Tanto para comer em Braga

Desde que nasce o sol até que a noite desce sobre a Sé, há cada vez mais propostas novas para comer e beber bem na capital do Minho. TEXTO Ricardo Dias Felner 10h30 Nórdico Coffee Shop Um brunch não é um pequeno-almoço e para sublinhar isso este Nórdico só abre mesmo às 10.30. À frente […]

Desde que nasce o sol até que a noite desce sobre a Sé, há cada vez mais propostas novas para comer e beber bem na capital do Minho.

TEXTO Ricardo Dias Felner

10h30

Nórdico Coffee Shop
Um brunch não é um pequeno-almoço e para sublinhar isso este Nórdico só abre mesmo às 10.30. À frente da casa desde 2017 está o casal Catarina Silva e Ricardo Ferreira, que se apaixonaram pelo café de especialidade quando ambos estavam a trabalhar em Londres. Foi o café que levou à abertura da casa, especializada em pequenos-almoços tardios, e é o café que continua a estar no centro de tudo. A preferência é por grãos torrados na Europa (torras mais leves), mas com origem em pequenos produtores, que tanto podem vir do Brasil como da Etiópia. O que não muda é serem todos arábicas e todos bem tratados. Uma das baristas do Nórdico ganhou o campeonato na modalidade de aeropress, um tipo de filtragem. À parte o café, a carta também tem lattes espumosos com flores bem desenhadas, todos com base de leite gordo Vigor, sendo particularmente interessante o chai latte, com uma mistura de especiarias, e o pink latte, com beterraba em pó. Nos comes, as panquecas são à americana, com maple syrup, e nas tostas a estrela é a de pera abacate com ovo.
Rua do Anjo 90A

12h00

Corriqueijo
Não há muitas queijarias fora-de-série em Portugal, mesmo contando com Lisboa e Porto. Ora Braga já se pode gabar de ter a sua, e com uma curadoria apertada. À frente da loja está Rita Lima, que também atende, e, portanto, sabe sempre do que fala. Ali não entra nada que ela não conheça e tenha aprovado. As secções francesa e espanhola são fortes, como de costume em queijarias topo de gama, mas a portuguesa não lhe fica atrás. Há desde apostas seguras, como os queijos da BeiraLacte, até produtores mais vanguardistas, como os que fazem uma roda de queijo de vaca ao estilo de São Jorge, em Azeitão; ou os queijos Prados de Melgaço e as suas experiências com curas em Alvarinho, seja no estilo Camembert, sejam um queijos de cabra curados; ou o Campo Capela, outro vaca, este afinado com infusão de café.
Rua dos Biscaínhos 89

12h30

Fava do Cacau
Na mesma rua da Corriqueijo, apareceu esta pequena chocolataria artesanal, onde até se pode assistir à transformação dos grãos de cacau em tabletes ou bombons ou bolos de chocolate. O cacau é proveniente de vários pontos do mundo, do Equador ao Brasil, mas vem todo via Bélgica, onde está sedeada a empresa importadora com quem à Fava trabalha. A proprietária é Adélia Azevedo, que depois de deixar a contabilidade foi estudar o ofício do cacau em Barcelona e na Bélgica. Para além de ser uma loja de chocolate, a Fava é também um café onde se pode tomar o pequeno-almoço ou lanchar.
Rua dos Biscainhos 25

13h30

O Filho da Mãe
A ideia de Eurico Silva, arquitecto, era abrir um restaurante onde ele se visse cliente diário. A outra premissa é que não fosse de cozinha portuguesa, que disso já havia com fartura na cidade. O acaso trouxe-lhe então um cozinheiro venezuelano e a oportunidade de servir culinária da América Latina. Guilherme Rumbos, 26 anos, é o jovem atrás dos fogões deste restaurante que senta apenas 26 pessoas, mas que está quase sempre cheio. Inaugurado em Janeiro, já habituou uma clientela fiel aos ceviches, às arepas, às empanadas caseiras, tudo bem assessorado pelo pão de fermentação lenta da padaria Norre, também ela uma boa novidade na cidade.
Rua Dom Afonso Henriques 25

 

 

17h00

Pappa Lab
A aprendizagem de Marta Bezerra fez-se na melhor escola possível, a geladaria Nannarela, em Lisboa. Depois de lá ter trabalhado, a jovem bracarense voltou à cidade-natal e abriu o seu próprio espaço. De início, contou com a consultadoria da antiga mestre Constanza Ventura, dona da Nannarela, e as receitas são assumidamente as mesmas, à base de ingredientes frescos, água e leite. “Não usamos corantes, nem conservantes. E a fruta compro no mercado”, garante Marta. Há os clássicos de amora, pistáchio, chocolate com 75 por cento de cacau de São Tomé, baunilha feita só com vagem, nata com infusão de manjericão, menta com folhas de hortelã ou requeijão com abóbora. E há ainda uma atenção para com quem é sensível ao glúten e à lactose. “Temos cones bons para essas pessoas”. O restaurante está aberto todos os dias, das 12.00 às 22.00.
Rua de São João 28

20h00

Kartilho
Mesmo em frente ao O Filho da Mãe está este restaurante, também ele novidade. As carnes maturadas chegaram a Braga e algumas não tiveram de andar muito. No frigorífico, logo à entrada, vêem-se espécimes de má figura, mas óptimo sabor, grandes nacos ressequidos à espera da grelha. As raças bovinas minhota e arouquesa estão no topo da pirâmide, mas também há Black Angus, mais em conta, tudo devidamente certificado e com data de abate. É assim possível sabermos os tempos de maturação e vermos as peças a serem decepadas antes de ir para a grelha, esta movida a carvão de casca de coco, na cozinha aberta. Nos acompanhamentos, brilham o arroz de fumeiro com enchidos e a batata assada com alecrim. Fora as carnes há bacalhau confitado no forno e polvo com batatas à camponesa. O restaurante faz gala também da sua selecção de vinhos, contando com loja especializada de venda para fora, no primeiro andar.
Rua Dom Afonso Henriques 36 e 38

Edição n.º32, Dezembro 2019

Cozinha, não sejas francesa

A gastrónoma Maria Emília Cancella de Abreu foi uma das pessoas que mais lutou pela identidade da cozinha portuguesa, nos anos 1960 e 1970. Um novo livro lembra o seu trabalho à frente da revista Banquete. TEXTO Ricardo Dias Felner Estávamos em Março de 1960. O objectivo anunciado no primeiro número parecia modesto e tinha […]

A gastrónoma Maria Emília Cancella de Abreu foi uma das pessoas que mais lutou pela identidade da cozinha portuguesa, nos anos 1960 e 1970. Um novo livro lembra o seu trabalho à frente da revista Banquete.

TEXTO Ricardo Dias Felner

Estávamos em Março de 1960. O objectivo anunciado no primeiro número parecia modesto e tinha o ar do tempo. A directora da estreante revista Banquete queria uma publicação “sem pretensões e unicamente com a finalidade de ajudar as donas de casa na preparação das suas ementas, quer estas sejam simples ou de alta cozinha, de execução rápida ou demorada”.
Dito assim, parecia só mais um folhetim de receituário para domésticas com foco nos sabores nacionais, “não esquecendo que Portugal vai desde Valença do Minho ao longínquo Timor”. Mas pouco depois ficou claro que havia mais. Maria Emília Cancella de Abreu, mãe de nove filhos, nascida numa família de títulos nobres, não só era talentosa na escrita como tinha, afinal, uma missão maior: lutar pela culinária regional portuguesa, contra a hegemonia exercida por Paris.
No editorial do terceiro número, chamado “À Volta da Mesa”, o relato de uma viagem deprimente pelo Minho é exemplo desse panorama triste, confuso, perdido — que se pretendia alterar. “Nas ementas que me apresentaram havia uma impressionante falta de originalidade”, lamentava Cancella de Abreu. “A torto e a direito, encontrei os neurasténicos filetes de peixe com salada mais ou menos murcha, a triste pescada cozida e o melancólico bife de uma vitela já com netos”, escreveu, para depois rematar com humor: “Quando, num restaurante minhoto, pedi o característico arroz de forno, o criado não me olhou com mais espanto do que aquele que teria se eu lhe tivesse encomendado uma refeição tipicamente chinesa”.
Não era só a ausência de um prato regional que a zangava, mas também esse tique, presente sobretudo nos restaurantes de hotéis, da cozinha com sotaque francês. O arroz de forno não se fazia, mas o “criado” espantado era rápido no gatilho do menu francófono. “Se eu desejasse poderia mandar servir-me um linguado meunière ou uns tornados parisienne”, recorda Cancella de Abreu, no mesmo editorial.
A campanha que perpassa nestas palavras, em favor de um identidade da cozinha portuguesa, terá dados os seus frutos. É pelo menos essa a tese de Fátima Iken, autora do livro Códice dos Sabores Portugueses, publicado em Outubro, para quem a directora da Banquete iniciou uma revolução política nesta matéria. “Paulatinamente, as autoridades oficiais vão mudando a sua atitude para com a cozinha portuguesa, legislando no sentido de proteger ou lançando concursos nacionais para a população em geral e para os hotéis e restaurantes”, escreve a autora, concretizando algumas dessas alterações. “Foi assim que, por sugestão de Maria Emília Cancella de Abreu, o SNI (Serviço Nacional de Informação, antiga Sociedade de Propaganda Nacional) passou a legislar no sentido de ser obrigatório haver nos restaurantes um prato português”.
No texto, não se faz prova de causa-efeito, mas a pressão da Banquete no sentido de dignificar os pratos mais tradicionais, contra o modismo dominante, é notória. Como exemplos dessa portugalidade, Cancella de Abreu citava o leitão da Bairrada, a lagosta suada de Peniche, o presunto de Chaves, as migas do Alentejo, as alheiras de Trás-os-Montes, a chanfana da Beira ou as tripas à moda do Porto.

Francesismos idiotas, a 25$00 cada

A revista era propriedade da Sacor, empresa de combustíveis do Estado Novo, que viu na Banquete uma possibilidade de divulgar o uso do fogão a gás Cidla (uma marca da casa) nas casas portuguesas de então, mas também os seus postos de abastecimento automóvel. Uma das rubricas mais curiosas foi uma espécie de crítica de restaurantes de estações de serviço.
Ao seu lado na equipa, muito curta, a directora contou com outros célebres companheiros de luta. Um dos poucos críticos gastronómicos regulares daquele tempo, Luís Sttau Monteiro, foi um dos mais brilhantes representantes da causa. Com crónica regular no Diário de Lisboa e na revista Almanaque, o escritor e publicitário apontou aos mesmos alvos de Cancella de Abreu, atingindo sobretudo os novos-ricos. “A esta gente é indiferente comer sopa de pacote, caldo verde da véspera ou seja o que for desde que a sopinha figure na lista como sendo vichyssoise e custe, pelo menos, 25$00. Não espanta, nestas circunstâncias, que os proprietários dos restaurantes se riam e sirvam alcunhada de vichyssoise qualquer restinho de puré de batata que tenham no frigorífico e ainda esteja em estado de poder ser misturado com um pouco de leite e uns restinhos de cebola promovida a alho-porro”.
Ainda assim, as figuras verdadeiramente capazes de influenciar o povo, em matéria de comida, contavam-se pelos dedos de uma mão. A cara mais conhecida era Maria de Lurdes Modesto, que nunca escreveu na Banquete nos 15 anos que ela durou. Fátima Iken retrata-a como alguém que divulgava receitas “inicialmente, maioritariamente, francesas”, quer enquanto apresentadora do programa Culinária, que passava na RTP, quer como “autora de fichas culinárias, sob o pseudónimo francês de Francine Dupré, com o patrocínio do Instituto Culinário Vaqueiro”.
Logo a seguir faz-se outra afirmação, que de alguma forma indicia uma rivalidade entre Maria de Lurdes Modesto e Maria Emília Cancella de Abreu. “Mais tarde, em 1961, apresenta na RTP o Concurso Nacional de Cozinha e Doçaria Portuguesas, promovido pelo Secretariado Nacional de Informação, o que permitiu reunir elevado número de receitas de cozinha e doçaria portuguesas. Mas a verdade é esta: essas receitas premiadas foram divulgadas em primeira mão pela Banquete”, diz Fátima Iken. Maria de Lourdes Modesto comentou à Grandes Escolhas: “Éramos as duas Senhoras da culinária e, para mim, nunca passou disso.”

Uma autora a requerer de (re)conhecimento

Maria Emília Cancella de Abreu acabou, no entanto, por não ter o mesmo reconhecimento público que Lourdes Modesto. O filho, Jaime Cancella de Abreu, director da Prime Books — editora que publicou o Códice dos Sabores Portugueses —, põe a questão nestes termos. “[A minha mãe] foi alguém que aliava um profundo conhecimento da cozinha portuguesa à sobriedade e modéstia próprias da sua personalidade, razão pela qual nunca aceitou fazer campanhas de publicidade televisivas para marcas de produtos alimentares, com isso perdendo a possibilidade de massificar o seu nome junto de gerações futuras”, disse à Grandes Escolhas.
Em todo o caso, o esforço valeu a pena, quanto mais não fosse porque a Banquete permitia a toda a família Cancella de Abreiu deleitar-se com manjares raros — “porquanto todos os cozinhados e respetivas fotografias eram realizados em nossa casa, e nenhuma receita saía na revista sem que antes fosse testada pela nossa mãe” — concretiza o filho. Curiosamente, o prato favorito de Jaime era uma novidade no país, “uma fantástica pizza que ela fazia em casa”.
Prova impressiva de como a gastrónoma levava o seu trabalho a sério, foi a sua reacção a uma imprudência do filho, durante a fermentação da massa da pizza. “Lembro-me (…) de uma vez ter levado um bem oportuno tabefe por ter sido apanhado a levantar a toalha que cobria o alguidar com a massa, que descansava de um dia para o outro”.

Edição n.º32, Dezembro 2019

DO MERCADO – Bacalhau

TEXTO Ricardo Felner A tradição tem razões fundas, a tradição é esperta. No Natal come-se muito Bacalhau, mas não, necessariamente, por causa do nascimento do Menino Jesus. É que o bacalhau de Novembro, Dezembro, costuma ser mesmo o melhor. Dois factores contribuem para isso: a altura da pesca e a cura prolongada. É entre Janeiro […]

TEXTO Ricardo Felner

A tradição tem razões fundas, a tradição é esperta. No Natal come-se muito Bacalhau, mas não, necessariamente, por causa do nascimento do Menino Jesus. É que o bacalhau de Novembro, Dezembro, costuma ser mesmo o melhor.

Dois factores contribuem para isso: a altura da pesca e a cura prolongada. É entre Janeiro e Abril que os ‘gadus morua’ desovam nas águas da Noruega, e um pouco mais tarde na Islândia, entre Fevereiro e Maio. Por fazerem grandes travessias, a sua carne fica musculada e particularmente saborosa.

Na Noruega chamam a esta qualidade de bacalhau ‘premium de skrei’. Os skrei nadam centenas de quilómetros (nalguns casos, mais de 1.500 km) desde o Mar de Barents até à costa da Noruega. Na Islândia, chegam do Mar da Gronelândia até às zonas menos profundas e mais quentes da costa.
Ora, os bons bacalhoeiros selecionam os melhores exemplares das pescarias entre o Inverno e a Primavera e reservam boa parte deles para serem curados durante seis meses ou mais e só são postos à venda algumas semanas antes do Natal. Mesmo que não coma todo o bacalhau no Natal, invista nele nesta época. Pode sempre armazená-lo no frio ou mesmo demolhá-lo e congelá-lo, para comer mais tarde.
Escolha os bacalhaus mais rijos, com uma cor palha-amarelada, sem marcas de sangue. Em matéria de calibre, prefira o graúdo e o especial.

Edição n.º32, Dezembro 2019

A barragem invisível

O mundo está mais pequeno e as modernas tecnologias aproximam gentes e paragens até ao ponto em que se desconfia que a aventura é um conceito fora de moda. Nada disso! Façamo-nos à estrada e enfrentemos o desafio de procurar o país profundo. Contra tudo e contra todos. Nem que seja para descobrir que as […]

O mundo está mais pequeno e as modernas tecnologias aproximam gentes e paragens até ao ponto em que se desconfia que a aventura é um conceito fora de moda. Nada disso! Façamo-nos à estrada e enfrentemos o desafio de procurar o país profundo. Contra tudo e contra todos. Nem que seja para descobrir que as nossas memórias não estão garantidas para sempre.

Luís Francisco

Estranha miragem esta, no calor alentejano: em vez de nos iludir com a visão turva de água onde ela não está, antes nos oferece um desolador espaço vazio onde outrora o azul do céu se reflectia. Mais um olhar para o ecrã de navegação do carro e, lá está, as máquinas não sofrem ilusões de óptica. Para elas, na sua monolítica competência, tal coisa não existe, e o mesmo vale para as memórias mal calibradas pela erosão do tempo. A imagem de uma mancha azul de um e outro lado da ponte que atravessamos é óbvia e inquestionável. Devíamos estar a ver água. E nada.

Encostamos à berma. Não é uma questão de estarmos perdidos. Acabámos de passar por Avis a caminho de Benavila, o GPS está correcto, as memórias das férias de infância estão vivas, a paisagem em redor só varia na presença agora maciça de olivais super-intensivos, respira-se o mesmo ar quente e quieto do estio, ouve-se o roçagar das cigarras nas árvores e os moscardos zumbem, desorientados. Bate tudo certo, menos a água. Não há água na barragem!

E as memórias voltam à tona. Como fotos desfocadas, meia dúzia de “chips” de dados arquivados sem contexto, mas, ainda assim, indesmentíveis na solidez palpável das impressões que vincaram.  O túnel da barragem de Maranhão, um vórtice hipnótico que parecia puxar-nos lá para dentro, num inquietante canto de sereia geométrico. Porque estava assim exposto? De quem foi a ideia de vir até aqui, a este pontão vertiginoso que assusta e inquieta, para contemplar o olho ciclópico que a tranquilidade das águas devia esconder?

As águas que vão e vêm

Foi há muitos anos, tantos que a explicação paira sem certezas à volta de uma só imagem: um paredão imenso, a espiral do túnel, a ausência da água. As obras da barragem ficaram concluídas em 1957, já estaria, portanto, em funcionamento há uns valentes anos quando, de repente, ficou vazia. Obras. Isso: foi preciso fazer uma reparação na infra-estrutura e isso implicou o esvaziamento da albufeira. Quanta água não terá rugido por aqui na implosão líquida que deixou à vista esta cicatriz arrepiante…

Depois, a chuva voltou a cair, a ribeira de Seda continuou a correr por entre fragas e mato e os vales encheram-se de novo. Os peixes cresceram e multiplicaram-se, os pescadores voltaram a trocar anedotas e comentários de circunstância enquanto tentavam iludir as carpas e os achigãs, as pontes modernas voltaram a fazer sentido e abaixo do paredão os campos continuaram a ser regados. As décadas passaram e a imagem de um gigantesco sorvedouro à vista turvou-se e fez-se miragem. Estava tudo como devia estar.

Até ao dia em que um novo problema nas comportas – este, sim, mais recente e bem documentado na memória – voltou a tirar quase toda a água desta paisagem grandiosa. Reapareceram as velhas estradas serpenteando pelas encostas, as ruínas das casas submersas, a velha ponte de arcos lá em baixo, tão estreita que nem parece real. Um rio corre pelo fundo do vale, como terá acontecido durante milénios antes de os homens bloquearem a passagem uns quilómetros mais abaixo. E, depois, novamente a água a cobrir tudo, a encher-se de vida, uma sucessão de slides de Verão, desses tempos da juventude em que os anos parecem não passar e tudo ainda está por acontecer.

Um Verão que não acaba

A vida leva muitas voltas. Estamos agora parados, a contemplar o imenso vazio do leito de uma barragem ausente. Outubro de 2017 e ainda parece Verão. Está calor, nem uma nuvem no céu. E nem uma gota de água na barragem. Desta vez não é a visão assustadora de um vórtice de betão, nem a curiosidade passageira de uma viagem ao passado que em breve ficará de novo submerso. Nada disso. Desta vez é a consciência absoluta de que algo está profundamente errado.

Não choveu este ano. Talvez também não tenha chovido o que devia nos anos anteriores. Mas como explicar o desaparecimento catastrófico de uma massa de água que, no seu pleno, pode atingir os 205 milhões de metros cúbicos? Esta é a oitava maior barragem do país em capacidade. E morre assim, de um ano para o outro?

Esforçando o olhar aqui da ponte podemos, talvez, adivinhar a linha onde a água resistiu até ao último momento, denunciada pelas difusas manchas esverdeadas de erva rasteira que ainda subsistem. Mas os braços laterais da albufeira estão transformados em ermos de pedra solta, as ruínas submersas durante décadas torram agora ao sol de um Verão que já passou o prazo de validade no calendário mas recusa ir-se embora. Descemos ao vale e pisamos as planuras erodidas por décadas de submersão, tão belas na suavidade dos seus contornos como inquietantes na sua despudorada exposição.

Havemos de fazer ainda muitos quilómetros pela zona, para conhecer as propostas enoturísticas de produtores de Avis, Benavila e Crato. A imensidão da barragem que já não existe continuará a rodear-nos ao longo de boa parte do caminho. Do outro lado da estrada, os olivais super-intensivos e os seus exigentes sistemas de rega levantam suspeitas. Mas o que fica realmente é a certeza de que nada está garantido para sempre. Nem mesmo as memórias da juventude, quando tudo era possível para lá de qualquer dúvida.

 

Edição n.º32, Dezembro 2019

Assista ao vídeo da gala dos Prémios Grandes Escolhas 2020

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Magos Irrigation Systems inaugura novas instalações em Beja

A Magos Irrigation Systems é uma empresa de serviços de projecto, instalação, assistência técnica e venda de sistemas de rega, envolvida em mais de 25.000 hectares/ano de regadio e com vendas anuais de mais 150 milhões de quilómetros de fita de rega. Através de soluções globais de rega que aumentam a rentabilidade dos agricultores, esta […]

A Magos Irrigation Systems é uma empresa de serviços de projecto, instalação, assistência técnica e venda de sistemas de rega, envolvida em mais de 25.000 hectares/ano de regadio e com vendas anuais de mais 150 milhões de quilómetros de fita de rega. Através de soluções globais de rega que aumentam a rentabilidade dos agricultores, esta empresa gera valorização da produção agrícola.

A 20 de Fevereiro, a Magos Irrigation Systems vai inaugurar as suas novas instalações na Zona Industrial de Beja, onde passa a contar com o mais moderno armazém de material de rega do Sul do país e uma equipa local de 20 colaboradores.

A modernização e ampliação das instalações da Magos Irrigation Systems em Beja, com uma área coberta de 1800m² (armazém, loja de venda ao público e escritórios), vem dar resposta à expansão da agricultura de regadio no Alentejo, onde os clientes são cada vez mais exigente quanto aos timings de execução das obras e entrega de materiais de rega.

“Com as novas instalações em Beja reforçamos a capacidade de stock e aceleramos a prontidão das entregas de material. Este investimento acompanha o dinamismo da agricultura de regadio no Alentejo, onde a Magos Irrigation Systems cresceu a um ritmo superior a 20% ao ano em área de rega instalada nos últimos cinco anos”, afirma António Gastão, administrador da empresa.

A Magos Irrigation Systems tem uma equipa multidisciplinar de 20 colaboradores em Beja, nas áreas de Projecto, Obras, Assistência Técnica, Logística e Técnico-Comercial, especialistas em rega de olival, amendoal e vinha. As equipas locais trabalham em estreita articulação com a sede da empresa em Salvaterra de Magos e são reforçadas sempre que necessário. A nível nacional são 92 colaboradores.

“Acreditamos no crescimento sustentável da agricultura no Alentejo e estamos a contribuir para o uso eficiente dos recursos – água e energia – fornecendo tecnologias de rega inovadoras”, acrescenta Miguel Empis, também administrador.

Península de Setúbal cresce em quota de mercado e na produção em 2019

A Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal (CVRPS) registou, em 2019, um aumento global de produção de 5% face a 2018, aproximando a produção total da região dos 50 milhões de litros. A nível de consumo no mercado nacional, os Vinhos da Península de Setúbal registaram um aumento de 2% na quota de vinhos […]

A Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal (CVRPS) registou, em 2019, um aumento global de produção de 5% face a 2018, aproximando a produção total da região dos 50 milhões de litros. A nível de consumo no mercado nacional, os Vinhos da Península de Setúbal registaram um aumento de 2% na quota de vinhos certificados, sendo considerada pela consultora Nielsen a região mais dinâmica neste período homólogo de crescimento, face a 2018.

Para Henrique Soares, Presidente da Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal, o ano de 2019 foi “mais um ano de crescimento para a região, quer na quota de mercado, quer ao nível da produção e das exportações”.

A região fechou o ano de 2019 também com um crescimento de 14% no volume de certificação dos vinhos com Denominação de Origem Setúbal (Moscatel de Setúbal e Moscatel Roxo de Setúbal) e Palmela, bem como nos Vinhos Regionais da Península de Setúbal, a que correspondeu a certificação de um volume superior a 55 milhões de garrafas, vendidas no mercado nacional e nos seus muitos mercados de exportação, onde se destacam Brasil, Canadá, E.U.A., China, Angola e vários países da União Europeia.

Os dados são da consultora Nielsen e colocam os Vinhos da Península de Setúbal na terceira posição entre os vinhos certificados mais consumidos no mercado nacional, com uma quota de mercado de 16,5%, em volume, entre os vinhos com Denominação de Origem e/ou Indicação Geográfica das várias regiões portuguesas. Os Vinhos da Península de Setúbal foram os que mais subiram em termos de vendas em volume (1,6%), tendo também o valor aumentado em 2.3%, face ao mesmo período de 2018. O preço médio dos vinhos da região subiu 0.19 euros por litro, tendo ultrapassado os 56 M€ (56 274 134 €) de vendas globais no mercado nacional, nos três primeiros trimestres de 2019.

Sugestão: A festa efervescente

O som da rolha a saltar de uma garrafa de espumante assinala o início de uma festa e Imediatamente se cria o ambiente e o estado de espírito. Embora estejamos longe de considerar um espumante uma bebida exclusivamente festiva, para isso torna -se indispensável. Provámos 14 espumantes para todos momentos da época que se avizinha. […]

O som da rolha a saltar de uma garrafa de espumante assinala o início de uma festa e Imediatamente se cria o ambiente e o estado de espírito. Embora estejamos longe de considerar um espumante uma bebida exclusivamente festiva, para isso torna -se indispensável. Provámos 14 espumantes para todos momentos da época que se avizinha.

TEXTO Valéria Zeferino

Existem muitas formas de criar efervescência no vinho. A ideia é sempre a mesma – captar (ou introduzir no caso de vinhos gaseificados) o dióxido de carbono (CO2) no vinho. Isto pode ser feito em cubas especiais sob pressão como no método Charmat (aka Martinotti ou Autoclave na Itália, Granvas em Espanha entre outros sinónimos), ou como no método Ancestrale numa única fermentação em garrafa. Mas quando estamos a pensar num espumante de qualidade, referimo-nos ao método tradicional, desenvolvido na região de Champagne em França, com mais ou menos sofisticação na sua elaboração e paciência no estágio.
Este método implica duas fermentações. A primeira resulta no vinho base, a segunda é responsável pela criação de bolhas – “prise de mousse”, como dizem os franceses.

Criar bolhas

Há vários detalhes no processo de espumantização que influenciam a qualidade do vinho final. A vindima normalmente ocorre mais cedo, quando as uvas apresentam menos grau provável e preservam a acidez. O melhor é vindimar à mão para apanhar apenas cachos saudáveis e minimizar a possibilidade de extração fenólica das películas e oxidação. Prensam-se cuidadosamente os cachos inteiros, muitas vezes com engaço que ajuda a criar canais de drenagem, evitando desta forma maior contacto de sumo com as películas. Depois segue a primeira fermentação para obter o vinho base. Normalmente é conduzida em cubas de inox, mas em certos casos acontece em barrica, como por exemplo, fazem Bollinger e Krug. A nível nacional, por exemplo, o vinho base para a Cartuxa Reserva fermenta também em barricas.
A fermentação maloláctica é opcional. Alguns produtores preferem bloqueá-la para preservar acidez e frescura e é mais válido para regiões quentes. Outros promovem-na para amaciar a textura e evitar excesso de acidez, sobretudo em regiões frias, como a Champagne.
O estágio do vinho base em barrica também é muito raro. A Bollinger faz isto, tirando o vinho depois da fermentação maloláctica e enchendo novamente as barricas, onde este fica com borras finas durante mais alguns meses. Os exemplos em Portugal são Cartuxa, Soalheiro, Vértice, que estagiam alguns dos vinhos base em barricas; no caso da Companhia das Lezírias este estágio é parcial.
O loteamento de vinhos base é extremamente importante. Em Champagne, onde as condições climáticas adversas não permitem todos os anos uma excelente vindima, por hábito juntam-se os vinhos de várias colheitas guardadas em cave para obter o melhor resultado e manter o estilo de casa. Os Champagnes com a indicação do ano de colheita são feitos apenas nos anos de excelência e, salvo algumas excepções, representam os topos de gama. No novo mundo, sobretudo nas regiões com clima mais estável, onde a variabilidade dos anos não é crítica, a maior parte dos espumantes são datados, independentemente da qualidade. Em Portugal não existia tradição de guardar propositadamente os vinhos das colheitas anteriores para fazer um lote final de espumante. Na Bairrada, por exemplo, esta possibilidade para os espumantes aptos a designação DOC surgiu com as alterações ao Estatuto da Região pela Portaria nº212/2014.
A segunda fermentação no método clássico ocorre em garrafa através de adição de leveduras e açúcar no chamado licor de tiragem. É nesta fase que todo o dióxido de carbono criado como o subproduto da fermentação, não tendo a forma de escapar, fica diluído no vinho.
O tempo de contacto com as borras dentro da garrafa tem um papel crucial na qualidade e no perfil do espumante. As leveduras mortas entram em decomposição (autólise), libertando aminoácidos, polissacários e manoproteinas, entre outras substâncias, que contribuem com textura e complexidade aromática. Isto não acontece de forma imediata, começa passado 4-6 meses depois de segunda fermentação for finalizada, e com o pH baixo e presença de CO2 fica ainda mais lenta.
Por esta razão, quanto mais paciência tiver o produtor, mais aromas autolíticos típicos de panificação, brioche, biscoitos e tosta terá o espumante. Durante o tempo de estágio sobre borras, o vinho é protegido da oxidação pelo ambiente redutor. O Champagne non-vintage tem que ficar sobre borras em garrafa durante pelo menos 12 meses e o millésimé 3 anos. Em Portugal, os estágios exigidos pela regulamentação, são mais curtos. O espumante corrente estagia 9 meses. Com um estágio de 12 meses já é considerado Reserva, com 24, Super-Reserva ou Extra-Reserva, mais de 36 meses, Grande Reserva ou Velha Reserva. A Murganheira, por exemplo, dá-se ao luxo de manter alguns dos seus espumantes em caves de 6 a 12 anos.
Para remover o sedimento das borras, as garrafas tradicionalmente são colocadas em “pupitres” onde são rodadas gradualmente para ficarem com o gargalo para baixo, deixando o depósito deslizar e acumular-se lá. Esta operação demorada (de 4 a 6 semanas) e trabalhosa, pode ser substituída pelo uso de giropaletes, equipamento que efectua a remuage sem prejudicar a qualidade e permite reduzir tempo até uma semana, poupar espaço e mão-de-obra.

Segue-se o dégorgement – o gargalo é congelado e as leveduras são expulsas com a abertura da cápsula. O vinho perdido neste procedimento é atestado com o licor de expedição que também permite ajustar o teor de açúcar, produzindo espumantes Extra-Bruto, Bruto, Meio-Seco e até Doce. Mesmo depois do dégorgement os açúcares de licor de expedição continuam a reagir com proteínas libertas durante a autólise, formando aromas de biscoitos, mel, frutos secos e tosta.
Quando o atesto é feito apenas com o próprio vinho sem ajuste de açúcar, estamos a falar do Bruto Nature com menos de 3 g/l de açúcar. Neste caso o produtor acredita que não mascarando o vinho com açúcar, interpreta melhor a pureza da casta ou do vinho. Assim faz Mário Sérgio da Quinta das Bágeiras – tudo de forma tradicional, manual e sem adição de licor de expedição.
É uma tendência relativamente recente. Antigamente os Champagnes e espumantes queriam-se doces. Basta lembrar que até meados do século XIX o Champagne podia conter cerca de 100 g/l de açúcar (é uma doçura de um vinho licoroso!).
Actualmente também existe opção de uso de leveduras encapsuladas (adotado, por exemplo, pela Soalheiro) e membranas com leveduras colocadas dentro do gargalo de garrafa. Neste caso não é preciso rodar as garrafas e a remoção de leveduras é mais fácil e rápida. Entretanto, como tudo, esta opção tem as suas particularidades que nem todos os produtores apreciam, sobretudo os que seguem mais de perto o método clássico champanhês. Com leveduras presas dentro das cápsulas ou membranas a sua actividade é mais lenta o que torna a fermentação mais demorada, propícia à criação de compostos oxidativos. Além de que, defendem o clássicos, a tal autólise (contacto com as leveduras) durante o estágio é muito mais limitada, originando geralmente vinhos com menos complexidade.

A performance no copo

Depois do dégorgement e opcionalmente algum tempo em garrafa para integrar o licor de espedição, o espumante está pronto a consumir.
O CO2 diluído no líquido encontra-se sob uma pressão de 5-6 atm, igual à pressão de um pneu de um camião. Na abertura de uma garrafa o gás irrompe com força, empurrando a rolha com velocidade de 40-60 km/h para restabelecer o equilíbrio de pressão dentro da garrafa com o ambiente. Os estudos do físico francês Gérard Ligier-Belair mostram que, neste momento, de uma garrafa de 750 ml liberta-se 5 litros de CO2, perdendo-se cerca de 80% de gás que estava na garrafa. Mas os restantes 20% contêm cerca de 20 milhões de bolhas por copo.
Quando se enche o copo, o CO2 continua a escapar o que se pode reduzir inclinando ligeiramente o copo durante o serviço.
Mas não basta o gás estar diluído na garrafa para se observar a dança das bolhas a dirigirem-se para cima. Segundo o mesmo estudo, existem factores necessários para as bolhas se formarem no copo – chamados pontos de nucleação – que podem ser pequenas imperfeições do fundo, microparticulas de pó ou microfíbras invisíveis à vista, deixadas pela toalha com que foi limpo o copo. As casas de Champagne, por exemplo, utilizam para as provas copos fabricados com incisões a laser para garantir constante e elegante perlage. Copos perfeitamente limpos também prejudicam a performance das bolhas e os resíduos de detergente são os maiores inimigos de efervescência.
Subindo, as bolhas formadas no fundo do copo, ganham velocidade e aumentam em tamanho. Isto explica porque os copos à antiga mais largos e rasos quase não têm espaço para as bolhas se desenvolverem e os flutes finos e altos oferecem mais show, mas bolhas mais grossas no fim acabam por ser mais agressivas para a sensibilidade do nosso palato. Por isto nem um nem outro modelo são as melhores opções para apreciar um espumante de nível superior. Escolham os copos mais largos em baixo e afunilados em cima ou simplesmente copos de vinho branco.
As moléculas aromáticas agarradas às bolhas levam aromas à superfície. Paradoxalmente, quando mais intensa é a perlage, mais bonito o copo fica à vista, mas mais depressa se esvazia de aromas e sabores que vão acabar à superfície do copo. Por outro lado, quanto menos bolhas se formarem, mais aromas e sabores retidos no vinho ficam disponíveis ao provador.

Método clássico no mundo e em Portugal

Champagne é Champagne e terá sempre o estatuto especial (como o Vinho do Porto). Mas não é raro de encontrar no mundo, Velho ou Novo, uns bons espumantes feitos pelo método tradicional, a começar pela própria França com crémants de Borgonha, Alsácia e Vale de Loire, só para nomear algumas regiões. Na Itália temos o Franciacorta produzido de Pinot Noir, Chardonnay e Pinot Blanc; em Espanha – Cava feito de castas autóctones Xarel-lo, Macabeu e Parellada para além de Chardonnay e Pinot Noir; e sem se esquecer o recente sucesso de espumantes ingleses.
Do Novo Mundo vem o espumante da África do Sul, onde o método clássico é conhecido como Cap Classique; Na Austrália as regiões mais promissoras são Yarra Valley e Tasmania. Na Nova Zelândia alguns produtores que apostam na qualidade estabeleceram regras de produção de espumantes a partir de castas clássicas (Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier), chamado Méthode Marlborough. Nos Estados Unidos, as regiões mais frescas como o Anderson Valley em Mendocino County, Carneros e River Valley apostaram seriamente na elaboração de espumantes. Graças ao investimento das casas de Champagne também se nota o progresso na America Latina.
Em Portugal temos duas regiões com mais tradição em vinhos espumantes: Távora-Varosa e Bairrada. No início do século passado foram criadas as primeiras caves de espumante em Lamego e em 1989 à Tavora-Varosa tornou-se a primeira região demarcada de espumantes em Portugal.
Na Bairrada o primeiro espumante surgiu em 1890 por iniciativa do director da Escola Prática de Viticultura e Pomologia da Bairrada (que deu origem à actual Estação Vitivinícola da Bairrada), José Maria Tavares da Silva. Em 1991 foi oficialmente regulamentada a produção de espumantes com denominação de origem na região.
Hoje em dia, espumantes fazem-se em todas as regiões, do Minho ao Algarve, e há muito bons exemplos. Um deles, será as Caves Transmontanas no Douro com a marca Vertice desde 1989 (que mais uma vez presta a homenagem à região que é capaz de produzir grandes vinhos em categorias tão distintas como Vinhos do Porto, vinhos de mesa e espumantes).
Precisamente por isto, não querendo concentrar-nos apenas nas regiões “clássicas”, alargámos esta selecção de espumantes a outras regiões, nomeadamente, Vinho Verde, Douro, Lisboa, Alentejo e Beira Interior, procurando antes de tudo qualidade. Estes vinhos são de gama média-alta, até porque na maioria dos casos o estágio é prolongado que significa a retenção de capital durante vários anos.
Em termos de castas para fazer espumantes de topo, em Portugal do trio clássico de Champagne utilizam-se Chardonnay e Pinot Noir, mas as variedades nacionais também têm muito protagonismo. No Minho produzem-se espumantes bastante aromáticos de Alvarinho. Na Bairrada a Baga é uma das castas principais a assumir, de certa forma, o papel de Pinot Noir. Maria Gomes e Bical também são muito convincentes. A casta Arinto, tendo uma óptima acidez natural, mostra bons resultados na vertente de bolhas (e Cartuxa explora isto de uma forma brilhante). O Ribeiro Santo Blanc de Noir do Dão dá primazia a Touriga Nacional e Tinta Pinheira (Rufete) e a Ravasqueira aposta no Alfrocheiro para fazer o seu espumante.
O espumante, pela sua natureza é extremamente versátil. É claro que podemos entrar em detalhe e escolher os mais leves e nervosos para um aperitivo e mais encorpados e complexos para acompanhar um prato principal. Mas a verdade é que um espumante, melhor do que qualquer outro vinho, é capaz de acompanhar uma refeição de aperitivo até à sobremesa. Sendo assim, na dúvida – beba espumante![/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][fancy_box box_style=”default” icon_family=”none” color=”Accent-Color”]

O açúcar no espumante

 

 

Edição n.º32, Dezembro 2019

 

Barbeito: Uma ilha cabe nestas sete garrafas

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Numa visita de dois dias à Madeira tive acesso a alguns dos segredos que estão na base das últimas sete criações de Ricardo Diogo Freitas. Além de potentes e atlânticos generosos o carismático produtor oferece-nos agora o mais salino dos brancos secos.

TEXTO João Afonso
FOTOS Vinhos Barbeito

Ricardo Freitas, responsável pelos Vinhos Barbeito.

A história do ex-professor de história Ricardo Freitas já gastou muita tinta. Acrescento mais um pouco. Não é habitual um professor tornar-se numa espécie de “enólogo”, ou o responsável de uma importante casa de vinho Madeira de um momento para o outro, sem sequer estar previsto tal sorte na dinâmica dessa empresa. Mas assim foi. E o mais surpreendente é que o seu nome nem sequer fazia parte do contrato de associação que a família Barbeito Vasconcelos ia assinar em 1991 com os novos sócios (distribuidores) a família Japonesa Kinoshita. Depois de ler o contrato de princípio ao fim, o novo sócio/patrão da Barbeito, Yasuhiro Kinoshita, constatou que o nome de Ricardo não figurava no mesmo e exigiu que fosse de novo redigido e o nome do Ricardo nele incluído como sócio-gerente. Também obrigou a que os planos da família (que tinham reservado para o jovem Ricardo a profissão de professor de história no ensino local) mudassem ao pretender que este ficasse no leme enológico da empresa (juntamente com sua mãe e irmão mais velho). E assim foi. Deixou a escola e foi para a adega sem qualquer formação no assunto. Em 1992 já comandava (muito hesitantemente) a vindima. Entretanto tinha estancado a hemorragia da venda a granel (principal razão da agonia da empresa) e revolucionou a estufagem. Com o tempo baniu a caramelização, assunto mais complexo pois o método era defendido por sua mãe.
A partir da viragem do século, os resultados do trabalho do entusiasta e atento Ricardo começaram a chegar ao mercado – vinhos Madeira de se tirar ou chapéu. Sem esquecer os contra-rótulos de muitos destes vinhos especiais onde o seu autor descreve como ninguém o sentido e razão de existir de cada peça. Será que Yasuhiro Kinoshita terá previsto esta revelação? Provavelmente, sim.
A Barbeito não tem vinhas próprias mas a visita de dois dias ocupou-se principalmente das vinhas que estão na base das novas criações. Algumas delas de cortar a respiração tal era a inclinação e altura da falésia onde estavam alcandoradas.
Uma das características principais desta ilha é a fertilidade do seu solo (recente) de origem vulcânica. Qualquer semente que caia na terra germina. Não há um palmo de terra que não esteja revestido. A promiscuidade florística é enorme e reúne espécies europeias e africanas de várias latitudes, longitudes e altitudes. A ilha é um festival de vida e natureza. E é precisamente esta prodigalidade (ou produtividade) que retira às uvas e vinhos concentração e sabor. Por isso o vinho da Madeira é um vinho de pipa, e é a pipa que vai domar, conduzir, concentrar e dar o sabor e por vezes uma compleição indestrutível a vinhos que muitas das vezes vêm de uvas longe da maturação completa, ácidas e quase sempre nascidas de copiosas produções. Aliás quando um viticultor ou enólogo se refere à vindima feita fá-lo sempre numa perspectiva de quantidade e sanidade e raramente de “qualidade enológica”. Como confirmou Ricardo, uma colheita de vinho da Madeira só pode ser classificada sete anos depois de ser vindimada. Só passado todo este tempo é que os vinhos se mostram.
Foram também sete os vinhos que aqui vim conhecer. Estavam alinhados na sala de provas da Barbeito: um branco seco e seis generosos.

O branco seco

Ricardo apostou-se a fazer um branco DOP Madeirense de que pudesse ter orgulho (penso que na sua maneira de ser só assim faz sentido) e começou exatamente por domar a produção das cepas que produzem a uva deste Barbeito Reserva branco 2017. Com uma poda correcta baixou-se a produção para metade. As vinhas de Verdelho da costa Sul são alugadas (cerca de 3 000 m2), na zona da Raposeira, lá bem no alto (grande vista), quase junto ao extremo ocidental da ilha. Daqui vieram 90% das uvas para o lote com Sercial de uma vinha na Laje/Seixal, na costa Norte, a 20 metros do mar e a uma cota baixa de fajã. Esta última num registo mais salino mais exposto ao forte vento atlântico da costa norte. Talvez por isso, no lote final, os 10% de Sercial roubem ao Verdelho parte da sua personalidade.
O vinho teve maceração a frio de 48 horas, foi prensado e fermentou entre os 10 e os 15ºC. Estágio de 1 ano em barricas de carvalho e 6 meses em cuba. Com apenas 11,3% Vol. é um vinho leve, profundamente marcante. Foram feitas 1 375 garrafas.

O Bastardo

O vinho seguinte foi o Bastardo Duas Pipas, a grande novidade da apresentação. Penso que em 25 anos de provas de vinho não terei provado mais de meia dúzia de Bastardos na versão Madeira. Sempre foi um vinho raro e por meados do século passado terá desparecido das vinhas ou pelo menos dos vinhos Madeira.
Ricardo convenceu Teófilo Cunha a plantar duas pequenas vinhas em 2004, em São Jorge, na costa Norte (este projecto é agora também Alojamento Local num local de vistas largas com o mar vizinho abaixo).
Ricardo não tinha qualquer noção de como vinificar esta casta. Não há herança escrita sobre o assunto. E assim embarcou na “aventura que começou e que agora não vai acabar”. Palavras do próprio que nos prometem mais e melhores Bastardo para o futuro.
Uma das primeiras constatações foi que a película do Bastardo é muito fina e se a uva vem madura (na Madeira significa 10,5% Vol. de álcool provável) no lagar o mosto parece uma “papa”. Houve que corrigir e começar a vindimar com a uva meio verde, ou seja, 9,5%, muito cacho ainda nem sequer está completamente pintado quando é colhido. Outra descoberta foi a fragilidade da cor e da oxidação: aguenta 6 meses em pipa enquanto a Tinta Negra, à vontade, 2 anos. Por fim o Bastardo mostra muito a acidez volátil. Enquanto noutras castas a volátil em valores baixos não é detectável, no Bastardo é. Resumindo, desde 2007, ano da primeira vindima, Ricardo já colheu 17.000 litros de Bastardo e só usou 7 000. Este vem de um lote de duas pipas uma de curtimenta de 2010 (pipa de 400 litros) e outra de bica aberta de 2012 (pipa de 700 litros). Saiu um Meio Seco fantástico (1 700 garrafas) e a legislação permite para o Bastardo e Terrantez todas as versões – Seco, Meio Seco, Meio Doce e Doce.

Vinha de Bastardo.

O Tinta Negra

É desde há algum tempo a casta que mais vinho da Madeira faz. Em finais do século passada era vista com maus olhos por todos aqueles que reclamavam o regresso das castas originais da Madeira (que eram apenas 14% do vinho de V. vinifera produzido em toda a ilha), depois de um século XX dominado por híbridos e produtores directos americanos de onde sobressaia a uva Jacquet (Vitis aestivalis x Vitis vinifera) que dominava muitos dos vinhos tradicionais da macaronésia (onde a Madeira se inclui).
A Tinta Negra pertence à memória que Ricardo tem de seu avô que só servia aos convidados os melhores vinhos de Tinta Negra, também talvez por isso sempre gostou dela. “Envelhece bem”, justifica-se, “mas é uma casta que tem pouca acidez por isso prefiro vindimá-la cedo”. A zona principal da Tinta Negra da Barbeito está em São Vicente, na Costa norte, de onde há a destacar a Achada dos Judeus, uma encosta voltada a norte, toda em vinha de latada, e rodeada por altas e abruptas montanhas – num cenário tão ou mais grandioso quantos os vinhos que aquelas uvas conseguem produzir.
Mas este Tinta Negra Single Harvest vem desde 1997 de uma vinha única no Estreito de Câmara de Lobos conduzida em latada e com exposição solar perfeita. Vindima antecipada uma semana para agarrar acidez, reforçando-se esta com prensagem em prensa contínua para conseguir mais amargos e notas verdes. Depois veio o envelhecimento em canteiro, a temperatura moderada até Março de 2019 quando entrou em 2 986 garrafa.

O Malvasia

Sendo de São Jorge é de aceitar que este vinho seja da Malvasia Branca de São Jorge, um cruzamento criado por Leão Ferreira de Almeida nos anos 60 (desconhecem-se os progenitores) e introduzida na Madeira nos anos 70. A casta produz elevados nível de açúcar e acidez o que encaixa perfeitamente no registo “Malvasia” da ilha. Existem no momento cerca de 35 hectares desta uva, a maioria cultivada em latada.
Este vinho representa um casco único (83 b+c) de 450 litros (capacidade inferior aquela normalmente usada) que esteve até ao 4º ano no armazém (b) onde as temperaturas são mais frescas e constantes e depois passou para o armazém (c) que permite um acabamento mais suave, com menos acidez e menos cor.
Sem ter a força dos Frasqueira, possui um equilíbrio e uma subtileza admiráveis.

Vinha de Malvasia.

Os Frasqueiras

Um Sercial de 1993 e um Verdelho de 1995 são as novidades. Nestes vinhos está subjacente um dos aspectos fundamentais da dinâmica produtiva do Vinho da Madeira: a associação geracional das empresas com partidistas (ajuntadores) de vinho na Ilha. Desde a fundação da empresa em 1946 que a família de Manuel Eugénio fornece uvas e vinho das castas Sercial e Verdelho à Barbeito. Ricardo recorda-se de presenciar por várias vezes a visita semanal que este fornecedor do Seixal (Costa Norte) fazia aos escritórios de sua mãe Manuela. Para melhor entendimento desta estreita relação comercial fomos almoçar ao Seixal a casa do Sr. Eugénio (já falecido) com 3 dos seus 11 filhos (aos quais deu a todos formação superior) e uma neta que cozinhou divinalmente um atum que casou magistralmente com o Barbeito Seco de que já falámos. As estórias de vida e de vinho que se ouviram durante o almoço aguçaram ainda mais o apetite. Como o vinho era transportado para o Funchal, como se ia a pé até ao Funchal quando o mar não permitia ir de barco, como se fazia o vinho, como se geria uma família de 11 filhos a partir de um pequeno negócio de venda a retalho e fabrico de vinho, como se conseguiu tanto com tão pouco. O almoço foi uma lição de vida… e de vinho também, claro está!
Os vinhos são uma homenagem a esta relação comercial e de amizade, e imagino o Sercial a representar a “Força” e o Verdelho a “Harmonia” nesta relação empresa/fornecedor.

O Japonês

Este lote é dedicado a Yasuhiro Kinoshita, o japonês que, ao fim e ao cabo, possibilitou que o mundo se tornasse um pouco melhor com os vinhos que saíram desta associação de esforços e interesses. Este lote é constituído por um Malvasia de 2009 primorosamente casado com outros dois Malvasias que provei: um incheirável e intragável de 1895 e outro cheirável e tragável dos anos 50. Pura alquimia ou perfumaria, o certo é que de 3 vinhos mais ou menos opostos se criou uma extraordinária peça de arte que encheu apenas 655 garrafas. Ricardo Diogo Freitas é, como já todos sabemos, um verdadeiro mestre a “compor” vinhos Madeira.

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Edição n.º32, Dezembro 2019

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Rolf Niepoort – partiu um Senhor do vinho

TEXTO João Paulo Martins Conheci Rolf (Eduard Rudolf), o pai do Dirk Niepoort, pouco tempo depois de começar a escrever sobre vinhos, ainda em 1989. Nessa altura, estive várias vezes com ele no Porto e fiquei a conhecer a sua paixão por carros antigos e por muitas outras colecções a que se dedicava com entusiasmo. […]

TEXTO João Paulo Martins

Conheci Rolf (Eduard Rudolf), o pai do Dirk Niepoort, pouco tempo depois de começar a escrever sobre vinhos, ainda em 1989. Nessa altura, estive várias vezes com ele no Porto e fiquei a conhecer a sua paixão por carros antigos e por muitas outras colecções a que se dedicava com entusiasmo. Carros eram quase 30 e, na quinta de Fornelo, lá estavam aqueles modelos americanos que na minha infância apelidávamos de “espada”. Amontoavam-se os livros sobre mecânica e reparação de velhos modelos e, todas as noites, lá vinha o especialista de mecânica para dar mais um avanço naquela que era verdadeiramente uma never ending story. Muito me ri com ele e com as histórias que acumulava com muitos anos de vida no sector do Vinho do Porto. Lembro-me também da palavra que usava quando um Porto já estava caído: este vinho está ché-ché. Sempre bem-disposto, a coisa só azedava à hora de ir para a mesa: não gostava de quase nada, foi talvez a pessoa mais esquisita à mesa que me foi dado conhecer e vi, sentado que estava ao meu lado, substituir a refeição por uma imperial. A única vez que o vi comer um bife com gosto foi quando imaginou a ligação do steak au poivre com Porto LBV, ligação que defendia acaloradamente.

Partiu aos 92 anos. Guardo dele uma óptima memória. Ficou o exemplo de dedicação à empresa de família que dirigiu, durante décadas. Passou também ao filho algumas das manias, como a aversão ao alho, mas… não são mesmo assim as famílias? A Niepoort é hoje uma empresa bem diferente da que era quando Rolf a dirigia, mas, no essencial e no que verdadeiramente importa, o exemplo de Rolf Niepoort permanece.

Na foto (Facebook Niepoort Vinhos): Rolf Niepoort e o filho Dirk.