Brancos que falam com o tempo

Brancos falam tempo

Nos anos mais recentes o gosto pelo vinho branco tem sofrido algumas mutações. Hoje há muito mais consumidores interessados em provar coisas diferentes que possam ir além dos aromas e sabores frutados e sem segredos. Recuperou-se assim, agora com mais saber, uma prática que vinha de longe. São os vinhos brancos com longo estágio ou […]

Nos anos mais recentes o gosto pelo vinho branco tem sofrido algumas mutações. Hoje há muito mais consumidores interessados em provar coisas diferentes que possam ir além dos aromas e sabores frutados e sem segredos. Recuperou-se assim, agora com mais saber, uma prática que vinha de longe. São os vinhos brancos com longo estágio ou de lote de várias colheitas.

 

Texto: João Paulo Martins

Fotos: Ricardo Palma Veiga e Adega Mãe         

A ideia para este trabalho nasceu de uma constatação: há cada vez mais produtores a lançarem no mercado, num segmento de gama alta, vinhos brancos que aqui há alguns anos não encontrariam apreciadores. São vinhos que reúnem uma de várias características: têm já muitos anos de garrafa mas só agora foram colocados à disposição do público; são de uma só colheita mas o estágio foi sobretudo feito em barrica durante vários anos e só então engarrafados; correspondem a um lote de vinhos de várias colheitas, em proporções diversas. Têm em comum o facto de serem vinhos fora de moda mas, ao invés de vinhos oxidados e mortos (que tantas vezes encontramos nas provas dos vinhos velhos), aqui temos brancos que, em virtude do muito acompanhados que foram, se mostram em muito boa forma, com invulgar complexidade e personalidade.

Recuar no tempo

A tradição portuguesa do consumo de vinhos brancos nunca os colocou no mesmo patamar dos tintos; sempre se quedaram num nível de menor apreço. Também por esta razão os vinhos brancos foram sempre parentes pobres a que poucos davam atenção. Os vinhos muitas das vezes não evoluíam bem, oxidavam num instante e perdiam interesse e procura por parte dos consumidores. Havia excepções em várias regiões, mas era sobretudo no Dão e na Bairrada que os brancos mais perduravam no tempo. Empresas da Bairrada que negociavam com vinhos do Dão – como é o caso das Caves S. João – tinham no seu portefólio brancos que resistiam muito bem e se mostravam com muita saúde durante muito anos. Também a Vinícola do Vale do Dão, propriedade da Sogrape, engarrafava vinhos brancos que adquiria em adegas cooperativas locais. A marca emblemática era Dão Pipas e são brancos que mostram que a região tinha muitas virtudes e capacidades para gerar vinho longevos. Esse Dão Pipas, marca que se manteve até aos anos 90, serviu um pouco de inspiração para um branco criado na Quinta dos Carvalhais e que, pode dizer-se, foi no Dão o vinho fundador destas novas tendências. Criado pelo enólogo Manuel Vieira, o Colheita Seleccionada ganhou foros de “estrela” pelo apreço que o importador belga mostrou em relação a este branco, tendo sido exportado e esgotado com grande sucesso. As barricas onde fermentava o Encruzado eram depois de novo atestadas para não ficarem em vazio e assim, lembra Manuel Vieira, “íamos juntando 30 a 40 barricas por ano; a certa altura já havia barricas a mais e resolvi fazer um lote e dei a provar à administração. A reacção foi tão entusiástica que logo se decidiu avançar com a produção periódica”. Na reorganização do portefólio dos Carvalhais houve necessidade de criar um branco Reserva – mais fresco e com mais madeira nova – e assim o Colheita Seleccionada deixou de se produzir. Como ainda assim havia muitas barricas nasceu a ideia do Branco Especial, neste caso, lote de várias colheitas.

Também na Quinta da Gaivosa se iniciou na colheita de 2001 produção de um vinho branco com as uvas recolhidas nas vinhas velhas de onde era costume fazer vinho do Porto branco e onde existia maioritariamente a Malvasia Fina. Inicialmente com o apoio enológico de Anselmo Mendes, era um vinho com uma confecção bem diferente dos outros brancos: dois dias de maceração pelicular, fermentação em bica aberta com híper-oxigenação em meias barricas, parcialmente novas. O resultado era um branco inicialmente castanho, quase com cor de café, como nos disse Tiago Alves de Sousa, mas com o tempo de estágio na barrica muitos polifenóis depositam-se e o vinho perde a cor acastanhada. De início o vinho mostrou-se muito austero (mais alcoólico do que nas versões mais recentes) mas exactamente por já ter a questão da oxidação resolvida, são vinhos que ainda hoje dão boa prova. Mas Tiago não tem dúvida que as actuais edições, com menos álcool e mais frescura, irão ainda mais longe, seguramente para lá dos 20 anos após o lançamento. À época foi uma novidade no Douro e depois do 2001 foram feitas edições anualmente até 2006. A partir daí teve edições mais espaçadas: 2008 (ano a partir do qual se vindimou mais cedo e a graduação baixou), 11, 12 e agora, a mais recente, 2015.

Nem sempre vinhos deste perfil que hoje falamos, resultam de uma ideia prévia ou um projecto arquitectado para atingir este fim; não raramente, o acaso tem aqui um papel importante, a lembrar-nos que nem sempre controlamos ou entendemos tudo o que se passa durante a evolução de um vinho. Celso Pereira, enólogo no Douro, conta-nos que o Quanta Terra branco 2012 nasceu torto mas acabou por se revelar uma grande e positiva surpresa. Naquele ano duas barricas de branco foram consideradas não aptas para entrarem no Grande Reserva e só passados alguns anos é que se percebeu que o vinho tinha evoluído muito bem e foi então comercializado. Só a partir de 2015 (que irá ser a próxima colheita comercializada mas pela qual ainda teremos de esperar uns anos) é que se começou a deixar intencionalmente vinho em estágio. O que aconteceu com Celso Pereira acontece com frequência nas adegas quando é preciso seleccionar barricas para um determinado lote. O que fazer ao que fica é a pergunta difícil de responder, mas os brancos actuais estão a sugerir vários caminhos.

Brancos falam tempo
O longo estágio em barrica faz parte da identidade do Quinta de Carvalhais Branco Especial.

Requisitos e exigências

Quando há a intenção de fazer um branco de longa guarda em barrica há que estar a tento às características as uvas. A acidez elevada é um requisito que ajuda muito: castas com acidez moderada ou baixa não podem ser usadas porque originam vinhos que não evoluem bem. Mas só a acidez não basta, é preciso, salienta Manuel Vieira, que os vinhos tenham gordura, volume de boca. Temos então de ter, como primeiro requisito, vinhos estruturados, de boa acidez. Para os vinhos que estagiem na madeira coloca-se sempre a questão da oxidação e por isso o atesto das barricas é fundamental. Há uma ligeira oxidação, controlada, mas essa oxidação é fundamental para que os vinhos resistam depois ao tempo; “os vinhos no futuro ficam inoxidáveis, já oxidaram tudo o que tinham de oxidar”, lembra Manuel Vieira. As meias barricas têm uma capacidade oxidativa maior e são mais manuseáveis e, por isso, funcionam muito bem para estes vinhos, algo que Tiago Alves de Sousa também subscreve. Se estivermos a falar de estágios em barricas já usadas os atestos podem ser mensais porque a barrica usada “bebe” muito menos que a barrica nova. E, para evitar uso excessivo de sulfuroso, é mesmo melhor ter as barricas atestadas.

No caso dos vinhos que juntam colheitas de anos diferentes, a arte do lote ganha toda a importância. É preciso fazer vários ensaios e, como lembra Manuel Vieira, “fazer o teste à mesa; levávamos o vinho para o restaurante e provávamos com a comida; se não funcionava fazíamos novo lote e foi assim que, passo a passo, chegámos ao lote final”. Neste tipo de vinhos pode ter mais peso o gosto pessoal do produtor ou do enólogo. Porquê? Porque é preciso dosear as percentagens de cada ano e, sobretudo, decidir que quantidade de vinho mais novo deverá levar o lote final. Assim, se levar uma percentagem significativa do vinho mais novo poderá não apresentar aquele carácter resinoso e oxidativo que associamos com estes vinhos; ao invés, com pouca percentagem de vinho novo o lote ganha um perfil mais austero e evoluído. São assim possíveis várias nuances. No caso do Branco Especial de Carvalhais, a actual edição no mercado (5000 garrafas), que já é da responsabilidade da enóloga Beatriz Cabral de Almeida, inclui 13 lotes de oito colheitas diferentes, começando em 2004 e acabando em 2018. O trabalho é ainda mais minucioso porque a adega dispõe de cerca de 100 barricas até à colheita de 2015. Além do Encruzado também por lá existe Sémillon e Gouveio. Agora procura-se fazer o Branco Especial com menos graduação, vindimando mais cedo e decidindo à partida o que vai ou não vai para estágio prolongado.

Brancos falam tempo
O Alves de Sousa Pessoal nasceu em 2001.

De Norte a Sul

Este tipo de vinho não é específico de uma região. Pelos exemplares que aqui mostramos até pode parecer que é um privilégio do Douro e Dão, mas de facto o número de amostras é maior nessas regiões do que noutras porque por ali houve mais produtores que se abalançaram nesta aventura. Vendo bem, até foi em Setúbal, com a marca Pasmados, que tudo começou e, como nos disse Domingos Soares Franco, da casa José Maria da Fonseca, “durante muitos anos sempre me criticaram por insistir neste modelo, mas agora dão-me razão, agora há mercado e consumidores para isto. Fermentou metade do mosto – Viosinho, Viognier e Arinto – em barrica e o resto em inox”. Também em Monção e Melgaço estão reunidas as condições para este modelo. Na Quinta do Regueiro juntaram-se vinhos de 2007 até 2010 para este primeiro lote e a próxima edição sairá este ano. A pequena quantidade produzida – 1900 garrafas – não chegou para os pedidos. Na região de Lisboa, a Adega Mãe lançou um branco de idade com Viosinho, Alvarinho e Arinto, castas que Diogo Lopes verificou que mantinham a acidez durante mais tempo, factor tido por fundamental. No Dão, é a casta Encruzado aquela que melhor se adapta a este conceito e os três produtores que aqui apresento foi nela que apostaram. Mas o vinho dos Caminhos Cruzados é o resultado de uma só colheita, neste caso de barricas que não entraram no Teixuga, a marca emblemática da casa. No Douro apresento aqui três vinhos de uma só colheita e outros três de lote de várias colheitas. Pisa a pé das uvas brancas, longas macerações peliculares, oxigenação intensa são algumas das técnicas usadas. Os resultados mostram-se muito bons e, sabemos entretanto, vários outros produtores estão a trabalhar neste modelo. É a vitória dos vinhos brancos!

Brancos falam tempo
Adega Mãe

E à mesa, como é?

Estes vinhos, digamos, difíceis, são muito desafiantes à mesa porque podem ligar muito bem com pratos inesperados, com culinárias diferentes. E o desafio estende-se a vários produtos – peixes, carnes, queijos – e a formas diferentes de confecção. Assim sendo, não adianta muito ter opiniões definitivas sobre os sins e os nãos na ligação com a comida. Por experiência própria já liguei, com um tremendo e inesperado sucesso, o Branco Especial de Carvalhais com uma sopa de peixe picante (tem mesmo a referência caseira de “estupidamente picante…”) mas Tiago Alves de Sousa leva o seu Alves de Sousa Pessoal para zonas menos óbvias como polvo à lagareiro, embora reconheça que “com foie-gras é a ligação preferida”, mas também sugeriu risotto de cogumelos. A ideia é ligar o vinho com pratos de sabores intensos para que assim exista um bom equilíbrio. Cremos que mesmo com cabrito assado ou peixes no forno estes vinhos podem tornar-se um enorme sucesso.

E, regressando às origens, ao tal Colheita Seleccionada da Quinta dos Carvalhais, lembro-me de um jantar num restaurante 3 estrelas Michelin – Oud Sluis – de Sergio Herman, algures na fronteira Holanda/Bélgica em que o vinho do Dão fazia parte do menu degustação e, não por acaso, dizia o importador que desde Janeiro (estávamos em Março) já tinha vendido 200 garrafas daquele vinho.

Estes vinhos têm uma relação inesperada com a música. Aqui os acordes não são Sol e Dó, aquela ligação simples que toda a gente entoa e que é fácil de entrar no ouvido; aqui temos acordes mais ásperos, com quintas diminutas e sétimas aumentadas. Tudo parece estranho até encontrarmos a fórmula de soarem bem. E, quem não gosta de desafios???

(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2021)

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Série Ímpar Retorto, nova edição deste projecto especial da Sogrape

Série Ímpar Retorto

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[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Menos de dois anos depois do lançamento da primeira edição da Série Ímpar — um Sercialinho de 2017 — a Sogrape revela um novo vinho deste projecto muito especial, Série Ímpar Retorto branco 2018. Esta Série é um desafio lançado, aos enólogos da empresa, para a criação de vinhos originais e de qualidade superior.

Assinado pelo enólogo responsável pelos vinhos do Alentejo da Sogrape, Luís Cabral de Almeida, o Série Ímpar Retorto tem origem em vinhas velhas da Serra de São Mamede, em Portalegre, onde predominam Arinto, Roupeiro, Bical, Fernão Pires e Tamarez. O nome “Retorto” é uma referência às vinhas muito velhas, retorcidas pelos anos, a 640 metros de altitude, conduzidas em forma de vaso (Goblet).

Série Ímpar RetortoLuís Cabral de Almeida explica a génese do Série Ímpar Retorto: “Tenho um grande fascínio pelo Alentejo e Portalegre é uma região com condições naturais que me trouxe desafios novos. Aqui comecei a trabalhar castas diferentes e pude fazer um trabalho de ourives com vinhas velhas, que são um tesouro para qualquer profissional do vinho”.

Já Fernando Cunha Guedes, presidente da Sogrape, refere: “O desafio é lançado aos nossos enólogos, mas neste cenário ganhamos todos, contribuindo para a história de uma empresa que sempre se alicerçou, afinal, na capacidade de inovar, surpreender e ser audaz”.

Do Série Ímpar Retorto branco 2018 foram produzidas 2965 garrafas, cada uma com p.v.p. recomendado de €60.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”default”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

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O branco mais brilhante

Luís Lopes

Editorial da revista nº36, Abril 2020 Uma edição especialmente dedicada aos vinhos brancos, é a proposta da Grandes Escolhas para este mês de Abril de 2020. E não é por ter chegado a Primavera – o consumo de brancos já deixou de ser sazonal – mas sim porque o tema merece por inteiro o destaque. […]

Editorial da revista nº36, Abril 2020

Uma edição especialmente dedicada aos vinhos brancos, é a proposta da Grandes Escolhas para este mês de Abril de 2020. E não é por ter chegado a Primavera – o consumo de brancos já deixou de ser sazonal – mas sim porque o tema merece por inteiro o destaque. Lojas, restaurantes e consumidores são unânimes: os vinhos brancos estão decididamente em alta.

Luís Lopes

Ao longo da minha vida profissional assisti, naturalmente a muitas tendências, modas, transformações nos perfis de vinho e nos hábitos de consumo. Avaliando tudo isto, não errarei em dizer que os vinhos brancos são, globalmente, a categoria de vinho onde ocorreram mais mudanças. Desde logo, qualitativas. Convenhamos, a qualidade média dos brancos portugueses do início dos anos 90 deixava bastante a desejar, porventura nivelada com a dos seus congéneres espanhóis, mas bem longe do que já se fazia em França, norte de Itália, Alemanha e, até, em diversos países do chamado Novo Mundo. A tecnologia de adega (prensas, inox e sistemas de frio, sobretudo) que os dinheiros europeus tornaram possível, aliada à vaga de enólogos recém formados que nessa época entrou na indústria, resolveu em poucos anos este problema, trancando no baú das memórias os brancos oxidados, de aromas a mofo e pano molhado e sabores desequilibrados e amargos (ainda que alguns procurem hoje ressuscitar o estilo em nome da sagrada “naturalidade”…). 

Promover o carácter da região e da casta foi o passo seguinte, e esse passo crucial foi dado pela viticultura. Não apenas os enólogos deixaram de olhar para a uva à entrada da adega como uma simples fruta, avaliada unicamente pelo seu estado sanitário, como passaram a ser acompanhados por viticólogos conhecedores, que tratavam cada variedade de forma diferenciada em função da sua origem e características. A noção de “branco de terroir” que, apesar de tão abusada, continua a fazer sentido, instalou-se junto de produtores, técnicos e consumidores.  

Foram estes últimos que apoiaram e sustentaram todo o movimento transformador dos vinhos brancos portugueses, reconhecendo esse incremento qualitativo, comprando e promovendo o produto no seu meio. Acompanhando esses consumidores cada vez mais exigentes, foram-se multiplicando os brancos cada vez mais ambiciosos, em qualidade absoluta, personalidade, longevidade e capacidade de desafiar os sentidos, enquanto algumas variedades se tornavam categorias de produto, pedidas pelo nome: Alvarinho, Loureiro, Encruzado, Antão Vaz, Arinto…

Olhando para a oferta de brancos portugueses de superior categoria que hoje chega ao mercado, oriunda de todas as regiões do continente e ilhas, é fácil esquecer que há apenas duas décadas havia “líderes de opinião” que escreviam e defendiam em público que:  “Portugal é país de tintos, só em tintos podemos competir, os brancos serão sempre inferiores aos do resto da Europa; “os vinhos brancos devem ser bebidos no ano a seguir à colheita”; “Douro e Alentejo, pelo seu clima quente, nunca farão brancos de grande nível”; ou ainda que “o primeiro dever de um Porto é ser tinto”. 

Felizmente, os apreciadores optaram por não ligar a estes disparates. A procura por brancos de qualidade continua a crescer e hoje, entre as uvas mais bem pagas de Portugal, a larga maioria pertence a variedades brancas (Verdelho nos Açores, Alvarinho nos Verdes, Antão Vaz no Alentejo ou Encruzado no Dão). É verdade que, no topo da pirâmide, os tintos atingem os preços mais elevados e alcançam os maiores índices de notoriedade – o mesmo se passa, aliás, com a generalidade dos vinhos do mundo. Mas não tenham dúvidas: os brancos portugueses ainda vão dar muito que falar. 

#42 – Ensaios Extremes Rabigato 2019

vinho da casa #42 – Ensaios Extremes Rabigato 2019 [vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text][/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”default”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” […]

vinho da casa #42 – Ensaios Extremes Rabigato 2019

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vinho da casa #40 – Saltimbancos Sauvignon Blanc 2019

Brancos de Lisboa: Diversidade de castas e estilos

Vinhos Lisboa

Se tivesse de escolher apenas uma palavra para descrever a região, esta seria – diversidade. Solos, castas, denominações de origem, tipos e estilos de vinhos produzidos – tudo é diverso e heterogéneo na região de Lisboa. TEXTO: VALÉRIA ZEFERINO FOTOS: RICARDO GOMEZ Já lá vão os tempos em que a região se chamava Estremadura, conotada […]

Se tivesse de escolher apenas uma palavra para descrever a região, esta seria – diversidade. Solos, castas, denominações de origem, tipos e estilos de vinhos produzidos – tudo é diverso e heterogéneo na região de Lisboa.

TEXTO: VALÉRIA ZEFERINO
FOTOS: RICARDO GOMEZ

Já lá vão os tempos em que a região se chamava Estremadura, conotada sobretudo com fornecimento de grande volume de vinho à capital. Em 2009 adoptou o nome de Lisboa que lhe conferiu uma nova identidade e a colocou no mapa de Portugal de forma inequívoca e contemporânea. A região estende-se entre Lisboa e Leiria, com cerca de 140 km em comprimento e entre 20 e 40 km em largura, sendo delimitada pelo oceano a Oeste. A influência Atlântica é um denominador comum – ameniza as temperaturas de verão através das brisas marítimas e frequentes neblinas matinais que, dado ao relevo não muito elevado, excepto a Sul, proliferam facilmente para o interior. O clima temperado, sem grandes amplitudes térmicas e com uma precipitação anual a nível de 600-700 mm permite uma maturação mais lenta e homogénea sem risco de escaldões ou paragens de actividade fotossintética das videiras. Os solos variam de calcários a argilosos, tendo zonas com arenitos finos e terras mais férteis de aluvião.

São permitidas mais de 50 castas brancas, entre as quais nacionais e internacionais, algumas bem populares, como Chardonnay, Sauvignon Blanc ou Riesling e outras menos conhecidas como Roussanne, Marsanne ou Grüner-Veltliner.

De acordo com os dados do IVV de 2019, a área de vinha plantada na região de Lisboa corresponde a 19 287 ha, mas segundo a CVR Lisboa, apenas cerca de 10 000 hectares são com classificação para Vinho IGP Lisboa e DOP. Destes, as castas brancas ocupam apenas 2 300 hectares. Apesar da região de Lisboa ter excelentes condições para a produção de vinhos brancos, cá, como no resto do país (com excepção da Região de Minho/Vinho Verde), a produção de vinhos brancos está em minoria, representando apenas 20% dos vinhos produzidos na região (75% são tintos e mais 5% rosados).

Em algumas denominações de origem, certas castas são intrinsecamente ligadas à sua identidade, como é o caso de Malvasia em Colares ou Arinto em Bucelas. Em Óbidos, pelo contrário, as regras são mais liberais, permitindo castas pouco conotadas com a região de Lisboa, como Encruzado ou Loureiro, por exemplo, e castas internacionais como Viognier, Riesling ou Chardonnay.

Há também meio-termo. Em Alenquer, Arruda e Torres Vedras são autorizadas várias castas, mas para certificar um vinho branco como DO, as castas tradicionais (Arinto, Fernão Pires, Rabo-de-Ovelha, Seara Nova e Vital) devem representar, no conjunto ou separadamente, no mínimo de 65% a 70% do encepamento. A situação é muito parecida nas Encostas D’Aire.

A maioria dos produtores optam por trabalhar na categoria do Vinho Regional (IG), que oferece muito mais flexibilidade e, por outro lado, a marca Lisboa é mais facilmente reconhecida a nível internacional, do que, por exemplo DO Torres Vedras ou Arruda.

Assim, dos vinhos certificados, 93% são Regional Lisboa e só 7% são DO.

VARIEDADE DE CASTAS

As principais castas brancas são Fernão Pires, representando cerca de 50%, seguindo-se o Arinto com 25%. Fernão Pires é uma casta bastante flexível em termos de clima, adapta-se bem a diferentes tipos de solo, desde que haja humidade suficiente, o que se verifica na maior parte das vinhas da região de Lisboa. É bastante vigorosa e produtiva. Amadurece cedo, tendo como inconveniente a rápida degradação de ácidos, se não for vindimada a tempo. O clima da região, neste caso, permite uma maturação mais lenta. Grande presença aromática faz dela uma escolha acertada para os vinhos fáceis e apelativos da gama de entrada.

Arinto é uma das grandes uvas nacionais com o seu potencial máximo em Bucelas, onde existe a maior variabilidade genética, indicando que esta zona tenha sido a origem da casta. Espalhada pelo país, faz parte de muitos lotes de entrada até aos topos de gama e é capaz de produzir excelentes vinhos em extreme. É naturalmente rica em ácidos, conserva-os mesmo em territórios mais quentes, o que lhe confere a frescura e assegura a longevidade em cave. Tem cachos grandes, mas poucos por cepa o que não faz dela uma casta muito produtiva. Amadurece tarde. A enóloga da Quinta da Chocapalha, Sandra Tavares, refere que é apanhada no final de Setembro, já depois de algumas castas tintas. Para Sandra “Arinto é uma casta muito pura em termos aromáticos, fica bem com alguma maceração pelicular, barricas muito usadas e estágios longos de 8-10 meses.”

O enólogo da Adega Mãe, Diogo Lopes, refere que, no caso deles, o Arinto é plantado nos solos mais calcários das encostas, vinhas não regadas para controlar o vigor. Considera que Arinto é bem talhada para fermentação e estágio em barrica, mesmo a madeira nova não se sobrepõe. Escolhem barricas por tanoaria e por floresta. Preferem tosta ligeira, mas até aguenta um pouco mais.

Das castas nacionais é interessante também cada vez mais a popularidade do Viosinho. Diogo e Sandra concordam que a casta precisa ou altitude, como em certas zonas no Douro, ou a frescura por meio da influência marítima, se não a acidez quebra rapidamente, tornando o vinho pesado.

Das castas internacionais, Chardonnay e Sauvignon Blanc têm uma aposta forte na região.

Diogo e Sandra são unânimes, afirmando que Chardonnay porta-se muito bem na região de Lisboa, fica com acidez forte, aguenta bem barrica, incluindo nova. Tem muita consistência e textura, e mais volume de boca do que Arinto.

Sauvignon Blanc com influência marítima adapta-se bem aos vinhos de entrada de gama (um pouco como Fernão Pires). Diogo Lopes procura no Sauvignon Blanc o seu lado mais cítrico, não tão exuberante e herbáceo como os da Nova Zelândia.

Viognier, com os seus aromas exóticos e que em condições mais frescas não desacidifica bruscamente, parece também começar a ter um certo protagonismo na região.

Segundo Sandra Tavares, as castas internacionais, como Chardonnay, foram uma ferramenta útil no início do projecto, mas hoje, aumentou a procura pela diversidade, e Chardonnay pouco ou nada vende nos mercados estrangeiros. É mais fácil comunicar castas nacionais, como o Arinto, por exemplo. No mercado nacional é o inverso.

Diogo Lopes aponta para a mesma tendência: no Japão ou Estados Unidos, vendem bem as castas nacionais. No mercado nacional, onde em Lisboa e Algarve há muitos turistas que preferem jogar pelo seguro, vendem-se melhor as castas internacionais conhecidas.

NOVE DENOMINAÇÕES DE ORIGEM

A região de Lisboa tem 9 denominações de origem, algumas delas bastante específicas: Lourinhã – só para aguardentes, Carcavelos – só para vinho generoso e Bucelas — apenas para o vinho branco.

DO Lourinhã fica entre Óbidos e Peniche, onde devido à proximidade do mar e castas de grande produção plantadas em solos férteis, os vinhos ficam, naturalmente, com baixo grau alcoólico e acidez alta, tendo mais vocação para servir de base para destilados de qualidade. Carcavelos, com apenas 10 hectares de vinha, segundo o site da CVR Lisboa, é uma das três denominações históricas, juntamente com Bucelas e Colares, todas com características distintas. Foram as primeiras da região a serem demarcadas em 1908 por terem fama e importância económica na altura. Hoje compõem o triângulo dourado de Lisboa e contribuem para diversidade.

Colares, situada entre o mar e a serra de Sintra, com fortíssima influência Atlântica, em termos de brancos, dá primazia a Malvasia de Colares, que deve compor pelo menos 80% de lote. Outras castas autorizadas (Arinto, Galego-Dourado e Jampal) ficam em minoria e nunca aparecem no rótulo. Bucelas é a maior das três denominações históricas, tendo 142 hectares de vinha (dados CVR Lisboa) e é a única no país onde se produz apenas vinhos brancos, com forte predominância de Arinto. O vinho deve ser feito, no mínimo, de 75% desta casta, podendo completar o lote com Esgana-Cão e Rabo de Ovelha.

O relevo relativamente acentuado oferece alguma protecção da influência marítima. As vinhas instaladas em solos predominantemente derivados de margas e calcários duros, distribuídas pelas encostas suaves do vale do Rio Trancão, chegando até as várzeas com solos mais férteis e maturações mais tardias. As brisas do lado do Tejo também têm um efeito temperador, fazendo com que os Verões não sejam muito quentes, mantendo humidade bastante elevada, e desta forma, oferecem à casta as melhores condições para amadurecer lentamente e revelar o seu potencial.

Na parte central da região ficam as quatro denominações com maior contribuição em termos de área de vinha e produção – Alenquer, Torres Vedras, Arruda e Óbidos. DO Alenquer, onde a produção de vinho remonta, pelo menos, ao século XIII, fica a sul da Serra de Montejunto, ganhando protecção dos ventos frescos e húmidos do Atlântico. As vinhas ficam inseridas numa sequência das colinas e vales. Em Arruda dos Vinhos. a Sul de Alenquer, mais afastada dos maciços montanhosos, sente-se mais a afluência atlântica que confere temperaturas amenas, alguma nebulosidade e protege de geadas tardias. Delimitada pelo Atlântico a Oeste, com altitude baixa e fora da barreira montanhosa de Montejunto, o território de Torres Vedras está sob forte influência marítima e também fluvial, sendo atravessada por dois rios – Alcabrichel e Sizandro. A vinha cobre colinas e outeiros, descendo às várzeas ao redor dos rios.

A Noroeste da Serra de Montejunto está a denominação de origem Óbidos, integrando os concelhos Bombarral, Cadaval, Caldas da Rainha e Óbidos, propriamente dito. É uma zona com bastante precipitação devido às chuvas orográficas, influenciadas pela Serra. É nesta área que se situam algumas das casas mais clássicas da região como a Casa das Gaeiras, a Quinta das Cerejeiras, Quinta de S. Francisco, Quinta do Sanguinhal e a bem antiga, embora relativamente recente na produção de vinho de marca, Quinta do Gradil.

Na parte setentrional da região, fica a denominação Encostas D’Aire, assente no maciço cal- cário a Noroeste das Serras de Aire e Serra do Candeeiro. Tem muita influência marítima que marca o clima de transição entre o Atlântico e o Mediterrânico. Está dividida em duas sub-regiões – Alcobaça e Ourém. Nesta última é produzido um vinho histórico sob designação Medieval de Ourém, com apenas duas castas – Fernão Pires e Trincadeira em proporção 80%/20% no mosto, respectivamente.

Ao falar da diversidade, não se pode esquecer da categoria de Vinho Leve, produzido na região de Lisboa. É literalmente, um vinho com corpo leve e baixa graduação alcoólica (de 7,5% a 10,5%), podendo ser ligeiramente gaseificado (até 1 bar).

VISÃO HISTÓRICA

Durante quatro séculos do domínio muçulmano na região Oeste a actividade vitivinícola não tinha expressão. Após a fundação da nacionalidade, a viticultura desenvolveu-se graças às ordens religiosas, os Beneditinos, Clunicenses e ordem de Cister em Alcobaça. Mais tarde, a invasão francesa, depois doenças e pragas da vinha no século XIX penalizaram a produção de vinhos. No final da primeira metade do século passado apareceram casas como Casa das Gaeiras, Quinta do Sanguinhal ou Quinta das Cere- jeiras. As décadas 50 e 60 foram assinaladas pela proliferação de Adegas Cooperativas. Forte incremento do co- mércio para as ex-colónias levou à utilização de castas de grande produtividade, como Alicante Branco, Alvadurão (Síria), Malvasia Rei (conhecida na região como Seminário) e híbridos da Estação Agronómica Nacional. Das 23 adegas até aos nossos dias sobreviveram apenas 13 (referi- das no site da CVR Lisboa). Muitas delas conseguiram fazer uma reestruturação de castas e modernizar-se em termos de equipamento, portefólio e imagem.

Na viragem do século surgiram novos projectos de qualidade e que contribuem para o prestígio da região – Quinta do Monte D’Oiro, Quinta da Chocapalha, Quinta do Gradil, Adega Mãe, por exemplo.

A região está fortemente orientada para os mercados externos, sendo que 80% de vinho produzido é exportado, sobretudo através de dois grandes players como a Casa Santos Lima e a DFJ Vinhos. No panorama do mercado nacional e em termos de vinhos certificados, a região de Lisboa fica no sétimo lugar com 4,7% de vinhos brancos e 4,4% de vinhos tintos em volume.

Ainda há muito vinho vendido à granel, mas o vinho certificado tem vindo a crescer enormemente. A certificação Lisboa é hoje uma garantia de qualidade em vários mercados do mundo e os brancos da região que agora provamos contribuem certamente para isso. Frescos, vibrantes e diversos, são o espelho de uma Lisboa vinícola multifacetada e com espaço para crescer nas mesas de todo o mundo

Sabia que…
O vinho de Bucelas sob o nome “charneco” foi mencionado na peça de W. Shakespeare “Henrique VI”. Teve a ver com um lugar chamado Charneca em Bucelas. O branco famoso também era conhecido na Inglaterra como “hock portuguese” ou “Lisbon hock”, aproveitando a palavra popular “hock” referente aos vinhos brancos secos da Alemanha, particularmente, Riesling.

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Artigo da edição nº36, Abril 2020

Brancos com idade: superando a prova do tempo

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TEXTO João Paulo Martins (com Nuno de Oliveira Garcia) 

Para fazer esta prova tivemos muitas interrogações prévias. Partimos de uma constatação: os nossos vinhos brancos estão a resistir muito bem ao tempo, uma constatação que é relativamente nova entre nós. Claro, desde há muito se sabe que algumas regiões, como a Bairrada, Dão ou Monção e Melgaço têm condições naturais muito propícias para gerar boa longevidade nos brancos. É nessas regiões que a acidez natural ajuda, e muito, à longevidade. O clima ameno e, no caso da Bairrada, a relativa proximidade do mar, favorecem a lenta e correcta maturação das uvas, condição essa que também ajuda à boa e longa vida em garrafa. A pergunta que fica é: o que consideramos ser um vinho branco velho? Que condições há que ter em conta termos um branco com capacidade para perdurar em cave? E será que continuam a ser as regiões de sempre as únicas a gerar vinhos longevos? 

Pensámos assim em fazer uma prova de brancos que rondassem os 10 anos de idade, um pouco mais, um pouco menos. Ficámos então com um leque entre as colheitas de 2008 e 2012. Optámos por seleccionar apenas vinhos das garrafeiras de três membros do painel da Grandes Escolhas e verificámos que a selecção possível era enorme. Juntámos assim um conjunto de cerca de duas dezenas de vinhos sendo que, para o bem e para o mal, apenas dispúnhamos de uma garrafa de cada vinho. Em termos de balanço prévio, apraz-nos registar que não tivemos qualquer problema de rolha, algo que quase sempre acontece nestas provas. O facto de se ter provado apenas uma garrafa leva-nos a afirmar que as conclusões não podem ser definitivas; um vinho que se mostrou agora menos bem poderá estar em melhor forma se uma outra garrafa for aberta. No fundo temos de ter sempre presente a máxima que, diga-se, mantém toda a actualidade: não há bons vinhos velhos, há boas garrafas de vinhos velhos!  

As razões da longevidade 

Se recuássemos 30 anos, encontrávamos um país onde pouco se falava de brancos com idade. Eles existiam, mas sobretudo porque tinham ficado esquecidos nas caves dos consumidores ou nas garrafeiras dos restaurantes. Muito provavelmente nenhum restaurante se atrevia a sugerir aos seus clientes vinhos brancos velhos do Alentejo ou da (então) Estremadura porque a oferta seria mal recebida e o próprio restaurador não tinha a certeza do que estava a propor. E, no entanto, esses brancos com capacidade de viver em cave já existiam, como bem se comprova actualmente. O que mudou então foi a atitude do consumidor que ganhou mais confiança nos vinhos que as várias regiões têm para lhe oferecer. A diferença entre os brancos de outrora que viviam bem em cave e os de hoje não é linear. É mesmo difícil dizer, por exemplo, que um branco do Alentejo com 30 anos não possa dar hoje uma boa prova. Como se verá mais adiante há uma conjugação de factores que condicionam a evolução do vinho e…umas vezes resulta, outras não. 

Um branco para amadurecer bem em garrafa precisa de ter várias características: em primeiro lugar, a casta. Sabemos que há variedades de uva que têm uma acidez muito elevada e que a conservam mesmo em climas mais quentes. É o caso, por exemplo, da casta Arinto, a campeã nacional das variedades que fornecem boa acidez aos lotes; há outras, como as castas do Vinho Verde, com especial destaque para a Alvarinho, mas onde não podemos esquecer Loureiro, Azal e Avesso. No Dão, por exemplo, a Encruzado é, sem dúvida uma variedade de boa acidez que gosta de cave, mas outras há, como a Uva Cão que, de tão ácida, nem é usada como varietal, apenas entrando em pequena dose num branco de lote. Temos então a frescura ácida como uma das condições para que o branco evolua. Outra condição é o clima. As regiões mais frias são mais susceptíveis de produzir bons brancos de guarda. Entre nós é a costa atlântica que mais vocação tem, mas zonas altas do Douro, da Beira Interior ou mesmo do Alentejo (serra de São Mamede) também podem gerar vinhos de bom teor ácido. Para Manuel Vieira, enólogo do Dão e Douro, as maturações longas permitidas pelos climas de Verão ameno são as que melhor se adaptam a vinhos brancos de guarda. Confessou-nos que “a maturação lenta que se consegue no Dão é determinante para a boa longevidade. Há outros factores mas, neste caso, o clima marca muito o perfil dos vinhos”. Também Luis Cerdeira, produtor do vinho Soalheiro confirma que “é sobretudo em zonas frias, com pH baixo e acidez elevada que se conseguem bons resultados.  

No Douro, apesar de ser uma região quente, também há zonas propícias à produção de bons brancos. As parcelas mais altas de Murça, Alijó e Porrais, por exemplo, já pouco aconselháveis para se fazer Vinho do Porto, permitem fazer muito bons brancos de guarda. Mas mesmo aqui, como nos lembra Jorge Moreira, produtor no Douro e enólogo da Real Companhia Velha, “estamos a falar de uma quantidade enorme de factores que têm de concorrer para que o branco dure em garrafa e isso nem sempre é controlado por nós; há anos propícios e outros não. Factores como os solos, a folhagem, o vigor, o clima, a viticultura, a rega, a enologia e as práticas de adega podem condicionar o resultado final. Só para dar um exemplo, nos brancos, se as cepas estiverem instaladas em solos muito pobres e muito castigados pelo sol não se consegue obter nada de jeito; para um bom branco os solos têm de estar adubados, a cepa tem de ter folhagem que proteja os cachos para induzir uma maturação lenta, condição sine qua non para se obter um branco de guarda”. O Douro tem vindo a assistir a uma verdadeira explosão de vinhos brancos, estando agora a ser “desviadas” para DOC Douro muitas uvas que eram em tempos usadas para fazer o Porto branco. Havia muita uva branca plantada e produzia-se muito Porto branco para aperitivo, nem sempre espelhando a qualidade e a antiguidade dos vinhedos. A região ganhou imenso com este novo movimento e podemos afirmar sem qualquer receio que actualmente se produzem na região alguns dos melhores brancos nacionais. Novos e, como neste painel se nota, também com idade. 

E na adega? 

Depois há que ter em atenção a forma como o vinho é feito na adega, nomeadamente a prensagem das uvas. Neste caso há várias “escolas” porque uma prensagem forte pode “arrastar” taninos que irão contribuir para uma componente muito verde que em nada ajuda o vinho.  “Pode originar-se vinhos com mais fruta e pensados para serem consumidos mais jovens e outros mais austeros e que resultam até um pouco reduzidos no início e que, depois, duram mais em garrafa”, diz Luis Cerdeira). Ainda na adega, o uso ou não de barrica e se é nova ou usada é objecto de grande discussão. Tempos houve (anos 80 e 90) em que se pensava que a barrica, nomeadamente a barrica nova, era fundamental para se fazer um branco de guarda. Neste, como noutros capítulos da enologia, o tempo encarregou-se de mostrar que a barrica já usada pode ser bem mais interessante, quer para fermentar, quer para estagiar vinhos brancos. O tema interessa não só às regiões frias como também às zonas mais quentes. No Alentejo, David Baverstock, enólogo do Esporão, não se cansa de elogiar a inesperada longevidade de alguns vinhos da casa, nomeadamente o Esporão Reserva branco. “Estamos muito admirados com a longevidade de alguns dos nossos brancos; é verdade que a acidez alta e o pH baixo são para mim as condições fundamentais, mas aqui no Alentejo, com o clima que temos, há que fazer correcções. Ainda assim, os vinhos ganham muita personalidade em garrafa. Usamos cada vez menos barrica nova e notamos que a barrica usada, com a oxigenação e tanino que traz ao vinho, ajuda muito para vinhos de guarda. É verdade que o teor alcoólico relativamente mais baixo também pode ajudar, sobretudo em climas quentes”. E, não fora David australiano, o uso de screw cap, foi também defendido como factor de longevidade! 

A perplexidade de David tem razão de ser. Já por diversas vezes fizemos provas verticais do Esporão Reserva branco e a surpresa é sempre enorme quando vemos vinhos com 20 e mais anos a mostrarem ainda muita saúde, apesar de nascidos e criados numa região quente. Uma surpresa e tanto… 

Oxidar, mas…com critério 

Desde o momento em que as uvas chegam à adega há múltiplas decisões a tomar. Algumas delas condicionarão a longevidade do vinho. Um vinho oxidado é uma coisa, um vinho evoluído é outra coisa. E como um vinho descuidado pode oxidar em muito pouco tempo, a ideia de chamar velho ao vinho pode ser errada. Repare-se: um dos brancos que mais pontuámos e apreciámos nesta prova – o Anselmo Mendes Curtimenta – tem 10 anos de idade e não mostra o mínimo traço oxidativo. Devemos apelidá-lo de velho? Cremos que não, a saúde que apresenta em nada sugere quer esteja prestes a envelhecer. É um branco maduro, com uma evolução nobre, que adquiriu complexidade e riqueza com a idade mas que não denota quaisquer sinais de cansaço. 

Segundo Manuel Vieira, há que evitar a todo o custo as oxidações precoces e escusadas. Há que proteger o vinho mas…sem exageros. Como nos disse, “podemos fazer um estágio pós-fermentativo em tonéis grandes para que então se gere uma oxidação lenta; se se diminuir ligeiramente o sulfuroso e se fizerem atestos ocasionalmente o vinho vai oxidando lentamente e a certa altura torna-se inoxidável. Ora isso prepara os vinhos para uma maior longevidade. No Dão temos brancos com vida útil acima dos 20 anos”.  

Também Luis Cerdeira centra o foco na vinha e adega: “se estivéssemos nos brancos à espera da maturação fenólica não iríamos ter nem expressão aromática nem vinhos com capacidade de vida em garrafa; a prensagem é determinante e aí reside muito do que podemos esperar das uvas de Alvarinho.” Como nos lembra também Jorge Moreira, “o vegetal vai evoluir bem em garrafa, o sobremaduro vai evoluir mal. Notas vegetais e alta acidez são excelentes. Se a uva for muito ácida funcionará melhor em inox; há duas semanas provei um Donzelinho com 50 anos e tem aromas idênticos ao novo que agora produzimos. O que acontece é que nem todas as castas nos permitem afirmar isto e o local de origem das uvas – a localização – continua a ser determinante”. 

E à mesa? 

Os brancos com idade são mais polivalentes do que à primeira vista se pode pensar. Isso conclui-se das sugestões (dadas em separado) quer por Manuel Vieira quer por Luis Cerdeira: um branco com idade é parceiro perfeito para um cabrito assado. Vieira tem há muito o hábito de fazer passar pela mesa da refeição os seus lotes antes de tomar uma decisão final sobre a composição dos mesmos. É a eterna dificuldade da ligação vinho/comida. Os brancos com mais idade, sobretudo os que tiverem maior “peso” da madeira, poderão ser bons companheiros de queijos de pasta mole e, em geral, a ligação com peixes bem temperados funciona na perfeição. Sendo normalmente vinhos de boa estrutura, pode afirmar-se sem nos afastarmos muito da verdade que estes são brancos absolutamente polivalentes à mesa e percorrem o leque de quase todos os pratos mais vulgares da nossa gastronomia. 

Para que o prazer seja mais intenso há que respeitar duas regras, ou melhor, sugestões: a temperatura de serviço deverá andar pelos (13-14ºC), mais elevada do que a indicada para os brancos novos e os copos deverão ser idênticos aos que se usariam para vinhos tintos, permitindo assim melhor respiração e oxigenação dos vinhos. 

A prova confirmou o que suspeitávamos: os nossos brancos evoluem muito bem e o prazer que dão à mesa é imenso. Há por isso que vasculhar na adega à procura do que, de bom, por lá houver. Depois é usufruir e dar por bem empregue o tempo que os tivemos guardados. [/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

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Edição nº 36, Abril de 2020

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Sugestão: Brancos “fora da caixa” 

Seleccionámos um lote de vinhos brancos que cumprem estritamente com as seguintes premissas: darem óptima prova e terem na sua composição, vinificação ou estágio, alguma particularidade que os torne claramente diferenciadores em relação aos demais. São os nossos brancos “fora da caixa”.  TEXTO Nuno de Oliveira Garcia  Por várias vezes já escrevemos que nunca como […]

Seleccionámos um lote de vinhos brancos que cumprem estritamente com as seguintes premissas: darem óptima prova e terem na sua composição, vinificação ou estágio, alguma particularidade que os torne claramente diferenciadores em relação aos demais. São os nossos brancos “fora da caixa”. 

TEXTO Nuno de Oliveira Garcia 

Por várias vezes já escrevemos que nunca como agora tivemos acesso a tantos vinhos brancos portugueses com qualidade. O estigma de que um vinho branco não tem a categoria de um tinto está, feliz e praticamente, extinto. E também já escrevemos que nunca houve brancos portugueses tão diferentes e originais como actualmente. Seja pela parcela da vinha escolhida, ou pela casta esquecida entretanto recuperada, seja na adoção de um estilo menos óbvio, por vezes com recurso a trabalho quase mínimo na adega. O estereótipo do vinho branco de verão, fresco, citrino e leve, já conheceu o seu meio-irmão: o branco de inverno (ou de meia-estação), com estrutura e, por vezes, estágio (ou até fermentação) em barrica. Mas a verdade é que entre um e outro perfil, existe hoje uma miríade de declinações e variantes, sejam Vinhos Verdes com barrica, brancos do Algarve com lotes de vários anos, brancos com maior ou menor curtimenta (fermentação ou contacto do mosto com película, outros bagos ou grainhas) como se de tintos se tratassem… Talvez até se possa concluir que é nos vinhos brancos onde existe hoje mais experimentação e maior arrojo. E, dentro de todas as tendências, uma parece sobrepor-se a todas: a vinificação dita menos protegida, ou seja, com recurso a menos sulfuroso o que provoca, em regra, um vinho com um carácter oxidativo mais vincado. 

Procurámos, enfim, selecionar alguns vinhos que, em alguma fase do processo – da vinha à adega e/ou ao estágio –, se diferenciam dos seus pares, digamos, mais comerciais, ou de maior volume. Vinhos de diferentes regiões, com diferentes processos de vinificação, alguns deles pioneiros no estilo. É certo que muitos outros grandes vinhos poderíamos escolher, mas desses, ou já escrevemos mais recentemente, ou iremos escrever noutra ocasião. Falamos do Tempo de Anselmo Mendes feito com curtimenta total de cachos inteiros e esmagados, ou do Jurássico da Quinta do Regueiro (Produtor do Ano 2019) na mistura de várias colheitas (4 mais precisamente), curiosamente dois Alvarinho de Monção e Melgaço. E referimo-nos também ao Quinta do Monte d’ Oiro Vindima de 13 de Outubro (José Bento dos Santos), uma colheita tardia com 16,5%, tudo menos doce e absolutamente versátil à mesa e que, nesta edição de 2016, recria a primeira e mítica colheita de 2003. Mais a sul, o produtor algarvio Barranco Longo aposta na maceração pelicular para criar o ‘Remexido’ um branco centrado na intensidade e comprimento. No Tejo, mais propriamente na Terra Larga, o projeto Areias Gordas continua a entregar vinhos de grande tipicidade e carácter, e Pedro Marques (‘Vale da Capucha’), por exemplo, brinda-nos com alguns dos brancos mais excitantes da região de Lisboa. 

Nos vinhos da nossa selecção podemos segregar algumas linhas de diferente recorte. Por um lado, aqueles que privilegiam um estilo com pendor menos protegido (simplificando, maior contacto do mosto com oxigênio), e muitas vezes com maceração. Um dos pioneiros neste perfil foi o Reserva Pessoal do produtor consagrado Domingos Alves de Sousa, vinho que, desde 2006, gira apenas sob a denominação de ‘Pessoal’. Sempre lançado vários anos após a colheita (no mercado será lançado agora o 2012…), é um vinho de perfil mais intimista desenhado por Tiago Alves de Sousa ao gosto do senhor seu pai, feito a partir das vinhas velhas com que se fazia Porto Branco. Não sendo único na região, foi um dos pioneiros e, rigorosamente, não conhecemos mais do que meia dúzia de brancos durienses nesta linha. No Dão, por sua vez, ‘O Fugitivo em Curtimenta’, é um belíssimo vinho da Quinta da Passarella, que se centra na curtimenta, apesar dos cuidados no controlo da oxidação do mosto. Para nós, tem na edição de 2016 a sua melhor concretização, um vinho sem que a curtimenta se evidencie na prova de nariz, mas a prova de boca revela-se muito fresca, ainda com alguma fruta, e acidez perfeita. Sem curtimenta, mas num perfil também oxidativo, encontramos o Granito Cru de Luís Seabra, um Alvarinho que fermenta e estagia um ano em tonel sem sulfuroso onde faz a malolática, na sequência do qual fica mais seis meses em inox, e só depois é engarrafado. Único na região neste estilo, é um branco intenso e a capitoso, uma versão da casta minhota que merece – e muito – ser conhecida. Ainda nesta linha, provamos e recomendamos o ‘Dominó’, fruto de uma vinha velha na Serra de S. Mamede, vinificado em prensa direta e fermentado em cuba de inox. Tudo como é habitual noutros brancos dir-se-ia, mas o pouquíssimo sulfuroso adicionado, e a realização de fermentação maloláctica, muda o perfil completamente, com a acidez e pungência do ácido málico a dar lugar à macieza e cremosidade do ácido láctico. 

Por outro lado, identificamos aqueles que privilegiam a originalidade do lote, a recuperação de castas esquecidas, ou até uma vinificação antes pouco testada. Um bom exemplo disso é o ‘Escolha’ da Quinta do Ameal, um dos primeiros Loureiros fermentados e estagiados em barrica, sempre num perfil elegante e longevo. Com várias edições ainda em boa forma, escolhemos a colheita de 2015, magnífica na integração da casta com a madeira, límpida nas notas florais e muito jovem ainda. Igualmente original é o lote do alentejano ‘Bojador Amphora’, um vinho que não só recria o método (certificado) de vinho de talha, como recupera castas como Manteúdo ou Perrum, entre outras. Na edição de 2019, mantém o nível muito alto das edições anteriores, sendo difícil de igualar no prazer. Igualmente com a casta Manteúdo, mas agora junto a Diagalves, temos o Respiro Lagar do produtor Cabeças do Reguengo sito na Serra e S. Mamede. Trata-se de um branco intenso e cheio de nervo, vinificado em lagar como o nome indica e com bagos inteiros (ou seja, com alguma curtimenta também), que tem tudo para evoluir bem em garrafa, e se revela imensamente gastronómico. Mais a norte, a histórica casa Real Companhia Velha também cada vez mais se empenha em recuperar castas menos utilizadas na atualidade, relegando essas vinificações especiais para a marca Séries, já com belíssimos resultados em anos anteriores. Desta feita, e para além de dois brancos de 2018 – um de Samarinho e outro de Donzelinho – , irá lançar em breve uma monocasta de Touriga Branca (casta antiga, atualmente denominada por Branco de Gouvães), caso único no país (julga-se), um branco muito interessante e misterioso, para o qual o enólogo Jorge Moreira optou por uma enologia no sentido da extração e menor proteção (mais uma vez, leve oxidação), dado o carácter menos exuberante da uva e as pequenas quantidades produzidas. 

Por fim, destacamos dois vinhos quase conceptuais. O primeiro é o ‘Quinta do Camarate doce’, vinho com o qual a casa José Maria da Fonseca pretende homenagear, e continuar o sucesso do vetusto Palmela Branco dos anos 50’ do século passado. Referimo-nos a um branco de bica aberta com quase 50 gramas de açúcar por litro, mantendo uma bela frescura, mineralidade e álcool comedido (sempre abaixo dos 12%) em parte graças a uma vinha de Alvarinho que raramente produz mais do que 2 hectares por litro. Por fim, o Ravasqueira Premium, topo de gama do produtor alentejano Monte da Ravasqueira que o enólogo Pedro Pereira Gonçalves, inspirado no que observou noutras paragens, desenhou fermentando casta a casta em barricas novas que depois foram mantidas seladas durante um ano. O lote final foi elaborado após esses 12 meses de reclusão em barrica e o resultado é um vinho de cor esverdeada, com fruto muito bonito e barrica sofisticadamente utilizada, cuja prova vertical recente confirmou a capacidade de evolução em garrafa. 

Em conclusão, não faltam vinhos brancos portugueses distintos entre si, brancos que revelam a criatividade dos seus autores, e o engenho de produtores em quererem novos produtos, muitas vezes à imagem do que fez no passado ou de que vivenciou numa região e experiência longínqua. O consumidor português não só bebe cada vez melhor, como cada vez elege mais vinho branco. Chegou o tempo de provar diferente! 

Edição nº 36, Abril de 2020