O cocktail mais louco da cidade

O Red Frog, em Lisboa, foi nomeado um dos 100 melhores bares de cocktails do mundo. O segredo está no sítio, uma cave junto à Avenida da Liberdade, e em cocktails como o Agent Provocateur, onde não falta um botão vegetal que deixa a língua dormente.   TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga […]

O Red Frog, em Lisboa, foi nomeado um dos 100 melhores bares de cocktails do mundo. O segredo está no sítio, uma cave junto à Avenida da Liberdade, e em cocktails como o Agent Provocateur, onde não falta um botão vegetal que deixa a língua dormente.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

A porta está sempre fechada, mas há uma mensagem subtil que denuncia o bar. Na campainha, pode ler-se: “Press for cocktails”. O mistério regressa quando descemos as escadas escuras. Na cave, do lado direito, está o bar, pequeno mas cheio de preciosidades, dos uísques aos gins, e em frente a sala, com quadros inspirados no período da Lei Seca. O ambiente é escuro, e toca quase sempre cancioneiro norte-americano, sobretudo blues.

Sofás, uma mesa comprida, ao fundo uma área para fumadores e uma enorme estante a toda a largura que se abre para outra sala, secreta, e para outra, ainda mais secreta. É aqui que Paulo Gomes e Emanuel Minez, fundadores da casa em 2015, têm uma espécie de laboratório clandestino, com maquinaria diversa onde reduzem e clarificam caldos, retiram a polpa da fruta, fazem emulsões com azeites, extraem sabores de pedras e outras alquimias. Foi por causa deste cuidado que, recentemente, passaram a integrar a lista dos 100 World’s Best Bars, depois de já terem ganho o prémio de melhor bar de cocktails português pelo Lisbon Bar Show. O Agent Provocateur é uma das suas obras mais requisitadas. Só para quem gosta de experiências fortes.

Gin Hendricks
Um dos ingredientes do Hendricks é a infusão de pétalas de rosa. Esta flor “é a base do cocktail”, explica o barman Paulo Gomes, quer na cor quer nos ingredientes. Paulo Gomes tentou reproduzir as cores da lingerie da marca Agent Provocateur, sobretudo em tons de preto e rosa. A inspiração surgiu depois de ter visitado a loja em Londres.

Pimenta Rosa
A pimenta rosa entra numa redestilação feita na máquina Rotovap, juntamente com o ruibarbo, e de onde se extraem sobretudo os componentes aromáticos desta especiaria.

Cravos chineses
São usados para fazer o kombucha, bebida fermentada alimentada com chá verde ou chá preto. As flores parecem-se com os amores-perfeitos, sendo ligeiramente adocicadas.

Ruibarbo
O ruibarbo “dá notas florais e frescas”. Só se usa o caule da planta. As folhas podem ser tóxicas, mas o caule é conhecido por facilitar o trabalho do fígado, o que é muito apropriado.

Turkish Delight
É um doce tradicional turco. “Aqui desconstruímos o doce e fazemos a montagem em estado líquido.”

Botões de Sichuan
Os botões são de uma planta também conhecida no Brasil como jambu. Aqui são servidos à parte. Quando tocam a língua produzem uma espécie de choque eléctrico que deixa a boca numa dormência refrescante, estimulando a produção de saliva. “Há pessoas que ficam assustadas”, diz Paulo Gomes, rindo. “Tenho de lhes dizer que isto não é nenhuma droga.”

O sonho aveirense de Tiago e Ana

Numa cidade habituada a bacalhau e peixe grelhado, abriu um restaurante que faz a sua própria manteiga e serve gemas inseminadas com tomatada. O ovni chama-se Anna’s e tem à frente um chef-doutor e uma emigrante de regresso às origens.   TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga FALA sempre como se estivesse na […]

Numa cidade habituada a bacalhau e peixe grelhado, abriu um restaurante que faz a sua própria manteiga e serve gemas inseminadas com tomatada. O ovni chama-se Anna’s e tem à frente um chef-doutor e uma emigrante de regresso às origens.

 

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

FALA sempre como se estivesse na iminência de uma grande aventura. Com apenas 29 anos, tem a energia de uma criança grande — bem grande — e o entusiasmo de um explorador. “Podem vir até aqui”, diz, puxando-nos para a cozinha. Mesmo à entrada, há uma vitrina com rebentos em vaso e ervas aromáticas, lá dentro a roda a servir de portão, depois os fogões. Nas portas dos frigoríficos, vêem-se números escritos pelo seu punho, lá dentro mais códigos indecifráveis em barrigas de porco seladas em vácuo, molhos, pickles caseiros. “Tudo tem de estar embalado e registado. Sou muito organizado e muit’a maluco.” As anotações podem ser defeito de formação. Tiago Emanuel Santo é licenciado em Geografia e mestre em Gestão do Território. Actualmente, será o chef português mais culto da sua geração ou, pelo menos, o que mais sabe sobre gastronomia regional. Na Universidade Nova de Lisboa, onde está a preparar o doutoramento, tem-se dedicado a registar todos os produtos tradicionais portugueses, alguns já esquecidos, um documento com 800 entradas.

Esta paixão nota-se assim que começa a servir o menu de degustação do Anna’s, o seu novo projecto, em Aveiro. O restaurante abriu em Maio e pretende mostrar outra cozinha à cidade, criativa, inquieta mas confortável, feita de sabores nacionais e técnicas sofisticadas. A decoração é limpa, madeiras claras e cadeiras Eames brancas.

Em cima da mesa, está agora um dos azeites preferidos de Tiago, o Angélica, extraído de um pequeno olival em Moura. O produtor é tratado pelo nome, como se fosse um amigo. São todos: é o Gonçalo dos azeites, o Arlindo das carnes maturadas de Alcains, o Leonardo das ostras de Aveiro. Na boca, o Angélica surge com surpreendentes notas amargas e picantes, pouco comuns em azeites alentejanos. “O Gonçalo colhe as azeitonas à mão, ainda verdes. E depois junta as variedades cordovil e verdeal à azeitona galega”, explica Tiago.

Num pratinho ao lado, o chef despeja agora outro azeite, guardado numa garrafa sem rótulo. “Este é único. Vem de umas oliveiras centenárias da zona onde se faz o Boom.” O Boom é um festival de música electrónica, perto de Idanha-a-Nova, também conhecido pela abundância de outro tipo de substâncias, nem todas lícitas. Quando a tenda se desmonta, os festivaleiros costumam levar consigo os cogumelos mágicos mas deixam as azeitonas, uma cultura antiga na região. “Diz-se que já ali se fazia azeite no tempo dos romanos”.

As histórias, as pessoas, vão acompanhando os pratos. Nada é só o que parece. Uma manteiga não é uma manteiga. “Fazêmo-la nós, aqui. Descobrimos uma senhora da região que tem uma vaca e que nos fornece o leite não pasteurizado.”

Replicar o conceito noutras cidades
Algumas das criações de Tiago, como o extraordinário bolo lêvedo dos Açores ou o pastel de molho, já o acompanham há algum tempo. Antes de rumar a Aveiro, o chef assumiu os comandos do restaurante do Hotel Areias do Seixo, perto de Torres Vedras. Esse posto deu-lhe palco, mas foi ao mesmo tempo uma honra e uma herança difícil. Leonardo Pereira, ex-chef do Noma, o premiadíssimo restaurante de Copenhaga, tinha acabado de deixar o lugar, elevando a fasquia.

A nova aventura de Tiago não parece ser menos emocionante. O projecto nasceu da vontade e do investimento de Ana Pinto e da sua irmã (também chamada Ana, daí o nome do restaurante, Anna’s). Naturais de Aveiro, emigraram para a Venezuela muito novas, onde acabaram por gerir uma rede de supermercados e pastelarias. Com a crescente onda de violência no país, contudo, decidiram regressar a Portugal. “Mantemos alguns negócios lá, mas estamos a vender. É muito perigoso viver ali”, diz Ana Pinto, que se junta à mesa e procura refrear a velocidade com que o seu chef debita novas ideias, novos pratos, novos restaurantes.

Por esta altura, ao lado da mesa já jaziam várias garrafas que o chef tinha seleccionado para o pairing, tudo coisas exuberantes e difíceis de encontrar nos supermercados. O menu de degustação acontece em sete momentos (50€) e pode ser acompanhado por dois tipos de harmonizações, uma de 25 euros, outra mais premium, de 50 euros. Isto ao jantar. Ao almoço, o conceito — e o preço — são diferentes. Em Novembro, altura da nossa visita, por apenas 10,50€ podia comer uns filetes de peixe galo com um arroz cremoso de ervilhas, mais uma entrada (que podia ser uma canja de bacalhau com ovo escalfado) e um copo de vinho. Os pratos mudam diariamente.

A ideia de Tiago é que o conceito do Anna’s seja replicado. “Queremos fazer restaurantes deste nível noutras cidades médias do país”, diz. Mais à frente, há-de adiantar que a capital também não perde pela demora. “Vamos abrir em Lisboa. E vai ser bombástico. Um espaço enorme”, atira. O conceito é sempre o mesmo: fazer tudo em casa, dos pães aos pickles, passando pelos molhos e pelos fermentados.

A conversa é interrompida por causa de um ovo que é preciso inseminar com tomatada. Regresso à cozinha. Na banca da roda, o chef agarra numa seringa onde está o molho e espeta-a na gema. A primeira rebenta. “Dêem-me outra”. A segunda rebenta. “Não ficou bem. A gema tem de estar fresca se não acontece isto. Outra”, zanga-se. A operação repete-se até o chef achar que merece ir para a mesa.

No final, a imagem é surpreendente. A gema assenta numa areia e tem por cima um pequeno merengue, branco como um iceberg, dando um ar dramático ao conjunto. Quando a empregada leva o prato para a sala, os clientes ficam a olhar, como se fosse um ovni. Um ovni gastronómico a aterrar na Ria.

Couve Portuguesa

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga As couves portuguesas não são um vegetal simpático. As folhas são disformes, desarrumadas, soltas, difíceis de ensacar. E depois têm aquele caule gigante, rijo como um tronco, que se espalha em nervuras brancas passíveis de protagonizar um filme de terror de série B em que pequenos póneis […]

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga

As couves portuguesas não são um vegetal simpático. As folhas são disformes, desarrumadas, soltas, difíceis de ensacar. E depois têm aquele caule gigante, rijo como um tronco, que se espalha em nervuras brancas passíveis de protagonizar um filme de terror de série B em que pequenos póneis acabam devorados pelo temível repolho assassino.

As couves portuguesas são um estorvo. Não foram feitas para bancas de mercearias modernas. E dificilmente cabem nos frigoríficos e nos tachinhos dos lares urbanos unicelulares. Precisam de grandes tachos, precisam de espaço, precisam de tempo.

De alguma forma, é surpreendente que resistam. Vêm de um antepassado neolítico, espécie de dinossauro dos legumes próxima das couves selvagens. Há mais de cinco mil anos, cresciam nas escarpas atlânticas do Norte da Europa e terão sido trazidas pelos celtas para a Ibéria.

Hoje em dia, a genética hortícola consegue produzir primas mais fofinhas, maneirinhas e compactas. Mas ainda não há nada que bata a textura e a doçura elegante de uma couve portuguesa, também conhecida como tronchuda ou penca, com pequenas variantes sobretudo no Norte: penca de Chaves, penca do Povão, tronchuda Glória de Portugal, Murciana, de Mirandela e a troncha de Safres.

Apesar das modernas formas de confecção – o vapor, sobretudo, recomenda-se para quem quer manter todas as qualidades nutritivas, e são muitas —, continuo a preferir cozê-las em água abundante, só com sal. A técnica não tem sofisticação nenhuma, mas convém usar dos ensinamentos das cozinheiras de Trás-os-Montes, a maior região produtora e consumidora, que batem os caules contra a bancada da cozinha antes de as atirar para o tacho. As rachas que nascem dessa violência, não só apressam a cozedura como abrem caminho aos sucos do tempero.

Azeite, vinagre e alho são três coisas que casam maravilhosamente com este vegetal. Mas os frutos secos (amêndoa, amendoim) também acompanham maravilhosamente, tal como as leguminosas (feijões, grão), seja em sopas, seja em migas.

Embora seja um legume todo-o-terreno, que se dá em todo o país e praticamente todo o ano, a couve portuguesa pede frio e há quem diga que até a geada é essencial para adquirir tenrura.

Daí que esta seja a altura certa para as consumir. Com ou sem bacalhau.

Ferreirinha Reserva Especial 2009: um tinto glorioso

Um dos mais icónicos vinhos portugueses, o Casa Ferreirinha Reserva Especial, tem mais uma edição em 2009. É um tinto glorioso, cheio e sedutor, mantendo a excelência a que o produtor nos tem habituado, e que na senda das versões de 2007 e de 2003 se afasta progressivamente no estilo do primeiro vinho da casa, […]

Um dos mais icónicos vinhos portugueses, o Casa Ferreirinha Reserva Especial, tem mais uma edição em 2009. É um tinto glorioso, cheio e sedutor, mantendo a excelência a que o produtor nos tem habituado, e que na senda das versões de 2007 e de 2003 se afasta progressivamente no estilo do primeiro vinho da casa, o mítico Barca Velha.

 

TEXTO Nuno de Oliveira Garcia FOTOS Ricardo da Palma Veiga

À primeira vista, trata-se do mais conhecido segundo vinho português, na medida em que é tributário do Barca Velha, o topo da Casa Ferreirinha (parte do universo Sogrape desde 1987). Mas a verdade é que, rigorosamente, não se trata de um segundo vinho (pelo menos à imagem bordalesa que criou o conceito), pois não se trata de uma segunda escolha. Ao invés, trata-se da verdadeira primeira escolha, ou seja, do melhor que a Casa Ferreirinha pode produzir em cada ano, mas cuja prova ao longo do tempo impõe a classificação apenas como Reserva Especial.

Efetivamente, o engenhoso processo de seleção é terrivelmente eficaz. Primeiro, separa-se o melhor lote do Douro da Casa Ferreirinha, antigamente proveniente em grande parte da Quinta do Vale Meão, atualmente da Quinta da Leda, e trata-se com todos os carinhos e atenções (o que inclui, obviamente, estágio nas melhores barricas). Depois, engarrafa-se o vinho, nesse momento denominado Douro Especial, e espera-se entre meia a uma década. Durante esse tempo, provas sucessivas ajudam a que a equipa de enologia faça a derradeira escolha.

Não espanta, por isso, que a decisão de ser Reserva Especial mereça, após cada lançamento, tanto escrutínio e acesa discussão entre os enófilos esclarecidos. Em 17 edições, em pelo menos 3 delas ficou a dúvida se o vinho não poderia ter chegado a Barca Velha; falamos das colheitas de 1980, 1986 e de 2001. De resto, Luís Sottomayor, o atual responsável máximo pela enologia do Douro da Sogrape, reconhece isso mesmo, ao assumir que uma boa garrafa do Reserva Especial de 1980 é dos melhores néctares jamais produzidos no Douro, e que o Reserva Especial de 2001 ainda hoje o surpreende.

As últimas colheitas e lançamentos, todavia, têm trazido um novo vetor de diferenciação entre Reserva Especial e Barca Velha. Na verdade, se as últimas duas edições de Barca Velha (2004 e o fantástico 2008) trouxeram consigo um relativo corte com o passado na adoção de um perfil mais fresco, jovem e focado, já os mais recentes Reserva Especial (2003 e 2007) mantém um perfil clássico, marcado pelas típicas notas licoradas e a tabaco doce, bem como deliciosos taninos suaves. O Reserva Especial de 2009 agora lançado segue essa demarcação, com a prova de nariz a evidenciar já leve evolução e revelando-se sedoso e lácteo em boca, prontíssimo a beber, mas podendo ser guardado em cave sem hesitação.

De resto, o ano de 2009 não foi muito diferente de 2007 e caracterizou-se, à semelhança de 2003, por ser muito seco, com um Verão extremamente quente, principalmente durante o mês de agosto, o que levou a um rápido desenvolvimento da maturação. Essa maturação está bem patente no vinho, com os taninos absolutamente macios e bem maduros.

Se a nossa tese estiver certa, haverá mais probabilidade de declarações de Barca Velha em anos frescos, e de Reserva Especial em anos quentes. Mas, no final do dia, uma coisa é certa: a qualidade tem sempre sido excecional, e por isso não se espera coisa diferente para o futuro. E esse fantástico resultado é em grande parte explicado, além da reconhecida capacidade da região para grandes tintos e da mestria da equipa de enologia da Sogrape, pelo exaustivo processo de elaboração deste néctar.

Nesta edição de 2009, e após a escolha das melhores uvas, estas sofreram uma maceração suave em lagares com robots, com a fermentação alcoólica a ocorrer em cubas de inox com remontagem à mão. Depois, o vinho seguiu para Vila Nova de Gaia, onde realizou a fermentação maloláctica em barricas usadas. Após nova seleção, apenas os melhores vinhos foram transferidos para barricas novas de carvalho francês, onde estagiaram durante 12 meses. Finalmente, e uma vez selecionado o lote final, este voltou para as barricas durante mais 4 a 5 meses. É caso para dizer que foi uma autêntica via sacra para as 18.000 garrafas que estarão para venda pouco antes deste Natal. Resta dizer que o preço, sendo significativamente elevado para o padrão nacional, é menos de metade do último Barca Velha.

1836: foto de família num regresso às origens

A família do topo de gama da Companhia das Lezírias ganhou mais um membro: ao tinto e ao branco junta-se agora um espumante. Ocasião para celebrar e homenagear os homens e mulheres que desde 1836 deram corpo a este colosso da nossa agricultura.   TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga A Companhia das Lezírias […]

A família do topo de gama da Companhia das Lezírias ganhou mais um membro: ao tinto e ao branco junta-se agora um espumante. Ocasião para celebrar e homenagear os homens e mulheres que desde 1836 deram corpo a este colosso da nossa agricultura.

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga

A Companhia das Lezírias é enorme. Na área (ocupa cerca de 18.000 hectares na margem sul do Tejo), na história (que remonta a 1836), no desempenho empresarial (mais de seis milhões de euros de receitas em 2016). Mas o vinho é um caso muito especial. “O vinho é o nosso grande embaixador e da nossa história”, resumiu António Saraiva, presidente do Conselho de Administração, no jantar de apresentação dos novos vinhos da gama 1836.

Depois do primeiro passo dado em 2012, com o lançamento do primeiro 1836 tinto, seguiu-se o alargamento da gama ao branco, em 2015, e a terceira etapa concretiza-se agora com o espumante da colheita 2015. A família 1836 – cujo nome alude à data de fundação da Companhia das Lezírias – está assim mais completa, sob a batuta do enólogo da casa, Bernardo Cabral. Este é já o seu sexto ano à frente do projecto, com um objectivo assumido desde a primeira hora: “Aproveitar o tesourinho que estava ali e lançar coisas novas.”

O “tesourinho” são 130 hectares de vinha, rodeados de floresta num isolamento que os põe ao abrigo das pragas e fomenta a biodiversidade. Apesar de ficar em linha de vista com Lisboa (e a poucos minutos por estrada), esta zona de fronteira entre as regiões do Tejo (onde se integra) e da Península de Setúbal exibe maiores amplitudes térmicas do que a capital. Esse factor e a envolvência natural ajudam a explicar a frescura e carácter vincado dos vinhos da Companhia das Lezírias.

Os vinhos Tyto Alba foram a primeira face desta nova era e seguiu-se a aposta no topo de gama 1836. O jantar nas instalações do Grémio Literário, em Lisboa e paredes-meias com o edifício que serviu de sede à Companhia das Lezírias durante cerca de 150 anos, serviu para apresentar o tinto 2015, o branco 2016 e o espumante 2015. De caminho, provaram-se as edições anteriores de branco e tinto, como que a certificar que os anos em garrafa só farão bem aos néctares agora libertados.

Todos são monovarietais. O tinto provém de uma vinha velha (mais de 60 anos) de Alicante Bouschet, o branco usa exclusivamente uvas de Fernão Pires e o espumante é feito de Arinto. No caso deste último, 20 por cento do vinho-base fermentou em barrica, onde permaneceu 9 meses. São produções relativamente pequenas. A primeira edição do branco proveio de uma única barrica; a segunda duplicou a quantidade, mas não chega às 700 garrafas. Do tinto, que estagiou 13 meses em barricas novas (80%) e de um ano (20%), fizeram-se 5.500 garrafas. Quando à edição de estreia do espumante, são 4.000 garrafas.

Boas Esperanças

Mesmo ao pé da Zibreira, concelho de Torres Vedras, um recente produtor decidiu enveredar pela produção de vinho com uma filosofia que aponta para a elevada qualidade. E em boa hora o fez a Quinta da Boa Esperança…   TEXTO António Falcão NOTAS DE PROVA João Paulo Martins e Nuno Oliveira Garcia FOTOS Ricardo Palma […]

Mesmo ao pé da Zibreira, concelho de Torres Vedras, um recente produtor decidiu enveredar pela produção de vinho com uma filosofia que aponta para a elevada qualidade. E em boa hora o fez a Quinta da Boa Esperança…

 

TEXTO António Falcão NOTAS DE PROVA João Paulo Martins e Nuno Oliveira Garcia FOTOS Ricardo Palma Veiga

ARTUR Gama não é um desconhecido nos vinhos. Juntamente com a sua mulher, Eva Moura Guedes, adquiriram esta quinta em Dezembro de 2014. Localizada a leste de Torres Vedras, a quinta foi imediatamente rebaptizada com o nome de Quinta da Boa Esperança. O nome ‘Esperança’ pode indicar um milhão de coisas diferentes, mas o casal prefere pensar num período notável da história de Portugal, quando os intrépidos navegadores portugueses – chefiados por Bartolomeu Dias – dobraram finalmente por mar o cabo da Boa Esperança, na pontinha a sul da África, e assim conseguiram encurtar sobremaneira o acesso às índias. Na altura, recorde-se, nem sequer se sabia se existia alguma ligação entre o oceano Atlântico e o oceano Índico…

O investimento do casal foi por isso vultuoso e basicamente uma decisão de vida, há muito aguardada e, quem sabe, tentada. Façanhas à parte, vamos ver um pouco a terra que foi comprada. Geograficamente, a Quinta da Boa Esperança está naquilo a que poderíamos chamar zona de transição: não está tão exposta ao Atlântico como quintas mais próximas do mar, mas não é tão quente e seca como outras zonas da região de Lisboa mais para sul e interior, ou eventualmente mais protegidas por conjuntos montanhosos. O mar fica a 20 quilómetros. Os solos são predominantemente de perfil argilo-calcário. A orientação da vinha é sobretudo este-oeste, em encostas relativamente suaves.

A caminho do biológico
A produção de vinho foi, desde logo, uma ambição. A vinha já existia na quinta, mas os responsáveis de produção – Paula Fernandes, residente, e Rodrigo Martins, consultor – consideraram que não estava em grande estado. O primeiro passo foi, assim, compor o vinhedo, seja por arrancar e replantar, seja por recuperar algumas parcelas. O primeiro instinto foi arrancar o Alicante Bouschet, casta mais indicada para climas quentes. Enquanto a decisão era considerada, decidiram controlar a produção do Alicante (para metade) durante 2015 e colhê-lo apenas quanto estava ligeiramente desidratado. Fez-se a vindima e, surpresa das surpresas, foi a casta que melhor vinho deu nesse ano! E é, segundo Rodrigo, o vinho que maior mostra dá de longevidade. Afinal, só saiu metade do Alicante. Entraram Arinto e Sau- vignon Blanc, duas castas brancas com boas capacidades enológicas. Outra ambição dos responsáveis é ir subindo no respeito pelo ambiente. Em 2018 querem deixar de usar herbicidas, e, se os resultados forem bons, ir aumentando a parada, ano após ano, até chegarem à verdadeira agricultura biológica. “Cada ano é um ano de aprendizagem”, diz Rodrigo Martins.

Ficar apenas com o melhor
Só uma parte do vinho aqui feito é engarrafado com o nome Quinta da Boa Esperança. O resultado é que a produção total é curta, para já: cerca de 15.000 litros de branco e entre 15 a 20.000 litros de tinto. O restante, que não chega ao padrão exigido, é vendido a terceiros.

A vindima é feita, claro, à mão e os cachos vão directo da vinha para a adega. Nem sequer há tapete de escolha: a selecção dos cachos é feita logo na vinha.

Os melhores varietais são mantidos assim mesmo, sem lotear com outras castas. Por isso a casa tem muitos. Por outro lado, estão em barricas os primeiros topos-de-gama tintos: um Reserva e um Grande Reserva. Vão sair mais tarde, especialmente o Grande Reserva, que se espera vir a ter dois anos de madeira.

Os anos são todos diferentes e, por isso, nas edições de 2016 poderão existir outros varietais. Em 2017, por exemplo, deverá haver um Castelão, que se portou muito bem. Foi também um ano fantástico para brancos, disse-nos Paula Fernandes.

A adega
A adega nasceu pouco depois e, segundo os enólogos, tem tudo o que é preciso para fazer bons vinhos. Mas, diz Rodrigo, “o maior investimento vai sempre para a vinha”. Ainda assim, é bem possível que tenham de ampliar a adega nos tempos mais próximos.

A cave de barricas já tem um bom conjunto de unidades (225, 500 e 700 litros) e percebe-se porquê. À falta de um histórico, a equipa está a fazer experiências com vários fornecedores de barricas e com variações de tostas. Mas as duas tanoarias portuguesas têm-se portado muito bem, mesmo contra marcas famosas de França. O estágio em boa madeira – e não só – tem ajudado a amaciar e complexar os vinhos, especialmente os tintos. De outra forma teriam tendência a exibir taninos um pouco aguerridos. E o que é facto é que se bebem muito bem desde já: suaves no geral, taninos presentes, mas discretos, madeira a notar-se, mas não impositiva.

À procura da velocidade de cruzeiro
A exportação já leva 40% dos vinhos da casa, mas é intuito dos proprietários aumentar esta quota, possivelmente até aos 60%. No mercado nacional, os vinhos estão sobretudo em lojas especializadas.

Agora que as coisas vínicas estão a começar a entrar em velocidade de cruzeiro, o casal está a olhar para os restantes imóveis, que estavam em pobre estado de conservação. Ao lado do armazém onde almoçamos (antiga adega com depósitos de cimento) nasce a futura casa de habitação, onde Artur e Eva esperam vir a morar brevemente. E assim cumprir um sonho, dobrando o cabo da Boa Esperança.

Correção do Grau Alcoólico

As regiões de clima frio e húmido limitam a concentração de açúcar na uva madura. Neste caso é muitas vezes necessário recorrer ao aumento do grau alcoólico no vinho. TEXTO João Afonso O Grau Alcoólico e o Clima Climas quentes, com estio prolongado e muitas horas de sol, produzem vinhos alcoólicos e escuros que, por […]

As regiões de clima frio e húmido limitam a concentração de açúcar na uva madura. Neste caso é muitas vezes necessário recorrer ao aumento do grau alcoólico no vinho.

TEXTO João Afonso

O Grau Alcoólico e o Clima
Climas quentes, com estio prolongado e muitas horas de sol, produzem vinhos alcoólicos e escuros que, por norma, necessitam de correção da acidez. Pelo contrário, climas frios, húmidos, de estio curto e com poucas horas de sol produzem vinhos de cor aberta, com elevada acidez, que necessitam de correção do grau alcoólico.

O Grau Alcoólico e o Vinho
Há três métodos de aumento do grau alcoólico no vinho: Chaptalização, Adição de mosto concentrado e Adição de aguardente vínica ao mosto em fermentação.

A Chaptalização
Criada pelo químico e ministro de Napoleão Jean Antoine Chaptal, consiste na adição de açúcar de beterraba ao mosto. Por cada 17 gramas de açúcar aumenta-se 1% Vol. de álcool provável no vinho final. A prática não é permitida em Portugal.

Adição de Mosto Concentrado
Esta prática é permitida no nosso país e é totalmente neutra na formação dos aromas finais do vinho feito. Um litro de mosto concentrado tem cerca de 800 gramas de açúcar, ou seja, um potencial alcoólico de 47% Vol.

Adição de Aguardente ou Fortificação
Método usado no fabrico de vinhos generosos. Consiste na adição de aguardente a um pré-estabelecido momento da fermentação alcoólica com o propósito de a interromper e parar, de modo a produzir um vinho doce (com maior ou menor teor de açúcar residual) e com elevada graduação alcoólica.

Os 4 passos da correção de grau alcoólico
Se 17 g/l de açúcar equivalem à formação de 1% Vol. de álcool e 1 litro de mosto concentrado contém 800 gramas de açúcar ou 47% Vol. de álcool potencial, então subtraímos o grau inicial ao grau final pretendido; multiplicamos este valor pelo volume de vinho a corrigir em litros; e dividimos o resultado pela diferença entre o grau do mosto concentrado e o grau final pretendido.

Exemplo de 2.000 litros de vinho com 12% Vol. que queremos aumentar para 13,5% Vol.
13,5 – 12 = 1,5
1,5 x 2.000 = 3.000
47 – 13,5 = 33,5
3000 ÷ 33,5 = 89,55 litros de mosto concentrado que devemos adicionar aos 2.000 litros do nosso vinho.

Robalo de Inverno

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga Em francês chamam-lhe loup de mer (lobo do mar). Os gregos antigos, por sua vez, associavam-no à palavra labros (turbulência), e hoje em dia designam-no por lavraki (o esperto). Nada disto é por acaso, como confirmará qualquer pescador português. O robalo é um dos peixes mais inteligentes […]

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga

Em francês chamam-lhe loup de mer (lobo do mar). Os gregos antigos, por sua vez, associavam-no à palavra labros (turbulência), e hoje em dia designam-no por lavraki (o esperto). Nada disto é por acaso, como confirmará qualquer pescador português. O robalo é um dos peixes mais inteligentes e tenazes dos oceanos, tendo tanto de ruim como de saboroso e delicado.

Daí que a caça ao bicho seja uma batalha épica e imemorial, sobretudo no Inverno. Até Fevereiro, quando o mar está mais batido — mais turbulento —, se for à praia é muito provável que assista a dezenas de homens forrados de impermeáveis até às orelhas a baterem-se à linha com robalos bojudos prestes a desovar. Cada fêmea traz um milhão de ovos, mas só um, em média, sobrevive.

Há dias, um bicho de dois quilos foi-me vendido na praça (18€/kg) com as ovas enormes, do tamanho das de um bacalhau médio. Para escolher as fêmeas mais frescas deve tomar atenção ao brilho das escamas, aos olhos translúcidos e convexos e ao relevo da barriga. Este vinha com um bócio protuberante, não enganava. Por ter a carne branca e poucas espinhas, o robalo pode ser cozinhado de várias formas. Seja qual for a opção, evite o excesso de cozedura, de fritura, de forno ou de brasa. Caso faça ao sal, é pô-lo no forno uns 30 minutos a 180oC, envolto em sal marinho batido com clara de ovo. E se ele for muito grande e o quiser grelhar, mande os snobs gourmet à fava e peça à peixeira para o escalar. Ah, e não se esqueça de tratar bem a pele, porventura o melhor de tudo.

O primeiro Grande Reserva da Comenda Grande

Com a vinha plantada em 2002 e os primeiros vinhos cá fora poucos depois, a família Noronha Lopes viu finalmente chegar a altura de lançar o seu primeiro Grande Reserva. Só porque o ano permitiu…   TEXTO António Falcão NOTAS DE PROVA Luís Lopes FOTOS Ricardo Palma Veiga FOI preciso esperar quase uma década para […]

Com a vinha plantada em 2002 e os primeiros vinhos cá fora poucos depois, a família Noronha Lopes viu finalmente chegar a altura de lançar o seu primeiro Grande Reserva. Só porque o ano permitiu…

 

TEXTO António Falcão NOTAS DE PROVA Luís Lopes FOTOS Ricardo Palma Veiga

FOI preciso esperar quase uma década para a equipa Herdade da Comenda Grande decidir que finalmente tinha um vinho tinto que estivesse à altura da qualidade que um Grande Reserva da casa merece. Não que os vinhos até aí não fossem bons. Porque eram. Mas, seja pela idade da vinha, seja pelo histórico, ou pela qualidade do ano de 2013 pelas paragens de Arraiolos, onde a herdade se situa, o que é facto é que as circunstâncias se conjugaram para a realização deste sonho.

A maior responsabilidade coube a Francisco Pimenta, o enólogo da casa desde o início. Trabalha sobretudo com António Lopes, gestor agrícola, e com o irmão Nuno, mais ligado à área comercial e de marketing. O pai de ambos, António Lopes, empresta a sabedoria de uma vida vivida junto à terra. Há muitas décadas que aqui se faz vinho, na altura nas tradicionais talhas de barro, resultando numa produção pequena, para consumo interno e para venda às gentes da região. Por isso, a experiência de António Lopes reside especialmente nas culturas tradicionais (cereais, olival, por exemplo) e gado. Como nos disse em tempos: “Despejei para aqui o bolso e agora serão os meus filhos a seguir o projecto.”

Quem segue a empresa desde o início não pode deixar de notar o afinamento ao longo dos tempos. É natural que assim seja: Francisco Pimenta vai conhecendo cada vez melhor a vinha de 42 hectares e as respectivas uvas, e está “a fazer a mão aos vinhos”. “Temos estado a redefinir o estilo, mais elegante e com menos álcool”, garante o técnico. Por outro lado, as duas maiores referências em volume – o colheita Comenda Grande e o bagin-box Comendinha – têm levado uma parte das melhores uvas. António Lopes disse-nos que já têm “sacrificado lotes especiais para manter a qualid de do colheita”. Em anos especiais, como o de 2013, quando a qualidade da uva é muita alta, tal não é necessário. Nesse ano, três castas tiveram um comportamento extraordinário: Alicante Bouschet, Syrah e Touriga Nacional.

As melhores uvas foram a vinificar em separado e fez-se o lote para o Grande Reserva, que estagiou 12 meses em barricas de carvalho francês. Foram apenas feitas 2.000 garrafas. O preço da garrafa reflecte a exclusividade. Para o futuro mais próximo é intenção dos proprietários ampliar a adega, instalada num antigo armazém.

A apresentação do Grande Reserva decorreu no restaurante Carnealentejana, na Praça de Touros do Campo Pequeno, em Lisboa. Comida bem feita e carne de alta qualidade, a fazer jus aos vinhos bebidos.

Regressar às origens, em Borba

A Sovibor vai comemorar, em 2018, 50 anos de idade. Foi empresa conhecida na região desde os anos 80, com sede no centro da cidade. Como aconteceu com tantas outras empresas, esteve à beira da morte até que foi adquirida por Fernando Tavares, actual proprietário, um entusiasta dos vinhos de talha. Com os resultados que […]

A Sovibor vai comemorar, em 2018, 50 anos de idade. Foi empresa conhecida na região desde os anos 80, com sede no centro da cidade. Como aconteceu com tantas outras empresas, esteve à beira da morte até que foi adquirida por Fernando Tavares, actual proprietário, um entusiasta dos vinhos de talha. Com os resultados que aqui apresentamos.

 

TEXTO João Paulo Martins FOTOS Cortesia Sovibor

AO visitar a adega deparámo-nos com uma nave com imensas talhas de barro, mas logo se perceber o porquê de tão grande número. Explica Fernando Tavares, proprietário da Sovibor: “Corri a região toda à procura e o que encontrei, comprei; não é fácil e quem for agora começar a procurar vai ter muita dificuldade.” Apesar deste entusiasmo, as talhas só são usadas para fazer alguns dos vinhos da empresa, uma vez que a maioria é feita de forma convencional em adega própria, a partir das uvas adquiridas a lavradores.

A Sovibor não dispõe de vinhas próprias, mas herdou, e fez questão de manter, os contratos com os antigos fornecedores da empresa. Tem assim tem à sua disposição 170 hectares de vinha, podendo desta maneira ensaiar vários tipos diferentes de combinações de castas e perfis de vinhos. Um exemplo dessa variedade são as vinhas de Alfrocheiro e Syrah que têm agora 50 anos e das quais se fizeram dois vinhos varietais com a marca Passo de Terceiros. São duas parcelas contíguas com apenas 2 ha e destas parcelas fazem-se cerca de 3.000 garrafas das duas variedades. O portefólio está agora muito alargado e inclui vinhos de entrada de gama com a marca Borba, mas onde sobressaem, como seria de esperar, os vinhos de talha.

“As talhas são uma dor de cabeça”
Disso nos deram conta a equipa de enologia (António Ventura, Rafael Neuparth e Rita Tavares) e o próprio Fernando Tavares, que as comprou. Essa dor de cabeça deriva da imprevisibilidade, já que “só num dia se partiram três”. A razão para tais acidentes está na forma como deve ser conduzida a fermentação dos vinhos na talha. Durante a fermentação, a manta tem de ser mergulhada com regularidade para homogeneizar a temperatura. Recordemos que não existe controlo de temperatura e que as talhas podem ter uma dimensão grande, gerando um “clima” que pode fazer a talha rachar/rebentar, perdendo-se assim o vinho.

Nunca se sabe tudo e é a experiência que vai afinando os procedimentos. Na preparação das talhas segue-se aqui a receita mais antiga e tradicional: pez-louro, cera de abelha e azeite. Esta mistura é aquecida e depois deita-se a talha no chão e o preparado é colocado dentro da talha (após terem sido retirados os resíduos antigos) e a talha roda no chão com o preparado a ficar agarrado às paredes. “Se assim não for feito e se se usarem resinas modernas, não tem qualquer interesse fazer vinhos em talha”, diz, conclusivo, Fernando Tavares.

E para que o estilo seja tão próximo quanto possível das práticas antigas, usaram-se aqui, para fazer os vinhos, sobretudo as castas antigas da região, como o Moreto e a Carignan nos tintos e a Rabo de Ovelha nos brancos. A fermentação decorre com as películas e com um pouco de engaço, quer no branco quer no tinto. Se a fermentação arrancar normalmente de forma espontânea não são usadas outras leveduras. Só no final da fermentação se utiliza uma levedura que permite que o processo decorra até ao m, não se correndo assim o perigo do vinho car com açúcar por desdobrar. Os riscos de refermentação posterior na garrafa são demasiados para que tudo se deixe correr de forma natural, deitando o trabalho e o esforço a perder. Após a renovação da adega, a equipa da Sovibor vai apostar numa melhor relação com o turismo, tirando partido das centenárias instalações que ocupa, bem no centro de Borba. O empenho e a vontade parecem ter vindo para ficar e a qualidade dos vinhos é um bálsamo para todos.