Adega de Ponte de Lima: Em terras de Loureiro e Vinhão

Adega Ponte Lima

O domingo é dia de missa. Talvez nas grandes cidades o apelo religioso não seja tão forte mas sabemos que na chamada “província” ainda é grande a fatia da população que cumpre as suas obrigações cristãs. Na região de Ponte de Lima não será, cremos, diferente. No entanto aqui, se é agricultor, é necessário ir […]

O domingo é dia de missa. Talvez nas grandes cidades o apelo religioso não seja tão forte mas sabemos que na chamada “província” ainda é grande a fatia da população que cumpre as suas obrigações cristãs. Na região de Ponte de Lima não será, cremos, diferente. No entanto aqui, se é agricultor, é necessário ir à missa, mesmo que não haja qualquer convicção religiosa. É que ir ouvir a prédica do pároco é a maneira mais certa de, atempadamente, se saber quais os tratamentos da vinha que são obrigatórios e que não estão dependentes dos caprichos do lavrador. Doenças como a flavescência dourada implicam tratamentos obrigatórios e que têm datas certas; e é na missa que se fica a saber quando se tem de cumprir a obrigação. Há assim um “interlúdio”, uma espécie de “antes da ordem do dia” em que todos os paroquianos ficam a saber o que há a fazer. E numa comunidade em que a Adega Cooperativa funciona como motor da região, foi esta a melhor solução que se encontrou para que ninguém fique sem informação. É ateu? Não é praticante? Vá na mesma à missa que dessa forma fica por dentro dos assuntos que importam.

A Adega Cooperativa de Ponte de Lima nasceu em 1959 e tem um peso enorme na região. Por um lado, está inserida numa zona agrícola e o vinho é uma das actividades principais mas, por outro, ao alimentar muitas famílias o vinho está também a proporcionar o desenvolvimento do comércio e serviços. Fundada com apenas 15 sócios tem hoje 2000 “ainda que só cerca de mil entreguem uvas”, como nos disseram. Estamos então a falar de mais de 4 milhões de quilos de uvas que são “pagos acima do que se pratica no mercado”. Pagar o preço justo, percebemos, é um objectivo sempre presente na acção da direcção porque “é preciso cativar novos produtores que queiram continuar a actividade dos antepassados e temos alguns jovens que estão a tomar conta das vinhas dos pais. Para pagar melhor as uvas têm se aumentar os preços dos vinhos para que o rendimento seja compensador.”

Celeste Patrocínio, a presidente, tem muito orgulho nos sócios, “alguns são descendentes de gente que estava ligada ao vinho no séc. XIX, pessoas citadas por Cincinnato da Costa na obra O Portugal Vinícola (1900) e que contribuíram com uvas para a ilustração do livro”. E há de tudo, desde os que têm apenas 0,3ha até aos que gerem 60ha, esses já altamente profissionalizados.

Loureiro primeiro que tudo

O grande orgulho da Adega é a casta Loureiro, a bandeira do vale do Lima. Aqui estamos em terrenos graníticos mas também com muitas manchas de xisto e há claramente uma influência marítima – temos o mar a 20 e 30 km – e a temperatura amena gera vinhos com grande frescura que são a marca d’água dos Loureiro. Com vinhas antigas é sabido que a variabilidade genética é maior e não se estranha por isso que os vinhos daqui sejam diferentes dos de Ponte da Barca, por exemplo. A casta Loureiro quer terrenos com boa fertilidade para que possa produzir bem e com qualidade. Estamos então a falar de mais de 10 mil quilos por hectare mas há condições para se poder chegar às 14 toneladas.

A zona corresponde, de resto, a uma das nove sub-regiões do Vinho Verde e, tal como acontece em Monção e Melgaço com a casta Alvarinho, também aqui é a casta Loureiro aquela que mais diferencia estes vinhos dos outros que se fazem na região. Na adega contam-nos que foi também a cooperativa a primeira casa a colocar no mercado um vinho varietal com a indicação de Loureiro no rótulo. Corria então o ano de 1982 e, de então para cá, a casta tornou-se emblemática e diferenciadora. É com base nela que a adega organiza o seu portefólio – a produção de branco ocupa 70% e, dentro dos brancos 95% é Loureiro mas a verdade é que a Loureiro não está sozinha. Há outras castas brancas que também servem de tempero, como Fernão Pires, Arinto, Trajadura e Alvarinho (aqui conhecida por Galeguinho) e várias castas tintas.

Pressente-se que o orgulho na Loureiro é idêntico ao da casta Vinhão, a variedade que molda os tintos da região. Ainda que a circulação dos vinhos de Vinhão seja muito regional, na adega há actualmente razões para que a variedade conheça um novo desenvolvimento. Sobre o tema, o experiente enólogo Fernando Moura, responsável pelos vinhos da Cooperativa, explica: “o Vinhão de hoje nada tem a ver com o de há 30 anos; antigamente a casta estava confinada às ramadas que, como sabemos, origina uvas com baixo teor de açúcar. Dessa forma as uvas chegavam à adega com 8 ou 9% de álcool provável e acidez de 10 e 11 gramas. Actualmente com a reconversão das latadas para cordão, temos Vinhão com 12,5% de álcool e 5 gr de acidez. Isso faz toda a diferença”, concluiu. Celeste Patrocínio acrescenta que no último evento Vinhos & Sabores da Grandes Escolhas, “foi com satisfação que vimos jovens chegarem ao nosso stand e quererem provar Vinhão”. À casta Vinhão há que acrescentar outras como a Borraçal, Espadeiro e Padeiro, todas elas castas pouco corantes e que são usadas sobretudo para fazer rosé; são variedades que existem em quantidades já muito residuais, sobretudo nas latadas. Sempre que há reconversões, estas variedades são preteridas e, em tintas, só se planta Vinhão, o “nosso vinho que esgota todos os anos”, diz Celeste.

Adega Ponte Lima

Reconversão e viticultura

Por falar em reconversão das latadas, a direcção da adega apercebeu-se que para os pequenos agricultores era muito difícil chegar aos programas europeus (Vitis) por não terem a área de vinha mínima para se candidatarem, que é de 20ha. Foi então que nasceu a ideia de se fazerem grupadas, ou seja, um conjunto de sócios que têm isoladamente pouca área de vinha mas que em conjunto conseguem perfazer as condições exigíveis. Foi assim “que já conseguimos quase 8 milhões de euros em fundos para reconversão da vinha e estamos sobretudo a falar da passagem da latada à vinha em cordão”, refere Celeste Patrocínio com justificado orgulho. O assunto dos fundos estruturais tem outras dificuldades: a papelada é complicada, a organização das candidaturas também, tudo se assemelha a uma tarefa hercúlea sobretudo quando a idade dos viticultores é já avançada. A adega, dizem-nos, está aqui para ajudar e criou o GAS – Gabinete de Apoio aos Sócios – onde organiza toda a parte burocrática das candidaturas. Também é a própria adega que vende os produtos vitícolas, aconselha e dá formação aos lavradores. O assunto “missa” que atrás falámos prende-se com os tratamentos da vinha. A zona minhota é a mais pluviosa do país e isso, sabe-se, potencia o sugimento de doenças da vinha com míldio e oídio. Actualmente o normal é terem de se fazer 8 a 9 tratamentos por ano, mas como nos diz Ricardo Siva, o técnico de viticultura, “temos problemas de doenças da vinha mas com as alterações climáticas ganhámos muito porque agora há menos tratamentos a fazer. O aumento médio da temperatura ajudou-nos, há mais calor e menos humidade”. Fernando Moura junta outro dado: ”Agora, mesmo nos anos mais difíceis, continuamos a ter vinhos bons. Problema sério é a Esca (doença do lenho), idêntico ao que se passa no resto do país. E solução séria ainda não há…”.

Mas afinal quanto se paga ao lavrador pelas uvas que entrega? Celeste Patrocínio explica: “pagamos acima do preço do mercado e fazemos uma revalorização das uvas que após as contas finais, dá entre 58 e 60 cêntimos. Na região o preço anda entre 50 e 55 cêntimos/quilo. Temos de apoiar o minifúndio senão ficam só as empresas grandes e, depois, o que será feito das terras? Ficam abandonadas? Há quem faça turismo rural, mas entra tudo em descalabro se não houver vinhas. Os novos para ficarem têm de ter rendimento. Ninguém liga nenhuma à valorização da terra, os políticos vêm cá todos na altura das eleições, mas mais nada. Temos essa função de valorizar, levar as pessoas a conservarem casas, caminhos e equipamentos. O vinho tem esse lado social”.

Com as uvas de que dispõe, a adega construiu um portefólio diversificado sempre com um perfil próprio, muito ao gosto do consumidor: brancos e tintos com muito leve doçura residual (estamos a falar de 3 gr/litro) e uma leve presença de gás. O único branco que tem mais açúcar indica-o no rótulo, onde se lê: Adamado. Mudar este perfil não está nos planos porque “fizemos um vinho com zero de açúcar mas não conseguimos vender porque diziam que era seco de mais”, diz Fernando Moura que acrescenta que isso não impede que vá adiante um novo projecto que é um branco fermentado em barrica nova – 3 barricas de 500 litros e de 3 tanoarias diferentes – e esse, claramente será comercializado como topo de gama e completamente seco. Para completar a oferta, ainda há espumante mas, em virtude da pequena quantidade (10 000 garrafas entre branco e rosé), a espumantização é feita em prestação de serviços. Acresce ainda o vinho em barril para vender a copo com pressão, para a restauração já representa cerca de 200 000 litros/ano. Na exportação há que notar que Angola importa sobretudo o tinto e há países importadores (como os EUA) em que não se destina apenas ao chamado mercado da saudade. Ultrapassar o estigma do vinho barato, que é uma imagem colada a muitos Vinhos Verdes, vai obrigar a “exportar mais e colocar o preço num patamar mais elevado e por via disso gerar mais valor”, diz Celeste Patrocínio. Desafios para o futuro.

(Artigo publicado na edição de Março de 2023)

Vinhão vs. Sousão: A dupla face de uma uva

vinhão sousão

Vinhão no Minho e Sousão no Douro e no resto do país – dois nomes da mesma casta, duas realidades unidas geneticamente e separadas estilisticamente, duas faces da mesma moeda, cara e coroa, yin e yang. Uma casta intensa, com tudo no máximo – cor, acidez, tanino, onde as possíveis fraquezas são consequências das suas virtudes.   […]

Vinhão no Minho e Sousão no Douro e no resto do país – dois nomes da mesma casta, duas realidades unidas geneticamente e separadas estilisticamente, duas faces da mesma moeda, cara e coroa, yin e yang. Uma casta intensa, com tudo no máximo – cor, acidez, tanino, onde as possíveis fraquezas são consequências das suas virtudes.  

Texto: Valéria Zeferino

Como no caso de Syrah e Shiraz, é mais do que uma sinonimia regional, trata-se de diferenças no perfil de vinhos produzidos. O Vinhão representa um vinho popular, por vezes rústico, franco e imediato na fruta e no modo de consumo e o Sousão refere-se ao vinho de nicho, menos divulgado e mais selectivo, onde a forte personalidade da casta fica moldada pela abordagem enológica.

Entretanto, está-se a assistir a uma mudança de paradigma: há Vinhões que ultrapassam a estigma do “vinho do ano” e Sousões a fingir que são Vinhões, como é o caso do Sousão Divina Lampreia da Quinta do Vallado ou de Maçanita Vinhos, onde esta questão se coloca mesmo no rótulo: é Sousão ou será Vinhão?

Na viragem do século, Vinhão/Sousão era a quarta casta tinta mais plantada em Portugal, representando 3% da plantação nacional. Hoje é a 10ª casta mais plantada, com 3772 ha a nível nacional, sendo a região do Minho responsável pela maioria das plantações. Com alguma expressão e peso no Douro, encontra-se também nas regiões de Trás-os-Montes, Alentejo e até no Algarve, mas é claramente minoritária, sendo mais uma curiosidade do que tendência.

Na terra de “nuestros hermanos” chama-se Sousón e está bastante presente na região de Galícia: DO Monterrei, Valdeorras, Rias Baixas, sobretudo nas sub-regiões Condado do Tea e O Rosal “coladas” ao rio Minho do outro lado da fronteira.

Planta-se também algum Vinhão/Sousão na África do Sul, Austrália e Califórnia, mas nos dados estatísticos aparece na categoria “outras castas” e normalmente é usada para produção dos vinhos licorosos.

Vinhão ou Sousão?

É uma casta originária do Minho, mais precisamente da ribeira do Lima. Viajou para o Douro no século XVII, por volta de 1790. Nesta altura, uma das principais castas do Douro era Bastardo, muito precoce, de teor alcoólico alto, mas com intensidade de cor baixíssima, por isto o Vinhão, assumindo o nome de Sousão, veio para conferir a sua cor intensa aos vinhos do Porto como alternativa às bagas de sabugueiro.

Mas existia no Minho outra casta, também antiga, com o nome Sousão. Aparecia mencionada nos estatutos da DO Vinho Verde até há relativamente pouco tempo. Esta casta não tinha nada a ver com Vinhão, nem com Sousão no Douro, mas o nome idêntico era suficiente para criar confusão. A questão resolveu-se com alteração do nome Sousão para Sezão em 2012 na lista de castas aptas à produção de Vinhos em Portugal, passando o Sousão do Douro a sinónimo oficial do Vinhão no Minho. Existem 7 clones homologados da casta e as características variam bastante em termos de rendimento, acidez e teor alcoólico.

É ou não é tintureira?

Ao contrário de maioria das castas com antocianinas concentradas na película, numa casta tintureira estas substâncias estão também presentes na polpa, ficando esta corada. As verdadeiras tintureiras são Alicante Bouschet, Petit Bouschet, Grand Noir ou Saperavi, entre mais algumas. Todas possuem a polpa corada. O nosso Vinhão ou Sousão, não tem esta característica, pelo menos de uma forma homogénea.

O Visconde de Villa Maior, na sua obra “O Douro Ilustrado”, afirma que a matéria corante do Sousão reside, como em todas as castas, na película. Embora Cincinnato da Costa, no seu “Portugal Vinícola”, mencione que Vinhão “é a casta mais retinta que conheço” e aponte outros nomes, bem sugestivos em relação à cor, como Negrão, Tinta ou Espadeiro da Tinta, ao mesmo tempo refere que “nem todos os bagos do mesmo cacho apresentam a polpa corada”.

Tiago Alves de Sousa, que representa a nova geração da empresa familiar duriensa Alves de Sousa, confirma que existe muita heterogenidade em termos de cor nos bagos de Sousão: alguns são levemente corados, outros completamente pigmentados. O produtor e enólogo Anselmo Mendes explica que aos 12-13% de álcool potencial, o Vinhão não tem cor na polpa. Existe uma grande concentração de antocianinas na película que migram para a polpa na última fase de maturação.

O mais importante de tudo é que a cor nesta casta é altamente extraível, por isto, tintureira ou não, tinge tudo e alegra aqueles que apreciam a sua cor retinta característica.

vinhão sousão
Casa Santa Eulália

 

Vinhão no Minho

De entre outras castas do Minho, Vinhão é a mais conhecida e mais divulgada. Tem maior expressão nas sub-regiões de Lima, Basto, Ave. E Amarante é afamada pelos seus vinhos tintos com predominância de Vinhão, sobretudo da zona de Gatão. Não é por acaso que o primeiro “Gatão” da Borges, lançado em 1935, era tinto.

Em 1999, Vinhão ocupava 7 928 ha, em 2017 apenas metade – 3 447 ha, mas é uma das castas mais utilizadas no âmbito de restruturação da vinha (518 ha), sendo a única casta tinta a ser replantada com esta dimensão.

É curioso, que a casta Vinhão, quase ignorada no resto do país, na região dos Vinhos Verdes faz parte da vivência e hábitos gastronómicos. Nas tascas e restaurantes locais é indispensável na época da lampreia. Antigamente, o vinho de lavrador guardava-se em pipas, hoje muitos proprietários têm cubas de 100 a 500 litros para servir vinho tinto a copo e também vendê-lo a granel aos habitantes fiéis ao sabor da tradição. A partir de Novembro começa-se a procurar os melhores vinhos pelas tascas da região. E não são baratos! Compra-se a 5 euros um litro de um bom Vinhão, enquanto o vinho branco nestas condições custa um pouco mais de 1 euro por litro. Os antigos diziam que um tinto é bom quando suja as paredes das canecas ou malgas em que é bebido. Hoje em dia, a cor é ainda uma qualidade essencial, enquanto a presença de gás carbónico já é menos importante, conta o produtor da marca Sapateiro, Tiago Soares.

É entusiasmante ver alguns pequenos produtores com vontade e ambição de mudar o paradigma e mostrar ao mundo que o Vinhão é muito mais do que um vinho de garrafão, que a casta, desde que acarinhada e vinificada para potenciar as suas qualidades, é capaz de originar vinhos com personalidade e certo nível de elegância. Este potencial da casta nunca antes foi explorado na sua região de origem.

Tiago Soares fez o seu Sapateiro Vinhão perseguindo o propósito de mostrar que a casta pode dar um vinho sério, pleno e de guarda. Na qualidade de sal e pimenta adicionou 2,5% de Azal Tinto (Amaral) e 2,5% de Touriga Nacional. O estágio decorreu durante 24 meses em barrica nova de carvalho francês. O vinho foi engarrafado sem adição de CO2 e ainda estagiou 10 meses em garrafa antes de ser lançado para o mercado.

Outro pequeno produtor com um belo Vinhão de nova geração é António Sampaio da AJTS que abraçou o projecto familiar com um estilo incrível. O Vinhão, neste caso, provém de uma vinha plantada pelo seu pai em 2002. Não é uma casta muito vigorosa e no solo granítico muito pobre produz apenas 2-3 tn/ha, não necessitando de monda. As uvas são pisadas a pé em lagar, segue um estágio de 16 meses em barricas de carvalho francês e mais 9 meses em garrafa.

O Vinhão tem, de facto, a capacidade e estrutura para integrar a barrica, mantendo a sua fruta primária viva e adquirindo complexidade. Uma certa rusticidade contribui para lhe apurar o carácter.

O enólogo e produtor Anselmo Mendes tem uma abordagem completamente diferente. A uva provém de 2 ha de uma vinha velha em Ponte da Barca, que na sua opinião é a melhor zona para Vinhão. Considerando a casta muito rústica e um pouco desiquilibrada, produz “uma versão mais civilizada”, sem grande extração. Resulta num Vinhão mais ligeiro e aberto, mas que mostra o seu cartão de visita: acidez e estrutura significativa para aguentar algum tempo em garrafa.

vinhão sousão
Costa Boal crédito Paulo Pereira

Sousão no Douro

A casta Sousão no Douro ocupa 325 ha e maioritariamente é uma componente de lote, quer para vinhos de mesa quer para vinhos do Porto, sobretudo Vintage.

No Douro dá-se melhor nas zonas mais frescas do Baixo Corgo e em algumas partes do Cima Corgo. Já o Douro Superior é demasiado seco e quente para Sousão, pois a casta, embora preserve bem a sua acidez natural, em condições quentes, sobretudo com falta de água, tende a desidratar e passificar rapidamente e perde um pouco a sua famosa cor retinta de rubi violáceo. Como diz o enólogo e produtor António Maçanita, “o Sousão é tramado, um pouco como a Trincadeira: ou está verde ou está em passa”.

Na Quinta do Vallado fazem um monovarietal de Sousão desde 2004. Francisco Ferreira, um dos proprietários da quinta e responsável pela produção, gosta da casta pelo seu carácter vincado e consistência em termos de qualidade. Uma vinha de 5 ha de Sousão já com 25 anos fica mesmo por cima da adega, virada a poente. Francisco Ferreira conta que não precisa de fazer monda de cachos, pois a produção naturalmente não passa dos 3 500 kg/ha. Se fosse virada a Sul, não produzia nada. É normalmente vindimada na terceira semana de Setembro.

O vinho fermenta em lagar: depois do corte de 3-4 horas, durante a fermentação só molham a manta 1-2 vezes por dia. Tiram do lagar antes de acabar a fermentação. Faz maloláctica e estagia em barricas, 40% novas e 60% de 2º ano. São vinhos bastante duros no início, precisam de tempo em garrafa. Por isto agora, extraem menos, retiram mais cedo do lagar, usam menor percentagem de barrica nova e com menos tosta. O vinho fica bebível mais cedo sem perder o potencial de guarda. A partir de 2017 fazem no Vallado um Sousão na versão “Vinhão”. É feito de uvas de uma vinha mais nova, também em lagar, mas sem madeira, e lançado em Dezembro do ano de vindima, para a época de lampreia.

Para Tiago Alves de Sousa, Sousão é uma “casta extraordinária com alguns caprichos”. O interesse surgiu no âmbito do estudo das vinhas velhas do Abandonado. Fizeram o primeiro Sousão monocasta em 2009. Aprecia a sua frescura aromática com lado mais herbal, estrutura, e espinha dorsal de acidez e tanino robusto. Mas se não tiver maturação suficiente, tudo acaba por estar em demasia, angular, e o lado herbal passa a vegetal. Por outro lado, a exposição é importante. No Vale da Raposa (Baixo Corgo) com altitude 300-350 metros a vinha pode ser virada a poente, enquanto no Pinhão, na cota mais baixa tem tendência para emurchecer, por isso, lá a vinha é virada à nascente. Estagia 18 meses, 50% barricas novas e 50% de 2º ano. Uma parte é carvalho nacional que, pela experiência de Tiago Alves de Sousa, funciona bem com o perfil da casta, pois “se a madeira for muito subtil, o vinho come-a”.

O Sousão dos irmãos Maçanita é o mais provocativo de todos no Douro, não só pela sua graduação baixa (12,5%), como pelo estilo. António Maçanita explica que não foi propositadamente, é mais uma constatação do que a casta proporcionou. E não foi vindimado mais cedo, a Joana indica que uvas foram colhidas em Setembro depois da Touriga Nacional de letra A. Provavelmente, tem a ver com clone específico. A vinha fica no Cima Corgo, entre Pinhão e Ferrão, numa zona com vegetação e bastante água, não permitindo grande desidratação. Fica a macerar num lagarete até arrancar a fermentação (sem inoculação). O vinho dá aromas de tinta-da-china, faz lembrar Vinhão. É bruto, é rijo, é ácido – por isso procuraram o conforto na barrica nova para aconchegá-lo um pouco, onde ficou 11 meses.

vinhão sousãoO futuro da casta

Pelas suas caractarísticas intrínsecas, Vinhão/Sousão dificilmente chegará ao estrelato de uma Touriga Nacional. Continuará como um vinho de nicho, a despertar o interesse dos enófilos, sobretudo nos mercados mais maduros, onde se procura diferença de estilos e se aprecia o carácter de castas autóctones.

Nesta prova foi especialmente interessante constatar a mudança de paradigma nas mãos de produtores irriquetos, capazes de agarrar numa casta rústica e teimosa e mostrar o seu brilho interior. Imaginem Tarzan musculado, rijo e bruto a ser educado e vestido por um alfaiate de alta costura. É o que se pode fazer com Vinhão/Sousão.

(Artigo publicado na edição de Junho 2021)[/vc_column_text][vc_column_text]

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