Depois de 23 anos dedicada à Lavradores de Feitoria, empresa produtora de vinhos do Douro, Olga Martins decidiu deixar a empresa de vinhos que viu nascer,  para assumir, a 100%, o seu projecto familiar de vinhos, o Poeira.

Há muito que o marido, o enólogo Jorge Moreira, a desafiava a assumir a gestão e promoção dos vinhos Poeira. Mas a decisão de deixar a Lavradores de Feitoria não foi fácil. A um ano de celebrar meio século de vida e com a empresa em velocidade de cruzeiro, Olga Martins sentiu que era chegada de hora mudar, apesar de a sua ligação à Lavradores de Feitoria se manter como accionista da empresa. “O meu lema de vida é dar sempre o meu melhor em tudo o que faço, respeitando todos os que se cruzam no meu caminho”, conta a gestora, acrescentando que “foi assim durante estes anos na Lavradores de Feitoria, em que aprendi muito sobretudo com o Fernando Albuquerque e o Dirk Niepoort, a quem estarei sempre grata”. Agora, sentiu que estava na hora de encerrar este ciclo e, por isso, não aceitou o convite para continuar, nas últimas eleições da empresa.

O projecto de vinhos Poeira nasceu, no Douro, em 2001. Nesse ano, Jorge Moreira decidiu fazer um interregno na sua carreira como enólogo da Real Companhia Velha, para criar vinhos com o seu cunho pessoal. Olga Martins esteve sempre ligada ao projecto, de forma mais discreta, tendo mesmo um vinho da sua autoria: o She by Poeira

Raposeira: A celebração de cada dia

Caves Raposeira

Durante o passeio pelas vinhas perto das Caves da Raposeira e pelos corredores infinitos subterrâneos, cheios de garrafas em repouso, Marta Lourenço, a enóloga responsável pela produção nesta casa e na Murganheira, partilhou a história da empresa, contada pelo seu sogro, um profundo conhecedor e especialista nesta categoria de vinhos e uma figura incontornável no […]

Durante o passeio pelas vinhas perto das Caves da Raposeira e pelos corredores infinitos subterrâneos, cheios de garrafas em repouso, Marta Lourenço, a enóloga responsável pela produção nesta casa e na Murganheira, partilhou a história da empresa, contada pelo seu sogro, um profundo conhecedor e especialista nesta categoria de vinhos e uma figura incontornável no que toca aos espumantes nacionais – Orlando Lourenço.
Lamego foi uma das primeiras regiões em Portugal onde se começou a estudar os processos de espumantização. As Caves da Raposeira tiveram o seu início no seio familiar de Adelino Pereira do Vale, com o seu filho e genros, um dos quais, José Teixeira Rebelo Junior, com residência permanente em Lamego, desempenhou um papel importante como administrador. Segundo as informações da empresa, as primeiras tentativas de criar bolhinhas começaram ainda em meados do século XIX e, a partir de 1898, já produziam e comercializavam os “vinhos espumantes tipo Champagne” na cidade de Lamego.
Nos anos 30 do século passado, a Caves Raposeira tornou-se numa empresa de grande prestígio, visitada pelas figuras do Estado Português e Brasileiro, onde a marca era bem apreciada. Nos anos 50-60, os espumantes da Raposeira eram vinhos de luxo, custando uma garrafa de 35 a 90 escudos (preço para retalhistas), numa altura em que a minha sogra se lembra que um garrafão de vinho de 5 litros custava 4,5-5 escudos. O salário dela, em Lisboa, era pouco mais de 2000 escudos e um espumante com estes preços “era nem pensar”. Tratava-se claramente de um produto para “quem pode”.

Mas não há bem que sempre dure… Quando, em 1980, faleceu o administrador da empresa, apaixonado pelas bolhinhas e dinâmico Eugénio Vale Teixeira, a Raposeira foi vendida à multinacional canadiana Seagram. As duas décadas seguintes revelaram-se um período mais desconcertante na história da empresa, que enfraqueceu a força da marca. A abordagem visava a rotatividade rápida do produto, vender barato e ganhar pela escala, descartando a importância da matéria prima e dos processos que asseguram a qualidade. Desfizeram-se das quintas (tinham quatro) e dos fornecedores de uva habituais, passando a importar vinho de mesa barato a granel. Diluíam-no, espumantizavam e vendiam barato. “Não vinificaram 1 kg de uva própria”, conta Marta Lourenço. Devido a este período negro, a Raposeira é, hoje em dia, vista como um parente pobre da Murganheira que, fundada mais tarde, não passou por estes ciclos comprometedores.

A viragem do século trouxe outro gigante multinacional a assumir a gestão das caves em Lamego. Em 2000, duas das maiores empresas mundiais do sector das bebidas alcoólicas, a britânica Diageo e a francesa Pernod Ricard fizeram uma joint-venture para adquirir a divisão de bebidas da Seagram, onde se incluía a Raposeira. No entanto, a marca não integrou o seu portfólio por muito tempo. Como a Pernod Ricard já representava duas marcas de Champagne, Moët & Chandon e Dom Perignon, em Portugal, rapidamente se desfez de um activo que não era estratégico. O melhor que aconteceu à Raposeira foi a sua aquisição pela Murganheira em 2002 e a entrada de Orlando Lourenço como administrador. É difícil de imaginar outra pessoa para quem a Raposeira representasse um valor sentimental tão grande, uma vez que já tinha ligação forte à empresa desde a infância: a sua mãe trabalhou como operária na Raposeira e o seu pai produzia vinho base para espumante destinado a esta casa. Por isto, quando entrou, o objectivo não era o lucro imediato, mas sim a recuperação da antiga fama da marca. Fez uma revolução qualitativa. Voltou a apostar na matéria prima (agora contam com uvas de mais de 400 viticultores) e introduziu novos processos de trabalho na adega, já aplicados na Murganheira.

Entre o Douro e Távora-Varosa
A Raposeira é a única empresa em Portugal que pode certificar os seus vinhos com duas denominações de origem – Távora-Varosa ou Douro. A fronteira passa precisamente pela vinha junto à adega. Entretanto, como as uvas são misturadas no vinho final, este fica “desclassificado” para vinho de mesa. Internamente estão a ponderar a possibilidade de certificação, mas não é urgente, pois a marca sobrepõe-se à associação a qualquer DO.
A maior parte das uvas (70%) vem do Douro, sobretudo do Baixo Corgo, mas do Cima Corgo e de algumas partes do Douro Superior também. Os descendentes dos fundadores, por exemplo, são os maiores produtores de uvas (na sub-região de Baixo Corgo e na fronteira com Távora-Varosa). Marta nota uma grande diferença no perfil das uvas que amadurecem em condições diferentes. O Douro é xisto, Távora-Varosa granito. As amplitudes térmicas em Távora-Varosa são bem mais pronunciadas. “As pessoas estão habituadas a usar um casaco polar por cima de uma t-shirt”, conta a enóloga. Os mostos de Távora-Varosa apresentam pH 2,7-3, enquanto no Douro 2,9-3,4 e isto faz diferença no produto final.
Do Douro vêm sobretudo a Malvasia Fina e Viosinho e as castas tintas – Touriga Nacional, Touriga Franca (ficam muito bem no espumante) e Tinta Roriz; de Távora-Varosa acresce o Pinot Blanc. A produção não é muito alta, contam com 4-8 toneladas de uva por hectare.
A mesma casta também se comporta de forma diferente. A Malvasia Fina do Douro é mais fácil, mais floral, em Távora-Varosa, mais exigente, com maior acidez e mineralidade.
Quando a enóloga Marta Lourenço entrou, em 2005, as mudanças na empresa já estavam em andamento. Para além dos espumantes doces e semi-secos, introduziram os brutos e criaram uma linha “Gourmet”, a incluir Super Reserva Blanc de Noirs Bruto, Super Reserva Blanc de Blancs Bruto, Super Reserva Rosé Bruto, Super Reserva Peerless Bruto e Super Reserva Tinto Bruto.
O processo produtivo é praticamente igual na Murganheira e na Raposeira. Existe uma única diferença na recepção de uva. Na Murganheira, a uva inteira e intacta vai directamente para a prensa, na Raposeira ainda usam o tegão e a bomba que resulta sempre em algum rompimento de bago. Para evitar isto, nos espumantes especiais usam um pequeno tapete transportador para colocar uvas na prensa. Já existe um projecto para fazer obras destinadas à melhoria na recepção de uvas. E é para breve.
O fraccionamento de prensas, as leveduras livres e o estágio prolongado são três pilares de qualidade do espumante que não se abdicam na Raposeira, tal como na Murganheira.
O mosto é separado em quatro frações: première pièce – os primeiros 400-500 litros resultantes da “lavagem” das uvas com o próprio mosto, que é descartado em anos maus e por vezes pode ser aproveitado para os espumantes meio-secos e doces; cuvée – a melhor parte do mosto destinada à produção dos espumantes brutos; taille – resultante do início da prensagem – também utilizada para espumantes meio-secos e doces; e finalmente rebêche, a última parte da prensa que é sempre descartada.
Tal como na Murganheira, na Raposeira trabalham exclusivamente com leveduras livres. É mais trabalhoso, mas qualitativamente fazem espumantes mais ricos e complexos, sobretudo com o tempo de estágio prolongado. Têm uma sala com cubas destinadas à multiplicação das leveduras, para as adaptar às condições pouco confortáveis (teor de etanol produzido na primeira fermentação e presença de gás carbónico) em que ocorre a segunda fermentação. Começam com 80% de água e 20% de vinho e depois vão aumentando a percentagem de vinho, num processo que demora sete dias e exige um controlo quase constante.
E aqui chegamos ao terceiro ponto importante – tempo de estágio. Na Raposeira os espumantes brutos estagiam com borras antes de dégorgement no mínimo quatro anos, meio-secos três anos e os doces no mínimo dois anos.
Para além dos pontos fulcrais, existem ainda muitos detalhes durante todo o processo produtivo que podem fazer a diferença. O controlo rigoroso em cada etapa é a parte menos romântica, mas vital. Na empresa não abdicam de inovação e investimentos se estes trazem benefícios na qualidade do espumante. Por exemplo, em alguns espaços usam iluminação LED específica, com espectro muito estreito, calibrado para não interagir com riboflavina (vitamina 2 presente no vinho) e não provocar alterações sensoriais chamados “gosto de luz”. Estas lâmpadas (caríssimas) produzem uma luz âmbar monocromática, que permite visibilidade suficiente para trabalhar, por exemplo na sala de giropaletes ou caves, evitando deterioração do vinho.

Raposeira

 

A Raposeira é hoje o maior produtor de espumantes em Portugal. Anualmente saem 2,5 milhões de garrafas efervescentes, das quais cerca de um milhão são espumantes meio-doces e doces e o resto – brutos, dos quais cerca de 120 000 garrafas da linha especial.

Nos longos corredores subterrâneos permanecem, em estágio, 12 milhões de garrafas, mais do que a população do nosso país. Dava uma garrafa para cada português e ainda sobrava! E 80% da produção é comercializada no mercado nacional.

 

Os espumantes antigos da Raposeira
Nem sabia que existiam! Depois da prova da gama actual, uma grande surpresa foi a prova de espumantes antigos. Nem todos se apresentavam em melhores condições, mas permitiu claramente sentir as diferentes épocas na vida da marca.
O Velha Reserva 1995 apresentava uma cor dourada clara, fruta compotada, a lembrar o vinho da Madeira, notas amendoadas e pão seco. O açúcar residual era bem perceptível e quase não tinha gás. O 1996 sentiu-se mais caramelizado no sabor, com notas de leite-creme e alguma ferrugem. O 2000, com limão caramelizado e nuance amendoada, era mais fresco no nariz e com mais tensão na boca, mas leve amargo no final evidenciava o uso do mosto de prensa. A partir de Velha Reserva 2001 nota-se uma mudança na elaboração: com fruta mais limpa, maior presença de gás, final com sabor a pão mas também com frescura, cremoso e com certa untuosidade. O 2005 apresentou tonalidade de limão intenso a caminhar para dourado, nariz muito limpo com notas de casca de limão cristalizada, fruta branca, tisanas, todo tenso e vibrante, cheio de vivacidade e mineralidade. O 2006 com fruta madura a lembrar pêssego em caldo, mel, notas florais, com ligeira doçura frutada no final. O 2010 tem a vida toda pela frente, cheio de fruta, intenso, bem seco e cremoso. O 2011 com sugestões de limão, pêra, tisanas e mel, expressivo e transparece frescura.
O Chardonnay 2010 – no primeiro impacto demonstrou uma ligeira redução. Mas rapidamente se recompôs, alinhou-se todo e, com boa pressão, bolha fina, textura cremosa, limpo e saboroso, finalizou a prova em grande.
Absolutamente inesperada foi a performance do Primor seco feito de Moscatel dos anos 70-80 (não deu para identificar o ano exacto), que apresentava uma cor dourada e aroma extremamente complexo e bonito com pêssego em calda, marmelada, xaropes de farmácia, mel, estragão e notas resinosas, com um enorme equilíbrio do conjunto – uma bela surpresa!
E, por fim, o Velha Reserva Bruto 1979, com uma raposa diferente no rótulo, deu uma grande prova com uma acidez fantástica, nariz doce com canela, mel e alperce em caldo, ainda com gás carbónico a vibrar. Incrível e cheio de vida.

Celebrar a vida com Raposeira
A Raposeira tem muito para contar. Já foi uma marca emblemática que dificilmente tinha concorrência em Portugal, e sofreu com a errada gestão estratégica. Agora, quando só o mais preguiçoso não produz espumante, porque está na moda, afirma-se com nova força e dinamismo, associada a uma imagem sempre impecável. A Raposeira tem um grande legado e muito know-how graças às pessoas dedicadas e profissionais que vivem a marca. O volume de produção permite manter os preços acessíveis com um nível de qualidade ao qual muitos espumantes bem mais caros não conseguem chegar.
Se o Murganheira é posicionado como um espumante para os momentos especiais, o Raposeira é um espumante de dia a dia, para celebrar a vida em qualquer momento.

(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)

Descubra os vinhos distinguidos na 16ª Edição do Concurso de Vinhos do Algarve

Concurso de Vinhos do Algarve

A XVI edição do Concurso de Vinhos do Algarve decorreu no Convento de S. José, em Lagoa, com o apoio do município e a direcção técnica da Comissão Vitivinícola do Algarve. Foram provados 117 Vinhos do Algarve, de 32 produtores, entre brancos, rosés e tintos, dos quais foram distinguidos 38 com 27 medalhas de Prata, […]

A XVI edição do Concurso de Vinhos do Algarve decorreu no Convento de S. José, em Lagoa, com o apoio do município e a direcção técnica da Comissão Vitivinícola do Algarve.

Foram provados 117 Vinhos do Algarve, de 32 produtores, entre brancos, rosés e tintos, dos quais foram distinguidos 38 com 27 medalhas de Prata, 10 medalhas de Ouro e, o grande vencedor, com a Grande Medalha de Ouro.

O grande vencedor do XVI Concurso de Vinhos do Algarve foi o Dialog Tinto 2018, do produtor Quinta dos Vales.

Os resultados do Concurso foram divulgados  em cerimónia que teve lugar no Clubhouse Pestana Vale da Pinta, que juntou vários produtores e entidades.

O Concurso de Vinhos do Algarve tem, por objectivo, promover a produção de vinhos engarrafados e estimular a produção de vinhos de qualidade na região, distinguindo e promovendo os melhores vinhos produzidos na Região do Algarve.

Conheça AQUI a lista dos premiados do concurso.

António Zambujo: Música numa garrafa

António Zambujo

Foi no eixo Beja-Vidigueira que se conheceram ainda miúdos e a vida levou-os em diferentes direcções, sem nunca os separar totalmente. A dada altura, nos seus regulares encontros à volta da mesa e do vinho (como não podia deixar de ser), uma ideia foi assentando. O conceito inicial poderia formular-se assim: criar uma linha de […]

Foi no eixo Beja-Vidigueira que se conheceram ainda miúdos e a vida levou-os em diferentes direcções, sem nunca os separar totalmente. A dada altura, nos seus regulares encontros à volta da mesa e do vinho (como não podia deixar de ser), uma ideia foi assentando. O conceito inicial poderia formular-se assim: criar uma linha de vinhos que traduzisse, na forma e no conteúdo, os 20 anos da carreira musical de António Zambujo. Uma carreira eclética que passou, primeiro, pelo cante alentejano e pelo fado, mais tarde abrindo-se a influências do mundo, um ecletismo que os vinhos deveriam igualmente expressar.
Dando a liderança técnica ao enólogo entre eles (Luís Leão, profundo conhecedor do Alentejo e da Vidigueira em particular), todos participariam na definição dos lotes e dos perfis dos vinhos que, nesta fase de arranque do projecto, deveriam estar alinhados com as influências musicais de cada um dos 10 álbuns do artista, deles retirando igualmente o nome. Como não têm vinhas nem adega, caberia a Luís selecionar vinhos em diferentes produtores da Vidigueira, adquiri-los, lotá-los e estagiá-los.
Bem dito, bem feito. Só que, a dada altura, foi preciso encontrar um local para colocar as barricas que albergavam os “vinhos musicais”. João Pedro Baião colocou-se em campo e descobriu e adquiriu, em Vila de Frades, centro de um dos mais significativos terroirs vitivinícolas da Vidigueira, um espaço imponente construído em 1879 como adega de talhas e onde mais tarde funcionou uma carpintaria. Quando começaram a reabilitá-lo, acharam que não fazia sentido ficar fechado, apenas um armazém. Porque não abrir ali um wine bar/loja de vinhos? E assim nasceu a Adega da Zabele. O nome encontrado resulta da conjugação das iniciais dos três sócios, mas também tem um lado feminino. Pode significar a maneira alentejana de dizer Isabel.

António Zambujo
António Zambujo, Luís Leão e João Pedro Baião.

 

Vinhos e concertos

A Adega da Zabele funciona às sextas, sábados e domingos. Mas atenção, não é um restaurante. Sem cozinha, apenas com copa, funciona à base de petiscos, pão, azeitonas, azeite, queijos, enchidos, conservas, escabeches e outras coisas boas. As paredes estão forradas com vinhos de quase todos os produtores da Vidigueira, que ali podem ser adquiridos a preço de loja e servidos, mediante módica taxa de rolha. Uma vez por mês, há um jantar-concerto, com a cozinha encomendada a mãos experientes. O primeiro foi, naturalmente, inaugurado por António Zambujo, em Outubro do ano passado, mas por lá já passaram nomes como Pedro Abrunhosa, Ricardo Ribeiro ou Tiago Nogueira. O próximo vai ser protagonizado por uma orquestra argentina. Nestes jantares-concertos (cujos 54 lugares, vendidos através das redes sociais, costumam esgotar em 24 horas, com gente vinda de todo o país) há sempre um produtor local convidado a apresentar os seus vinhos.
A propósito de vinhos, convém falar dos que agora chegaram ao mercado. São três, com rótulos distintos, correspondendo a outros tantos álbuns de António Zambujo: Outro Sentido, Guia e Quinto. Luís Leão procurou que o conteúdo das garrafas fosse ao encontro do perfil das obras musicais, e estes primeiros lotes foram elaborados com base em vinhos comprados em 6 diferentes produtores da Vidigueira. Mas não quer dizer que, no futuro, seja sempre assim. “Defendemos o nosso território, mas não estamos agarrados a ele, diz João Pedro. E Luís exemplifica: “O álbum Avesso vai traduzir-se, naturalmente, num branco da casta Avesso, da região dos Verdes. E, quase certo, vamos ter um vinho da região de Lisboa, para expressar um álbum de fado.”
Dos vinhos agora apresentados fizeram-se 1000 garrafas de cada, em embalagem conjunta. Os dois primeiros álbuns de António Zambujo (O Mesmo Fado e Ode) vão encher 600 garrafas magnum cada um. “O projecto começou de forma descontraída e vai crescer devagarinho, desenvolver-se de modo natural, juntando amigos e vinhos”, comenta António Zambujo. “Hoje já vamos vendo isto como um negócio, mas tudo começou sentados à mesa.” E que boa maneira de iniciar uma coisa destas…

(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)

Real Companhia Velha: São 268 anos, but who’s counting?

Real Companhia Velha

1960: a família Silva Reis assume o controlo da Real Companhia Velha (RCV), com 60% do seu capital. Outros 35% pertencem à Casa do Douro e o resto está disperso. Já há vários anos que a direcção está a cargo de Pedro Silva Reis. Os seus filhos foram entrando pouco a pouco no negócio. Pedro […]

1960: a família Silva Reis assume o controlo da Real Companhia Velha (RCV), com 60% do seu capital. Outros 35% pertencem à Casa do Douro e o resto está disperso. Já há vários anos que a direcção está a cargo de Pedro Silva Reis. Os seus filhos foram entrando pouco a pouco no negócio. Pedro é enólogo e tem responsabilidades nos vinhos de mesa, Tiago é enólogo e blender de vinhos do Porto. Há muitos anos que o enólogo principal da casa é Jorge Moreira, e a viticultura está na mão de Álvaro Martinho Lopes. Hoje banalizou-se chamar paixão a tudo, mas é impossível ouvir Álvaro falar do Douro e não sentir que é essa a única palavra para o descrever.

A vida do Douro

Em evento recente no Hotel Bairro Alto em Lisboa, Álvaro Martinho Lopes explicou apaixonadamente (lá está) a vida do Douro. A vida das plantas, neste caso, e como elas influenciam e são influenciadas pelo homem. Álvaro é um homem da terra, do Douro, e faz compreender tudo muito bem. Quem já foi ao Douro sabe do que ele está a falar. Embevecido, relembra as suas memórias dessa incrível região de vinho. Quem não foi, fica imediatamente com vontade de ir. Vejamos algumas headlines: “uma vinha com 40 anos é jovem”, “o Douro tem um clima óptimo, mas as plantas têm de lutar, o solo é selectivo”, “O Douro é uma equação grande, com muitas variáveis: altitude, castas, exposição, vinhas velhas, vinhas novas. As Carvalhas são uma quinta igual às outras, o que difere são as pessoas.” Jorge Moreira interveio depois e confirmou isto tudo, enfatizando que, com as variações dentro da própria vinha, e tendo como objectivos os estilos de vinho pretendidos para cada parcela ou cada combinação de parcelas, o factor mais importante, quando chega a hora, é a data de vindima.
Quando Jorge Moreira chegou à RCV, em 2010, as Carvalhas estavam dedicadas ao vinho do Porto. Com 500ha, 150ha são de vinha, dos quais 50 são vinhas tradicionais, e nas outras há várias exposições solares, várias altitudes, várias pendências, inclusive algumas parcelas com caraterísticas que obrigam a trabalho com tracção animal. Jorge Moreira afirmou: “Com esta localização única, a quinta tem de tudo e tudo em grande escala, uma conjugação de factores que permite e obriga a fazer vários tipos de vinho. Há várias gerações que faz vinhos incríveis, e esta diversidade inclui pessoas, gente com sabedoria, com cultura de vinho, entre os quais proprietários apaixonados pelo Douro. E tem o Álvaro. Hoje vamos provar cinco vinhos que demonstram variedade. Mas poderíamos mostrar 10 ou 12.”
Uma outra questão interessante que Jorge Moreira abordou foi o terroir dos vinhos. Parece haver a convicção de que há zonas separadas para tawny, para vintage, para branco. Jorge não acredita muito nisso, e provou-o fazendo um branco da Serra de Galgas, a 450m de altitude e com menos 3ºC de média de temperatura e 1h20m diários de luz, ou melhor, tem luz mas não exposição directa ao Sol. Com exposição Norte, esta parcela de Gouveio tem uma fotossíntese gradual e é sempre a última a ser vindimada. O vinho completa-se com Viosinho da parcela Cruz, por cima da estrada interior da quinta, com altitude mais baixa.

“Há várias gerações que a Real Companhia Velha faz vinhos incríveis, e esta diversidade inclui pessoas, gente com sabedoria, com cultura de vinho, entre os quais proprietários apaixonados pelo Douro” – Jorge Moreira

 

56 castas vinificadas em separado…

A Quinta das Carvalhas presta-se a experimentação com castas, e tem grande sucesso nos seus varietais de castas raras. Talvez tanto sucesso que algumas deixem de ser raras. A Tinta Francisca resiste muito bem ao calor sem água. É uma casta nativa do Douro, logo melhor preparada para fazer o seu percurso fisiológico o mais eficientemente possível. Ou seja, amadurecer as sementes. Eficiente é fazer tudo com pouco. Sem desperdício. Segundo nos contou Álvaro Martinho Lopes, estas experiências nem sempre têm sucesso, e o pior é que demoram anos a ter resultados e representam investimentos significativos. A má experiência com o Donzelinho tinto foi uma boa lição, mas saiu cara. Segundo Pedro Silva Reis (filho), em 2023 fizeram na Real 287 vinificações, incluindo 56 castas separadas.
O Vinha do Eirol é a menina dos olhos de Pedro. Vem de uma parcela de vinhas velhas com a habitual mistura de castas, com exposição Poente, a 380m de altitude. A vinificação pouco interventiva assegurou pouca extracção e um perfil elegante, ligeiro e guloso. Um vinho à moda antiga, mas uma moda que regressa para alegria dos apreciadores de “vins de soif”.
Esta masterclass teve muita adesão da imprensa, influencers (?) e escanções. Uma sala cheia que provou depois uma nova referência, o Quinta das Carvalhas Reserva tinto. Este vinho pretende ocupar um lugar vago na gama das Carvalhas, com um perfil clássico, de Douro tradicional, assegurado por um lote de vinhos provenientes de parcelas com exposição Norte e outras de exposição Sul, e incluindo vinhas velhas, as Tourigas e o Sousão.
Em seguida, a apoteose com o Vinhas Velhas de 2020, um ano muito quente, mas de onde vem este vinho contido, mestria da viticultura e enologia da RCV, e seu conhecimento da quinta. Três parcelas específicas, cada vez mais as mesmas para este vinho, uma das quais teve direito a duas vindimas, uma precoce e outra tardia. Raposeira entra parcialmente para dar volume e maturação, Costa da Barca e Cartola garantem acidez e taninos vigorosos. Parece simples, mas representa muita sabedoria e o resultado é espantoso. Para confirmar que isto não é um acaso da Natureza, provámos um VV 2011, cuja elegância e juventude me impressionaram vivamente. Já com a Tinta Francisca tinha vindo uma testemunha de 2012, que fresco e vibrante mostrou uma suavidade que acrescenta garantias de prazeres futuros a todos estes vinhos.

Estilo leve e vibrante

Começa a faltar-me o espaço, mas não o fôlego. Gostei muito deste evento, onde ouvi falar com conhecimento e paixão dos lugares, terroirs, pessoas, vinhos, provei as novidades e suas testemunhas antigas. Em seguida houve um almoço ligeiro de finger food, onde pude ver o desempenho destes vinhos com comida, não esqueçamos que é esse o seu destino. O Hotel Bairro Alto teve recentemente Nuno Mendes como director criativo, que deixou os traços da sua genialidade na oferta gastronómica. Depois do almoço relaxado, numa sala ao lado podiam-se provar as múltiplas referências da empresa, com o bónus de ter a excelente equipa da Real a explicar cada vinho. Valem muito a pena os velhos vinhos do Porto, que a Real cultiva com um estilo leve e vibrante. Também aprecio muito o seu trabalho com castas minoritárias. É das poucas empresas onde se podem provar vinhos de Rufete ou Cornifesto. Tenho a certeza de que esta aposta vai dar frutos, e que mais vinhas serão plantadas com estas castas, para as salvar e preservar o estilo de vinhos que elas oferecem. A Real Companhia Velha é uma das empresas mais influentes do Douro, e eu agradeço-lhes a teimosia.

(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)

Anúncio de vencedores do Concurso Escolha de Mercado

concurso

Já são conhecidos os resultados do concurso Escolha do Mercado 2024, aquele que é o maior concurso de vinhos brancos portugueses no Mundo. Este ano com mais de 570 vinhos inscritos e com 52 jurados. O concurso divide-se  em três categorias: PVP até €7; entre 7 e €15; e superior a €15. Em cada uma […]

Já são conhecidos os resultados do concurso Escolha do Mercado 2024, aquele que é o maior concurso de vinhos brancos portugueses no Mundo. Este ano com mais de 570 vinhos inscritos e com 52 jurados.

O concurso divide-se  em três categorias: PVP até €7; entre 7 e €15; e superior a €15. Em cada uma destas categorias foi atribuído o “Prémio Escolha do Mercado” aos vinhos mais bem classificados e, entre estes, os três brancos com classificação mais elevada receberam o “Grande Prémio Escolha do Mercado”.

Clique em baixo para aceder a toda a informação:

Resultados

Garrafeira Nacional chega à cidade invicta

Garrafeira Nacional

Situada numa das artérias mais emblemáticas da cidade do Porto, a Rua das Flores, a Garrafeira Nacional instala-se num edifício histórico, respeitando a arquitectura tradicional e contribuindo para a dinamização da zona. O projecto da nova loja contou com um investimento de cerca de 2,5 milhões de euros tornando possível trazer a beleza vinhateira ao […]

Situada numa das artérias mais emblemáticas da cidade do Porto, a Rua das Flores, a Garrafeira Nacional instala-se num edifício histórico, respeitando a arquitectura tradicional e contribuindo para a dinamização da zona. O projecto da nova loja contou com um investimento de cerca de 2,5 milhões de euros tornando possível trazer a beleza vinhateira ao seu interior.

Para Jaime Vaz, CEO da Garrafeira Nacional, a decisão de rumar o negócio a norte, há muito ambicionada, mas condicionada pela pandemia, justifica-se devido à crescente exigência do público, que espera encontrar uma oferta diversificada de vinhos e destilados de qualidade superior. “Queremos preservar a tradição ainda que adaptada aos tempos modernos e proporcionar experiências personalizadas, garantindo um serviço de excelência desde o primeiro momento a todos aqueles que nos procuram”, realça o responsável, deixando o convite à visita do espaço.

Para complementar a experiência de compra, a Garrafeira Nacional – Flores dispõe de uma área dedicada ao serviço de vinho a copo, com uma selecção de 32 referências distintas, dos fortificados aos tranquilos, incluindo vinhos do Porto com mais de 100 anos. Além disso, a loja vai promover sessões de prova e masterclasses, em sala exclusiva para o efeito.

Justino’s: Madeirenses 2.0

Justino’s

A Justino´s Madeira Wines, estabelecida na ilha em 1870, como produtora e exportadora dos vinhos da Madeira, dedica-se, desde 2003, também à produção de vinhos tranquilos sob a marca Colombo. O acompanhamento dos viticultores com determinadas parcelas é um dos pressupostos essenciais deste projecto. Cada lote tem vinhas associadas e um trabalho no campo diferenciado […]

A Justino´s Madeira Wines, estabelecida na ilha em 1870, como produtora e exportadora dos vinhos da Madeira, dedica-se, desde 2003, também à produção de vinhos tranquilos sob a marca Colombo. O acompanhamento dos viticultores com determinadas parcelas é um dos pressupostos essenciais deste projecto. Cada lote tem vinhas associadas e um trabalho no campo diferenciado em função das condições do local e das castas. Umas são variedades internacionais, como é o caso de Sauvignon Blanc, único na Madeira, introduzido pela Justino’s há oito anos, outras portuguesas – Aragonez e Touriga Nacional – vindas do continente, e finalmente castas tipicamente madeirenses, algumas quase desconhecidas, que, no sítio certo, dão resultados bem interessantes.

Imagem renovada
Os cinco vinhos apresentados são certificados como DO Madeirense. Revelam uma imagem renovada e uma filosofia enológica focada nos vinhos nítidos e expressivos, à responsabilidade de Juan Teixeira e Nuno Duarte, que se juntou à equipa em 2021.
O primeiro vinho representa o terroir do Norte da ilha. As uvas vêm das vinhas com 20 anos, conduzidas em espaldeira a uma altitude entre 400 e 500 metros. É um lote de Arnsburger (60%), Boaventura e Verdelho (40%) de São Vicente. Arnsburger é uma variedade de origem alemã, obtida por cruzamento de Muller-Thurgau e Weisser Gutedel (também conhecido como Chasselas Blanc) nos meados do século passado. Foi introduzida na Madeira em meados dos anos 80, numa leva de castas oriundas de Portugal Continental, França, Itália e Alemanha. Hoje Arnsburger é mais popular no norte da ilha do que no seu país de origem.
O segundo branco é composto por 70% de Verdelho do Estreito de Câmara de Lobos (Sul da ilha) e 30% de Sauvignon Blanc de São Jorge (Norte da Ilha). A altitude das vinhas, também conduzidas em espaldeira, varia entre 200 e 300 metros.
Ambos os vinhos partilham a mesma abordagem na adega. Fermentam em inox com temperatura controlada. 50% estagia em barricas de 500 litros, novas e semi-novas, 50% em inox com levantamento regular de borras finas. Como são bem providos de acidez, optou-se por permitir parcialmente a fermentação maloláctica, para “domar” a acidez e enriquecer a sensação de boca.

 

Do Caracol ao rosé
O terceiro vinho é uma curiosidade tipicamente madeirense. É praticamente um monovarietal de Caracol, que entra no lote com 97% (mais 3% de Listrão na qualidade de sal e pimenta). A casta foi introduzida na ilha de Porto Santo no início do século passado, onde também é conhecida como Olho de Pargo ou Uva das Eiras, pelo sítio onde foi plantada. A sua origem ainda é desconhecida, mas existe uma relação genética com a variedade Cédres, das ilhas Canárias, e o Listrão (Palomino Fino em Jerez ou Malvasia Rei no Douro). As vinhas bem velhas, com idade de 80 anos, rastejam no chão de areia com compostos calcários ao nível do mar, protegidas por muros de pedra, denominados “crochê”.
Como as duas castas são neutras aromaticamente, optou-se por uma ligeira maceração de cinco horas, antes da prensagem para extrair alguns compostos aromáticos das películas, com fermentação a temperatura ambiente. O estágio decorreu da mesma forma como os outros dois vinhos.
O rosé é originado por um feliz dueto de 57% de Tinta Negra com 43% de Complexa. A primeira é a casta mais plantada na ilha e assegura a maior parte de produção de vinhos da Madeira. As uvas vêm do Estreito da Câmara de Lobos, plantadas a 700 m de altitude e conduzidas em latada, com declives de 45%. A Complexa quase nunca é falada, mas é a segunda casta mais plantada na Madeira. Foi obtida, em 1959, no centro de investigação de Dois Portos, através de uma série de cruzamentos que envolveram Castelão, Alicante Bouschet e Moscatel de Hamburgo e foi introduzida na Madeira nos anos 70. Produz vinhos com nível de álcool moderado, e mais acidez e menos cor do que a Tinta Negra. Não obstante ter a polpa corada, tem poucas antocianas na película, o que faz dela uma óptima escolha para rosés. As uvas vêm de Santana, na parte norte da ilha.
Apenas a primeira lágrima dá origem ao rosé. Fermenta a temperatura controlada e não faz a fermentação maloláctica para preservar a frescura. Trabalham borra fina para dar mais textura e o estágio decorre em barrica usada (com 10 anos) de 500 litros.
A composição do tinto deste ano é diferente: 50% de Aragonês e 30% de Touriga Nacional do Porto Moniz, mais 20% de Merlot da Rocha, vinhas localizadas no Norte da ilha, 400 m acima do mar. Depois de sete dias de curtimenta, só molhando a manta, das fermentações alcoólica e maloláctica, seguiu-se um estágio de 12 meses em barricas de 500 litros, novas e seminovas.

(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)