Titan: Os vinhos de altitude de Luís Leocádio
Luis Leocádio, 35 anos, enólogo e proprietário do projecto Titan, é natural da aldeia de Trevões, concelho de S. João da Pesqueira. Noutros tempos era conhecida como Trovões por ser uma zona de altitude sujeita a tempestades, com muita queda de granizo. “Mas essas condições climáticas alteraram-se para um clima mais ameno, e hoje a […]
Luis Leocádio, 35 anos, enólogo e proprietário do projecto Titan, é natural da aldeia de Trevões, concelho de S. João da Pesqueira. Noutros tempos era conhecida como Trovões por ser uma zona de altitude sujeita a tempestades, com muita queda de granizo. “Mas essas condições climáticas alteraram-se para um clima mais ameno, e hoje a terra é conhecida como Vila do Trevo devido a haver, por lá, muitos trevos”, conta o proprietário do projecto Titan. Saiu cedo de casa, com 12 anos, para estudar na Régua e terminar o ensino básico. Os pais, agricultores, trabalhavam na Quinta dos Lagares, em Favaios, Alijó, onde também viviam, tal como o enólogo fora do período escolar. “Foi aí que comecei a trabalhar durante as férias de verão, a partir dos 14/15 anos e a assumir alguns trabalhos de vinha e adega, porque o proprietário da quinta mos imputava”, conta.
A atracção pelo mundo rural
Quando chegou à altura de entrar na faculdade, ainda tentou escapar ao destino entrando, na primeira fase de candidaturas, em Gerontologia para fugir do mundo rural. Mas, 15 dias depois, decidiu deixar de resistir e foi para aquilo “que já sentia que era o que gostava”. Foi então que entrou no curso de Engenharia Agronómica em Viseu, onde fez a especialidade de Viticultura e Enologia. Conta que as coisas correram de tal forma bem que, ao final do primeiro ano, foi logo convidado por João Paulo Gouveia, docente da Escola Superior Agrária de Viseu e hoje também vereador do Município, para trabalhar no sector de enologia da empresa de consultoria em viticultura e enologia que detinha com outros sócios, a Vines & Wines.
Isso foi-lhe muito vantajoso e deu-lhe “um grande arcaboiço”, dado que a empresa tinha mais de 30 clientes. Eram sobretudo projectos da Beira Interior e do Dão, mas também da Bairrada e Douro, e o trabalho que foi desenvolvendo constituiu uma boa experiência. “Aprendi muito e cresci como enólogo”, conta Luís Leocádio.
Após terminar o curso decidiu voltar para o Douro, porque é lá que se sente bem. Trabalhou primeiro com João Cabral de Almeida em projectos dos Vinhos Verdes e do Douro a que este enólogo dava apoio, como a Casa da Calçada, no primeiro caso, e a Quinta do Estanho, no segundo, “que ele depois passou para mim, cerca de 2015, por não ter tempo”, revela.
Com o passar dos anos também passou a trabalhar na Quinta do Cardo, quando esta pertencia à Companhia das Quintas e noutros projectos mais pequenos. Entretanto já tinha iniciado o projecto pessoal, de forma ainda muito pequena e experimental. Foi a partir de 2018 que o Titan começou a crescer e a Luis Leocádio a dispensar-lhe cada vez mais tempo até que, em meados de 2019, passou a focar-se quase a tempo inteiro nele, apesar de ainda manter algumas consultorias.
As terras altas do Douro, onde a vinha rareia e se cruza com o olival tradicional, é o lugar onde se situam as parcelas que dão origem ao Vale dos Mil branco, tinto e rosé.
A aposta nas origens
Quando criou o projecto Titan, Luis Leocádio queria essencialmente “defender a honra das suas origens”, uma zona do Douro que está em crise há muito. “É um território de altitude, que já não tem quase direito a benefício em termos de licenças de produção de Vinho do Porto”, conta o enólogo, explicando que Trevões tinha uma adega cooperativa com uma capacidade de 15 milhões de litros de vinho e uma área de vinha significativa até que, à volta de 2010, “com as quebras constantes do benefício e libertação das licenças, as pessoas foram sendo convidadas a vender as suas e toda a gente arrancou a vinha, que passou a ser mais rara”.
Luis Leocádio, que via, ali, uma zona com muitos anos de provas dadas, acreditou que investir nela podia ser uma aposta com futuro. “Tem as capacidades certas para produzir vinhos frescos e mais gastronómicos, aqueles que o mercado procura cada vez mais”, conta. Explica, também, que se apaixonou, desde muito cedo, por aquela paisagem de montanha e de vinhas velhas, e decidiu investir. Começou por produzir a partir de dois talhões, poucas quantidades de vinho, cerca de mil litros de branco e dois mil de tinto no primeiro ano, parte com estágio em barrica e parte com estágio em barro. “Como os resultados foram muito bons, decidi que era ali que iria desenvolver o meu projecto, não só porque era diferenciador e tinha muita ligação à terra, mas também porque me permitia apresentar, ao mercado, vinhos distintos”, explica.
Tradições das aldeias
Depois de comprar ou alugar vinhas velhas que foi procurando e seleccionando, começou a produzir vinhos baseando-se nas tradições das aldeias da sua zona. É um conhecimento que foi adquirindo com a leitura de alguns documentos que contam a história do dia a dia das pessoas da região, incluindo a forma como faziam agricultura e trabalhavam os seus vinhos. E estes foram sendo feitos em função do que foi aprendendo, para serem a interpretação de cada terroir em todos os sentidos, pois são de vinhas velhas e resultam de uma viticultura e de uma forma tradicional de fazer vinho.
“Aquele que estagia em barro não é mais nem menos que o reflexo de uma realidade de outros tempos, que encontrei escrita num pequeno excerto de um livro de um escritor da zona, onde contava o dia-a-dia da vitivinicultura da região”, conta o enólogo, revelando que, por ali, os vitivinicultores vindimavam na mesma altura das outras zonas do Douro. Só que, a cerca de 500 metros de altitude, as uvas eram mais verdes e originavam vinhos mais difíceis de beber. Como também não havia grande tradição de valorização, nem dinheiro, nem grandes caves com capacidade para armazenar os seus vinhos, os locais construíam os seus próprios vasilhames, em barro, ou cimento, “e os vinhos melhoravam muito com aquele tipo de estágio, mas mingavam com o passar do tempo, devido à evaporação”, conta Luis Leocádio. “A fermentação era feita em lagar, e os vinhos ganhavam uma ligeira oxidação, porque têm um envelhecimento mais forçado, mais rápido e perdiam água nos depósitos tradicionais usados na zona”, explica o enólogo, acrescentando que, “para além disso, este tipo de recipientes propiciam a precipitação mais rápida dos cristais dos vinhos, contribuindo para que fiquem mais bebíveis, com menos acidez”.
Luís Leucádio com Diogo Martins, o outro enólogo da empresa e o 666, um branco de Távora Varosa produzido com uvas da casta cerceal de uma vinha muito velha.
Um Douro distinto
Os vinhos que Luís Leocádio produz expressam um Douro diferente e o enólogo acredita que trouxeram uma lufada de ar fresco ao mercado, o que contribuiu para o sucesso da sua empresa.
O despertar resultou de uma prova cega de vinhos feita pelo blogger Paulo Pimenta, que já tinha provado alguns. “Estava a cerca de meio ano de os lançar, e ele telefonou-me a dizer que gostava de os ter na prova em primeira mão”, conta, acrescentando que enviou as duas referências que tinha, Vale dos Mil e Estágio em Barro, que acabaram por ser os primeiros classificados dos dois painéis em prova. O resultado originou burburinho e alguma pressão de mercado, “já que muita gente os queria comprar e provar e isso deu-me um pouco mais de confiança para avançar”, explica.
Os primeiros vinhos foram lançados em junho de 2018, em embalagens atractivas e diferenciadas e três meses depois tinham sido todos vendidos. Em Outubro, foram lançados os vinhos de 2017 da gama Titan, que também esgotaram em pouco o tempo, “o que nos criou uma pressão suplementar para aumentar quantidades”. “A partir daí que comprámos mais vinha, e começámos a solidificar e aumentar as parcerias com os agricultores, para produzirmos mais quantidade, mantendo sempre o perfil, já que ainda hoje há margem para crescimento da produção na zona onde colhemos as uvas”, diz Luis Leocádio.
No início, os seus vinhos chegavam sobretudo aos curiosos, aqueles que gostam de provar marcas novas. Mas hoje, com o crescimento do projecto, já o público em geral prova os vinhos, apesar de ainda não estar muito familiarizado com o seu estilo. Têm muita acidez e são sobretudo vinhos gastronómicos, para mesa, que Luis Leocádio gosta de trabalhar com restaurantes e garrafeiras, que “são o melhor veículo” para passar a sua mensagem. “Nós fazemos vinhos para a comida”, afirma.
O custo da diferença
Os vinhos da casa Titan têm preços de mercado muito diferenciados uns dos outros, já que começam próximos dos 12 euros, para os INDIEgente, e vão até aos cerca de 666 euros (preço recomendado) para o Titan Daemon 666, um vinho branco raro de vinhas muito velhas da casta Cerceal. Luis Leocádio diz que procura que o PVP seja o mais justo possível e reflicta o seu custo de produção. No caso das suas vinhas próprias, cerca de seis hectares distribuídos em várias parcelas do Douro Superior, o custo por quilo de uva anda pelos 10-12 euros, dependendo da forma como corre cada ano.
Se houver mais surtos de doenças, que obrigam a mais intervenções na vinha, os custos naturalmente sobem. “São vinhas tradicionais, não mecanizadas e de difícil acesso, que exigem muita mão de obra, num tempo em que ela praticamente não existe”, lamenta o enólogo. Explica, também, que em cada vinha há muitas castas brancas e tintas que são vindimadas em separado, o que contribui, também, para o crescimento de custos. O preço por quilo de uva nos viticultores parceiros é, apesar de elevado, mais baixo do que o das vinhas próprias. “É essa uma das grandes diferenças que influenciam os preços das diferentes referências de vinhos que colocamos no mercado”, diz Luis Leocádio, dando o exemplo dos vinhos Vale dos Mil, de vinhas velhas, que têm o PVP de 35 euros, enquanto os INDIEgentes, de vinhas de parceiros, custam cerca de 12 euros. “São os valores justos, que têm em conta todos os custos, embora, em termos de qualidade, os vinhos possam, ou não, valer mais”, defende o enólogo, salientando que nunca foi criticado pelos preços praticados, “porque as pessoas acham-nos justos pela qualidade que os nossos vinhos têm”.
(Artigo publicado na edição de Agosto de 2024)
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