilhada por todos os produtores e, dizem-nos, nem mesmo a Aveleda lhe confere esse estatuto. Mas Rogério é grande apreciador da casta, “é a variedade mais plástica que temos no país, mas exige uma poda correcta para poder, por exemplo, ser vindimada à máquina”. À máquina? “sim, 50% da nossa vindima é feita à máquina; conseguimos assim vindimar 5 hectares num dia e fomos dos primeiros da região a vindimar com máquina. Custa cerca de €400 por hectare, mas vale a pena. É que aqui, em tempos, chegámos a ter 26 dias de vindima, era um sufoco”, diz-nos. Na sua quinta Rogério de Castro também tem Loureiro, mas escolheu os melhores clones; a diferença em relação ao vale do Lima é que “lá, mesmo sem clones seleccionados conseguem-se bons mostos enquanto que aqui há clones que não se dão bem e por isso temos de ser mais cuidadosos”. Eis um bom exemplo para explicar o conceito de terroir, dizemos nós.
Os aspectos específicos da viticultura e do clima nesta zona do país levam a que a incidência de doenças e pragas seja maior, tornando extremamente difícil, por exemplo, praticar uma agricultura biológica; a pressão do míldio é muito forte e os tratamentos sucedem-se. “Fazemos de 8 a 10 tratamentos por ano e há mesmo um pesticida que é obrigatório ser usado por todos, bios ou não, contra a flavescência dourada. A esse não se pode fugir. Temos também muitos problemas de esca, uma doença do lenho que obriga ao arranque e queima da planta para evitar contaminações”, diz Joana. É também por esta razão que Rogério de Castro não é um apaixonado pelas vinhas velhas e também não nutre grande simpatia pela ideia das castas misturadas na vinha (field blend) nesta região, em virtude da grande diferença de momento óptimo de maturação e consequente vindima de cada casta. Também João Camizão tem consciência das dificuldades: “ainda fazemos uma agricultura tradicional, com muita consciência e com vontade de diminuir tratamentos, mas as alternativas não são fantásticas”; pouca mobilização do solo, uso do intercepas são algumas práticas essenciais.
João, que trabalha com o enólogo Jorge Sousa Pinto, assume que a forma como se trabalha, o que se corta e o que deixa, como se poda e como se vinifica, tudo está dependente do conceito de vinho que se tem e dos objectivos que se pretendem. Por isso “para fazer isto eu tinha de estar por perto e tinha de saber o que estava a fazer; agora a minha mulher também está a aprofundar os conhecimentos, mas hoje sei que se não tivesse passado pela Índia não tinha vindo para aqui; foi lá que percebi que este poderia ser um projecto de vida”.
O desafio da região é conseguir aumentar a quantidade produzida sem perda de qualidade, algo que contradiz algum a ideia instalada de que produzir menos resulta sempre em melhor vinho. Mas tanto João como Rogério sabem que os projectos para vingarem têm de ser viáveis e conseguir uma boa produção com boas uvas é essencial. Os terrenos são fertéis mas “se houver umas ovelhas na vinha conseguem-se excelentes resultados, são as melhores amigas da viticultura, limpam as ervas, fazem a pré-poda e fertilizam o solo”, diz Rogério de Castro. Mas aos projectos não chega serem bons, essa qualidade tem de ser reconhecida por quem consome e isso só se consegue com uma boa comunicação, “é preciso estar no frontline e saber apresentar o nosso projecto, porque temos de saber explicar o que é o Sem Igual, onde está a nossa originalidade. A viagem começa na vinha e só acaba na comunicação e venda” assume João. Conseguir posicionar-se num nível de preço superior também leva o seu tempo. Apesar da pressão para fazer uma gama mais barata, “não é esse o nosso caminho”, refere produtor do Sem Igual, “os nossos vinhos vão dos 12 até aos 24 euros nas lojas e isso exige trabalho de comunicação; em algumas situações estamos associados com outros produtores para uma acção conjunta, como a Quinta de Santiago, Vale dos Ares e Cazas Novas; vamos à Prowein e já exportamos 60% da produção para vários destinos. Ao todo o projecto corresponde a 13 000 garrafas”, diz. João assume o lema do seu projecto: “Temos obrigação de fazer dos vinhos mais frescos e elegantes de Portugal!”

A família de João Camizão está toda envolvida no projecto.

Qualidade e longevidade

Em ambos os produtores visitados, tivemos oportunidade de provar os vinhos mais recentes mas também diversas colheitas antigas. Na Quinta de Lourosa, fomos surpreendidos pelo Alvarinho/Arinto de 2011, ainda citrino na cor, com notas de pólvora, notando-se pouco as castas, mas o tom austero fica-lhe bem. Boa mineralidade na boca, nota de querosene, tudo sustentado por uma acidez perfeita (17 valores). A sair sempre mais tarde para o mercado o Vinha do Avô, a segunda edição de um vinho de lote de vários anos, exclusivamente em magnum, neste caso das colheitas de 2017, 18 e 19. É um varietal de Arinto, fermentado e estagiado em madeira. Provámos a primeira edição, mistura das colheitas de 2014, 15 e 16, onde se sentia um ambiente oxidativo e resinoso, mas sempre com a boa acidez a dar vida ao conjunto. A quinta produz uma gama de entrada – Lourosa – que vende à porta e um espumante, nas versões branco, rosé e tinto, que é muito procurado pelos turistas que visitam e usam o turismo rural.
Com João Camizão, fizemos uma prova vertical de todos os Sem Igual produzidos. O lote normal corresponde a Arinto (70%) e Azal. O primeiro Sem Igual é da colheita de 2012, mostra agora um tom oxidativo bem evidente, mas servido ainda por boa acidez, com 13,5% de álcool. O estilo do produtor mudou e agora pretende fazer vinhos mais frescos e com menor graduação. Na colheita de 2013 surge-nos um vinho ainda austero onde as notas de pólvora marcam presença e apesar da mesma graduação este mostra-se ainda bem fresco, com boa fruta e traços minerais. Apresenta-se em excelente forma, um grande salto em relação à edição anterior. (16,5). O afinamento chegou com as edições seguintes, o 2014, com fruta madura, bons toques minerais, sem qualquer sinal de oxidação, muito apelativo (17); o 2015 mostra-se muito vivo, com bom volume e boa acidez, toque austero bem conseguido, leve nota de pólvora (17); e o 2016, com a acidez em evidência, a fruta muito delicada e a dar elegância ao conjunto (17).
Estas provas evidenciaram bem as características especificas do terroir e também do perfil que cada produtor procura. São vinhos bem distintos no estilo, mas com um denominador comum: o excelente equilíbrio entre fruta, estrutura e acidez, conferindo-lhes elegância e um grande potencial de longevidade. Coisas do Vale do Sousa…[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

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Edição nº 33, Janeiro 2020

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Quinta do Vale Meão: 20 anos e 2 séculos mais tarde

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É difícil de imaginar outra propriedade no Douro com uma história tão rica e gloriosa. Idealizada e construída de raíz por Dona Antónia, mais tarde gerida pela Casa Ferreirinha, dando origem ao mítico Barca Velha, a Quinta do Vale Meão tem o brilho e mérito próprio nas mãos dos descendentes da sua primeira genial proprietária.

TEXTO Valéria Zeferino
FOTOS Anabela Trindade

Este ano a empresa F. Olazabal e Filhos comemorou 20 anos desde a sua criação em 1999, sendo este também o ano que assinalou os primeiros vinhos com o nome da Quinta do Vale Meão. Francisco Xavier de Olazabal (conhecido no meio como Vito) e os seus filhos Francisco (Xito), Jaime e Luísa unem esforços neste projecto familiar, contribuindo cada um com conhecimento e paixão.
Quando felicitei Xito pelos 20 anos, ele modestamente respondeu que isto não é nada, comparativamente com as empresas que fazem 200 anos… Sim, é verdade, a história mais recente desta casa tem apenas duas décadas, mas é justo recordar que a história da Quinta começou no século XIX com a decisão visionária de Dona Antónia Adelaide Ferreira de adquirir um terreno e plantar vinha naquela zona mais agreste e afastada do Douro Superior.

O século XIX – Património de Dona Antónia

O monte Meão sempre foi uma zona com muita arborização, tipicamente mediterrânica. Os habitantes de Vila Nova de Foz Côa e de Seixo de Ansiães iam lá buscar azinheiras para lenha, dividindo o monte a meias, o que, talvez, tenha originado o seu nome.
À procura de terras livres de filoxera, não olhando o afastamento geográfico e dificuldades logísticas da altura, Dona Antónia adquiriu 300 hectares de terreno em 1877. Nem todos acreditavam que este empreendimento seria proveitoso, mas Dona Antónia avançou, sempre firme e confiante. A primeira vinha foi plantada em 1888. Uma barca velha que por perto fazia travessia entre as margens, deu nome a esta vinha, à primeira adega, concluída em 1892 e, mais tarde, ao vinho mítico do Douro.
Como uma adega só não chegava para o volume de produção, em 1895 foi construída outra maior, chamada Adega dos Novos, que é utilizada, com algumas modificações, até à data. O conceito de gravidade, popular nas adegas modernas, foi aplicado naquela altura para facilitar o trabalho face à falta de electricidade.
Na pequena capela junto à casa, ainda hoje vêem-se as paredes salpicadas com mosto nas missas para dar graças – testemunhas das primeiras vindimas na Quinta.

O Século XX – o Barca Velha

Nos meados do século XX, Fernando Nicolau de Almeida, o enólogo da Casa Ferreirinha e o futuro sogro de Vito, alocou todo o seu esforço para produzir um inédito vinho de mesa na região do Vinho do Porto. Escolheu as melhores vinhas do Vale Meão e algumas da zona mais alta de Mêda para conseguir o perfil idealizado. Em 1956 foi lançado o primeiro vinho da colheita de 1952 que teve um grande reconhecimento. Não adoptou o nome da Quinta porque as uvas não eram desta na totalidade, mas batizou o seu vinho como “Barca Velha” para marcar a ligação ao local.
Francisco Javier de Olazabal entrou na Casa Ferreirinha em 1966 e em 1982 sucedeu ao seu pai como Presidente do Conselho de Administração da empresa. Mesmo, quando em 1987, a Sogrape adquiriu a Casa Ferreirinha, manteve a sua posição e mais tarde integrou o Concelho de Administração da Sogrape.
Entretanto, o apego que sentiu à Quinta do Vale Meão, juntamente com os seus filhos, e a vulnerabilidade da posição minoritária na sua posse, motivou-o a reunir as partes indivisas pertencentes aos seus 16 parentes (8 do ramo Olazabal e 8 do ramo Sequeira). Neste processo, contou com ajuda dos primos, que em 1994 venderam as suas partes aos três filhos de Vito.
Na realidade, das mais de 20 quintas pertencentes a Dona Antónia, apenas duas se mantêm inteiramente na posse e sob gestão dos seus descententes – a Quinta do Vale Meão e a Quinta do Vallado.
Assegurando a propriedade total da Quinta, com a qualidade comprovada das vinhas, e sendo o filho Francisco formado em enologia, reuniram-se as condições para construir uma nova história na Quinta do Vale Meão.

Xito, Jaime e Luísa Olazabal.

O Século XXI – a fazer história

O facto de serem descendentes de uma figura lendária na região, não é um mérito por si só. O legado familiar até pode ajudar no arranque, mas não garante o futuro. O verdadeiro mérito da nova geração está no resultado do seu trabalho sem cair na tentação de imitar o que foi feito antes. Uma nova história escreve-se com vinhos de personalidade própria feitos ao longo dos últimos 20 anos.
O impulcionador do projecto foi Xito. Licenciado em Enologia pela UTAD em 1992, inicialmente trabalhou como enólogo na Quinta do Vallado, mas ambicionava fazer algo mais. Tinha as suas ideias claras e uma determinação em avançar com o projecto familiar.
O pai, eticamente, não podia conciliar dois projectos de natureza idêntica. Embora a decisão não tenha sido fácil, ao atingir os 60 anos, optou por apostar na Quinta do Vale Meão e em 1998 rescindir a sua relação profissional com a Sogrape. Abdicou de posição prestigiante numa grande e estável empresa, onde criou muitos laços de amizade, para se tornar num pequeno e desconhecido (no início) produtor de vinhos com todos os riscos associados. Apesar das dúvidas, aceitou o desafio, inspirado pela confiança do filho.
Lembra-se hoje que nem perguntou quais eram as vinhas usadas para o Barca Velha. Mas também não havia um objectivo em perseguir a sua fama, o que se pretendia era produzir vinhos com carácter da Quinta.
Optou-se pelo modelo bordalês, onde o primeiro vinho ostenta o nome da propriedade e o segundo remete para uma marca com ligação forte à sua origem. Assim, do meandro do rio Douro nasceu o segundo vinho da casa. A semelhança fonética entre o Meandro e o Vale Meão é evidente e a sua situação geográfica transparece no mapa.
As uvas da primeira vindima em 1999 foram vinificadas na Quinta do Vallado, porque a Casa Ferreirinha ainda não tinha finalizado a construção de uma nova adega na Quinta da Leda e teve que utilizar a adega da Quinta do Vale Meão. Na vindima de 2000 a Adega dos Novos também foi partilhada: numa parte vinificava a Casa Ferreirinha e noutra a Quinta do Vale Meão.
O ano 2001 tornou-se o momento crucial, pois o mercado aguardava as primeiras colheitas (1999) do Vale Meão e do Meandro. A ansiedade de Vito era grande. Confessa que acordava à noite sem sono e ia provar as amostras, que claro, nestas condições, não lhe sabiam bem e apresentavam todos os defeitos imagináveis. Xito, pelo contrário, manteve-se calmo e confiante.
Os dois vinhos foram lançados na mesma altura. Foi um êxito. A excelente aceitação pela crítica nacional e internacional foi entusiasmante e deu a necessária visibilidade ao projecto.
O grande ano de 2000 no Douro, ajudou a fixar o nível de qualidade no lançamento seguinte. Este também foi o ano do primeiro Vinho do Porto Vintage do Vale Meão.
Naqueles tempos ainda não havia muitos vinhos de mesa no Douro. Tirando o Barca Velha, já existiam os da Quinta do Côtto, Duas Quintas (Ramos Pinto), Quinta da Gaivosa, Niepoort, Quinta do Crasto e pouco mais. Por um lado, era mais fácil destacar-se, por outro, o próprio conceito dos vinhos Douro DOC ainda não tinha muita notoriedade.
Também por isto, em 2002 com base na amizade juntaram-se 5 produtores – Niepoort, Quinta do Crasto, Quinta do Vallado, Quinta Vale D. Maria e Quinta do Vale Meão – e criaram uma união com o descontraído nome de “Douro Boys”, aliando os esforços na promoção da região e dos seus vinhos a nível internacional.
Em 2003 e depois novamente em 2013 os rótulos sofreram uma alteração de imagem. Também em 2013 juntaram ao portefólio o Meandro branco (13 mil garrafas actualmente), feito de Arinto e Rabigato, que veio fazer companhia ao Meandro tinto (207 mil garrafas) e o ícone Quinta do Vale Meão (27 mil garrafas).
Em 2005, Luísa juntou-se ao projecto familiar. Formada em Relações internacionais já tinha trabalhado no Grupo Vranken-Pommery (do qual Rozès e Quinta do Grifo também fazem parte) e foi uma mais valia para a empresa.
Jaime, que trabalhou na banca, juntou-se aos irmãos há 2 anos para abraçar o mercado nacional e enoturismo. A razão principal é a sensação gratificante, em vez de criar um valor momentâneo, de estar a construir algo realmente bom, intemporal, da terra e da família, que fique para gerações vindouras.
Este ano a Quinta do Vale Meão abriu as portas ao enoturismo. Apesar de não ser o core buisiness da quinta, permitiu proporcionar uma experiência única aos enófilos que procuram conhecer melhor a sua impressionante história.
Nos dias de hoje, a casa de traço antigo e muitas memórias, continua a ter vida. No verão enche-se de netos que adoram cá vir; no outono sente-se a azáfama das vindimas. No inverno a lareira espalha o calor para infrentar o frio do clima continental do Douro Superior. A família junta-se à volta da mesa e do vinho. Conversa-se sobre vivências e experiências, onde o vinho está quase sempre presente, a par de histórias, curiosidades e troca de opiniões.
O futuro da quinta e da empresa estará nas mãos dos netos e deverá dar muita satisfação à família e ao Xito, particularmente, ver a sua filha Leonor a estudar engenharia agrónoma no ISA.

As vinhas e os vinhos

A plena confiança de Xito nas suas capacidades como enólogo e produtor não tem nada a ver com a arrogância. Tem a humildade de assumir que ao fim de 20 anos ainda continua a aprender sobre as castas e os terroirs da própria quinta. Experimenta, tira as conclusões e avança. Replanta quando acha que outra casta no mesmo sítio daria melhor fruto; rega, quando é necessário; substitui barricas novas pelas usadas se gosta mais do resultado final. Defende as suas convicções e não se deixa influenciar pela opinião dos outros. É determinado e movido pela busca da perfeição, tal como fazia a sua tetravó.
Francisco aponta três factores que mudaram muito nas últimas duas décadas: viticultura, condições de engarrafamento e de armazenamento. No início, não tendo a própria linha de enchimento, tinham de alugar uma. Os erros nesta fase podem comprometer a evolução de um grande vinho, tal como durante o seu armazenamento. Isto também explica uma certa variabilidade de garrafas das primeiras colheitas.
A vinha, sem dúvida, é um dos alicerces do sucesso. A primeira replantação começou no início dos anos 70. As novas vinhas foram plantadas em talhões por casta com enfoque na Touriga Nacional pelas suas qualidades enológicas e pela boa adaptação aos verões secos e ao stress hídrico do Douro Superior. Mais tarde, entre 1989 e 1994 Xito geriu a replantação de algumas vinhas da Quinta e posteriormente plantações novas em 2007, 2008 e 2011. Com isto e através da aquisição de um terreno adjacente à quinta com cerca de 10 ha, a área de vinha cresceu de 62 para 100 hectares ocupados na sua maioria pelas das duas Tourigas e Tinta Roriz, mas também com Tinta Amarela, Tinta Barroca, Tinto Cão, Alicante Bouschet, Sousão e até castas antigas menos conhecidas e estudadas, como Tinta Francisca e Cornifesto.
Exploraram-se áreas novas, como por exemplo, vinhas viradas a norte ou de altitude, onde se preserva mais a frescura. É o caso da Vinha da Salgueira, de castas misturadas numa cota de 300 metros, plantadas à maneira antiga com densidade de 8 mil pés/ha numa ilha de xisto rodeada de granito. Como se vê, a conquista do Monte Meão, iniciada por Ferreirinha, continua até hoje.
A composição de solos na Quinta do Vale Meão é influenciada pela sua topografia. A falha de Vilariça divide o terreno em duas partes: granito nas encostas do Monte Meão e xisto à nascente, enquanto junto ao rio existem zonas aluviais e de calhau rolado.
Não há dois sítios da vinha com condições iguais e Francisco está convencido que as generalizações no Douro, e mesmo no Douro Superior, são limitativas e não correspondem à realidade. Diferentes exposições e altitudes, multiplicadas pela diversidade de solos e castas plantadas, podem originar combinações quase infinitas. Por isto as vinhas no Vale Meão são vistas mais na óptica de parcelas e não tanto de castas.
Vinifica-se tudo em separado: casta por casta, talhão por talhão. As dezenas de cubas de tamanhos a variar de 3, a 10,5 mil litros permitem fazer vinificações de precisão, estudar cada faceta do seu terroir. Cada vindima origina mais de 100 lotes e foi assim que nasceram vinhos monovarietais das vinhas mais expressivas, os Monte Meão.
O primeiro Monte Meão foi feito em 2009. Touriga Nacional com 25 anos de 3 hectares da Vinha dos Novos plantada no granito, marcava sempre muito o lote. Decidiram dar-lhe maior protagonismo. No início com metade dos bagos inteiros e metade esmagados fica em lagar, onde é pisada a pé para permitir uma extração suave antes de formação de alcóol. As colheitas de 2013 e 2014 fermentaram em barricas, as de 2016 e 2017 em balseiros. Todas depois estagiam em barricas usadas de 225 litros entre 15 e 18 meses. Originam uma Touriga de grande estilo e finesse de que se fazem 8 mil garrafas.
A Tinta Roriz da vinha do Cabeço Vermelho destacava-se sempre de outras parcelas pela maior presença da fruta. É uma vinha com mais de 50 anos plantada nas terraças de aluvião junto ao rio. Desde 2011 tem a possibilidade de se expressar num vinho monovarietal. Este não passa por lagar para evitar demasiada rusticidade, fermenta em cubas de madeira usada e depois estágia cerca de um ano e meio em barricas usadas de 225 litros para amaciar o tanino robusto. Fazem-se 4 mil garrafas/ano.
Em 2013 fizeram o primeiro (e até agora único no Douro) monovarietal de Baga que por cá chama-se Tinta da Bairrada. Da Bairrada não tem quase nada, assumindo um perfil diferente e que lhe fica bem. Sendo uma casta de maturação tardia, plantada num solo de granito do clima mais continental apresenta um comportamento diferente e amadurece muito mais cedo – final de Agosto, início de Setembro e sem ganhar muito grau. Em 2013 foi desengaçada, mas a partir de 2015 fermenta com 50% de bagos inteiros (para extrair menos e suavizar o sabor) e 50% de engaço (para dar estrutura) com pouca maceração e posterior estágio cerca de um ano em barricas usadas de 500 litros. Resulta em vinhos suculentos, elegantes, plenos de sabor e frescura de que enchem apenas 2 mil garrafas por edição.
O Vinho do Porto é uma grande aposta da casa, já pensada em tempos. Há 10 anos deixaram de vender o Vinho do Porto a granel e actualmente dispõem de 450 mil litros de stock a envelhecer na adega da Barca Velha. O Porto representa já quase 10% das vendas anuais. Para o próximo ano preparam-se duas novidades: um Colheita de 1999 e um tawny 10 anos. E nada resume melhor um capítulo de duas décadas do que um brinde com os vinhos da primeira colheita. O Meandro 1999 está ainda muito vivo ao fim de 20 anos, com frescura e tanino ainda bem presente (17); o Vale Meão 1999 em magnum é um autêntico tigre domesticado. Afinação de nariz e largura de boca impressionante, potência com delicadeza aristocrática, tanino ajuizado pelo tempo e uma frescura fantástica (19). A Quinta do Vale Meão é assim.

Uma vertical de Monte Meão

Tive oportunidade de fazer uma prova vertical da marca mais recente da casa, os monovarietais Monte Meão. O resultado mostra bem a diversidade de parcelas e castas (terroirs), no fundo, da quinta. Começando pelo Monte Meão Baga, da Vinha da Cantina: o 2013 revela cor aberta e aroma intenso, macio, suculento e muito fresco (17); mais maduro e pouco falador o 2015, denso e de tanino duro, seco e sério (16,5); no 2016 evidencia-se a fruta doce e sumarenta, também pimenta e chá preto, suculento e longo (17,5). A Vinha dos Novos é a “casa” do Touriga Nacional. Muito bem o 2013, com esteva, mentol, acidez presente e tanino firme, longo e saboroso (17,5); mais austero no nariz e mais fresco na boca o 2014, com tanino mais rebelde muito carácter (17,5); bem distinto o 2016, muito aromático, delicado e elegante, chá preto com bergamota, violetas e fruta carnuda, sedoso, suculento, muito sedutor (18). Finalmente, a Vinha do Cabeço vermelho, onde nasce a Tinta Roriz. Gostei muito do 2013, um tinto em tons de outono, notas de carne, vegetal seco, tanino poderoso envolto em textura aveludada (17,5); mais amigável o 2014, fruta vermelha escondida, toque de especiaria e algo terroso (17); o 2015 está robusto e estruturado, com tanino bruto e esmagador a necessitar polimento pelo tempo (16,5).

 

 

 

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Edição nº 33, Janeiro 2020

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