Leilão da José Maria da Fonseca atinge valor histórico

A José Maria da Fonseca

A José Maria da Fonseca comemorou 190 anos com a realização do quinto leilão do século XXI, que rendeu quase 80 mil euros, ultrapassando as expectativas e o valor do último evento deste tipo organizado por esta empresa, realizado em 2018. No total, foram a leilão 130 garrafas, divididas por 36 lotes, onde se destacou […]

A José Maria da Fonseca comemorou 190 anos com a realização do quinto leilão do século XXI, que rendeu quase 80 mil euros, ultrapassando as expectativas e o valor do último evento deste tipo organizado por esta empresa, realizado em 2018.

No total, foram a leilão 130 garrafas, divididas por 36 lotes, onde se destacou o Apothéose Bastardinho, licitado por 7.500€, e o Moscatel de Setúbal Superior de 1924, cuja garrafa chegou aos 882€. Trata-se de uma edição limitada desta colheita centenária, escolhida pela sexta e sétima geração do mais antigo produtor deste vinho generoso para assinalar uma data histórica e uma tradição com quase dois séculos.

Neste leilão, que esteve a cargo do Palácio do Correio Velho, estiveram à também venda outras colheitas antigas de Moscatel de Setúbal, de anos como 1928, 1934, 1945, 1960 e 1962. Compostos por vinhos exclusivos, os dois últimos lotes a leilão são o reflexo da autenticidade e história deste legado – um Moscatel de Setúbal Edição Comemorativa SL Benfica Bicampeonato Europeu 1961-62, com design de Nuno Gama, que inclui uma garrafa de Moscatel de Setúbal Superior 1961, e uma garrafa de Moscatel de Setúbal Superior 1962. Para terminar foi leiloada a garrafa do icónico Apótheose Bastardinho.

Para António Soares Franco, presidente do Conselho de Administração da José Maria da Fonseca, “este foi um leilão muito especial, em que celebrámos 190 anos de história, dedicação e inovação, e recordámos o passado com confiança no futuro. O Moscatel de Setúbal Superior de 1924 reflete a excelência, a profundidade e a longevidade dos valores que defendemos.”

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Concurso a escolha da imprensa 2024 – Grandes Escolhas

Quinta de Ventozelo, 10 anos depois

Ventozelo

Existe desde 1500, data em que se verificam os primeiros registos da quinta como fazendo parte do património do mosteiro de São Pedro das Águias. Desde aí, a propriedade passou por várias épocas, umas prósperas, outras desafortunadas, mudando os proprietários e modelos de gestão, até que, em 2014, foi adquirida pela Gran Cruz (agora Granvinhos), […]

Existe desde 1500, data em que se verificam os primeiros registos da quinta como fazendo parte do património do mosteiro de São Pedro das Águias. Desde aí, a propriedade passou por várias épocas, umas prósperas, outras desafortunadas, mudando os proprietários e modelos de gestão, até que, em 2014, foi adquirida pela Gran Cruz (agora Granvinhos), empresa do grupo francês La Martiniquaise. Esta aquisição foi estratégica, permitindo um grande investimento na propriedade para explorar todo o seu potencial. Por outro lado, esta que é uma das maiores empresas nacionais de produção do Vinho do Porto (cerca de 30 milhões de litros segundo o seu director de enologia, José Manuel Sousa Soares) obteve condições para produzir vinhos Douro DOC de alta qualidade. Dos 15 milhões de euros investidos, 75% foram destinados ao turismo e 25% ao ambiente.

Tudo o que se faz na Quinta de Ventozelo faz-se com amor. E não apenas no sentido do bom gosto, mas também da responsabilidade ambiental. A sustentabilidade na quinta é transversal. Não se limita à produção de vinho, pois abrange toda a intervenção feita na Quinta, onde se pretende proteger e enriquecer os recursos naturais e a biodiversidade.
Todas as parcelas com vinha têm um coberto vegetal constituído pela flora autóctone espontânea ou resultante da sementeira de mistura de gramíneas e leguminosas. Esta técnica tem efeitos benéficos na protecção contra a erosão hídrica, principalmente em vinhas ao alto, na formação e estabilidade da estrutura do solo, no aumento da porosidade e na conservação da água durante o verão, sendo ainda abrigo da biodiversidade e de auxiliares no combate a pragas e doenças. As leguminosas ainda ajudam a fixar o azoto no solo.
Com a redução de utilização de agroquímicos em mais de 30%, criou-se espaço para crescerem espécies autóctones e restauraram-se habitats naturais nas galerias ripícolas. Na Quinta já foram identificadas um total de 224 espécies de plantas, sendo mais de 20% caracterizadas como RELAPE (Raras, Endémicas, Localizadas, Ameaçadas ou Protegidas) e 185 espécies de animais, parte delas também ameaçadas ou consideradas criticamente em perigo.

Enoturismo de referência

Enquanto projecto de enoturismo, Ventozelo Hotel & Quinta oferece o conforto de um hotel num ambiente rural de uma quinta do Douro.
O restaurante da quinta chama-se Cantina de Ventozelo, por ter sido uma cantina para os trabalhadores em tempos idos. Um amplo terraço oferece uma sombra compacta, que permite relaxar enquanto se observa a vista deslumbrante sobre as vinhas. A ementa, construída pelo Chef José Guedes, tem por base os produtos cultivados nas hortas da quinta, alguma caça e funciona num conceito “quilómetro zero”, o que significa trabalhar com fornecedores de proximidade, dando preferência a produtos regionais.
O Centro Interpretativo, aberto ao público já há alguns anos, é uma espécie de museu vivo e interactivo, que oferece uma espectacular experiência sensorial (incluindo efeitos visuais, sons e aromas) na descoberta de Ventozelo e da sua história.

As vinhas

A vinha ocupa metade da área da quinta. Dos 200 ha cerca de 40 ha foram reabilitados recentemente. Andar de jipe pelos trilhos da Quinta de Ventozelo, com mais ou menos emoção em função do percurso escolhido, é uma actividade tão hedonística como intelectual. Enquanto se desfruta a beleza paisagística das vinhas, testemunham-se as suas variadíssimas condições, moldadas pelas altitudes que vão desde o rio (a 100 metros) até aos 500 metros; pelos solos com diferentes níveis de evolução, textura e capacidade de retenção de água e nutrientes; e pelas exposições, que se apercebem melhor sobretudo ao aproximar-se o pôr-do-sol, quando algumas vinhas já se encontram ensombradas e outras ainda iluminadas pelo astro rei.
Pelo caminho, o director geral da Granvinhos, Jorge Dias conta as aventuras com as pragas dos javalis que, sobretudo nos anos quentes, vão à vinha à procura de água, mordem e estragam os cabos de rega gota-a-gota e servem-se à vontade de uvas. O problema resolve-se com 1000 euros por mês, através da colocação de comedores com milho em três lugares estratégicos para desincentivar os animais de irem às vinhas.

10 anos numa prova

A melhor forma de comemorar os primeiros 10 anos é ver o tempo a passar pelos vinhos numa prova vertical, desde 2014. Das 28 referências de vinhos produzidos na Quinta de Ventozelo, foram escolhidas duas – o branco monovarietal de Viosinho e o tinto Essência.
A casta mais emblemática da Quinta de Ventozelo é o Viosinho, sem dúvida. É a casta do Douro “com maior volume de boca” e bem expressiva; “aguenta o escaldão e tem uma janela de oportunidade na vindima bastante grande”. “As notas tropicais que surgem nos vinhos novos, desaparecem ao fim de dois anos em garrafa”. 10 vinhos numa prova vertical mostram bem a história, a aprendizagem e a variação anual.
O 2014 (em magnum) apresenta notas apetroladas e amendoadas, ervas aromáticas, fruta contida e algo terroso também. Muito bom no volume, acidez não impositiva, que dá frescura suficiente. Termina com notas citrinas e leve amargo (17,5). O 2015 (em magnum) mostra-se mais tropical no nariz marcado pelo aroma de ananás e manga, não tão fino e ligeiramente mais amargo no final (17). O 2016 revela fruta mais evoluída e menos finesse em expressão de nariz e de boca (16). O 2017 está em grande forma com aroma muito apelativo, vivo e complexo a revelar lima, laranja e kumquat, ervas aromáticas e nuances apetroladas também; grande volume de boca, expressão e prolongamento (17,5). O 2018 parece mais novo, tem uma nuance floral a lembrar madressilva e fruta delicada; quase crocante, cristalino e delicado, textura e corpo muito equilibrado com frescura persistente (17). O 2019 é exuberante, tropical, com ananás, manga e laranja, muito jovem ainda, de corpo amplo e muita vida (16,5). O 2020 é intenso, com alguma expressão tropical, aipo, manga, pêra, estragão e uma nota floral, com bastante corpo e acidez bem inserida, termina com leve nota amarga (17). O 2021 é jovem e exuberante com notas de tília, tisanas, funcho, vertente tropical, muito ananás (16,5). 2022 parece mais tímido no nariz, talvez por contraste com o super terpénico 2021, com fruta branca a lembrar pêra (16,5).

Essência no topo

Essência é o topo de gama tinto da Quinta de Ventozelo – a melhor expressão da quinta, que varia conforme a quantidade e proporção de Touriga Franca e Touriga Nacional, as duas castas responsáveis pelo lote. É produzido em anos que a uva entrega a qualidade pretendida. Por exemplo, em 2021 e 2022 optaram por não o fazer. A vinificação ocorre em lagar. Depois vai para as barricas de 500 litros de carvalho francês, novas e usadas, onde passa 18 meses. Por ser o vinho mais importante, ainda estagia bastante tempo em garrafa antes de ser lançado para o mercado. É por isto que os três vinhos mais recentes da prova vertical não se encontram ainda em comercialização, permanecendo em cave, onde evoluem potencializando as suas qualidades.
O 2019 (amostra da cave) tem nariz muito apelativo com um floral de violetas, cereja preta e ameixa madura, louro. Tem ainda muito da juventude, mas a complexidade está presente com promessa de ainda maior afinação com o tempo. Mastigável, tanino maduro e textura aveludada, macio na boca, com bom volume, mas não pesado. O tanino fica mais evidente no final, mas não tem secura. É suculento. Termina com especiaria doce (18). O 2018 (amostra da cave) tem menos corpo e mais frescura, menos exuberante na fruta, com cereja contida e tanino suculento (18). O 2017 (amostra da cave) revela nariz elegante com fruta vermelha, pimenta preta, louro e tomilho, ligeiramente terroso. Menos corpo, mais seco no fim, tanino bem firme e menos suculento, boa acidez e bonitos nuances de framboesa (17,5). O 2016 está ligeiramente fechado e terroso, a lembrar terra húmida, em combinação com louro, caruma e nuances de bergamota. Agradece arejamento, mais austero na boca, denso, compacto e especiado, com tanino ainda bem presente (17,5). O 2015 mostra-se lindamente no nariz, complexo, com muita fruta ainda a lembrar cereja preta e amora para além das notas de couro, caruma, especiaria e violetas. Óptima performance em boca, longo, suculento com tanino maduro e polido pelo tempo, austero q.b. e envolvente ao mesmo tempo (18,5). O 2014 nariz com notas de esteva, alcaçuz, resinas, eucalipto e reminiscência de fruta. Maior percepção de acidez transmite maior grau de frescura ao conjunto (17,5).
Ao jantar provámos outra bela amostra de cave, que será uma estreia absoluta em Setembro – o Quinta de Ventozelo Essência branco 2019, feito de Viosinho e Malvasia Fina. Que vinho! Fino e cativante, elegante com fruta branca séria e lindas notas citrinas, tudo bem proporcionado. Fantástico na prova de boca, com barrica certa, filigrano, com frescura natural, um vinho cheio de finesse, que mostra já uma super afinação (18,5). Segundo Jorge Dias, a Quinta de Ventozelo foi uma aventura de 10 anos e o projecto que deu um enorme gozo de fazer. “Que venham mais 10!” – resumiu com regozijo e confiança.

(Artigo publicado na edição de Setembro 2024)

Fasia Braga é a nova directora-geral da Menin Wine Company

Gestora do grupo de construção MRV, de Rubens Menin, Fasia Braga trabalha, há mais de duas décadas, como executiva de topo de empresas do grupo nos setores de construção, incorporação e loteamento

A empresa produtora de vinhos do Douro e do Porto, Menin Wine Company tem uma nova directora-geral, Fasia Braga, que substitui, no cargo, Cristiano Gomes, que se irá dedicar a novos projectos. Depois da bem-sucedida fase de lançamento da empresa, que incluiu um investimento, no Douro, de mais 40 milhões de euros, a Menin Wine […]

A empresa produtora de vinhos do Douro e do Porto, Menin Wine Company tem uma nova directora-geral, Fasia Braga, que substitui, no cargo, Cristiano Gomes, que se irá dedicar a novos projectos.

Depois da bem-sucedida fase de lançamento da empresa, que incluiu um investimento, no Douro, de mais 40 milhões de euros, a Menin Wine Company quer continuar a crescer, agora sob a direcção da nova gestora, em Portugal e no Brasil, onde as suas marcas Menin Douro Estates e H.O já estão implementadas e expandir a sua actividade a novos mercados. Para além disso, haverá um investimento significativo na área de enoturismo em Gouvinhas e estão previstas mais aquisições na região duriense. Segundo Fasia Braga, haverá o lançamento, para breve, de uma gama completa de vinhos do Porto, que deverá incluir, em 2025, a entrada da marca no território dos Very Very Old Ports.

Gestora de topo do grupo de construção MRV, de Rubens Menin, Fasia Braga trabalha, há mais de duas décadas, como executiva de empresas do grupo nos setores de construção, incorporação e loteamento, e agora abraça agora o desafio de liderar, a Menin Wine Company, num momento em que se antecipa de crescimento.

JUSTINO’S: De olhos no futuro sem esquecer a tradição

Justino's Madeira

Se as (boas) tradições existem para se manter, as experimentações e inovação são formas de dinamizar o presente e projectar o futuro, até porque as condições sócio-económicas estão em constante mudança e é preciso acompanhar e, de certa forma, antecipar estas alterações. Foi o tema de conversa com o Director Geral e enólogo da casa, […]

Se as (boas) tradições existem para se manter, as experimentações e inovação são formas de dinamizar o presente e projectar o futuro, até porque as condições sócio-económicas estão em constante mudança e é preciso acompanhar e, de certa forma, antecipar estas alterações. Foi o tema de conversa com o Director Geral e enólogo da casa, Juan Teixeira e Nuno Duarte, que é responsável pelos seus vinhos tranquilos, Colheitas e Single Cask da Justinos, ao longo de dois dias de visitas à adega e às vinhas e das provas, onde a vertical de Frasqueiras foi absolutamente memorável.
A história da Justino’s começou numa pequena empresa familiar, fundada em 1870. Hoje, juntamente com Henriques & Henriques, integra um dos maiores grupos internacionais de bebidas, La Martiniquaise e, juntas, representam cerca de 60% de volume de produção e vendas dos vinhos da Madeira.
A Justino’s produz 1.400.000 garrafas anualmente, incluindo os vinhos não fortificados com os designativos DO Madeirense e IG Terras Madeirenses, onde também se enquadram os pequenos projectos de edições ultralimitadas, explorando determinadas parcelas e técnicas de vinificação. Neste âmbito, foram apresentados, em estreia absoluta, dois vinhos tranquilos com forte sentido do lugar.

Justino's Madeira

Fanal é uma marca de 1935, cujo nome é inspirado num sítio de grande beleza paisagística – um planalto a mais de 1000 metros de altitude, muitas vezes coberto de nevoeiro, que transforma as figuras das árvores numa floresta encantada. Para a marca Fanal fazem vinhos provenientes das uvas (no caso dos vinhos tranquilos) ou dos cascos (no caso dos fortificados) das proximidades desta zona. Assim, as uvas de Sercial vêm da Fajã do Barro, Porto Moniz, onde a casta é plantada em espaldeira, com viticultura biológica praticada por um casal de viticultores em parceria com a Justino’s. Uma parte do lote estagiou em barrica semi-nova de 700 litros. Deste vinho, intenso e assento na acidez, foram produzidas apenas 1.266 garrafas.
A casta Listrão vem de dois viticultores do Porto Santo. É uma variedade muito cara, dada a quantidade mínima existente e a subida de procura. Na última vindima os preços chegaram a 4,20€/kg, que é praticamente o dobro de outras castas brancas, cujos preços rondam 2,40-2,50 €/kg. As uvas chegam refrigeradas do Porto Santo. Metade vão inteiras para prensa e outra metade faz maceração pelicular de seis horas para extrair algum aroma, pois a casta é bem neutra. Estagia em inox e em carvalho francês usado de 500 l. Resulta num vinho comedido na acidez, com um perfil delicado. Só foram produzidas 1.303 garrafas.

Os projectos mais arrojados vão para além do vinho: nos planos está o lançamento de rum estagiado em cascos de Verdelho e cerveja.
O investimento previsto também visa melhorias na parte de produção da adega e a construção de um novo armazém de barricas. No Funchal, ao pé do teleférico para a freguesia do Monte, será aberto um centro de visitas com uma sala de provas, uma garrafeira, um museu, um centro de formação e alojamento local. Está programado para abrir no final de 2025.

Justino's Madeira

 

Juan Teixeira, director geral e enólogo da Justino’s, com Nuno Duarte, enólogo responsável pelos Vinhos Tranquilos, Vinhos Madeira Projects e Premium

 

A realidade insular

A realidade da viticultura na Madeira prende-se com a sua insularidade. Não se pode falar de um ano bom na Madeira… Tem de se especificar o sítio exacto onde foi… O minifúndio (O maior viticultor tem 10 ha, mas, normalmente, a área por viticultor não ultrapassa 0,3 ha) reflecte-se em múltiplas entregas, que chegam a ser duas mil por vindima, que dura da 3ª semana de Agosto à 2ª semana de Outubro. Dos 4 milhões de quilos de uva existente na Madeira, a Justino’s fica com 1,5 milhões.
Mas o número de viticultores está a diminuir a olhos vistos. Ainda em 2000 havia 2400. Agora são cerca de 1100. Os jovens não estão interessados nesta actividade e é extremamente importante fixar os viticultores no campo, para não abandonarem as vinhas.

Por outro lado, a viticultura agora é mais cuidada. Antigamente as empresas escolhiam a uva à porta da adega. Agora acompanham o produtor e escolhem o dia da vindima. A Justino’s trabalha com cerca de 700 viticultores, 50 dos quais acompanha por perto, ajudando a melhorar as suas práticas de viticultura.
Na adega, também antigamente, havia menos cuidados com os mostos porque o vinho, de qualquer forma, ia sofrer uma transformação. Agora procura-se que esteja analiticamente bem no momento de aguardentação. Por exemplo, as prensas pneumáticas vieram substituir as prensas contínuas, permitindo, logo na origem, obter o mosto de melhor qualidade.
Na Justino’s, os Madeira de castas brancas a partir de Colheita estagiam em canteiro sem maceração pelicular. Os vinhos feitos a partir das castas tintas (Tinta Negra e Complexa) podem ser vinificados com ou sem curtimenta, em função de se querer mais estrutura ou menos cor. Fazem estufa mais prolongada (quatro meses contra o mínimo obrigatório de três meses) e temperatura mais baixa (a 40-45˚C, sendo o limite máximo estabelecido de 50˚C), para ter uma evolução mais lenta e mais homogénea. O desafio hoje é conferir mais complexidade aos vinhos da Madeira de 3-5 anos, para os tornar mais apetecíveis para o consumidor, uma vez que, pelo preço, cumprem o papel de iniciação aos vinhos da Madeira. Quanto melhores forem, mais futuros apreciadores podem conquistar.
Para ter mais opções de composição de lotes, a empresa dispõe de 5.500 cascos de variadíssimas proveniências e capacidades. Quanto mais pequeno for, mais rápida é evolução. Por isto, os de

Por muita inovação que se faça, o melhor que a ilha da Madeira é capaz de produzir são os vinhos da Madeira de estágios prolongados. Não existe um apreciador de vinho que possa ficar indiferente perante este fenómeno.650 litros têm o tamanho ideal, explica Juan Teixeira. Neste momento 2,5 milhões de litros de vinho encontram-se em estágio.

Justino's Madeira

 

 

 

Frasqueiras, os guardiões da tradição

Os Frasqueiras representam o expoente máximo da tradição dos Vinhos da Madeira, pela sua capacidade de superar o tempo e evoluir com ele infinitamente. Para um jornalista de vinhos, uma prova vertical de sete Frasqueiras do século passado, um por década, é muito mais do que um trabalho. É um prazer e privilégio. O Frasqueira mais antigo que a Justino’s guarda nas suas instalações é de 1933. A prova começou no 1934 e acabou no 1998, mostrando a interpretação do ano pela casta, lapidada pelo tempo.

Os Frasqueira

Esta categoria do vinho da Madeira é produzida a partir de uma única casta e de uma única colheita em anos excepcionais e envelhecido em cascos em canteiro sem estufagem, beneficiando de amplitudes térmicas criadas naturalmente, por um mínimo de 20 anos.

Embora sejam produzidos no mesmo ano, um Frasqueira é sempre um blend de barricas, porque o vinho evolui de forma diferente em função da dimensão e características do casco e da sua localização.

Os Frasqueira desenvolvem uma complexidade e profundidade únicas, com aromas intensos e sabores ricos. São vinhos à prova do tempo, indestrutíveis.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)

 

 

 

 

 

 

Quinta da Giesta: Da base até ao topo

Quinta da Giesta

A Sociedade Agrícola Boas Quintas vende hoje cerca de 900 mil garrafas/ano, maioritariamente Dão, mas também Bucelas e Setúbal, sendo 80% destinado a exportação. Porém, no início dos anos 90, quando conheci o enólogo Nuno Cancela de Abreu, o seu projecto pessoal resumia-se à propriedade familiar, uma vinha de 1,5 hectares em Mortágua que ele […]

A Sociedade Agrícola Boas Quintas vende hoje cerca de 900 mil garrafas/ano, maioritariamente Dão, mas também Bucelas e Setúbal, sendo 80% destinado a exportação. Porém, no início dos anos 90, quando conheci o enólogo Nuno Cancela de Abreu, o seu projecto pessoal resumia-se à propriedade familiar, uma vinha de 1,5 hectares em Mortágua que ele resolveu ampliar. E recordo-me de ele contar, divertido, de o pessoal da terra comentar que estava louco ao plantar videiras numa zona que só servia para eucaliptos. Na verdade, o território servia para muito mais do que exploração florestal (embora esta fosse mais rentável…), mas as condições iniciais eram bem limitadas. “Os vinhos brancos fermentavam em cubas de inox de 1.000 litros, com garrafões de água congelada, que eram trocados de oito em oito horas de forma a manter a temperatura próxima do óptimo”, conta Nuno. “Os vinhos tintos, remontados com uma única bomba existente, ficavam extraídos e taninosos.”
Na época gestor e enólogo da Quinta da Romeira, em Bucelas (onde lançou o revolucionário Prova Régia Arinto), era aos fins de semana que rumava a Mortágua, para acompanhar os vinhos guardados nas pequenas cubas e em algumas barricas recuperadas. “Foi a fase mais purista da minha enologia, em que posso afirmar que fazia vinhos ‘naturais’, tão em voga actualmente. Não estou a tentar dizer que estava à frente no tempo. As condições que existiam é que não me davam grandes alternativas…”, recorda com humor.

Quinta da Giesta

A Boas Quintas foi crescendo e evoluindo, alocando quase todos os recursos à exportação, tendo adaptado a enologia aos diferentes mercados

Os brancos eram produzidos em quantidades marginais, mas foram muito importantes na sua aprendizagem sobre a casta Encruzado. Quanto aos tintos, eram encorpados, com pouca cor (“para meu desespero a cor caía após a maloláctica”), pouco percebidos pelos consumidores da época, o que se reflectia numa grande dificuldade em vendê-los no mercado nacional.
Até então, o percurso de Nuno Cancela de Abreu, após concluir Agronomia no ISA e Viticultura e Enologia em Montpellier, tinha passado pelo Douro – foi director da ADVID Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense e professor na UTAD – e por Bucelas. Entender em profundidade o Dão vitivinícola, apesar de nele estarem fundadas as suas raízes familiares, levou algum tempo. “O Dão atravessava uma má fase, com um estigma negativo que fechava qualquer porta a que batesse. Com o tempo, fui estudando, evoluindo, tornando os vinhos cada vez mais consistentes”, refere.

Na primeira década dos anos 2000, a vinha da Quinta da Giesta contava já com sete hectares, a atingirem a idade madura. O patamar qualitativo era bom, mas, reconhece Nuno, “faltavam a notoriedade e os vinhos premium.” Era preciso dedicar mais tempo ao projecto e havia que tomar uma decisão. “Em 2010, optei por arriscar e arrancar com uma nova fase estrategicamente disruptiva”, diz. “Passei a estar a tempo inteiro, tendo abandonado o trabalho para terceiros (Nota: ao tempo, era administrador e enólogo da Quinta da Alorna). E dividi a orientação da empresa com o meu amigo, e actual sócio, Rui Brandão, gestor de formação com grande competência no controlo financeiro e na gestão”, conta Nuno Cancela de Abreu.

Começando com apenas dois colaboradores, a empresa Boas Quintas foi crescendo e evoluindo, alocando quase todos os recursos à exportação, tendo adaptado a enologia aos diferentes mercados. Em 2016 foi inaugurada uma nova adega, revelando já outras ambições na sua dimensão, com capacidade para chegar, no futuro, aos dois milhões de garrafas. A estratégia de vendas tem sido centrada nas exportações, para cerca de 25 mercados em todo o mundo, sobretudo Reino Unido, Alemanha, EUA, China, Brasil, Canadá e Benelux. No entanto, e apesar do sucesso e notoriedade dos vinhos Fonte do Ouro, considerados entre os melhores do Dão, faltava a Nuno Cancela de Abreu uma marca posicionada acima desta, uma marca que se tornasse referência inquestionável no mercado nacional. E é aqui que voltamos ao princípio de tudo, à Quinta da Giesta.

 

Nuno Cancela de Abreu confessa que “reinventar” a linha Quinta da Giesta, passando-a da base para o topo, lhe deu um prazer muito especial.

Um Dão mais fresco

A Quinta da Giesta, localizada em Mortágua, tem condições edafoclimáticas distintas das de outras zonas do Dão, sobretudo as mais interiores e influenciadas pela altitude. Aqui, neste Dão mais a sul e próximo do litoral, as principais influências têm origem na serra do Bussaco, que protege os vinhedos dos ventos marítimos frios e húmidos, e na barragem da Aguieira, que introduziu um factor moderador da temperatura e da humidade. Como consequência, desde que a barragem foi construída as geadas primaveris desapareceram na zona sul da região. “Os nevoeiros matinais na época da maturação são os guardiões da frescura dos nossos vinhos e o diferencial de temperatura entre o dia e a noite ajuda a potenciar os aromas elegantes”, destaca o enólogo.

Os solos são sedimentares, argilosos com alguma pedra, ácidos, muito pobres em nutrientes, e transmitem mineralidade e concentração, com produções medianas por hectare. A vinha está plantada em terrenos “arrancados às garras dos eucaliptos”, em encostas suaves, envolvida pela floresta circundante. “Os pinheiros e eucaliptos dão um toque de especiarias aos vinhos”, diz Nuno. A Quinta da Giesta faz parte da rede internacional de “Business & Biodiversity”, que promove a preservação ambiental e a sustentabilidade, e as vinhas estão em modo de Produção Integrada.
Em termos de castas, a base assenta na branca Encruzado e na tinta Touriga Nacional. Mas para além destas foram plantadas Malvasia Fina, Tinta Roriz, Jaen, Alfrocheiro e Trincadeira, entre outras. Nuno Cancela de Abreu, profundo conhecedor e apreciador de Arinto, conseguiu que a CVR do Dão alterasse finalmente a legislação para admitir o Arinto de Bucelas, sendo a parcela existente na Quinta da Giesta um motivo de orgulho para o enólogo e produtor. “Os nossos brancos ficaram a ganhar”, diz.
Ao longo de muitos anos, o talento e conhecimento de Nuno Cancela de Abreu enquanto enólogo ficou, sobretudo, associado aos seus vinhos brancos. E quer o trabalho feito em Bucelas quer os Fonte do Ouro (com destaque para o Dão Nobre de 2019) justificam por inteiro essa associação. Encruzado é, naturalmente, a casta de eleição destes vinhos e Nuno explica porquê: “a casta dá origem a vinhos bastante equilibrados, frescos, elegantes, minerais e vibrantes, com volume de boca e muita longevidade, especialmente quando o mosto é fermentado e estagiado em barrica.” Mas nem tudo são rosas na Encruzado. “O ponto ideal de colheita é fugaz, obriga-nos a controlá-la muito de perto. E a sua grande fragilidade é a propensão para a oxidação dos mostos e vinhos. Para o evitar, saturamos com azoto, todos os equipamentos e cubas por onde o Encruzado passa, começando na bomba de massas e continuando na prensa, tubagens e cubas. Quando o mosto é transportado para encher as barricas, já vai com a fermentação iniciada para estar protegido pelo CO2 libertado.” Nos melhores brancos da casa entra também, é claro, o Arinto (“acrescenta fruta tropical, citrina, frescura e mineralidade”) e, por vezes, a Malvasia Fina (“tem alegria no aroma floral e boca volumosa com sabor a fruta amarela madura”).

Mas se a associação aos vinhos brancos se justifica, não deixa de ser redutora para este produtor e enólogo, já que também os tintos são a “sua praia”. No caso do Dão, a Touriga Nacional é a eleita, sendo que, nos topos, surge também no lote alguma Tinta Roriz, por vezes com um pouco de Jaen ou até Alicante Bouschet. Mas a Touriga é largamente dominante nas preferências de Nuno, “pelos bagos pequenos e concentrados que originam vinhos de aromas florais e frutados, com perfeito equilíbrio entre acidez e taninos, suavidade, requinte e elegância.”

Quinta da Giesta

Revolução no portefólio

Até há pouco, a marca Quinta da Giesta estava na base da pirâmide da empresa Boas Quintas, como porta de entrada no portefólio de vinhos do Dão. Agora, passa para o topo. Uma autêntica revolução, que implicou alterações profundas ao nível da imagem, do conteúdo das garrafas e do posicionamento de preço (gama média/alta, alta e muito alta) que Nuno Cancela de Abreu justifica: “É uma forma de assinalar as minhas quatro décadas de enologia e, ao mesmo tempo, de honrar e continuar o legado dos meus antepassados, a fazer vinho no Dão desde 1884.” O facto de este ser o único vinho de “Quinta” que a empresa comercializa como DOC Dão e de assentar numa vinha madura e confiável, instalada em 1986, hoje com 38 anos, também pesou na decisão.
Mas muito mais foi necessário garantir. Desde logo, acima de tudo, o vinho, claro. “Alterámos a composição e perfil dos lotes, com diferentes tipos de estágio, para dotá-los de maior consistência de aroma e sabor, mais estrutura, longevidade e diferenciação”, aponta o enólogo. O portefólio Quinta da Giesta contempla três “Colheita” (branco, rosé e tinto, a €10), dois Reserva (branco e tinto, a €20) e dois Grande Reserva (branco e tinto, a €110).

Brancos e tintos são vindimados à mão para caixas pequenas. A partir daí, Nuno Cancela de Abreu, como é seu timbre, não vai em “modas artesanais” e tira todo o partido da tecnologia ao seu dispor: desengaçador com mesa de escolha para a seleção das uvas, prensas pneumáticas, bombas peristálticas, filtração tangencial, gerador de azoto… “A tecnologia, quando bem usada, é importante para respeitar a qualidade e a genuinidade dos vinhos”, defende, “um vinho oxidado não tem origem.”
O branco Colheita (tal como o rosé) é trabalhado em inox, com batonnage semanal (“com bomba submersa, para evitar oxidações”). Reserva e Grande Reserva branco fermentam e estagiam em barrica. Nos tintos, Nuno tem, por norma, fazer passar o mosto por um crivo de inox, retirando as grainhas (“assim evitamos que o álcool dilua os taninos amargos, secos e adstringentes das grainhas, que iriam tornar os vinhos duros e agressivos”) e pratica a micro-oxigenação logo após a fermentação “para incentivar as ligações entre os antocianos (cor) e os taninos (corpo), possibilitando manter a cor após a fermentação maloláctica.”

A sua filosofia de vinificação, assume, inspira-se na região de Borgonha. E aqui as barricas assumem um papel crucial, sobretudo para o segmento Reserva e Grande Reserva. “Depois de alguns anos e muitas barricas experimentadas e provadas, selecionámos duas pequenas tanoarias na Borgonha”, explica. “Estas barricas borgonhesas, com tosta suave, transmitem elegância respeitam e exaltam a fruta fresca dos vinhos, não dominam nem marcam.”
Com sete referências distintas e a produção limitada aos sete hectares de vinha existentes na propriedade, os Reserva e, sobretudo, Grande Reserva, só são engarrafados em anos de eleição. E a distribuição é feita através de uma rede de pequenos agentes regionais.
Aos 68 anos de idade e com uma carreira profissional de sucesso, Nuno Cancela de Abreu já não tem nada a provar a ninguém. Mas confessa que “reinventar” a linha Quinta da Giesta, passando-a da base para o topo, lhe deu um prazer muito especial. Os vinhos, esses, para além da consistência e qualidade intrínseca, expressam integralmente quer a sua origem, quer o “estilo” do enólogo. E é assim que deve ser.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)

Editorial Outubro: Lisboa é um mundo

Editorial

Editorial da edição nrº 90 (Outubro 2024) Tenho uma relação ambivalente com a cidade de Lisboa, de onde saí há quase 30 anos, rumando a norte para me instalar numa pacata vila no coração da Bairrada. Na altura queria muito deixar a capital, fugir do trânsito da A5 e do bulício da Baixa, buscando uma […]

Editorial da edição nrº 90 (Outubro 2024)

Tenho uma relação ambivalente com a cidade de Lisboa, de onde saí há quase 30 anos, rumando a norte para me instalar numa pacata vila no coração da Bairrada. Na altura queria muito deixar a capital, fugir do trânsito da A5 e do bulício da Baixa, buscando uma certa ruralidade que associava a qualidade de vida. Para trás deixei muitas coisas boas: a baía de Cascais, a rua Direita, o Guincho, a marginal ao sábado de manhã, o sol de inverno no Terreiro do Paço, a oferta gastronómica da cidade grande. Nunca me arrependi, porém, e hoje cada fugidia visita a Lisboa reforça – e de que maneira! – a certeza da decisão.

Fazendo da escrita de vinhos profissão, queria habitar numa região vitivinícola. Curiosamente, o destino bairradino foi um acaso, uma oportunidade, não a primeira escolha. Essa, estava há muito fixada em Alenquer e seus arredores. Relativamente perto da urbe, para não cortar de vez todos os laços, mas suficientemente longe para poder usufruir da paz rural. Viver entre colinas, vinhedos e moinhos, com a serra e o mar, casas de traça antiga recuperadas com bom gosto. Infelizmente, não era o único lisboeta a pensar assim e logo percebi que as bonitas casas de Alenquer estavam fora do meu alcance. Mas o gosto pela então chamada Estremadura, e pelos vinhos ali produzidos, nunca se perdeu.

Os vinhos de Lisboa, hoje, pouco têm a ver com os de há 30 anos, quando marcas como Quinta da Abrigada, Quinta de Pancas, Quinta das Cerejeiras ou Casa das Gaeiras brilhavam nos restaurantes da capital, entre uma imensidão de vinho indiferenciado que a região produzia e vendia a granel. A faixa litoral a que hoje chamamos região dos vinhos de Lisboa (ex Oeste, ex Estremadura), sempre foi terra de produtores de vinho com larga visão empresarial, gente capaz de rapidamente converter vinhas e adegas para oferecer ao mercado aquilo que, num dado momento, o mercado precisa. E historicamente assim foi com África, com as tabernas lisboetas, com os supermercados do Reino Unido, com os exigentes consumidores do norte da Europa ou dos EUA. Nos primeiros oito meses de 2024, os números de Lisboa estão em contraciclo: crescimento de 4% face o mesmo período de 2023 e 80% do vinho exportado.

A Grande Prova que publicamos nesta edição mostra a enorme diversidade da oferta, assente num verdadeiro caleidoscópio de castas e perfis de vinho, que a dinâmica região de Lisboa disponibiliza. Basicamente, os produtores de Lisboa estudam as condições do seu território em termos de solos e clima – sendo a proximidade do mar e a maior ou menor protecção da serra de Montejunto determinantes – e definem as variedades que querem plantar em função do seu modelo de negócio ou do perfil de vinho que ambicionam. Não existe uma receita infalível para o sucesso: é possível desenvolver um projecto recompensador com base em 20 ton/ha de Caladoc ou 6 ton/ha de Castelão. Tudo depende da dimensão da exploração e do mercado alvo. E o produtor da região está sempre pronto a experimentar coisas novas. Veja-se o notável desempenho da casta Viosinho, a caminho de se tornar mais famosa em Lisboa do que na região de origem…

Quer isto dizer que a heterogeneidade dos vinhos de Lisboa apaga a sua identidade regional? Não, de modo algum. E não é preciso ir buscar as DOC históricas de Colares, Bucelas ou Carcavelos para o atestar. A dimensão atlântica dos vinhos de Lisboa, a sua frescura, é um fio condutor que nos guia entre os múltiplos aromas e sabores. E, com o tempo, aprendemos a distinguir e a apreciar as nuances próprias de cada origem: Alenquer, Óbidos, Torres Vedras, Arruda, Encostas d’Aire… Afinal de contas, Lisboa é um mundo. LL

 

 

 

Grande Prova: A Bairrada em grande com barro, Baga e muito mais

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A Bairrada raramente é a primeira paragem numa viagem de descoberta enófila pelas regiões do nosso país. Inicia-se pelos vinhos mais acessíveis e regiões mais sonantes e presentes no imaginário do consumidor e nas prateleiras das garrafeiras. A Bairrada revela-se aos enófilos com alguma maturidade. É uma das poucas regiões em Portugal (e no mundo) […]

A Bairrada raramente é a primeira paragem numa viagem de descoberta enófila pelas regiões do nosso país. Inicia-se pelos vinhos mais acessíveis e regiões mais sonantes e presentes no imaginário do consumidor e nas prateleiras das garrafeiras. A Bairrada revela-se aos enófilos com alguma maturidade.
É uma das poucas regiões em Portugal (e no mundo) que facilmente pode apresentar, para uma prova, um vasto conjunto de vinhos com mais de uma década de idade, com grande qualidade e personalidade marcante. Nesta prova tivemos vinhos de colheitas mais antigas, como 2016, 2015, 2014, 2012 e até Marquês de Marialva Confirmado Baga de 1995 da Adega Cooperativa de Cantanhede e Aleixo Grande Reserva de 1997 da Real Cave do Cedro, todos eles correntemente no mercado e em óptimo estado de saúde.
Dos 26 tintos, 16 eram exclusivamente de Baga, quatro da parceria de Baga e Touriga Nacional, e mais uns vinhos com castas estrangeiras, um lote com 96% Baga, 3% de Maria Gomes e 1% de Bical e um “rol” de oito castas não misturadas na mesma vinha, mas covinificadas, onde entram Baga, Castelão Nacional, Trincadeira, Bastardo, Sousão, Tinta Pinheira e Alfrocheiro.
E impressionante que os grandes vinhos da Bairrada de hoje sejam produzidos tanto pelas Caves históricas ou uma Adega cooperativa, quanto pelos produtores mais antigos e outros bem recentes, em estilos completamente distintos, desde os mais clássicos até aos mais modernos.

Bairrada de outrora, de hoje e de sempre
A história da vinha na Bairrada remonta ao aparecimento do homem nestas terras. Desde os tempos alto-medievais, há documentação que assinala a presença significativa da vitivinicultura na região, destacando a sua importância na vida e na economia local.
A proximidade de Coimbra e da região de Aveiro, aliada à relativa navegabilidade dos rios, permitiu à Bairrada desenvolver a sua agricultura e viver um período de prosperidade. Contudo, após o Tratado de Methuen, em 1703, o aumento descontrolado da plantação de vinhedos, em detrimento das áreas destinadas aos cereais, chamou a atenção do Marquês de Pombal. As medidas severas por ele decretadas incluíram o arranque das vinhas e a proibição de comercialização dos vinhos. Foi apenas no reinado de D. Maria I, a partir de 1777, que o plantio de cepas foi novamente autorizado.
Na segunda metade do século XIX, graças a alguns factores internos e externos (tendência para o consumo de vinhos menos alcoólicos e palhetes, prémios de vinhos da Bairrada nas exposições internacionais e a abertura de novos mercados no Brasil e países do Norte da Europa), a Bairrada afirmou-se como região e os seus vinhos ganharam identidade própria. E não podemos esquecer que, em 1890, foi iniciada, em Anadia, a produção dos primeiros vinhos espumantes, que se tornaram um ex-libris da Bairrada graças ao pioneirismo de Tavares da Silva.
Na década de 1920 começam a proliferar as Caves, que basicamente eram negociantes. Não possuindo vinha própria, compravam vinho feito, loteavam, estagiavam e comercializavam-no. Muitas destas caves continuam a fazer história na região, como as Caves São João, Caves do Solar de S. Domingos e Caves Messias, entre outras. Os anos 1950 foram marcados pela criação de várias adegas cooperativas, dos quais apenas sobreviveu, e com boa saúde, a Adega de Cantanhede.

Na década de 1990, com o fim do mercado das ex-colónias e da saudade, os vinhos mais frutados e redondos do Alentejo, seguidos, pelos do Douro, com a sua potência e complexidade, por contraste com os vinhos tânicos e ácidos da Bairrada, conquistaram os consumidores. Foi neste período que surgiram os primeiros produtores-engarrafadores na região.
Os produtores com visão, como Luís Pato, Casa de Saima, Carlos Campolargo, Sidónio de Sousa, Mário Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, e João Póvoa (primeiro na Quinta de Baixo, depois na Kompassus) começaram a engarrafar com a marca própria e trouxeram a inovação necessária, tanto na vinha quanto na adega, para alterar o paradigma dos vinhos bairradinos.
Começou-se a fazer monda dos cachos que, naquela época, era considerada uma heresia, mas permitia controlar a produção. Outra alteração foi o desengace, que retirou os taninos mais duros. Hoje o uso de engaço pode variar em função do ano e do estilo do vinho que se pretende produzir. Luís Pato foi o primeiro a usar pipas de 650 litros ao contrário dos habituais tonéis velhos, o que tornou os vinhos mais polidos.

O renomado e carismático produtor dos vinhos do Porto e Douro, Dirk Niepoort, ao expandir os seus projectos à Bairrada, atraiu ainda mais atenção para a região. Hoje produz vinhos com o seu filho Daniel na Quinta de Baixo e faz parte do grupo “Baga Friends”.
Curiosamente, a nova geração dos produtores, que têm surgido nos últimos 10-15 anos, como Nuno do Ó e João Soares (V Puro) e Luís Gomes (Giz) adoram vinhas velhas e mostram a sua interpretação da Bairrada, valorizando a tradição e o legado vitícola da região.

O terroir da Bairrada
A Bairrada fica numa plataforma litoral de baixa altitude (entre os 40 e 120 metros), fortemente influenciada pelo Atlântico e limitada a leste pelos maciços do Bussaco e Caramulo. No sentido Norte-Sul situa-se entre as cidades Águeda e Coimbra e os rios Vouga e Mondego. Caracteriza-se por um clima ameno, com invernos suaves e verões moderados e alta humidade relativa ao longo do ano. Os dois/três meses mais secos no verão conferem ao clima uma nuance mediterrânica. A abertura para o oceano permite a entrada da nortada, que sopra regularmente durante o verão, especialmente à tarde, trazendo ar húmido do Atlântico para o interior. A frequente ocorrência de nevoeiros matinais origina a redução de insolação que, em combinação com as temperaturas amenas, facilita a proliferação dos fungos que dificultam a maturação das uvas, mas favorecem o desenvolvimento da sua componente aromática.
Enquanto no Douro e no Dão as variações no comportamento das videiras são principalmente atribuídas à exposição e altitude das vinhas, na Bairrada estas diferenças decorrem do solo. A Bairrada é um verdadeiro mosaico geológico, com solos que variam desde margas, argilas e calcário a areias. Se no lugar dos bairradinos fossem os franceses a explorar a região, cada pedaço de terra da Bairrada seria transformado em Premier Cru e Grand Cru, tanto para brancos quanto para tintos, como na Borgonha. Temos terroirs excepcionais, mas ainda nos falta o desenvolvimento de um conceito que permita classificá-los de acordo com a geologia e a tipologia dos solos.

Dos tempos idos, existe apenas a informação de que, no século XIX, existiam dois tipos de vinho: de Consumo, de qualidade inferior, e de Embarque, que eram os melhores, destinados à exportação. A melhor zona para os tintos de Embarque foi limitada, a Norte, por Horta, Tamengos e Aguim; a Nascente por Grada e Barrô; a Sul por Travassô, Lendiosa e Silvã e, a Poente, por Murtede, Escapães e Póvoa do Garção. Isto foi considerado nos primeiros contornos da Bairrada vitivinícola propostos, em 1867, por António Augusto de Aguiar.
A Bairrada fazia parte da Beira Litoral, que era uma sub-região das Beiras. Apesar do seu legado vitivinícola, só obteve o estatuto de denominação de origem em 1979. A DOC Bairrada insere-se na geograficamente mais vasta IG Beira Atlântico.

Encepamento – para além da Baga
No final do século XVIII, o encepamento da Bairrada era dominado por castas brancas. Esta realidade começou a mudar devido a vários factores. O primeiro foi o surgimento do oídio em 1852, que levou à preferência por castas mais resistentes à doença. Isto facilitou a disseminação da Baga, uma casta menos susceptível ao oídio e altamente produtiva, o que representava uma vantagem significativa para os viticultores da época. Mais tarde, a globalização também influenciou esta transformação, ampliando o leque de castas autorizadas na região.
No primeiro documento oficial de demarcação, os “direitos” da Baga eram vincados com 50% do total. As castas Castelão, Moreto e Tinta Pinheira também eram autorizadas, enquanto Alfrocheiro Preto, Bastardo, Preto de Mortágua (o nome antigo da Touriga Nacional), Trincadeira, Jaen e Água Santa não podiam exceder 20% do encepamento. Em 2003, entendeu-se que a abertura a outras castas iria ser benéfica para a região e na DO Bairrada foram autorizadas, em termos de tintas, algumas variedades nacionais (Aragonez, Tinta Barroca, Tinto Cão, Touriga Franca) e estrangeiras (Cabernet Sauvignon, Merlot, Pinot Noir, Petit Verdot e Syrah).

Simultaneamente, para preservar a tradição, foi introduzido o termo “Clássico” que, embora se refira ao mesmo território demarcado, limita as castas às tradicionais Baga, Camarate, Castelão, Jaen, Alfrocheiro e Touriga Nacional. Além disto, para que um vinho seja certificado como “Clássico”, deve cumprir requisitos adicionais: o rendimento não pode exceder 55 hl/ha (em comparação com os 80 hl/ha permitidos para outros vinhos tintos), e o vinho deve passar por um estágio mínimo de 30 meses, sendo 12 desses em garrafa (praticamente como um Garrafeira tinto).
A Camarate, também bastante cultivada na Bairrada, é conhecida localmente como Castelão (mas nada tem a ver com a Castelão “oficial”) e ainda Moreto, ou Moreto de Soure em Cantanhede. Carlos Campolargo considera-a “mais bairradina do que a Baga, que vem do Dão.” Luís Pato observa que a Camarate produz cachos e bagos grandes, o que originava altos rendimentos, dava muito sumo e suavizava os taninos da Baga. Paulo Nunes, o enólogo na Casa de Saima e com grande experiência no Dão, vê a casta como um componente de lote para os vinhos de entrada, pois confere uma fruta mais imediata, contrastando com a Baga, que tende a ser mais vegetal e austera. No entanto, a Camarate apresenta certos desafios devido ao seu vigor e sensibilidade ao oídio.
O Castelão, também conhecido como Periquita, Castelão Francês ou João de Santarém, tem uma expressão reduzida na Bairrada, onde é chamado de Trincadeira (e, de novo, nada tem a ver com a Trincadeira “oficial”…). Conta Luís Pato que o Castelão suavizava a Baga e acrescentava riqueza aromática, pois um bom Castelão cultivado nos solos arenosos pode ter um perfil semelhante ao da Baga, combinando características aromáticas com uma acidez vincada.

A Touriga Nacional, apesar de se adaptar bem a diversas condições, desperta sentimentos díspares na região. Segundo Paulo Nunes, a casta não apresenta aqui as camadas e a complexidade que exibe no Dão. Mário Sérgio Nuno salienta que a Touriga Nacional resiste melhor à podridão e mantém um equilíbrio ácido satisfatório, amadurecendo quase sempre antes da Baga. Luís Pato acrescenta que, quando plantada em solos argilo-calcários, a Touriga Nacional tende a perder acidez, como aconteceu em Ois de Bairro, na parcela Cândido, onde acabou por substituí-la pelo Cercial. No entanto, em solos argilo-arenosos, a Touriga Nacional mostra-se fantástica e, ao contrário da Baga, neste tipo de solo não corre o risco de entrar em desidratação e, com chuva, inchar e ter rupturas na película. O mestre também observa que, enquanto o rendimento da Baga não pode ultrapassar quatro tn/ha para entregar a qualidade, a Touriga Nacional pode oferecer bons resultados com rendimentos de oito a nove tn/ha. Basicamente, a Touriga Nacional na Bairrada é utilizada para arredondar os ângulos da Baga e contribuir com componente aromática, oferecendo vinhos com um apelo rápido.
Entretanto, a Aveleda, na sua Quinta de Aguieira, dá muito mais protagonismo à Touriga Nacional, plantada propositadamente após a aquisição da quinta em 1997. O responsável de enologia, Diogo Campilho, e o responsável de viticultura, Pedro Prata, contam que a propriedade está situada na parte norte da Bairrada, no concelho de Águeda, perto do rio Vouga. A Touriga foi plantada numa parcela mais quente, em solo de aluvião, em cima do calhau rolado, areia grosseira e alguma argila. Dá algum trabalho na vinha, não só pelo seu porte prostrado, como também pela necessidade de desfolhas e mondas, em função do estilo de vinho e dos anos vitícolas. Os nevoeiros são bem presentes, dada à proximidade do Atlântico e do rio. Há dias que só se dissipam por volta das duas da tarde. Nestas condições, neste extremo norte da Bairrada, dificilmente a Baga resistiria tão bem quanto a Touriga Nacional.

Castas de menos expressão
A Jaen tem mais expressão no Dão do que na Bairrada, onde, segundo Paulo Nunes, “não funciona, só se aproveita nos rosés” porque degrada os ácidos sem atingir maturações fenólicas. É uma casta muito sensível ao terroir e, na Bairrada, não é o lugar dela, embora faça parte das castas permitidas no Bairrada Clássico. Já o Alfrocheiro não tem muita expressão na Bairrada e, segundo a experiência de Paulo Nunes, é muito inconstante: há anos que funciona, outros que não, sem uma razão aparente. Na Casa de Saima deixaram de trabalhar com ela.
O Rufete, conhecido na Bairrada como Tinta Pinheira, pode não ser a melhor escolha para vinhos tintos, mas é excelente para a produção de rosés, segundo Paulo Prior, enólogo com a experiência de mais de 20 anos no sector, agora com responsabilidade na Global Wines. Quanto ao Bastardo, que amadurece extremamente cedo, Paulo comenta que a casta carece de expressão e ressalta: “Ninguém quer iniciar as vindimas a 10 de agosto…”

Entre as castas bairradinas consta também a Água Santa, um cruzamento entre Touriga Nacional e João de Santarém. Paulo Prior relata que esta casta foi criada nas décadas de 1960-70, numa época em que a grande parte do vinho produzido era destinado às ex-colónias, e havia uma demanda por vinhos de maturação mais rápida e perfil macio. A Água Santa é altamente produtiva, mas tem pouca cor e é extremamente susceptível ao oídio e míldio. Hoje, está praticamente abandonada. Embora possa ainda ser encontrada em vinhas velhas, ninguém a planta actualmente. Carlos Campolargo também menciona que, no início, tinha um talhão com Água Santa em São Mateus, mas acabou por reenxertar a vinha por falta de interesse na casta.
De uma forma ou de outra, as castas tintas, e também brancas presentes na Bairrada, são usadas com o propósito de limar as arestas da Baga. Há quem diga que, antigamente, “para três pés de Baga plantava-se um pé de Maria Gomes”, que aumentava grau, amaciava tanino e também ajudava a fixar a cor e conferir mais complexidade aromática.

Relativamente às castas estrangeiras, parece que já tiveram o seu auge. Houve quem as plantasse por moda e quem o fizesse por convicção. Os últimos continuam a fazer um bom trabalho com elas, como é o caso de Carlos Campolargo. Sempre achou que, na Bairrada, existem condições climáticas semelhantes a Bordeaux, pela influência atlântica. Embora na Bairrada o oceano esteja mais perto, em compensação tem mais horas de sol e as típicas castas bordalesas na Bairrada amadurecem bem sem experienciar o calor em demasia. Desde cedo apostou no Cabernet Sauvignon e no Merlot. Mais tarde plantou Petit Verdot. Normalmente utiliza estas castas para blends, com excepção de Petit Verdot, que em alguns anos sai como monovarietal. Carlos Campolargo dá um exemplo: se adicionar 15% de Touriga Nacional à Baga, a primeira marca muito o vinho, enquanto o Merlot não tem este efeito supressor. “É uva perfeita. No início de Setembro já está pronta, antes das chuvas”. Também foi pioneiro em lotear Pinot Noir e Baga ainda em 2000, porque as duas castas se desenvolvem na mesma direcção. Luís Pato corrobora esta opinião, confirmando que se juntar Pinot Noir à Baga, ninguém nota. No início, Luís Pato também experimentou trabalhar com Cabernet Sauvignon para facilitar a venda de Baga no mercado dos Estados Unidos, Mas depois abandonou esta ideia, após ter concluído que não é através do Cabernet que a Bairrada vai construir a sua identidade nos mercados estrangeiros.
Paulo Prior considera o Merlot uma casta essencial, destacando a sua viticultura fácil e maturação precoce. Diferente da Baga, que tem um porte mais retumbante, o Merlot cresce de forma direita e pode-se vindimar logo após as uvas brancas. Paulo também observa que o Merlot e a Baga funcionam bem juntos, criando uma combinação harmoniosa. Já o Cabernet Sauvignon atua como “sal e pimenta” no blend, adicionando um toque extra.

A saga da Baga
Embora originária do Dão, e parecendo que a união entre a Baga e a Bairrada fosse por conveniência, esta acabou por evoluir para uma relação profunda e duradoura.
No século XIX, António Augusto de Aguiar descreveu a Baga como “uma casta de qualidade inferior”, reconhecendo, porém, que “podia tirar-se dela mais algum partido se fosse vindimada no tarde, mas, como isto não sucede, quase sempre entra para o lagar sem estar bem madura”. Entretanto, Cincinnato da Costa, no seu “O Portugal Vinícola”, de 1900, referia-se à Baga, dizendo que “são notáveis os seus vinhos tintos de magnífica coloração, bem equilibrados e de qualidades muito apreciáveis para o comércio de exportação, pela sua solidez e fácil conservação”, acrescentando que a casta era “muito apreciada pela viva cor e forte adstringência que dá aos vinhos”.

O grande calcanhar da Baga é a sua susceptibilidade à podridão. Com os seus cachos compactos, “como nem uma pinha” e película bastante fina, na Bairrada, com a alta humidade e pluviosidade que torna a região num resort para a Botrytis, quase que se poderia pensar que não há hipótese de fazer grandes vinhos. Percebe-se, assim, o abandono da casta e a antiga “crença” de que só há grandes tintos na Bairrada uma vez por década.
Luís Pato, Mário Sérgio e Paulo Nunes estão de acordo com a ausência de sentido nesse pressuposto. É óbvio que ocorrem anos muito difíceis, que levam a perdas significativas de produção (como, por exemplo, este ano, devido ao míldio). No entanto, uma viticultura adequada, a começar por clones e porta-enxertos certos, gestão da parede vegetativa e mondas qualitativas, pode combater ou atenuar as adversidades de um ano mais complicado. Antigamente era impossível convencer o viticultor a fazer três vindimas na mesma vinha. Agora, com outro entendimento e dedicação, é possível gerir bem a vindima e não culpar sempre a casta ou São Pedro. Mário Sérgio salienta que a casta se afirmou por si, com resultados evidentes: “de norte a sul da região voltou-se a aderir à Baga e, quem já tinha retirado “Baga” dos rótulos, voltou a colocá-lo em letra grossa”.

Por muitos desafios que a casta e a região apresentem mutuamente, a Baga é e sempre será a variedade identitária da Bairrada. É um dos binómios mais fortes no mundo vitivinícola português. Os grandes vinhos da Bairrada podem não ser feitos exclusivamente de Baga, mas os grandes vinhos de Baga (quase) só podem ser da Bairrada.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)

Os vinhos apresentados não estão por ordem de classificação