As sobremesas do nosso contentamento
Está aí a Páscoa e com ela as principais festas de família. Apetece adoçar a boca, e servir travessas das receitas da grande tradição. Quisemos preparar um guião de harmonizações vínicas que resultam, apoiadas na oferta considerável de vinhos de sobremesa que encontramos no mercado. Esperamos que corra pelo melhor a experiência, a surpresa está […]
Está aí a Páscoa e com ela as principais festas de família. Apetece adoçar a boca, e servir travessas das receitas da grande tradição. Quisemos preparar um guião de harmonizações vínicas que resultam, apoiadas na oferta considerável de vinhos de sobremesa que encontramos no mercado. Esperamos que corra pelo melhor a experiência, a surpresa está garantida!
TEXTO: Fernando Melo
Fotos: Mário Cerdeira
Arroz-doce
Parece trivial mas está longe de o ser. Começa pela origem do próprio arroz, que é ancestralmente chinês e nos chegou pela mão dos árabes. Arruzz é o termo árabe da gramínea mais identitária de Portugal, espécie japónica a que chamamos carolino por assim os nossos antepassados o terem baptizado. Era igual ao arroz que vinha do estado norte-americano da Carolina do Sul, relação única de polpa e película, a absorver o caldo e a inchar sem rebentar, desde que manipulado com cuidado. Todo o arroz empapa, até o agulha, importante é saber o momento de o tirar do lume. Pois o arroz-doce não vive sem o seu grande parceiro carolino e a verdade é que grande parte do seu processamento é feito fora do lume. Balanço muito fino de açúcar, leite e arroz, que só se percebe quando finalmente arrefece. É frio que se aquilata e consome o arroz-doce. No que diz respeito ao vinho, há que fugir dos aromáticos – baunilha, noz-moscada e canela, por exemplo – que são estruturantes na variante espanhola, mas que para o nosso gosto não funcionam. Importante não o lavar antes, a goma faz falta para o combate com o vinho. Desligar sempre o lume muito antes do ponto de cozedura, para manter os grãos intactos e cheios de sabor.
Sugestão: Porto branco 20 Anos
Leite-creme
Esta deve ser a receita mais vezeira nos lares portugueses, especialmente depois de existir a Bimby, que como vai mexendo e aquecendo, não cria grumos e garante a cremosidade tão desejada. No entanto, tem o senão de não cozer a farinha, seja de trigo ou maizena, que é amido/farinha de milho. O sabor conseguido fica por isso aquém do que se gosta, para não falar da dificuldade na harmonização com vinhos. Mantendo uma temperatura de cerca de 80ºC a primeira fervura do leite – gordo, aspecto importante -, açúcar e casca de limão homogeneiza já bem os ingredientes entre si e depois, fora do lume, continuar a bater com as varas até chegar aos 65ºC, quando já se consegue tocar com mão. Pode parecer ainda líquido, mas há que confiar na ciência, que a consolidação da textura só acontece no arrefecimento. Basta fazer dois ao mesmo tempo, um ao lado do outro – com e sem farinha – para ver a profundidade e clareza dos sabores que se consegue, para se concluir que nunca mais se faz com farinha, e que a bondade da ponte com o vinho está de facto naquele que não a tem; a viagem do vinho através da estrutura molecular aberta do leite-creme mais simples corre melhor e tem mais rendimento de sabor.
Sugestão: Tejo Colheita Tardia branco
Mousse de chocolate
O trabalho clássico desta sobremesa passa por emulsionar as claras, batendo-as até integrar o máximo de ar, para depois ligar com o chocolate fundido juntamente com manteiga ou não e enriquecido ou não com açúcar. Trabalha-se a uma temperatura média para conseguir a eficiência culinária desejada e a natureza do chocolate dita quase tudo quanto ao resultado final. O chocolate dito de leite tem forte percentagem de manteiga de cacau – para muitos chocolate branco – obtida pela envolvente da fava de cacau. Hervé This, cientista francês fundador da disciplina da cozinha molecular, demonstrou da forma mais simples como uma tablete de chocolate pode dar directamente mousse, desde que se emulsione primeiro a parte da manteiga de cacau que contém. Por isso, em rigor nada mais faz falta, nem sequer o açúcar para conseguir a mousse. O trabalho é mais exigente quando falamos de chocolate negro – com mais de 70% de cacau – pois o jogo de temperaturas tem de ser outro. O vinho gosta muito mais deste tipo de chocolate, tanto pela acidez que apresenta como pelo grupo de amargos que incorpora na sua estrutura. Quem gosta muito de chocolate gosta normalmente muito de chocolate negro, pouco de chocolate de leite e nada de chocolate branco. Mas as regras estão longe ser cartesianas, e gostos não se discutem. Fixemo-nos, contudo, na mousse de chocolate negro, para pensar pontes vínicas.
Sugestão: Porto LBV (Late Bottled Vintage)
Fios de ovos
A doçaria conventual está cheia de segredos e a nossa consagra todo um trabalho empírico de elaboração de pontos de açúcar que mesmo a alta pastelaria tem dificuldade em reproduzir. Nasceu e cresceu nos rigores dos conventos, por mãos essencialmente femininas mas não necessariamente consagradas. O dote para permanecer como residente era muito elevado, e por isso quem trabalhava nas cozinhas eram seculares não residentes. Isso teve o excelente efeito de os livros de receitas terem ficado em mãos laicas, com o corolário natural de terem passado de mão em mão e permitido que muitas pessoas aprendessem os segredos nucleares da arte. Um dos mais intrigantes é o dos fios de ovos, para os quais se desenvolveu pequenas bombas perfuradas por onde passando-se o doce de ovos quente cai na água fria em fios. Claro que é doce, mas é também fino, menos cansativo para o palato, e é por isso que se utiliza muito como adorno ou enchimento de ocos de bolos. O contacto com o vinho na boca é tangencial, preservando-se sempre a estrutura de fio. Há por isso que alinhar vinhos mais ligeiros e pouco extractivos para que a harmonização corra bem.
Sugestão: Licoroso tinto do Alentejo
Trouxas de ovos
Trabalho misto de produção de placas de doce de ovos e calda bem concentrada de açúcar, com Caldas da Rainha a assumir-se como epicentro. A sobremesa mais famosa, para além das trouxas propriamente ditas, é a lampreia de ovos. A mesa festiva dos portugueses, seja em que altura for, não a dispensa e é normalmente orlada pelos fios de ovos, de que já tratámos. Do ponto de vista formal, a trouxa de ovos é intratável em termos vínicos, por duas razões principais: primeira, o elevado teor de ferro das muitas gemas presentes vai direito aos polifenóis – taninos – do vinho, resultado metálico quando este é vigoroso; segunda, a forma como a calda de imediato inunda palato blinda as nuances do vinho acabam por lhe retirar protagonismo e eliminar a função assessora do doce. Mas nem tudo está perdido, enquanto houver vinhos qual aliam a doçura e untuosidade à acidez, cortando assim a sensação de doce. Gera-se um efeito cooperativo muito interessante e agradável.
Sugestão: Madeira Malvasia 5 Anos
Queijo de figo
Regionalíssimo do Algarve, é curioso como é também intimíssimo das famílias algarvias, Anima-o a tónica de sustentabilidade e aproveitamento integral dos produtos figo seco e amêndoas cruas. Nos lares algarvios há sempre queijo de figo, e o início de Maio é quando é imperativo. Depois vai-se comendo às lascas que se tira com a mão, não se lhe chega faca nem é bolo de fatia. As receitas variam bastante, levando alfarroba ou não, chocolate, especiarias e aguardente de medronho ou outra. O chef José Pinheiro, do restaurante Eira do Mel, em Vila do Bispo, teve a moção genial de fixar receita, formato e embalagem do queijo de figo, e a coragem de lhe defender honras de doce nacional. É consensual e é apelativo a jovens de todas as idades. A trajectória que tem feito é-lhe em grande parte devida, incluindo a sugestão de integração noutras sobremesas, como é o caso do gelado de queijo de figo, verdadeira delícia. Quando a aguardente é pouco pronunciada o trabalho do vinho fica mais fácil.
Sugestão: Moscatel de Setúbal 10 ou 20 anos
Pão-de-ló
Com o tempo, ganhou muitas declinações, muitas delas com a massa propositadamente mal cozida, para o coração ficar pastoso e doce. Reza a lenda que o de Alfeizerão nasceu da antecipação da visita do rei D. Carlos quando as monjas não tinham conseguido cozer completamente o pão-de-ló. O monarca terá ficado tão bem impressionado que logo ali decidiu baptizá-lo. Muitos outros lhe seguiram depois as pisadas, mas a receita central é a de Margaride, em que o pão-de-ló é cozido em forno de lenha em vasilhas grandes de barro, com copo – para o buraco – e tampa. É tradição utilizar-se papel almaço, o resultado é bastante diferente quando se usa papel vegetal. A base culinária, essa é como a de todos os outros, ovos caseiros, açúcar, manteiga, farinha e trejeitos secretos que volvidos quase três séculos ainda ninguém lhes chegou. Nem pensar em cortar com faca, o metal destrói o sabor e há que honrar a tradição. A estrutura do bolo é bastante aberta e gosta de vinhos secos.
Sugestão: Porto Tawny 20 Anos
Cheesecake com frutos vermelhos
Os frutos vermelhos de baga são normalmente apresentados em compotas de framboesa, amoras e mirtilos e configuram a cobertura da tarte. A estrutura desta sobremesa é à base de natas e gelatina e a base é de bolacha desfeita e amassada. A componente láctea é por isso dominante, mas há que contar com o pormenor de a gelatina que se emprega ser habitualmente de base animal O binómio natas-gelatina é muito difícil de abordar correctamente do ponto de vista da harmonização, mas felizmente temos a bolacha como mediadora. No entanto, não é simples a eleição do vinho certo, talvez por isso se tenda mais para vinhos doces. No entanto, o que define um problema é ele ter uma ou mais soluções e claro que há pistas boas para lá chegar.
Sugestão: Porto Vintage novo
Pudim do Abade de Priscos
É uma sobremesa tão fácil de fazer quanto de falhar. Vive essencialmente da proteína animal extraída da parte gorda do presunto tradicional de fumeiro e da construção da calda em ponto de estrada ou espadana, dependendo de quem a faz e da cozedura que se lhe dá. É uma sobremesa para ser feita por cozinheiros e não por pasteleiros, pela variabilidade que tem. É vigorosa nas gemas, o que representa uma cortina forte de ferro na estrutura com que temos de trabalhar na harmonização. Há que insistir e persistir até se encontrar uma solução satisfatória, e depois ir fazendo experiências com tipos diferentes de açúcar, presunto e até ovos. Não há dois pudins iguais e tal como no caso do leite-creme, é quando arrefece que a estrutura se consolida, pelo que é preciso investir paciência nessa fase; nada de pressas.
Sugestão: Madeira Bual com mais de 20 anos
(Artigo publicado na edição de Outubro 2020)
O Barca-Velha e eu
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[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]
Tudo começou com o 1966. De então para cá tenho acompanhado a história deste vinho icónico. Com percalços e momentos de exaltação, como compete a uma relação que se preze.
TEXTO: João Paulo Martins
Foi na minha juventude, no final dos anos 60, que comecei a ouvir falar neste tinto do Douro. Não liguei. Não só eu não comprava vinhos como não tinha qualquer informação sobre a região, o vinho e a sua história. Mas falava-se, é verdade. Na altura já se dizia que não era um vinho barato, mas para mim era estratosférico.
Foi na segunda metade dos anos 70 que me dispus a comprar uma garrafa, com um intuito comemorativo, após o nascimento da minha filha Rita. Lembro-me que a compra me custou. Mas não doeu muito. À época (1978) eu já comprava vinhos, mas, seguindo os gostos da época, eram os vinhos velhos que me chamavam a atenção. Numa era pré-histórica, sem Net ou telemóvel, sem imprensa especializada, o que se falava de vinhos era no boca-a-boca, ouvia-se aqui e ali uns comentários e pronto.
Para o meu tecto habitual de gasto em vinho, o meu Barca-Velha 1966 custou quatro vezes mais e, por isso, foi sempre tido como vinho especial. Só retomei o contacto com a marca quando saiu o Reserva Especial de 1980, nos finais dessa década. Desde então tenho estado atento ao perfil, ao estilo e às mudanças de personalidade do vinho.
Confesso que, por gosto pessoal, me inclino sempre mais para as edições mais recentes, que procuro consumir no máximo até 10 anos depois da saída do vinho. Eu sei que ele dura mais, mas o prazer já não é o mesmo. Apercebi-me que alguns Reserva Especial poderiam ter sido Barca-Velha (como o 1980 ou o 1986) e que outros (como o Barca-Velha 1982) deveriam ter tido outra designação.
Essa é a idiossincrasia do vinho, sempre capaz de nos surpreender, para um lado ou outro. Não cheguei a conhecer pessoalmente Fernando Nicolau de Almeida, mas a enologia da Ferreira aprendeu bem a lição de não ceder nos princípios e de não facilitar na decisão. Por isso demora tanto tempo escolher o epíteto: Barca-Velha ou Reserva Especial?
Percebe-se a delonga, porque sabemos que os vinhos, nos primeiros três a quatro anos, andam “para cima e para baixo” e é na estabilização pós-tormenta que melhor se pode compreender a valia do que está dentro da garrafa. Como tive oportunidade (única) de provar esses vinhos que estão “no forno”, posso assegurar que a espera é justificada. Outros preparam os vinhos para estarem em condições de consumo dois a três anos após a colheita. Na Ferreira sabe-se que, com essa idade, os grandes tintos ainda estão em estado imberbe, ainda no infantário. Por isso tudo vai continuar como até aqui. E nós, como apreciadores da marca, agradecemos.
(Artigo publicado na edição de Outubro 2020)
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20 anos de Pedra Cancela… … e um branco Intemporal para comemorar
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[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Lusovini é hoje um mundo de vinhos, mas existe uma marca que, há vinte anos, é a mais emblemática da empresa sediada no Dão: Pedra Cancela. Para comemorar as duas décadas, lançou-se um branco notável…
TEXTO: Mariana Lopes
FOTOS: Luís Lopes
É em Carregal do Sal que se situa a Vinha da Fidalga, propriedade de vinte e cinco hectares dedicada aos vinhos Pedra Cancela. A marca — que nasceu em 2000 pelas mãos do enólogo e professor de viticultura João Paulo Gouveia (e do seu pai), a quem se juntou mais tarde, em 2009, a enóloga Sónia Martins — é hoje porta-bandeira da Lusovini, empresa sediada em Nelas da qual ambos são sócios e onde Sónia é a actual presidente. Foi na vinha que se assinalaram os vinte anos, com uma mini prova vertical de Pedra Cancela Reserva branco e o lançamento de um branco especial, de nível superior, o Pedra Cancela Intemporal 2012.
A Vinha da Fidalga tem 15,6 hectares de vinha, meio hectare de nogueiras e uma floresta mista lindíssima onde predominam acácias, carvalhos americanos e pinheiros, mas onde também se encontram cedros, aveleiras, oliveiras e outras espécies de árvores. Nos dias mais quentes, este arvoredo é um autêntico oásis, proporcionando sombra fresca.
O solo é franco-arenoso de origem granítica, baixo em pH e em reserva hídrica, pobre em matéria orgânica. Entre as linhas de videiras, a Lusovini plantou uma mistura de leguminosas (trevo, serradela, etc.), para que estas captem o azoto atmosférico e o fixem no solo. Quanto a castas, estão presentes as tintas tradicionais na região, como Touriga Nacional (em maior quantidade), Alfrocheiro e Tinta Roriz, e as brancas Encruzado, Cerceal-Branco, Uva Cão e Terrantez. Há ainda um campo de ensaio com outras nove variedades brancas e tintas antigas da região, praticamente desaparecidas, que poderão vir a originar vinhos diferentes.
“Há quarenta anos era impossível fazer uma prova de vinhos brancos como esta”, disse João Paulo Gouveia, ao introduzir a vertical de Pedra Cancela Reserva branco, com as edições de 2018, 2017, 2015 e 2014, e que culminou na estrela do dia, o Intemporal. “A primeira garrafa de Pedra Cancela, que surgiu há vinte anos, com o meu pai, foi o Reserva, de Encruzado e Malvasia-Fina.
Em 2009, quando nasceu a Lusovini, este passou a ser um projecto global e [sublinha] nosso”, continuou o produtor. “Hoje, há muitas coisas que fazemos diferente e esperamos, daqui a mais vinte anos, estar de novo a dizer que não fazemos nada como fazíamos”. O Reserva branco 2018 está actualmente no mercado, e o Encruzado desta edição fermentou e estagiou três meses em barrica francesa usada, enquanto a Malvasia apenas esteve em inox. O 2017 foi o que marcou o rebranding deste vinho, que passou a ostentar um rótulo mais delicado e premium, com cores quentes como o dourado e o creme. Aqui, o Encruzado esteve quatro meses nas barricas. Sobre o 2015, ano em que o Encruzado volta a ter três meses de estágio em barrica, João Paulo lembrou que “foi um dos anos com maiores amplitudes térmicas no Dão, apesar de ter sido um ano bem quente” e Sónia revelou ter sido para si “genericamente, o melhor ano de sempre nas regiões onde nós trabalhamos”.
Já 2014, em que o Encruzado estagia, de novo, três meses em barrica usada, foi “um ano com muita chuva, e mesmo na vindima houve dois dias de precipitação”. O pico da prova foi, sem dúvida, o Pedra Cancela Intemporal, um vinho de 2012 que tem tudo o que se quer num branco com idade: cor dourada bonita, aromas e sabores com evolução elegante e digna, exotismo e complexidade, bem vivo. Este branco é um lote de Encruzado, Malvasia-Fina e Cerceal-Branco e originou 1200 garrafas. “2012 foi o ano com maturação mais lenta e regular da segunda década de 2000, seco e com temperaturas amenas”, elucidou Sónia Martins. Aqui, 20% do Encruzado estagiou em barrica usada e o vinho esteve sete anos em garrafa antes de ir para o mercado. Sem dúvida, uma “Pedra preciosa do Dão”.
Antes de regressar a casa, ainda tivemos oportunidade de provar o espumante Pedra Cancela Casimiro Gomes branco 2014, um Bruto Natural lançado apenas em garrafa Magnum, uma edição especial comemorativa dos 30 anos de profissão do fundador da Lusovini. Terminar com umas bolhas sem açúcar, à boa maneira Bairradina, é o remate perfeito em qualquer região…
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2020)[/vc_column_text][vc_column_text]
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Quinta de Ventozelo: Um pedaço do paraíso
Ocupando 400 hectares de área, Ventozelo é uma das maiores quintas do Douro. Conhecida desde há muito pelos vinhos de superior qualidade, associa-lhes hoje um outro produto de excelência: o turismo. A localização e beleza natural da propriedade, o conceito e oferta turística disponibilizados, aliam-se a um portefólio vínico de respeito, fazendo da Quinta de […]
Ocupando 400 hectares de área, Ventozelo é uma das maiores quintas do Douro. Conhecida desde há muito pelos vinhos de superior qualidade, associa-lhes hoje um outro produto de excelência: o turismo. A localização e beleza natural da propriedade, o conceito e oferta turística disponibilizados, aliam-se a um portefólio vínico de respeito, fazendo da Quinta de Ventozelo um destino obrigatório para quem quer sentir verdadeiramente o Douro.
TEXTO Luís Lopes
“Ventozelo é um daqueles sítios especiais, mágicos, difíceis de descrever”. As palavras de Jorge Dias, que abrem um bonito livro sobre a quinta, reflectem por inteiro o impacto daquele local em quem o visita, mas não dizem da extraordinária dedicação pessoal que o director-geral da Gran Cruz colocou em todo o processo que levou ao renascimento de uma das mais emblemáticas propriedades durienses. Profundo conhecedor do Douro, desde a aquisição de Ventozelo pelo Grupo Gran Cruz no final de 2014, Jorge Dias tem liderado de forma empenhada e apaixonada a requalificação da propriedade em todas as suas vertentes, vinha, vinho, cultura, turismo.
Na margem esquerda do Douro, a Quinta de Ventozelo estende-se ao longo de três quilómetros de frente de rio, uma localização privilegiada tanto nos dias de hoje quanto nos primórdios da sua existência, no início do século XVI. Na verdade, a menção ao lugar de Ventozelo é bem anterior, vem do século XIII, mas só a partir de 1500 a quinta aparece registada como fazendo parte do extenso património do mosteiro de São Pedro das Águias, que por emprazamento a entregou aos fidalgos da Casa do Poço, de Lamego.
Na freguesia de Ervedosa do Douro (S. João da Pesqueira), Ventozelo desenvolve-se numa espécie de anfiteatro virado para o rio, desde a margem até aos 600 metros de altitude. A água trazida pela Ribeira de Ervedosa, que atravessa a quinta, foi no passado essencial para a manutenção de uma actividade agrícola importante, centrada no olival, nas hortas, e na plantação de cereais e sumagre, para além da exploração da caça, abundante nas matas que ainda hoje ocupam grande parte da propriedade.
Na história da Quinta de Ventozelo, o vinho só viria a ter relevância de primeira ordem a partir de finais do século XVIII, com vastas áreas de vinha plantadas nos três núcleos em que está subdividida: Ventozelo Velho, Ventozelo Novo e Quinta Nova. A quinta permaneceu na posse dos descendentes da Casa do Poço até às crises do oídio e filoxera, passando no final do século XIX para as mãos da Companhia Vitícola, Vinícola e Agrícola de Ventozelo. O vinho do Porto continuava a ser a principal fonte de riqueza, mas procurou-se a diversificação, com grandes investimentos em uva de mesa, fruta, azeite, cereais e floresta. No século XX a quinta mudou várias vezes de mãos.
Como marco relevante, o início do engarrafamento de Vinho do Porto na propriedade, nos anos 80. Em 1999, Ventozelo foi comprada pela empresa espanhola Proinsa, que ali fez enormes investimentos na vinha (a área plantada mais do que duplicou, chegando aos actuais 200 hectares) e na comercialização de vinhos do Douro e do Porto. Não obtendo o retorno esperado, a Proinsa procurou parcerias, em modelos diversos, primeiro com a Real Companhia Velha, em 2008, depois com a Gran Cruz, em 2011, passando este grupo (ligado à francesa La Martiniquaise, de Jean-Pierre Cayard) a vinificar os vinhos de Ventozelo. O conhecimento da quinta e dos seus vinhos terá certamente pesado na decisão que levou à compra de Ventozelo em dezembro de 2014. A Gran Cruz, exportador líder de Vinho do Porto, avançava assim para a produção própria no Douro.
O Douro numa quinta
O tamanho, localização e características de Ventozelo permitiram a Jorge Dias integrar a quinta no projecto estratégico que já estava a ser desenvolvido na Gran Cruz e dotar a propriedade de outro alcance e valências, sob o lema “O Douro numa Quinta”. Mas sem nunca perder de vista que, antes de tudo, Ventozelo produz uva e vinho. E 200 hectares de vinha, com diferentes altitudes, tipologia de solos, exposição e castas, são um verdadeiro puzzle cujas peças o responsável de viticultura, Tiago Maia, vai pacientemente estudando para encaixar no sítio certo.
Mais de 40 hectares foram, entretanto, reestruturados, para corrigir alguns erros de plantações anteriores e elevar o potencial qualitativo da quinta. Nas novas plantações foram abandonados os patamares de duas linhas, adoptando-se a linha única. O conceito vitícola actual assume especial relevo na parcela do Chorão, onde em 4 hectares de terraços pós-filoxéricos se plantaram em field blend 21 variedades clássicas do Douro que já deram a primeira produção em 2019. Mantiveram-se e cuidaram-se outras parcelas plantadas nos anos 50, bem como a notável colecção ampelográfica de 54 castas criada em 2005. A sustentabilidade do solo é uma preocupação constante, com um coberto vegetal nos vinhedos proporcionado por vegetação espontânea ou sementeira de leguminosas e gramíneas. Esta vegetação, controlada através de cortes mecânicos, protege da erosão, ajuda a conservar água e fomenta a biodiversidade.
No global, a vinha de Ventozelo está organizada em 17 parcelas, subdivididas em 135 talhões. As castas tintas representam 90% do total, com Touriga Franca, Tinta Roriz e Touriga Nacional como mais representativas. Nas variedades brancas, destaca-se a Viosinho, seguida de Malvasia Fina e Rabigato.
Os vinhos são elaborados na moderníssima adega Gran Cruz em Alijó, um centro de vinificação de excelência que custou 20 milhões de euros, construído sob a supervisão do director de enologia José Manuel Sousa Soares e que iniciou a laboração na vindima de 2013. Mas apesar de todas as condições existentes em Alijó, a equipa da Gran Cruz tem em mente reactivar os belíssimos lagares tradicionais de Ventozelo. Algo que o crescente peso do enoturismo na propriedade pode até tornar imperativo…
O portefólio de Ventozelo é vasto (cerca de 20 referências) e de grande consistência qualitativa. Na oferta vínica, que se inicia com o blend Azul de Ventozelo, avultam sete varietais (oito, se contarmos que o Syrah aparece em duas versões, com e sem madeira), para além de vários blends, culminando no Essência de Ventozelo, elaborado a partir do lote dos melhores vinhos de cada ano, independentemente do talhão/parcela que lhes deu origem. A ideia passa por colocar dentro da garrafa o “espírito” da quinta, com todas as suas expressões e diversidade. Também há Porto, claro, LBV e Vintage. E fora do âmbito estritamente vínico, mas com enorme sucesso junto dos visitantes e hóspedes da quinta, o Gin de Ventozelo, obtido a partir de um blend botânico de ervas aromáticas da quinta maceradas em álcool vínico destilado de vinhos da propriedade. E depois, o azeite, como não podia deixar de ser.
O turismo, pois então
Aqui chegado, é imperativo falar do enoturismo de Ventozelo. O turismo, associado à cultura e à experiência sensorial, sempre foi encarado por Jorge Dias como indissociável do mundo do vinho. A Gran Cruz, aliás, tem sido pioneira na forma de abordar o turismo vínico de forma diferenciadora. O Espaço Porto Cruz, inaugurado em 2012 no centro histórico de Gaia, com a sua expressão multidisciplinar e multissensorial do vinho do Porto, é um perfeito exemplo disso mesmo. Em 2018 foi a vez do hotel Gran Cruz House, na praça da Ribeira, no Porto.
A gastronomia acompanha a experiência vínica, e a parceria com o chefe Miguel Castro Silva, activada em Gaia e na Ribeira, estendeu-se ao restaurante de Ventozelo, apropriadamente chamado Cantina, e onde os sabores do Douro, Trás-os-Montes e Beira Alta estão em evidência, privilegiando sempre os produtos cultivados nas hortas da quinta ou de fornecedores de proximidade.
Em termos de alojamento, Ventozelo é uma pequena aldeia, com 29 quartos distribuídos por sete edificações distintas. Casas e construções agrícolas que já existiam e que foram recuperadas com originalidade, bom gosto e a preocupação de integração na paisagem, com pedra à vista, pedra caiada, reboco caiado e madeira pintada. A Casa do Feitor, deu lugar a cinco quartos duplos e uma suite, incluindo uma sala de estar comum com lareira e varanda com vistas de rio.
Um antigo celeiro foi reconvertido na Casa do Laranjal, com cinco quartos duplos e pátio individual com vista para o laranjal. Um armazém de alfaias é agora uma suite romântica. O edifício dos Cardanhos (camaratas dos trabalhadores agrícolas) transformou-se em sete quartos duplos. Talvez o alojamento mais original sejam os dois balões de cimento, onde se armazenavam grandes volumes de vinho, e que hoje albergam duas amplas suites. Afastado deste “núcleo urbano” (que integra uma magnífica piscina exterior e uma Mercearia, com produtos da quinta e da região) está o alojamento mais imponente, a Casa Grande, que dispõe de seis quartos duplos, biblioteca, sala de jantar, cozinha e ainda uma exclusiva piscina infinita sobre o Douro. Mais junto à água (Ventozelo tem cais privativo e proporciona passeios de barco), a Casa do Rio, com dois quartos duplos, sala, cozinha e terraço.
Mas no Douro não basta fornecer alojamento e alimentação de qualidade. É preciso dar que fazer aos visitantes. E no Ventozelo não faltam motivos para sair do quarto. Desde logo, o Centro Interpretativo, uma espécie de museu vivo e interactivo criado pela museóloga Natalia Fauvrelle e que oferece uma espectacular experiência sensorial (incluindo efeitos visuais, sons e aromas) na descoberta de Ventozelo e da sua história.
Um passeio a pé mais descansado pode incluir uma visita à capela dedicada a Nossa Senhora dos Prazeres, aos lagares e adega, alambique, hortas biológicas, pomares e jardim das aromáticas, culminando com a prova de vinhos. Áudio-guias estão disponíveis nos passeios em viatura todo o terreno, ajudando assim a interpretar a paisagem vitícola. Mas o melhor mesmo é usufruir da diversidade paisagística e biológica e ao mesmo tempo fazer exercício, puxando pelas pernas e aventurando-se num dos sete percursos pedestres sinalizados, com diferentes níveis de dificuldade. E se quisermos elevar essa experiência ao seu pináculo, basta acertar com o hotel e, no ponto escolhido, estará à nossa espera uma cesta com tudo o que precisamos para retemperar forças e ficar mais algum tempo em contemplação deste mundo mágico de Ventozelo.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2020.)
Tintos do Tejo: Os vinhos de uma nova era
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[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]O Tejo da vinha e do vinho, orientado para a qualidade, moderno e dinâmico, é hoje uma realidade que se confirma em cada garrafa. A evolução da região ao longo das últimas duas décadas tem sido tremenda, solidificando a sua presença junto dos apreciadores nacionais e internacionais. Adegas cooperativas, grandes e pequenas empresas, produtores de quinta, todos contribuem para projectar a imagem de um novo Tejo. Os tintos que aqui provamos mostram uma região diversa, com identidade e garra.
TEXTO: Valéria Zeferino
A história vitivinícola da região começou com as plantações da vinha junto às margens do rio Tejo pelos Tartessos em 2000 a.C. Na Idade Média a cedência de terras a “homens livres” para exploração agrícola impulsionou a plantação de vinha e olival. Séculos mais tarde, a demarcação da região do Douro pelo Marquês de Pombal em 1756 levou ao arranque da vinha no Tejo, seguindo ordem que obrigava a retirar os vinhedos de todos os terrenos aptos a outras culturas.
Mais tarde, a proximidade de Lisboa, a necessidade de abastecer a capital e a plantação de castas produtivas em terras muito férteis, conduziu a rendimentos excessivos, prejudicando qualidade geral e a imagem da região. Como lembra o proprietário e enólogo da Casa da Coelheira, Nuno Falcão Rodrigues, “há 40 anos mais importante era encher a adega, do que fazer um vinho XPTO”. Era o império de tascas e do vinho a granel. Mas, entretanto, o mercado evoluiu e com ele o grau de exigência de consumidores e produtores.
Não esqueçamos que várias regiões no mundo, hoje bem prestigiadas, passaram por este mesmo caminho. Por exemplo, Pfalz, na Alemanha, já foi uma região conhecida pelos vinhos brancos semi-doces feitos de castas muito produtivas, vendidos a granel ou sob marcas de enorme volume (na “famosa” garrafa azul…) e que acabaram por arruinar a imagem do vinho daquele país em diversos mercados. Ou Chianti, outrora fortemente associado aos frascos cobertos de palha, com vinhos baratos e acídulos. Portanto, não se pode (e não se deve) fugir da história da região, mas pode-se (e deve-se) investir no seu futuro.
Foi o que começou a acontecer no Tejo a partir das décadas 80 e 90 do século passado, através da modernização de adegas e da reconversão progressiva da vinha: as castas que só serviam para produzir muito foram substituídas pelas variedades nacionais e internacionais que traziam benefícios qualitativos. O facto de o Tejo não estar demasiado agarrado à tradição, permitiu seguir em frente, procurando a sua nova identidade que passa muitas vezes pelo estilo de cada produtor.
A partir de 2008 a região seguiu o seu caminho como o Tejo, reforçando a sua ligação com o rio, a volta do qual é formada e rompendo definitivamente com o Ribatejo do passado. A alteração do nome, na altura, gerou algumas críticas, mas o tempo e o esforço dos produtores acabou por mostrar que a decisão foi a mais acertada.
Como nota o presidente da Comissão Vitivinícola Regional (CVR) do Tejo, Luís de Castro, “hoje, os produtores da região estão nas mãos de uma nova geração de enólogos”, mais competentes, mais interessados, mais abertos para o mundo.
A região do Tejo tem uma área total de vinha a rondar os 12.000 hectares, dos quais, de acordo com os dados da CVR, 2.500 dão origem a vinhos com denominação de origem DO Tejo e 5.000 a vinhos com selo de certificação IG (ou Regional) Tejo. No que toca à produção em litros, são vinificados cerca de 61 milhões de litros, estando a aumentar, de ano para a ano, a quantidade de vinhos certificados: 23,3 milhões em 2019.
Os principais mercados de exportação são Brasil, China, Suécia, França e Polónia. Segundo Luís de Castro, no Brasil assinalou-se um crescimento exponencial de vendas devido ao e-commerce que disparou com a pandemia do Covid. As vendas de vinhos do Tejo no Brasil, até ao final de Julho, já tinham atingido o volume do ano passado. No mercado interno, a situação está mais complicada, apesar do crescimento em vinhos certificados, houve um descréscimo nos vinhos DOC por causa da crise por que está a passar o canal horeca.
Três sub-regiões à volta do rio
A região do Tejo caracteriza-se pelo clima mediterrânico temperado com aproximadamente 2.800 horas de sol por ano e uma precipitação média que varia entre os 500 e 800 mm, com maior incidência na zona de Tomar, Alcanena e Sardoal, a Norte, e em Coruche, a Sul. A continentalidade não é acentuada e, dada a baixa altitude, as amplitudes térmicas diurnas são moderadas.
O rio Tejo atravessa a região na diagonal de nordeste para sudoeste, formando 3 sub-regiões com condições bem distintas.
A faixa junto ao rio chama-se Campo (também conhecida por lezíria) e caracteriza-se pelas planícies, com vinhas instaladas em solos de aluvião mais férteis. É uma zona mais utilizada para a produção de uvas brancas, com Fernão Pires responsável por 66% das castas brancas da região. Mas com adequado controlo de produção, é também aqui possível originar uvas tintas de primeira linha.
Outras duas sub-regiões oferecem condições para produção maioritariamente de vinhos tintos de qualidade.
Na margem direita do Tejo, a Norte e a Oeste e até os sopés da Serra de Aires e Candeeiros estende-se o Bairro. Os solos são menos férteis, com predominância de argilo-calcários e uma pequena zona de xisto perto de Tomar.
Na margem esquerda do rio, a Sul e Sudeste, fica a sub-região da Charneca, já na transição para o Alentejo, dominada pelos solos arenosos pobres e mais secas e mais quente que as outras duas sub-regiões. Na zona de Almeirim, existe uma faixa importante de calhau rolado com efeitos particulares no perfil das uvas.
O enólogo David Ferreira, que trabalhou muitos anos na Casa Cadaval e recentemente assumiu as responsabilidades de enologia na Companhia das Lezírias, teve oportunidade de conhecer bem estas diferentes sub-regiões. Por vezes, 20 km entre vinhas fazem diferença. As mesmas castas no Bairro amadurecem quase 15 dias mais tarde do que na Charneca. Na sua opinião, os vinhos do Bairro, provenientes dos solos calcáreos, são mais encorpados, profundos, com mais textura de boca. Os da Charneca, mostram mais concentração com elegância, não são tão texturados, mas são compridos e complexos.
Grande diversidade de castas
Das castas plantadas na região do Tejo, 53% são tintas e 47% brancas, numa enorme diversidade, com variedades regionais, nacionais e internacionais. As preferências nas novas plantações inclinam-se para as castas brancas Fernão Pires e Arinto, e as tintas Syrah, Touriga Nacional e Alicante Bouschet.
Actualmente, as exigências regionais em termos de uso de castas, são bastante liberais. No que toca as castas tintas, das 45 autorizadas para DO, 12 são internacionais e das 74 autorizadas para IG, 24 são internacionais. Isto permite ao produtor trabalhar com as variedades que considera mais adequadas ao seu terroir ou ao seu negócio. A casta tinta mais plantada, no entanto, é ainda a bem clássica Castelão que ocupa uma área de 1471ha, representando 23% das castas tintas do Tejo e 12% do total.
Segundo a enóloga e directora-geral da Falua, Antonina Barbosa, de Castelão “espera-se o melhor e o pior”. A casta tem que ser bem trabalhada, diz, exige atenção. Juntamente com a enóloga da Quinta de Alorna, Martta Reis Simões, estão de acordo que no calhau rolado de Almeirim, Castelão fica muito bem e com óptima expressão aromática (futa preta, mentol, eucalipto). Já Diogo Campilho confessa que não escolhe as variedades só por serem típicas. Não gosta de Castelão por ser muito produtiva, e o solo argiloso da Quinta da Lagoalva não é o melhor para esta casta.
O enólogo António Ventura, que trabalha com várias casas no Tejo, Lisboa e Alentejo é um fã de Castelão, mas reconhece que a casta não se dá em qualquer lado, o melhor resultado consegue-se em solos pobres de areia. Em solos ricos pode facilmente chegar a produções de 25 tn/ha, perdendo as suas qualidades.
A Trincadeira ocupa 783 ha e é a segunda casta mais importante em termos de plantação. David Ferreira chama à Trincadeira “a campeã da rusticidade, num bom sentido”, pois aguenta bem o calor. António Ventura acha que Trincadeira depende bastante do ano, com chuvas facilmente apodrece por ter cachos muito compactos. Por isso, Martta Reis Simões entende que a Charneca, por ser mais quente e seca, é a melhor zona para a Trincadeira. Nos anos bons sem chuva, no final da maturação, consegue-se manter a Trincadeira na vinha mais tempo, o que a casta agradece.
Em número de hectares plantados (653) segue-se a Aragonez que, curiosamente (ou talvez não), nenhum dos enólogos com que falámos entendeu destacar, pela positiva ou negativa.
No quarto lugar fica a casta internacional que conseguiu mais popularidade na região, Syrah, com 565 ha. Tal como acontece noutras regiões do país, também no Tejo a Syrah é consensual entre os produtores. David Ferreira comenta que a Syrah se adaptou muito bem às condições do Bairro, onde os ciclos da videira são mais longos. Segundo António Ventura, de um modo geral, a Syrah dá-se muito bem no Tejo, atingindo óptimas maturações fenólicas. Manuel Lobo, responsável de enologia na Quinta do Casal Branco, propriedade de familiares, vai mais longe e afirma que Syrah se porta bem em todo o lado: no Tejo, no Alentejo e até no Douro. Precisa de solos profundos para não desenvolver aromas sobremaduros. Normalmente, é uma das primeiras a ser apanhada.
Relativamente à conceituada Touriga Nacional, que ocupa 465 ha, as opiniões diferem um pouco. António Ventura é de opinião que a Touriga Nacional se dá muito bem no Tejo, produz 7-8 toneladas/ha em solos de areia ou argilo-arenosos. Antonina Barbosa gosta do carácter que a Touriga desenvolve no terreno de calhau rolado. Diogo Campilho afirma que a Touriga Nacional é boa no Tejo, mas não para fazer um vinho varietal, prefere adicioná-la ao lote – “uma pincelada de Touriga eleva logo o aroma”. Já Manuel Lobo acha que Touriga Nacional no Tejo é um desafio. Relaciona isto com padrões altos da qualidade da casta vindos da sua experiência no Douro, onde a Touriga tem dimensão e fruta, enquanto no Tejo há anos em que fica um pouco mais vegetal. Nos solos mais pobres da Charneca, seca demasiado as folhas, o que leva ao desequilíbrio.
Alicante Bouschet, a casta francesa adoptada por Portugal, também é uma das mais populares no Tejo, registando 406 ha, mas está longe de ser consensual. Enquanto a Companhia das Lezírias faz um monocasta de Alicante Bouschet das vinhas velhas para o seu topo “1836”, Nuno Falcão Rodrigues aprecia a casta, mas agora já não a usa para o seu “Mythos”. Embora a Alicante Bouschet tenha entrado nos lotes das suas primeiras colheitas, teve de a retirar por conferir ao vinho “demasiada rusticidade”. António Ventura é de opinião que Alicante Bouschet não é uma das castas mais expressivas no Tejo: complementa lotes, contribui com estrutura e cor, mas não chega a atingir a elegância que ganha no Alentejo. Fica demasiado vegetal, começa a amadurecer a parte fenólica só com 15%, precisa de mais amplitude térmica diária. É interessante a observação de Manuel Lobo que muitas vezes nas vinhas velhas encontra Alicante Bouschet plantado em conjunto com Castelão. E há uma explicação para isto: Alicante Bouschet tem muita personalidade, mas funciona melhor em parceria com Castelão, que o torna mais amigável e polido (um pouco como o efeito do Merlot no Cabernet Sauvignon, em Bordéus).
E por falar de Cabernet Sauvignon, a casta já mostrou que se dá muito bem na região do Tejo, parece ser muito consensual e está a crescer em popularidade, ocupando agora 291 ha. Dá um óptimo resultado no calhau rolado da Falua e da Quinta da Alorna. Mas não só. “Se a Touriga traz elegância, Cabernet Sauvignon traz frescura ao lote”, diz Nuno Falcão Rodrigues. António Ventura também considera que Cabernet Sauvignon no Tejo é muito interessante, sobretudo no Bairro. “É uma casta muito resistente, amadurece bem e perde o carácter vegetal, se esperarmos por ela.”
Algumas outras castas, menos populares na região, assumem protagonismo em algumas casas. A Quinta da Lagoalva de Cima desde os anos 70 apostou no Alfrocheiro que, segundo Diogo Campilho, tem características que particularmente aprecia: concentração, aroma e frescura.
Nuno Falcão Rodrigues gosta da Touriga Franca porque se adapta bem à região. Desde que consiga uma “linha recta” no final de maturação, sem chuva, dá resultados fantásticos, refere.
Nacionais vs. estrangeiras
As castas estrangeiras, como Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Merlot foram trazidas para a região pelas gerações anteriores com o objectivo de melhorar a qualidade. Isto numa altura em que as castas nacionais eram pouco estudadas e as internacionais tinham resultados comprovados. Quando se percebeu melhor o potencial qualitativo de certas castas portuguesas, também estas começaram a ganhar terreno.
A presença de castas internacionais num lote pode ajudar na exportação. Antonina Barbosa dá o exemplo da marca Tagus Creek, onde se apostou nos duetos de uma casta estrangeira + uma casta nacional (Cabernet Sauvignon + Aragonez, Shiraz + Trincadeira etc.), que chegou a ser a 2ª marca mais vendida no Reino Unido. A Quinta da Alorna também conseguiu excelente resultado comercializando bivarietais nesta base.
Já nos topos de gama, vendidos a 25-30 euros a situação é diferente, repara David Ferreira. A nível internacional não vale a pena competir no Cabernet Sauvignon com Bordéus ou no Pinot Noir com Borgonha. Nesta gama, é melhor apostar nas castas nacionais ou com forte ligação a Portugal (o caso de Alicante Bouschet). Nuno Falcão Rodrigues partilha a mesma opinião, sobretudo no que toca aos mercados maduros. Mas “se estivermos a falar de mercados como a China ou a Rússia, onde a Touriga Nacional é uma espécie de dinossauro, convém colocar no blend alguma coisa que possa ser entendida pelo consumidor local.”
E como podemos constatar, nos topos de gama tintos, mesmo que as castas internacionais integrem o lote, não são predominantes.
O que deve ser um grande tinto do Tejo?
“Um topo de gama deve ser fiel ao terroir”, diz Antonina Barbosa. As castas podem variar ao longo dos anos, mas o terroir é o mesmo. No caso da Falua, os melhores resultados vêm da vinha do calhau rolado, sem rega e com produções baixas a nivel de 5-6 tn/ha. David Ferreira, num vinho de topo, procura qualidade numa base vitícola, ou seja, de determinadas vinhas. Normalmente, “são as mais velhas que têm maior equilíbrio, maturação mais longa e complexidade aromática”, diz. Por exemplo, na Companhia das Lezírias e na Casa Cadaval isso acontece com as vinhas de Alicante Bouschet.
Já Diogo Campilho, para o seu tinto mais ambicioso procura o que a região oferece: aroma, intensidade, elegância. Presta muita atenção ao nariz e à frescura de boca. “Os vinhos têm de ser frescos, gastronómicos. Assim, podem ter 14,5% e não se sentir o álcool”. Martta Reis Simões, por seu lado, em topos de gama procura a identidade da região. Acha que os vinhos do Tejo, e particularmente, da Charneca, se destacam pela frescura em boca, corpo e elegância. Segundo Nuno Falcão Rodrigues, o Tejo pode não ter uma identidade única, mas tem vários estilos. Um topo de gama tem de expressar, antes de tudo, o seu próprio estilo que inclui a região, a quinta, o terroir e o produtor.
O Tejo e o consumidor
Nas garrafeiras especializadas, onde se vendem os vinhos mais ambiciosos, os vinhos do Tejo representam cerca de 5% da oferta, ainda que a sua presença tenha vindo a crescer. Como o consumidor muitas vezes segue modas e tendências, a procura espontânea pelos vinhos do Tejo ainda é baixa. Vanessa Neves, da garrafeira “Empor Spirits & Wine”, em Lisboa, e Carla Paralta, uma das proprietárias da Garrafeira “5 estrelas”, em Aveiro, dizem que o consumidor poucas vezes pergunta especificamente por vinhos do Tejo, mas há alguns anos nem procuravam de todo. O consumidor está mais bem informado, dizem, sabe o que quer e aceita sugestões. Quando procuram por casta (Syrah, Pinot Noir, Merlot, por exemplo), há boas opções produzidas no Tejo e isto também ajuda. Mas ao mesmo tempo, ainda “confundem muitas vezes os produtores do Tejo e de Lisboa”, conta Vanessa.
Helena Muelle, proprietária da garrafeira “Wines 9297”, em Lisboa, refere que quando organiza provas cegas, onde inclui os melhores vinhos do Tejo, as pessoas gostam muito e depois ficam surpreendidas, quando a região é desvendada.
Como diz Manuel Lobo, “o Tejo é um diamante em bruto, mas ainda tem um longo caminho a percorrer”. Eu acrescentava que a região vai precisar de todo o profissionalismo e dedicação dos produtores para lapidar esse diamante até começar a brilhar. E todos esperamos que o consumidor não se deixe levar pela imagem de um passado longínquo e demonstre uma maior curiosidade em relação ao Tejo da modernidade. Um Tejo que vale muito a pena re(descobrir).
(Artigo publicado em Outubro de 2020)[/vc_column_text][vc_column_text]
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Herdade do Mouchão: Um primeiro entre iguais
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TEXTO: Nuno de Oliveira Garcia
FOTOS: Ricardo Gomez
Passo por Casa Branca, não longe de Sousel, e a Herdade do Mouchão aproxima-se entre sobreiros, pinheiros e eucaliptos enormes. Este é o momento em que penso sobre o que significam para mim os vinhos do Mouchão.
Da memória surge-me a prova mítica da colheita de 1974 (com o João Paulo Martins e o cineasta João Canijo), do melhor tinto de 1954 (Reserva 1954) que já bebi, e óptimas garrafas de 1963 e 1969, e 1982 (a última com o advogado e amigo Ricardo Reigada Pereira). Recordo, ainda, a minha convicção de que um Mouchão é uma marca de vinho tinto que transpõe as barreiras da região e de gerações.
Comecei a prová-lo, sempre tinto (as actuais versões brancas são nas referências Ponte e Dom Rafael), faz muito tempo, mas Mouchão sempre foi Mouchão, um ‘primus inter-pares’, um daqueles poucos vinhos que faz tremer e temer os melhores tintos das demais regiões portuguesas.
A frescura de um terroir mais nortenho que o habitual na região, em conjunto com notas clássicas alentejanas (em parte fruto do uso de alguma Trincadeira), e uma longevidade lendária, há muito que são atributos da marca procurados por seguidores exigentes.
Rigorosamente, não há nada de vulgar na Herdade do Mouchão, nem sequer os enormes eucaliptos que acima referi e que provém, nada menos nada mais, do que da Nova Zelândia, trazidos por membros da família Reynolds, ali plantados faz mais de um século. No que respeita a história, aliás, o Mouchão é ímpar na região, sendo ainda hoje a adega comercial (não-familiar) mais vetusta do Alentejo, datando de 1901 (o edifício estaria totalmente terminado em 1904).
Mas vamos mais atrás ainda no tempo… pois foi ainda antes da segunda metade do século XIX que família Reynolds funda a companhia ‘Thomas Reynolds & Son’ e se instala no norte de Portugal, comercializando Vinho do Porto, azeite, mel, lã, e cortiça em prancha. A cortiça comercializada provinha de várias herdades a sul, do Montijo ao Alentejo, incluindo a Herdade do Mouchão, e algumas até em Espanha, todas arrendadas pela família. Em 1870, com o desenvolvimento da venda da cortiça como área de negócio, parte da família, então liderada por John Reynolds, instala-se definitivamente no Alentejo, comprando a Herdade do Mouchão e, assim, controlando a cadeia de produção desde o início.
Dez anos volvidos, chegam à herdade dois académicos da Universidade de Montpellier peritos em solos e castas, e uma vinha de Alicante Bouschet é, pela primeira vez, sugerida e aconselhada para solos alentejanos (diz-se que os próprios professores teriam trazido algumas varas da variedade que na altura representava um progresso por ser tintureira). Pouco depois, a casta é efectivamente plantada na herdade e, atualmente, é raro encontrar um topo de gama em todo o Alentejo sem esta uva no lote!
Aliás, os solos de aluvião onde se encontra a Vinha dos Carapetos – de onde provém as uvas para o imponente topo de gama Tonel 3-4 – foram primeiramente plantados com Alicante logo em 1890. Mais uma década volvida, e é construída a adega onde os vinhos começariam a ser produzidos para, em parte serem vendidos a granel (em garrafão ou barrica) sobretudo em Lisboa, e outra parte para consumo da casa e dos trabalhadores da herdade. Sim, por que quando falamos do Mouchão falamos, como noutros lugares do Alentejo, de uma herdade no sentido clássico e enquanto núcleo económico e social, produzindo-se cortiça, azeitona para azeite e, claro, vinho. E ainda aguardente, a partir da destilaria da propriedade datada de 1929, prática que anda hoje se mantém, a par de um tinto generoso de grande qualidade.
Uma casa com muita história
Por tudo isto, a fama dos tintos do Mouchão não é propriamente recente… O primeiro engarrafamento é de 1949, mas só a partir de 1950 do século passado começaram a ser rotulados e vendidos (se puderem, não deixem de tudo fazer para provar uma garrafa de 1954) e, durante os 25 anos seguintes, são produzidas várias colheitas magníficas – muitas delas a dar ainda óptima prova e a serem comercializadas a preços pouco comedidos –, sempre com um lote a partir de uma maioria de Alicante Bouschet, com alguma Trincadeira.
Este trajecto seria apenas interrompido com a Revolução de Abril (1974) e, mais propriamente, com a expropriação, pouco depois, da propriedade. Algumas colheitas mantiveram o nível alto, como a histórica de 1974, mas também as de 1979 e de 1982, e existe a particularidade de algumas garrafas terem um rótulo com referência à ‘Cooperativa de Produção Agrícola 25 de Abril de Mouchão e Anexos’ a lembrar-nos, precisamente, desse tempos agiutados. A propriedade entraria, todavia, em declínio, e a vinha e adega progressivamente abandonadas.
Em 1985, pela mão de Albert Reynolds, a família recupera o património e rapidamente começa a retomar os negócios. Os tonéis começam a ser recuperados (tarefa que demorou mais de dois anos a terminar), a eletricidade é instalada (imagine-se, apenas em 1991!), e a adega inicia obras de reconstrução que mantiveram a traça e funcionalidades originais. Também a vinha foi parcialmente recuperada e foram plantados 27 hectares entre 1988 e 1995.
Hoje, a vinificação pouco difere das gloriosas décadas de cinquenta a sessenta, com a vindima a começar bem cedo pela manhã. Tirando o cuidado com o uso de caixas de 15 quilos, tudo o resto é praticamente igual desde há décadas. A fórmula é o que sai da vinha: produções naturalmente baixas (nunca superiores a 4,5 ton./ha.), bagos pequenos, película forte, entrada em lagar sem desengace. Claro que existe uma equipa atrás, sendo atualmente liderada por Hamilton Reis na enologia (que transitou do projecto Cortes de Cima). Para o enólogo, é a acidez transversal dos vinhos e a sua textura (até nos mostos, confidencia-nos com um sorriso), que o surpreende a cada dia. João Alabaça, adegueiro há praticamente trinta anos (filho e neto de adegueiros da casa), continua de pedra e cal, e o jovem Joaquim Gomes é o responsável pela viticultura. Paulo Laureano, que anteriormente capitaneou a enologia, mantem-se activo no projeto, agora como consultor, com a missão de manutenção de um estilo que tanto sucesso augurou.
A propriedade é resultado da junção de quatro herdades e compreende cerca de 900 hectares, dos quais 700 de montado, 65 de olival e 43 de vinha, produzindo-se ainda mel. O topo de gama é o já referido Mouchão Tonel 3-4, exclusivamente de Alicante Bouschet, da histórica Vinha dos Carapetos, cujo nome resulta do estágio por três anos em dois tonéis (lá está: n.º 3 e n.º 4) de aduelas de castanho e carvalho com fundos de macacaúba e mogno. O clássico Mouchão mantém-se produzido a partir de uma maioria de Alicante Bouschet e Trincadeira, com algum Aragonez em algumas colheitas. À semelhança do seu irmão, estagia em tonéis antigos, amadurecendo ainda por dois ou mais anos em garrafas (a colheita agora lançada é a de 2014 – ver nota de prova).
A marca Ponte – até agora denominada Ponte das Canas (derivado de outra vinha famosa da herdade) – é criada no final da primeira década no novo século, procurando-se manter o know-how e técnicas típicas da casa, mas conjugado com as castas Touriga Nacional, Touriga Franca e Syrah. Por fim, o Dom Rafael, marca criada ainda nos anos ’80 do século passado, e nascida das vinhas antigas de Aragonez e Castelão, desde há vários anos também com referência em branco assente Antão Vaz, Arinto e Fernão Pires (e algum Perrum em antigas colheitas). São, no total, nove os lagares da adega e pouco mais de 200 mil garrafas por ano. A gestão cabe à sexta geração à frente da Herdade do Mouchão, e é encabeçada por Iain Reynolds Richardson que tem um único desígnio: manter todas as técnicas tradicionais – da apanha a mão, à pisa a pé, passando pelas prensas manuais – e melhorar cada vez mais o vinho final. Se é que é possível melhorar o que já é quase perfeito…
(Artigo publicado na edição de Outubro 2020)
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Entrevista Leonor Freitas: “O vinho não é para quem o faz, é para o consumidor”
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[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Em 23 anos, levou uma empresa familiar vitícola baseada na venda a granel, à dimensão planetária. A Casa Ermelinda Freitas, fundada pela sua bisavó Leonilde, passou também pela avó Germana e pela mãe Ermelinda, que passou a pasta à filha quando se rendeu à sua capacidade para o negócio. Não foi um erro.
Em 2008, o seu Syrah Reserva 2005 foi eleito o melhor vinho tinto do concurso francês Vinalies Internationales. A partir daí, ninguém a parou. Em 2018 comprou uma quinta nos Verdes com 7,6 hectares de vinha, em Póvoa do Lanhoso, e outra no Douro Superior com 20, junto a Foz Côa.
Em 2020, a Casa Ermelinda Freitas produziu 22 milhões de litros e facturou 29 milhões de euros. De seu nome Leonor, é a “Dona Ermelinda”. Embaixadora de Portugal e do mundo rural, a Senhora do Castelão de Palmela.
TEXTO Mariana Lopes
FOTOS Ricardo Gomez
Um dia, o seu principal cliente deixou de lhe comprar vinho e viu-se com um enorme problema em mãos. Procurou resolvê-lo, e chegou onde chegou. Acha que, como diz o provérbio, há males que vêm por bem?
Não tenho dúvida disso. Costumo dar, precisamente, o meu exemplo aos jovens. Cheguei à Casa Ermelinda Freitas cheia de força, “sabendo que não sabia”, e quando, em 2002, esse grande cliente que nos comprava o vinho, que ajudou a nossa família ao fazê-lo e pelo qual nós tínhamos uma grande admiração, disse que não comprava porque não precisava… até me ficou na memória, até hoje, o sítio e a hora.
Por momentos, achei que era a nossa insolvência. Já tinha criado a marca Terras do Pó, mas apenas com 7 mil garrafas, e era da venda a granel que dependíamos economicamente. Durante dois dias não pensei noutra coisa. Mas, não há dúvida que aquela dificuldade se transformou numa oportunidade, porque resolvi lançar o bag-in-box M.J. Freitas [o nome do pai, Manuel João de Freitas], que na altura as pessoas não identificavam com grande qualidade, apesar de estar, inclusive, apto a Denominação de Origem. Não posso dizer que não tive receio, mas tinha de arranjar uma forma de vender o vinho que tinha.
Chamei o Jaime Quendera, o nosso enólogo, e disse-lhe que íamos fazer um bag-in-box bom, com bom vinho. E, de facto, foi uma aposta certa. Esse “bag” tomou umas proporções em Portugal e lá fora que ultrapassaram tudo o que eu pudesse imaginar. Era o melhor bag-in-box que as pessoas já tinham encontrado. Hoje, continuamos a vendê-lo imenso e nem alterámos a imagem, por causa disso. Isto para dizer que a grande dificuldade que eu senti, o facto de não ter cruzado os braços e ter ido à procura de soluções, tornou-se numa oportunidade, e também porque aí eu cortei os laços, comecei a pensar em marcas e fomos para a frente. Se não tivesse havido este corte, a Casa Ermelinda Freitas não seria hoje o que é. A minha vida tem sido feita destas lutas, e eu tenho a sorte de ser muito lutadora.
Quando se lançou na comercialização de vinho engarrafado, este negócio na Península de Setúbal estava nas mãos de duas grandes empresas. Alguma vez pensou que viria a tornar-se um dos “grandes” de Setúbal?
Não, nunca pensei. Nem a minha família pensou. Ainda hoje tenho dificuldade em interiorizar isso, quando vejo números. Primeiro, eu só queria manter os meus 60 hectares, vender vinho a granel e não vender o que era da família. Depois, quando comecei a engarrafar, só queria fazê-lo com a minha produção. Mais tarde, comecei também a comprar vinhas, a familiares e vizinhos.
Tudo isto começou a ser uma bola e eu vou sendo arrastada e enrolada nela [risos] e, de facto, aconteceram coisas que eu nunca esperaria e que as pessoas me conhecessem em todo lado e me chamassem “Dona Ermelinda”, o que é um fenómeno muito engraçado. Quando vim para ajudar a minha mãe, tornei-me no rosto do projecto e por isso as pessoas me chamam assim. Pedem-me para tirar fotografias e eu acho que os consumidores merecem tudo.
Agradeço todos os dias, houve muito trabalho e muita luta, até com a natureza, num sofrimento que nos liga à terra e nos dá vida. Hoje, percebo a minha família, e tenho a sorte de ter um produto de afecto, com que se festeja tudo, um produto de comunicação, e eu gosto muito de comunicar. Encontrei-me, nesse aspecto, e realizei-me muito. Venho de uma família de pessoas honestas e simples, e tenho muito orgulho em dar continuidade ao que é da família, e de ter também aqui os meus filhos, o João na informática e a Joana a assumir muitas partes da gerência.
Sempre sentiu que o seu desígnio de vida passaria pela vinha e pelo vinho?
Não, embora tenha tido uma infância muito feliz aqui, isto era muito isolado. Estudei com candeeiro a petróleo, só tivemos luz eléctrica em 1979. Só no ensino superior é que fui para Lisboa. Fui muito feliz meio das vinhas, das batatas, do milho, e do feijão, mas sempre pensei que a minha vida seria fora daqui, que queria o Mundo.
Havia uma grande discrepância entre o meio rural e o meio urbano, até do papel da mulher e do homem. O meu pai queria muito que eu estudasse e eu queria muito sair daqui, por isso nunca pensei que a minha vida passaria por isto. Quando saí, tudo o que queria era não voltar. Tive a sorte de, quando o meu pai faleceu, já ter maturidade suficiente, com 40 anos, para querer vir para Fernando Pó.
Senti também que tinha de vir ajudar a minha mãe que, apesar de ser uma mulher de negócio e com grande perspicácia, nunca tinha ido a um banco, porque supostamente lhe ficava mal assumir essas partes. Era o meu pai que ia. Então, faltava-lhe isso e eu vim colmatá-lo. Foi duro para ela, não tinha confiança na menina que tinha vindo da cidade. Eventualmente, reconheceu que eu sabia fazer coisas que ela não sabia.
Os vinhos que produz abarcam diversos segmentos de preço mas são, sobretudo, vinhos “democráticos”, vinhos que estão em todo o lado e de que toda a gente gosta. Esse conceito de fazer bom vinho a bom preço e facilmente disponível é algo em que pensava desde o início ou a empresa acabou naturalmente por seguir esse modelo?
Quem está habituado a vender vinho a granel, está também habituado a mais-valias muito pequenas. Se eu tivesse continuado a fazer vinho a granel, talvez só tivesse criado, por exemplo, um vinho de topo para dar nome à casa. Mas como houve necessidade de expandir o negócio, foi uma opção, desde o início, ir ao encontro do consumidor com bons vinhos a bom preço, colocá-los no máximo de sítios possível. Estar nas feiras todas e ir logo lá para fora vender também foi prioridade. Fui três vezes ao Brasil e não vendi nenhum vinho, por isso é que digo que é muito importante não desistir. No início eu fazia de tudo, e isso também me deu um conhecimento geral do sector.
A Casa Ermelinda Freitas tem também, pelo menos, um vinho de grande ambição, um Castelão de referência posicionado no segmento mais alto, o Leo d’Honor. Curiosamente, não é tão fácil de encontrar no mercado quanto os seus outros vinhos e o 2013 terá sido o último a ser lançado. Ser também conhecida por fazer grandes vinhos não é tão importante para si?
Nós também temos o objectivo de fazer vinhos mais emblemáticos. Temos, neste momento, o Leo d’Honor, que fazemos em pequenas quantidades e que queremos que venha a assumir mais importância. As vinhas têm 70 anos e este é um Castelão diferente. Sem dúvida, temos aspirações e está na calha fazer mais vinhos de um nível superior. Estamos satisfeitos mas não estamos conformados, a sociedade está sempre a evoluir e nós temos de ir ao encontro dessa dinâmica.
O número de medalhas e troféus que os seus vinhos têm ganho no mundo inteiro é incontável, absolutamente impressionante. Qual é o segredo? Uma medalha ajuda a vender?
Já passam dos mil, os prémios que ganhámos desde 1999. Só este ano já passam dos 80. Devo dizer que, antigamente, fazíamos um jantar quando recebíamos um, eu fazia um discurso e lembrava a minha equipa que aquele prémio também era deles. Hoje, sou sincera, pergunto ao Vítor [assessor de administração da Casa] “o que é que ganhámos ontem? Ah, foi isso? Ainda bem, ainda bem”, e pronto.
Não sei qual é o segredo, mas esta é uma grande região, que não é tão reconhecida como deveria ser, e eu tenho uma grande equipa. Nesse aspecto tenho de agradecer especialmente ao Jaime Quendera, que supervisiona os vinhos. Também é o facto de pensarmos que temos de ir ao encontro do consumidor, que não estamos a fazer vinho para o nosso gosto, só para nós bebermos. Acima de tudo, os prémios têm-nos dado a aferição de que estamos no caminho certo. E sim, uma medalha ajuda a vender, cá em Portugal e muito lá fora. Há quem pergunte quais são os vinhos medalhados, e só queira comprar esses. E ajuda também o nosso ego…
“Temos aspirações, e está na calha fazer vinhos de um nível superior.”
Há um “antes” e um “depois” do Syrah 2005?
O Syrah 2005 ajudou-nos muito, porque aconteceu numa altura em que estávamos a começar. Principalmente a divulgar a nossa existência. No ano seguinte, o concurso Vinalies, que lhe deu o prémio, enviou o folheto de inscrição para o mundo inteiro e, no final, dizia algo como “Concorra, queira ser como este”, e era a nossa garrafa do Syrah que lá estava. E isso foi um orgulho enorme, daquelas coisas que pensamos que nunca nos acontece. Eram 3800 vinhos, de 36 países. Ao final, chegar um vinho português e esse vinho ser da Casa Ermelinda Freitas… tem de haver uma estrelinha da sorte. Eles devem ter achado que era um vinho francês, é uma das vantagens da prova cega…
O crescimento da casa tem sido tremendo ao longo das últimas duas décadas, numa média de 8 a 10% ao ano, e isso é visível não apenas no mercado mas até no que está à vista, em termos de vinhas, armazéns, adegas. Não é difícil controlar um crescimento tão rápido?
Têm sido umas dores de crescimento enormes e muitas noites sem dormir. É fazermos uma obra, que eu dizia que era a obra da minha vida, e quando a acabamos ela já estar pequena. É um investir permanente, que não nos dá espaço para parar. E, depois, lutar com tudo, desde não ter licença para alargar instalações e termos de a conseguir, às máquinas que avariam. Mas eu não preciso de dinheiro, preciso de investimento para que o consumidor continue a gostar dos vinhos, porque tudo muda, e para continuar a criar postos de trabalho. Hoje é tudo tão rápido que, se não estivermos atentos, somos ultrapassados. Mas tem sido bom, sobretudo porque tenho quem me acompanhe nisso.
Com a pandemia, muitos produtores de vinho começaram a intervir mais ao nível social. Mas isso é algo que a Leonor faz desde há muito, impulsionando e dinamizando diversas obras sociais na região. O facto de ser uma grande empregadora e de si dependerem muitas famílias, sobretudo na agricultura, tem desenvolvido essa sua consciência social?
Eu compro uva a mais de uma centena de proprietários, tanta quanto a que tenho, e isso também é uma responsabilidade social minha, aqui. É certo que preciso dessas uvas para fazer vinho mas o que é que essas pessoas fariam a este jardim enorme de vinhas se não lhes comprássemos as uvas? Precisamos de ajudar estas pessoas porque há aqui muitos pequenos proprietários. É também o nosso papel, ajudar a região. As empresas têm obrigação de ajudar socialmente. Eu sou privilegiada, porque me tem acontecido muita coisa boa, mas nasci aqui no mundo rural, nem saí para ir para o hospital quando nasci. E os consumidores têm-me ajudado muito ao preferir o meu vinho, por isso tenho a obrigação de devolver à sociedade. É nesse sentido que tenho tido muitos projectos sociais, uns mais organizados e outros menos.
Tenho um que se aproxima mais daquilo que eu acho que deviam ser estas iniciativas. Há um centro em Algeruz que acolhe jovens delinquentes, com vidas muito difíceis, que tinha um hectare de terreno sem nada, onde eu plantei uma vinha de Moscatel, para os motivar para o trabalho e despertá-los. Tratam dela o ano inteiro, vêm cá, vendem as uvas… mas é um trabalho muito difícil, nem todos têm disposição. Não vamos recuperar os 20 que lá estão, mas se conseguirmos um, dois ou três, já é muito bom. Já vamos para a quarta vindima. Mas é o que eu acho que devia ser feito, não dar o peixe, mas ensinar a pescar. Sinto uma grande responsabilidade de valorizar o trabalho do campo, dignificá-lo, porque eu não sou mais do que uma rural. Para estar bem comigo mesma tenho de sentir que estou bem com os outros e que faço o que posso pelos outros. E foi a minha família, que tinha apenas a quarta classe, que me transmitiu isto.
Os projectos assentam em pessoas e Jaime Quendera está consigo desde o início. Que importância tem tido o trabalho e a presença dele no seu negócio?
Tem tido muita importância. Entre nós há quase uma simbiose, entre o que ele pensa e o que eu penso, entre o que gostamos e o que achamos correcto. Tem sido a pessoa fundamental para a Casa e toda a linha que seguimos. Há aqui uma amizade, ele não é um simples enólogo, é um amigo com quem se partilha alegrias e dificuldades. Formou-se entre nós uma grande família. Temos uma grande confiança um no outro. Se me perguntarem qual a minha pessoa de total confiança além dos membros da minha família, é o Jaime Quendera.
Há muitos negócios de vinho que não passam por ter vinha. Mas o seu começou pela vinha, depois pela produção e venda a granel, a seguir pelo engarrafado. Com 550 hectares só na Península de Setúbal, a vinha continua a ser muito importante para o seu projecto de vida…
É muito importante, eu gosto imenso de comprar vinhas. Tenho de fazer adegas e comprar depósitos porque é necessário para a enologia. Mas do que eu gosto mesmo, é da vinha…
Apesar de ser uma referência na produção de Castelão, até pelo terroir especial de Fernando Pó para esta casta, desde o início que apostou em muitas outras variedades, diversificando muito toda a sua gama de vinhos. Está contente com essa aposta?
Quando comecei a ir para o mercado externo, comecei a criar as outras castas porque o Castelão não dizia nada às pessoas lá fora. Elas não provavam o nosso Castelão se nós não tivéssemos um bom Cabernet, um bom Sauvignon Blanc, etc. Aproveitámos isso para entrar nos outros países. Dávamos a provar as castas que eles mais conheciam e depois dizíamos “então agora prove o nosso Castelão, que de certeza que vai gostar”. E gostavam, de forma geral.
Foi também para diversificar e fazer pedagogia com o vinho cá em Portugal. E tem resultado muito bem, tenho tido muito sucesso com os monocasta. Apesar de tudo, continuo a dizer que não quero deixar de ser a Senhora do Castelão de Palmela. No entanto, estou muito contente com essa aposta nas castas, que agora são 31 plantadas nas nossas vinhas. No início, só tinha Castelão e apenas 5% de Fernão Pires…
O Moscatel de Setúbal é relativamente recente no seu portfólio. Mas o mercado do Moscatel é ainda muito regional, com pouca expressão nacional e na exportação. O que poderia ser feito para dar outra dimensão a este vinho emblemático de Setúbal?
Acho que o Moscatel de Setúbal foi, em tempos, mal-tratado. Aparecia em garrafas feias, não havia divulgação. Mesmo hoje, falta comunicação e marketing. Eu estive em Londres, numa feira de clube onde nós vendemos, e havia vinho do Porto mas eu levei, também, Moscatel. Os ingleses chamavam-se uns aos outros e diziam “Vem provar, que é bom, mas não é Porto!”. Eles só conhecem vinho do Porto e não conhecem Moscatel mas, quando provam, gostam muito. Hoje, temos todos bons Moscatéis, com boas imagens, e falta divulgarmos e afirmarmos em conjunto o Moscatel.
É uma responsabilidade de todos nós. Aqui, nas terras de areia, antigamente não se plantava Moscatel porque dizia-se que não se dava. Ele aqui é, de facto, diferente do da Serra da Arrábida, e isso é muito giro, complementam-se. Na edição deste ano do Muscats du Monde, foram várias as adegas daqui que ficaram no Top 10. Nós também lá estamos, mas foi a Venâncio da Costa Lima que ganhou o primeiro lugar, e ainda bem! Porque eu acho que é uma excelente maneira de, pouco a pouco, nos irmos afirmando.
“Uma medalha ajuda a vender. Há quem pergunte quais são os vinhos medalhados, e só queira comprar esses.”
Tem uma excelente quota de mercado em Portugal mas já exporta 40% da sua produção. A tendência é para crescer lá fora?
Essa também é a vontade, mas muita é a de crescer cá. Ainda temos mercado para crescer mais um pouco no mercado nacional. Ainda estamos pouco distribuídos no Norte, por exemplo. E no Algarve também há margem. No entanto, sim, sobretudo crescer lá fora. O nosso director do mercado externo anda a viajar muito nesse sentido.
Em anos recentes, o seu mundo vitivinícola alargou-se, estendendo-se da Península de Setúbal para o Douro e para a região dos Vinhos Verdes. O que é que a atrai nestas regiões? São apenas investimentos estratégicos ou é também apreciadora dos vinhos ali produzidos?
Gosto das regiões e dos vinhos que lá são produzidos. Tudo começou por uma paixão que tenho pelo Douro. Quando o visito, fico sempre apaixonada pela dificuldade que é tratar aquelas vinhas, pelo contraste entre o rio e as vinhas. É um amor enorme. Sempre disse “Como eu gostava de ter uma quinta…”, mas pensei que nunca seria possível. Entretanto, quando andava a pensar muito no Douro, apareceu a hipótese do Minho. Nunca tinha pensado nisso, mas como lá fora perguntam muito por Vinho Verde, achei que seria uma oportunidade, pensando que não conseguiria comprar no Douro.
Adquiri a Quinta do Minho, equipada com adega, para complementar o portfólio. Este processo demorou algum tempo e, quando já estava comprometida com a compra da Quinta do Minho, aparece-nos uma no Douro Superior que correspondia ao meu sonho. Ia até ao rio, com margem de mais de um quilómetro, a vinha muito bonita e uma paisagem maravilhosa. Fiquei num dilema. Mas aquela Quinta de Canivães correspondia nitidamente à imagem do meu sonho. Sabia que seria difícil recuperar dois grandes investimentos juntos, mas disse ao Jaime “acho que já tenho direito a ter um sonho”. E comprámos. Dos Verdes já temos vinhos no mercado. Do Douro já vendemos uvas, sendo a maioria de Letra A, e também já temos vinho mas está a estagiar, numa adega alugada.
Está na calha mais algum investimento noutra região?
Não. Não se pode dizer “nunca”, mas agora temos de sedimentar e consolidar estas regiões. Os vinhos têm de ser conhecidos, temos de os vender… mas estou muito feliz pelas duas regiões. São muito diferentes da Península de Setúbal, e entre si, e complementam o portfólio.
Que importância tem ou pode vir a ter o turismo do vinho na Casa Ermelinda Freitas?
Pode vir a ter muita importância. Já tem. Estamos perto de Lisboa e também das praias, zonas turísticas como Tróia, Comporta, todos esses polos que se vão desenvolvendo. O enoturismo é um complemento aos outros tipos de turismo. Neste momento temos isso em pausa, por causa da pandemia, mas iremos reabrir. Temos ideia de fazer parcerias com Tróia e Comporta, e estávamos a planear um investimento aqui, nesse sentido. A nossa adega está preparada para mostrar tudo, e o enoturismo é também uma maneira de fidelizar o cliente e valorizar o mundo rural.
Tem dois filhos a trabalhar na empresa que foi fundada pela sua bisavó, há precisamente 100 anos. Em que medida uma casa de vinhos assente numa base familiar é diferente das outras?
Não sei se é muito diferente, mas a verdade é que quem vem trabalhar para aqui vindo de multinacionais, por exemplo, nota a diferença. Somos muito próximos, das revoluções e dos problemas. Vivemos todos aqui, sabemos tudo o que se passa, os colaboradores são como nossa família. Conhecemos todos os pormenores, temos muita facilidade em resolver problemas no imediato, ou de facilitar uma resolução, de sentirmos o que se está a passar em todos os sectores.
Trabalhamos lado a lado e isso é diferente de uma empresa em que os funcionários mal conhecem o patrão. A porta dos nossos gabinetes está sempre aberta para todos entrarem. Há muita ajuda e sabemos todos que podemos pedir ajuda. Este afecto faz um conjunto harmonioso e forte.
As mulheres sempre tiveram um papel fundamental na empresa, mesmo em épocas remotas em que isso era pouco habitual. Hoje, a Leonor é, provavelmente, a mulher mais influente no sector do vinho em Portugal e é muitas vezes solicitada a contar a sua experiência de vida. Sente que é um exemplo enquanto mulher/empresária ou preferia que a distinguissem pelo seu valor e pelo seu trabalho e por aquilo que atingiu, independentemente do sexo?
Não há profissões para homens e para mulheres, há as pessoas certas nos sítios certos. É verdade que me pedem muito para falar sobre isso e eu termino sempre a dizer isso. Aqui tenho mulheres e homens a trabalhar, todos escolhidos pelo empenho. Por acaso, tenho grandes mulheres aqui, mas porque se têm mostrado muito lutadoras na hora de tentar entrar num estágio, por exemplo. E como a casa está sempre a crescer e acompanham muito bem esse crescimento, acabam por ficar. Mesmo a nível familiar, é uma pura coincidência.
A minha bisavó ficou viúva muito cedo, conseguindo aguentar uma casa agrícola, a minha avó também e era uma mulher cheia de força, que não queria férias nem descanso, que se impôs pelo seu trabalho. À minha mãe aconteceu o mesmo e eu… foi muito trabalho, muita dedicação e, sobretudo, rodear-me das pessoas certas. Cada vez mais acho que a igualdade no trabalho vai ser afirmada. Antes, as mulheres não faziam mais porque não as deixavam, mas sempre tiveram todas as faculdades.
“Sinto uma grande responsabilidade de valorizar o trabalho do campo, dignificá-lo.”
Que mensagem gostaria de deixar a um jovem produtor ou produtora que agora inicia os seus passos no mundo do vinho?
O vinho, neste momento, está muito na moda, é quase lírico. Mas, atenção. Não é fácil começar, há muita concorrência, muito vinho. A pessoa, se gosta, não pode desistir, e a formação é muito, muito importante. Pensar, sobretudo, que o vinho não é para nós, que o fazemos, é para alguém que vai comprar, o consumidor. É um negócio, uma profissão como as outras.
Vender vinho não é fácil, como muita gente pensa. Para mim, basta mudar de região para sentir dificuldades. Tem de se ter amor pela terra, pelo fruto que ela dá, amor pelo próprio vinho e lutar. Quem nos dera que muitos jovens agricultores, ou viticultores, venham dar continuidade a este sector, que precisa deles, com garra, sabedoria e inovação. Tudo para que possamos continuar a ter este grande produto que é o vinho de Portugal.
( Artigo publicado na edição de Setembro 2020)[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”default”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]
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Adegga e revista Grandes Escolhas reforçam mercado dos vinhos online com serviço inovador
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O Adegga e a revista Grandes Escolhas acabam de se associar para criar um serviço inovador no mercado dos vinhos, que permite aos produtores mostrar o seu portfólio na nova e importante “prateleira digital”. Impulsionada pela pandemia, a parceria combina as pontuações do painel de provadores da revista mais influente do país com o acesso à compra através da plataforma líder de vendas online em Portugal.
Os leitores da revista Grandes Escolhas têm à disposição a informação sobre os vinhos pontuados e mencionados, sendo que o site da Grandes Escolhas conta com uma base de dados actualizada de mais de 9 mil vinhos portugueses listados, o que permite aceder instantaneamente através de um link ao site de compras do Adegga e consultar a disponibilidade. Com a nova parceria, os leitores passam também a dispor de uma maior confiança e eficiência na compra de vinho online. As opiniões dos profissionais da Grandes Escolhas cruzam-se com o serviço do Adegga, que conta já com mais de 220 produtores integrados na plataforma.
A parceria, que junta duas empresas líderes no sector dos vinhos, surge após convite do Adegga à revista Grandes Escolhas para ser parceiro exclusivo: “No universo da crítica especializada em Portugal, a Grandes Escolhas reúne a mais antiga e prestigiada equipa de críticos e jornalistas de vinhos portugueses, considerada por consumidores, produtores e outras entidades do sector como uma referência no mundo dos vinhos”, salienta André Ribeirinho, CEO do Adegga.
Com o objectivo de reforçar a independência editorial da revista, “a nossa equipa encara esta parceria como uma oportunidade para explorar novos modelos de negócio com foco nos canais digitais. Todos os dias somos confrontados com perguntas dos nossos leitores a indagar onde podem comprar determinado vinho cujo comentário viram no site Grandes Escolhas ou na revista. Esta parceria com o Adegga resolve esta dificuldade e é com prazer que disponibilizamos mais esse serviço que completa e valoriza a nossa informação”, destaca Luís Lopes, Diretor da publicação especializada.
Para as duas empresas, a parceria reforça o posicionamento do Adegga enquanto empresa inovadora e de referência no serviço ao consumidor, ao mesmo tempo que a revista Grandes Escolhas fortalece a aposta no canal online através de informação de qualidade. No Adegga estão disponíveis pequenos e grandes produtores de todas as regiões de Portugal, integrando marcas de referência como Casa Ferreirinha, Esporão, Chryseia, Anselmo Mendes, Poças, Casa de Vilacetinho, Rui Roboredo Madeira, Quinta Maria Izabel, Vicentino, Real Companhia Velha, entre muitos outros.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”default”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]
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