Barcos Wines: A Revolução do Loureiro

Barcos Wines

Se, há uns anos, por uma questão de justiça e equidade, a, até então, Adega Cooperativa de Ponte da Barca consagrou na sua designação social a sua vila contígua, Arcos de Valdevez, hoje, por força da importância dos mercados externos e de uma comunicação mais fluída e perceptível, a cooperativa assume o “naming” de Barcos […]

Se, há uns anos, por uma questão de justiça e equidade, a, até então, Adega Cooperativa de Ponte da Barca consagrou na sua designação social a sua vila contígua, Arcos de Valdevez, hoje, por força da importância dos mercados externos e de uma comunicação mais fluída e perceptível, a cooperativa assume o “naming” de Barcos Wines. Com 36 mercados externos onde coloca os seus vinhos, a Barcos Wines foca-se cada vez mais numa missão de internacionalização, assumindo-se como uma instituição de vertente essencialmente exportadora, colocando o nome Vinho Verde nos quatro cantos do mundo. Uma aposta que o Director Geral, José Antas Oliveira, reputa de muito positiva, contribuindo para a notoriedade do produto e da Adega.
Fundada em 1963, a cooperativa tem como associados os agricultores de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez, contribuindo, cada uma destas povoações, equitativamente e em percentagens idênticas com as uvas que elaboram os seus vinhos.
Num território de minifúndio, a Adega possui cerca de 800 associados, os quais representam 900 hectares de vinha em produção de uva. A média por agricultor não ultrapassa o hectare e meio. Uma realidade que se vem alterando perante uma nova visão de obtenção de maior rentabilidade da vinha. O crescente abandono da actividade por agricultores mais idosos tem levado à alienação dessas propriedades a produtores mais jovens e profissionais, que concentram agora propriedades mais extensas, diminuindo custos e aumentando os rendimentos. São estes novos produtores, com áreas que podem ultrapassar os seis hectares, que representam o futuro do Vale do Lima e a maior profissionalização dos procedimentos da Adega. A última década trouxe também uma política sistemática de valorização do preço pago pela uva, sobretudo motivada pelo aumento substancial dos custos de produção e pelo incentivo à continuidade da atividade económica, através da angariação de novos viticultores. Neste campo, o contributo do departamento de viticultura da Adega tem sido fundamental, quer no acompanhamento às novas plantações, com submissão dos projetos VITIS, quer no aconselhamento na escolha das videiras a plantar, análise de solos ou definição das melhores exposições solares na plantação. As próprias videiras são adquiridas na Adega, seguindo um critério de escolha prévio feito pelo departamento de viticultura. Essa definição conjunta da planificação tem dado bons frutos. No âmbito dessa cooperação de proximidade, e só nos últimos 10 anos, a Adega submeteu ao VITIS mais de 500 hectares de vinha a plantar.

 

Num território de minifúndio, a Adega possui cerca de 800 associados, que representam 900 hectares de vinha.  Os vinhos brancos representam cerca de 80 a 85% da produção, cabendo 10% a rosados e apenas 5% aos vinhos tintos.

 

Loureiro “on”, Vinhão “off”
Há actualmente um fenómeno paradigmático e que representa uma mudança significativa do encepamento que, não obstante a maior rentabilidade económica, está a causar o definhamento daquela que já foi a casta mais importante do Vale do Lima, Vinhão.
Sabemos pela história que o Vinhão, nos séculos XVIII e XIX, dominava a paisagem vinhateira e representava o grosso das exportações, sobretudo para o Reino Unido. O director geral e responsável de enologia, José Antas de Oliveira, não precisa ir tão longe e recorda que, ainda há 20 anos, as castas tintas eram maioritárias na sub-região, com as brancas a terem uma expressão menor. Hoje, os vinhos brancos na Adega representam cerca de 80 a 85% da produção, cabendo 10% à produção de rosados e apenas 5% aos vinhos tintos. Dir-se-á que é a procura que demanda as regras e, nesta cooperativa virada para o exterior, é a crescente busca de vinhos brancos leves e frescos que define, não apenas as estratégias da Adega, mas igualmente de todo o Vale do Lima. Os números são claros e não permitem visões apenas emocionais: a Barcos Wines exporta 75% da sua produção e, no primeiro trimestre do ano corrente, perante a contração do mercado nacional, o volume de exportação já subiu para os 88% da produção global. E, aqui, são os brancos quem mais ordena, seguidos ainda de longe pelos rosados que se vão impondo com uma quota ascendente.

 

São 6,5 milhões de unidades, entre vinho engarrafado e Vinho Verde certificado em lata, tendo a região percebido a importância destes novos formatos, criando regulamentação específica.

 

O futuro dos tintos
E que futuro se avizinha para o Vinhão? A preocupação existe e a consciência de que, no futuro, esta casta outrora bandeira de toda a região, pode tornar-se rara e, numa abordagem alarmista, até desaparecer do encepamento minhoto, faz soar os alarmes. O Vinhão tradicional é, cada vez mais, um lampejo do passado. De forte pendor rústico, o seu consumo cinge-se à região e a um consumidor mais velho e saudosista. Os jovens já não lhe mostram a devoção dos antigos e o seu consumo retrai-se. A Adega está consciente dessa viragem e pretende assumir as rédeas do renascimento da casta. Se o perfil tradicional não atravessa fronteiras, há que o subjugar a novas formas de vinificação que, não lhe retirando a identidade aromática e gustativa do “verde tinto”, retiram-lhe a rusticidade, subtraindo-lhe o mais intenso contacto com as películas no processo fermentativo, criando vinhos de cor menos retinta, menos extraídos, com menor teor alcoólico e, sobretudo, mais elegantes e contemporâneos. Esta nova abordagem nasce em 2017, com as referências Reserva dos Sócios Vinhão, com estágio em barricas de carvalho francês, ou o espumante Naperão Vinhão Bruto, este elaborado pelo método charmat. Esta abordagem diferenciada do Vinhão tem permitido, num contexto internacional, e perante a sua exuberância de fruta, juventude e cor mais aberta, compará-lo aos Beaujolais ou Gamay. E, é nesta perspectiva de encontrar outro modo de abordar a vinificação do Vinhão que se tentará, presente e futuramente, combater a sua cada vez menor expressão nas vinhas, encontrando nas suas potencialidades, novas formas de o preservar. Aliado a esta nova abordagem, a Adega assumiu também a responsabilidade cultural da sua preservação, aumentando o preço pago pela uva, superior ao pago pela Loureiro, como forma de incentivar o incremento da produção e desmotivando o seu arranque para produção de uvas brancas. Os dados estão lançados para assegurar o futuro desta casta cheia de autenticidade e potencial. E a Adega assume essa responsabilidade de a fazer renascer.
Contudo, o Loureiro veio para ficar e reinar. A sua elegância, a frescura dos vinhos que dela nascem, o forte pendor mineral, para além de ser “amiga” do produtor graças à sua graciosidade para produzir em quantidade e qualidade, tornam-na hoje rainha absoluta e incontestada de todo o Vale do Lima.

 

 

Barcos Wines
José Antas Oliveira, enólogo e director geral da Barcos Wines.

A espumantização na Adega já leva 8 anos, tendo-se optado pelo Método Charmat, de modo a vincar o perfil das castas e da tradição de vinhos jovens, frescos, frutados e de consumo mais rápido.

 

Lata, pet nat, curtimenta, premium…
A Adega tem sido um foco de pioneirismo e inovação, antecipando tendências e desbravando mercados. Actualmente produz 6,5 milhões de unidades, entre vinho engarrafado e vinho verde certificado em lata, tendo a região, e bem, percebido a importância destes novos formatos, criando regulamentação que permite a sua certificação, levando o nome “Vinho Verde” a todo o mundo. Com meio milhão de latas produzidas, a Adega vê neste segmento de negócio já não um nicho, mas uma realidade económica muito significativa nas contas. A certificação marca o compromisso inalienável com a região e é mais uma bandeira que se hasteia nos melhores mercados brasileiros e americanos, denotando-se um crescimento acentuado noutros, como a Alemanha, Polónia, Estónia ou México.
Brasil e Estados Unidos levam hoje a dianteira nos mercados preferenciais da Adega. O “país irmão” tem, nos últimos anos, liderado as exportações e, acredita a Direcção, com uma tendência de crescimento absolutamente notável.
José Antas Oliveira não deixa de salientar a vertente experimentalista e inconformada que existe nas equipas de viticultura e enologia que lidera. A potenciação do Loureiro, nos últimos 10 anos passou não apenas pelo cada vez maior conhecimento e rigor técnico no volume, mas igualmente pela séria aposta no segmento Premium. Do pensamento ao acto foi apenas um piscar de olhos. Hoje o Loureiro veste-se com diferentes roupagens e surge em versões espumantizadas, nos Pet Nat, em vinhos com maceração pelicular ou vinhos de curtimenta. Dentro desta vertente experimental, surgem também os diferentes estágios em madeira, utilizando diversos materiais – carvalho, castanho português e acácia – com resultados distintos, revelando a plasticidade da casta e, também, o seu potencial de longevidade com imensa qualidade e sem perda de singularidade e distinção. Não obstante a Adega privilegiar o volume, a robustez financeira tem permitido criar produtos diferenciados, em pequena escala, também eles destinados a nichos, até agora, com pleno sucesso, aportando maior notoriedade à Cooperativa e permitindo-lhe reforçar as posições nos mercados internacionais habituais e, ao mesmo tempo, entrar em novos e mais exigentes espaços.
A espumantização na Adega já leva oito anos, tendo-se optado pelo Método Charmat de modo a vincar o perfil das castas e também as práticas tradicionais da região de criar vinhos mais jovens, mais frescos, frutados e de consumo mais rápido. A identidade da Sub-Região, que dá os primeiros passos na produção de espumantes, passa pelos monovarietais de Loureiro e Vinhão. A categoria espumante já representa entre 20 a 30 mil garrafas de venda anual, e com foco no mercado nacional, sendo um segmento que está em crescimento e que pode ser mais uma alternativa na afirmação da versatilidade desta Adega que já completou 60 anos desde a sua criação.
A dinâmica de criatividade e sensibilidade ao futuro próxima está solidamente reflectida na Adega. Necessidades dos mercados, lançamento de novos produtos, antecipação de tendências, de hábitos de consumo, nomeadamente, de redução do teor alcoólico dos vinhos e redução da pegada ecológica, são constantes do seu quotidiano. Entretanto, e porque o mundo continua a girar a uma velocidade estonteante, a Adega continua a realizar investimentos avultados, mantendo-se na linha da frente da inovação e vanguarda que a tornam ponta de lança da valorização e promoção do verdejante território do Vale do Lima.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)

Editorial Julho: Ouro dos Tolos

Editorial

Editorial da edição nrº 87 (Julho 2024)   Existe a ideia generalizada de que um produtor de grande dimensão não consegue atingir o patamar máximo da excelência. Casas como a Penfolds, na Austrália, ou a Sogrape, em Portugal, para mencionar apenas estes, contrariam esse dogma.   Desde os primórdios da humanidade que os bens mais […]

Editorial da edição nrº 87 (Julho 2024)

 

Existe a ideia generalizada de que um produtor de grande dimensão não consegue atingir o patamar máximo da excelência. Casas como a Penfolds, na Austrália, ou a Sogrape, em Portugal, para mencionar apenas estes, contrariam esse dogma.

 

Desde os primórdios da humanidade que os bens mais raros, difíceis de encontrar ou conseguir, são os mais valorizados. No fundo, faz parte da natureza humana tudo fazer para possuir o que os outros não têm. Veja-se o ouro, por exemplo, matéria-valor por excelência. Enquanto metal, tem muito pouca utilidade prática. E, no entanto, travaram-se guerras por ele (ainda hoje se travam guerras por petróleo, um bem, apesar de tudo, mais disponível e muito mais útil…)

O mesmo princípio se aplica a todos os bens de consumo, das roupas aos automóveis, passando pela comida e, claro, pelo vinho. No que respeita a este último, existe, até certo ponto, uma relação directa entre a qualidade e a quantidade disponibilizada. A razão é simples: nem todos os territórios (regiões) têm o mesmo potencial para alcançar excelência; mesmo nas melhores zonas das melhores regiões, nem todas as vinhas possuem a mesma aptidão qualitativa; e mesmo as melhores videiras, plantadas nos melhores locais, necessitam ter a sua produção limitada (natural ou artificialmente) para originar as melhores uvas. Os grandes vinhos não existem em grandes quantidades.

Ainda assim, podemos encontrar marcas de excelência mundial a produzir volumes apreciáveis em cada vindima. Alguns exemplos: Château Mouton Rotschild, 240 mil garrafas, sensivelmente a mesma quantidade do Lafite Rothschild; Château Latour, 200 mil; Château Margaux, 120 mil; Vega Sicilia Único, 100 mil; Sassicaia, 100 mil; Cheval Blanc, 72 mil. Tenha-se igualmente em conta que várias das melhores marcas do mundo podiam perfeitamente produzir mais garrafas com a mesma qualidade. Mas há um limite para o que o mercado pode absorver a um determinado preço num determinado momento. E é preciso gerir a escassez para que o preço não caia. O Porto Vintage é um bom exemplo: apesar de haver todas as condições qualitativas (vinha, adega e conhecimento) para se produzir bastante mais, a verdade é que a produção global é muito inferior à registada há 30 ou 40 anos.

Existe a ideia generalizada de que um produtor de grande dimensão, pela sua própria cultura empresarial, não consegue atingir o patamar máximo da excelência, ficando esse privilégio reservado aos pequenos produtores. Casas como a Penfolds, na Austrália, ou a Sogrape, em Portugal, para mencionar apenas estes, contrariam esse dogma. A Sogrape é mesmo um caso de estudo, já que produz, ao mesmo tempo, a referência mais vendida (Mateus) e a de maior notoriedade (Barca Velha).

Mas parece evidente que, em Portugal e no mundo, existe uma tendência para sobrevalorizar a raridade vínica. Os restaurantes mais exclusivos procuram oferecer aos seus clientes vinhos igualmente exclusivos, produzidos em pequeníssimas quantidades, por vezes algumas centenas de garrafas, associadas a uma boa estória que o sommelier transmite ao cliente.

Nada de errado nisto, um vinho vale aquilo que se está disposto a pagar por ele. Mas é importante que quem compra saiba, pelo menos, duas coisas. Primeiro, poucas garrafas produzidas não significam, necessariamente, qualidade acrescida. Segundo, pequeno produtor não implica maior atenção ao produto ou maior proximidade à origem – aliás, vários desses vinhos “exclusivos” foram comprados já feitos em grandes adegas e quem assina o rótulo nunca viu as vinhas onde nasceram.

Quando da corrida ao ouro em vários estados dos EUA, ao longo do século XIX, ficou famoso o “fool’s gold”, o ouro dos tolos. Basicamente, pirite de ferro que os garimpeiros menos experientes tomavam por ouro, acreditando ter ficado ricos. Muitos enlouqueciam quando descobriam a crua verdade: nem tudo o que luz é ouro.

 

Casa de Saima: Um clássico inovador

Casa de Saima

A Casa de Saima começou a produzir vinhos engarrafados há 41 anos. Primeiro apenas com o perfil clássico da Bairrada, que obriga os tintos a estágio prolongado antes de atingirem todo o potencial de proporcionar prazer a quem os bebe, sobretudo porque são feitos com base na casta rainha da região, a Baga. Com o […]

A Casa de Saima começou a produzir vinhos engarrafados há 41 anos. Primeiro apenas com o perfil clássico da Bairrada, que obriga os tintos a estágio prolongado antes de atingirem todo o potencial de proporcionar prazer a quem os bebe, sobretudo porque são feitos com base na casta rainha da região, a Baga. Com o tempo e a chegada ao mercado de vinhos de outras regiões, a concorrência e a evolução dos gostos dos consumidores levaram a casa a inovar e a criar uma gama de vinhos tintos do ano, mais frescos e apetecíveis a algumas faixas de consumidores. Agora, a equipa da casa procura novos caminhos para os seus espumantes, com estágios mais longos em garrafa e já estão também na calha dois novos espumantes de Pinot Noir e Chardonnay. Mas foi sobretudo a teimosia e o bom senso de manter o encepamento tradicional e a produção dos vinhos clássicos que celebrizaram a casa nos anos 90, com base nas castas tradicionais da Bairrada, que contribuiu para que a Casa de Saima mantivesse o rumo e o seu sucesso sustentado.
A casa foi fundada por Carlos Almeida e Silva e Graça Maria da Silva Miranda, a sua mulher na altura, a partir de um negócio herdado pelos pais do primeiro, de produção de vinhos para venda a granel. A mudança resultou do incentivo do enólogo bairradino Rui Moura Alves, quando este lhes demonstrou as vantagens da venda com marca própria em garrafa.

 

A iniciativa, de Paulo Nunes e Paulo Cêpa, o enólogo e o gestor operacional da Casa de Saima, de produzir vinhos menos graduados, leves e elegantes permitiu, à empresa, alcançar mercados que os preferem no Brasil e Estados Unidos.

 

Vinhas herdadas
Carlos Almeida e Silva já tinha, na altura, algumas vinhas herdadas da família, que ainda hoje integram a área produtiva da Casa de Saima. Mas o negócio foi sendo alargado, a partir da década de 90, com novas plantações e vinhas, que foram compradas nos melhores terroirs da Bairrada. Um dos objectivos era “agrupá-las para ter propriedades um pouco maiores, mais fáceis de gerir”, conta Paulo Cepa, 44 anos, gestor operacional da empresa. Exemplo disso é a Vinha da Corga, que começou por ter dois hectares e actualmente tem seis, de um total de 20 que constitui o património vitícola da empresa. Inclui, entre as castas tintas, a rainha da região, a Baga, as variedades nacionais Touriga Nacional e Castelão, e internacionais Merlot e Pinot Noir, este inicialmente plantado para dar origem à produção de espumantes. Mas apenas foi usado no blend de tinto e, mais recentemente, dá origem à produção de um monocasta do ano. Nas brancas predominam as variedades tradicionais da região, Maria Gomes, Bical e Cercial, mas também há Chardonnay, casta que também foi plantada para dar origem a espumantes.
Num processo que decorreu ao longo de vários anos, sempre com o objectivo de fazer bem e com qualidade, “foi dada prioridade às castas regionais e tradicionais portuguesas”, conta Paulo Cepa. As internacionais foram escolhidas porque os seus proprietários queriam alargar o potencial comercial da empresa. “Permitiram-nos fazer outros blends e introduzir inovações que enriqueceram o nosso portefólio”, explica.
Após a Casa de Saima ter começado a produzir vinhos engarrafados, “feitos com muita paixão e qualidade”, nos anos 90 do século passado, numa altura em que a região da Bairrada estava na berra, os seus vinhos começaram a surgir nos restaurantes de Lisboa e a ficar na moda. De tal forma que o actual presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, reconheceu os rótulos da marca, em visita à região num evento de vinhos recente. “Era uma época em que o Alentejo ainda não estava na moda e não tinham surgido os vinhos do Douro no mercado”, explica Paulo Cepa, defendendo que a marca ficou na memória dos portugueses, apesar de o início do segundo milénio ter corrido menos bem para o seu negócio, devido à separação do casal fundador.

Novos caminhos
A época que se seguiu, “foi uma altura em que se procurou encontrar caminhos”, explica Paulo Cepa, salientando que “o rumo acabou por surgir, como acontece com tudo o que se faz com empenho e paixão”.
Entretanto a responsabilidade pela enologia da casa transitou das mãos de Rui Moura Alves para as de Paulo Nunes, ou seja, “de uma filosofia mais tradicional para outra mais inovadora”, o que contribuiu para melhorar a visibilidade de uma empresa que passou a ter, para além da sua gama clássica, outros mais experimentais.
“Mesmo quando vivemos momentos menos bons, tal como aconteceu com o resto da Bairrada, nunca arrancámos a casta Baga, como o fizeram outros produtores da região e foi essa teimosia de manter tudo como está, mesmo com algum sacrifício, para produzir vinhos clássicos de qualidade, que levou o nosso barco a tomar de novo o rumo”, conta Paulo Cepa, salientando que a sua casa “é um pequeno produtor de vinhos de quinta, comercializados num número restrito de mercados”.
Para Paulo Nunes, o enólogo consultor da Casa de Saima, esse tem sido o seu principal desafio, de “uma jornada gratificante”, desde que começou a trabalhar nela em 2003, ou seja, há 20 anos: “manter o seu classicismo e ser mesmo o seu guardião e, ao mesmo tempo, criar um lado irreverente através da procura de novas abordagens e caminhos”. Para o enólogo, o percurso tem sido, ao mesmo tempo, de “uma aprendizagem fabulosa, porque não há duas vindimas iguais em lado nenhum, e muito menos na Bairrada, onde há uma condição edafoclimática e uma casta, a Baga, desafiantes”, o que tem contribuído para a empresa ser o que é hoje.
A marca é só uma, Casa de Saima, que inclui 13 referências. São quatro espumantes, um branco e um rosé, e um Chardonnay e um Pinot Noir monocastas que ainda estão em fase experimental, dentro do espírito de uma casa que vai procurando novos caminhos sem perder a sua identidade. Há, também, um branco Vinhas Velhas, o base de gama, e um Garrafeira, “com uma escolha mais apurada da matéria prima e fermentação em madeira avinhada”. O rosé, referência que existe na casa há muitos anos, é feito agora com uvas das castas Baga e Pinot Noir, “refresh dado porque este tipo de vinho está um pouco mais na moda”, o que se reflectiu também numa mudança do design do rótulo e da garrafa. Depois existem dois vinhos que surgiram de uma procura de colocar, no mercado, vinhos mais experimentais, inovadores, o Baga Tonel 10 e um Pinot Noir, ambos monocastas, ambos vinhos do ano, feitos com menos extracção e a gama mais clássica de tintos.

Lufada de ar fresco
A inovação, que já tem alguns anos, foi uma lufada de ar fresco na Casa de Saima, que lhe permitiu colocar vinhos da empresa em mercados que preferem aqueles que são menos graduados, leves e elegantes. “Começámos, primeiro com a venda do Pinot Noir e do Baga Tonel 10 para o Brasil, e depois para os Estados Unidos em 2018”, conta Paulo Cepa, realçando que este último foi destacado pelo crítico Eric Azimov, do New York Times”, aquele que é, afinal “um vinho despretensioso, um Baga do ano, em que muito gente não acreditou”, salienta o gestor.
A Casa de Saima exporta hoje cerca de 40% das suas vendas, principalmente para o Brasil, Estados Unidos e Canadá, e Macau mais recentemente. Na Europa está presente em Espanha, França, Suíça, Luxemburgo e Alemanha. Mas também no mercado da saudade, o dos portugueses que emigraram e estão um pouco por todo o mundo, através de vendas pontuais incentivadas sobretudo pela comunicação feita através da redes sociais. “Têm contribuído muito para isso, sobretudo pela proximidade e facilidade com que se pode comunicar através delas”, explica Paulo Cepa, acrescentando que, na maior parte das vezes, isso acontece “quando alguém vê um post numa plataforma como o Facebook ou Instagram, se interessa e contacta, perguntando como pode comprar os nossos vinhos, por vezes até para o resto da família e amigos”. E explica que foi este mercado que segurou as vendas da empresa quando o nacional estava parado devido à pandemia de Covid-19. Hoje, “ver os posts dos nossos consumidores lá fora, a fazerem coisas como churrascos na companhia do nosso Baga Tonel 10, dá-nos grande orgulho”, afirma o gestor.
A perseverança, desde os primeiros dias, na produção de vinhos clássicos da região da Bairrada, com base nas castas tradicionais e, um pouco mais tarde, a aposta em vinhos mais experimentais para alargar o mercado da empresa a outros consumidores, têm contribuído para diversificar mercados e sustentar melhor o negócio de uma casa que tem apostado sempre, e quase teimosamente, na manutenção da sua identidade. O mais fácil teria sido, há 15-20 anos, quando a Bairrada atravessou uma fase difícil e os seus produtores procuraram outros caminhos que não o da Baga, com a plantação de outras castas, a Casa de Saima ter optado por esse caminho. Mas felizmente manteve-se no certo, procurando, em simultâneo, espicaçar o mercado inovações como um Pinot Noir e um Baga do ano, no início da década passada, sem perder a matriz que identifica a casa. Segundo Paulo Nunes, “foram vinhos que nasceram de alguma inquietude e da necessidade de despertar a consciência do mercado para a nossa presença”. Mas, para Paulo Cepa, isto ainda não chega, porque é difícil, para um produtor como a Casa de Saima, ter um negócio estável e sustentado apenas com base na produção de 20 hectares de vinha, garantindo, em simultâneo, que os seus vinhos bairradinos mais clássicos só são colocados nos mercados após o período de estágio necessário, de cerca de oito anos. Nesta empresa é a venda de vinhos do ano, brancos e tintos, que gera a liquidez que garante o pagamento dos custos correntes e tem sustentado, até agora, o investimento em tempo a armazém para isso. Mas Paulo acredita que um pouco mais de área de vinha, até aos 25 hectares irá assegurar definitivamente uma gestão sem sobressaltos e a sustentabilidade definitiva do negócio da sua empresa. Para já estão 2,5 hectares em estudo, com plantação aprovada, onde irão ser plantadas castas tintas e brancas. “É uma parcela muito boa, onde já houve vinha”, diz ainda Paulo Cepa. Outras se seguirão.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)

Estive Lá: Vila Real – Os sabores do Chaxoila e da Lapão

estive lá

O tempo estava frio, chuvoso, mas não nos demoveu de uma passeata húmida por terras de Vila Real, cidade onde passei inúmeras vezes, sobretudo a caminho da Região do Douro, mas onde apenas tinha parado para almoçar. Depois de um pequeno-almoço na Casa Lapão, feito de imperdíveis covilhetes, uma espécie de ex-libris da cidade, bem […]

O tempo estava frio, chuvoso, mas não nos demoveu de uma passeata húmida por terras de Vila Real, cidade onde passei inúmeras vezes, sobretudo a caminho da Região do Douro, mas onde apenas tinha parado para almoçar.

Depois de um pequeno-almoço na Casa Lapão, feito de imperdíveis covilhetes, uma espécie de ex-libris da cidade, bem pecaminoso, feito de massa folhada com recheio de carne, e de uma fatia da sua saborosa e bem recheada bôla, a meias, na companhia do indispensável galão de máquina, foi hora de passeio à chuva, com muitas paragens para usufruir da paisagem. Primeiro na pequena zona velha do centro da cidade. Depois, numa descida até ao rio Corgo, que estava cheio de água, ruidoso e bem bravo, para uma longa caminhada pelas suas margens. Foram várias as paragens, como não podia deixar de ser, sobretudo para ver e ouvir as águas a passar em turbilhão e a cair em cascata no meio daquela zona verde, aquilo que mais tarde alguém de lá disse ser o Parque da Cidade.

Quase três horas depois de termos iniciado o percurso, feito com a calma que todos os fins de semana prolongados merecem, estávamos de volta ao carro, de partida para o nosso destino de almoço, a Casa de Pasto Chaxoila, nesse dia para um Naco de carne de Cachena (raça bovina) fatiado com batatas de forno, na companhia de um tinto Terra a Terra reserva de 2021, depois de mais um par de covilhetes, porque são irresistíveis. Para terminar, dois tentadores bolos locais: uma Crista de Galo, que é recheada com doce de ovos, e um Pito de Santa Luzia, que leva, no interior, doce de abóbora e canela, dois dos mais tentadores bolos locais. Excesso de gulodice, eu sei, mas teve de ser, até porque não vamos a Vila Real todos os dias. A oferta da casa é mais vasta, e ainda lá voltámos para petiscar polvo à galega e umas pataniscas que estavam mesmo boas, apenas para reconfortar o corpo antes de voltar para a Casa Agrícola da Levada, um turismo de habitação familiar, com casas e quartos independentes, que fica numa quinta bem cuidada no interior da cidade. Ficámos no lagar, e gostámos.

 

Casa de Pasto Chaxoila

Morada: Estrada Nacional 2, Borralha, Vila Real

Tel.: 259 322 654

Pastelaria Casa Lapão

Morada: R. da Misericórdia 64, Vila Real

Tel.: 259 324 146

Casa Agrícola da Levada Eco Village

Morada: Casa Agrícola da Levada, Vila Real

Tel.: 916 594 404

 

Grande Prova: Douro de Ouro …por menos de €15

Prova Douro

Se calhar sou eu que sou velho e os tempos mudaram a mil-à-hora, mas lembro-me de anos (1980s, 1990s) em que a inflação era alta a sério e os vinhos não aumentavam assim tão depressa. Então, aconteceram outras coisas, e não têm a ver com a inflação apenas. Em vez disso, penso que o que […]

Se calhar sou eu que sou velho e os tempos mudaram a mil-à-hora, mas lembro-me de anos (1980s, 1990s) em que a inflação era alta a sério e os vinhos não aumentavam assim tão depressa. Então, aconteceram outras coisas, e não têm a ver com a inflação apenas. Em vez disso, penso que o que aconteceu foi uma mudança nos padrões de consumo. Já se sabe que os apreciadores que procuram vinhos com interesse acrescido fogem das categorias de entrada de gama, que ocupam bem mais de 90% do consumo de vinho em Portugal. É para esses que escrevo, mas não é fácil obter as estatísticas (sou matemático) que reforcem estas opiniões. As médias escondem as verdades. Então vamos pela via do diálogo.

Frescura natural
Fiquei muito impressionado pelo estilo do Crasto, e falei com o enólogo Manuel Lobo de Vasconcellos sobre o vinho. Lembro, como se fosse preciso, que este senhor confeccionou o melhor tinto do país em 2023, vindo da Vinha Maria Teresa. Falamos de “a different beast”, mas nem por isso menos impressionante. É que este Crasto tem apenas 15% de madeira, e mesmo assim tem uma dinâmica em boca impressionante, com suavidade e profundidade. Então, o Manuel disse-me que este vinho é pensado não só como um cartão de visita da Quinta do Crasto, mas também como um cartão de visita dos tintos do Douro. Tendo bem presente a prova de 30 tintos que tinha acabado de fazer, não posso deixar de concordar. O Douro afirma uma identidade e uma qualidade ímpares, mesmo nesta gama, que se já não é de entrada, é a gama de entrada para os consumidores mais interessados, como confirmei mais tarde com Patrícia Santos. Já lá vamos. Segundo Manuel, esta suavidade e profundidade não aparecem por acaso. Cada vez há um trabalho mais cuidado com as madeiras, as vinhas entretanto envelheceram e estão a fornecer uvas com mais qualidade todos os anos, a enologia evoluiu para perceber melhor o seu terroir e ir cada vez mais ao encontro dos desejos dos seus clientes. Esses desejos são cada vez mais vinhos frescos, macios e bebíveis, já se sabe que poucos vinhos serão guardados para um consumo mais tardio. Em especial nesta gama.

E a gama acaba por ser a de entrada. Segundo Manuel Lobo, do Crasto já se fazem 500 a 600 mil garrafas por ano. O vinho na gama abaixo, Flor de Crasto, nem é vendido em Portugal. Uma outra observação que Manuel me fez é que o vinho já não se chama “Quinta do Crasto,” mas apenas “Crasto.” O que significa isto: é óbvio, nem todas as uvas provêm da quinta, algumas vêm da quinta da família no Douro Superior, a Cabreira, onde a altitude assegura uma frescura natural suave e integrada. Mão de mestre na arte dos lotes, e temos cada vez mais vinhos que vão ao encontro dos nossos anseios à mesa. Isto mesmo fui validar falando com quem encara diariamente o consumidor. Patrícia Santos (“filha do Boss” — mítico Arlindo Santos — da Garrafeira de Campo de Ourique) confirmou que esta é uma categoria muito forte nos dias de hoje. São os novos vinhos baratos. Por vezes, se for uma grande quantidade, por exemplo para um casamento, podem lá procurar vinhos abaixo de €10. Já se for um vinho para oferta, os clientes procuram preços mais altos, de €20 ou €30 para cima. Mesmo que para o dia-a-dia os clientes procurem vinhos mais baratos, fazem-no nos supermercados, não procuram o comércio especializado. Neste ponto de preços, o Douro é a região mais forte. O Dão compete com vinhos de grande qualidade por volta de €10, enquanto Lisboa mantém este nível de preços mas oferece um outro estilo, mais leve, para pessoas que procuram diferença. Já no Alentejo, os vinhos de qualidade estão mais caros, e o cliente facilmente gasta mais de €20.

 

O Douro afirma uma identidade e uma qualidade ímpares, mesmo nesta, que é a gama de entrada para os consumidores mais interessados.

Cultura de vinho
Quem visita o Douro compreende porque é que esta região se tornou, em poucas décadas, tão forte comercialmente em Portugal e com um impacto impressionante na imagem dos vinhos portugueses no mundo. Começou logo por beber da fama dos vinhos do Porto, um dos nossos vinhos tradicionalmente mais conhecidos e uma das nossas marcas mais fortes. A seguir vem o facto de a região, sendo pequena, ter uma impressionante área de mais de 40 mil hectares de vinha. Praticamente é uma mono-cultura, e isso transvasa para as pessoas que habitam no Douro. Há ali verdadeira cultura de vinha e de vinho, onde cada duriense é um guardião do seu terroir, que acaba por ser o seu tesouro.
Acertando as agulhas com a enologia, com a fortíssima aposta em formação universitária que as últimas décadas viram, com os holofotes do país e do mundo para ali voltados, com produtores-estrelas a atrair as atenções de todos, com as casas mais fortes do sector do vinho do Porto cada vez mais apostadas em comprar propriedades para controlar a produção das uvas desde a origem, a qualidade acabou por ser o padrão e a exigência de toda uma região. Temos muita sorte, como consumidores, em ter um tal farol a liderar o sector. Mas esta é uma liderança partilhada, porque temos outras regiões que também fizeram o mesmo, galgando passos nos casos em que a cultura de vinho não era tão tradicional, ou porfiando em recuperar o tempo nos casos em que as estratégias eram orientadas para outros critérios.

Hoje vemos, em muitas regiões, fortíssimas apostas em qualidade, e produtores independentes a procurar caminhos alternativos para recuperar estilos antigos ou experimentar caminhos novos. Isso também se vê no Douro, e um dos vencedores deste painel afirma claramente essa diferença. Vou ser claro, este foi um painel muito fácil, porque todos os vinhos tinham belíssima qualidade. Mas também foi muito difícil, porque o estilo era quase sempre muito parecido. Binómio Touriga Nacional e Touriga Franca, com acompanhamento e/ou tempero das outras castas usuais, maturação e extracção elevadas, embora mantendo boa frescura ácida e taninos civilizados, trabalho ajuizado com a madeira, para amaciar e temperar o vinho sem o marcar com doçuras ou especiarias demasiado óbvias. Descrevi 95% do painel. As diferenças de classificação prendem-se com detalhes, seja a integração, seja a maciez, seja o apelo guloso, seja, raras vezes, uma questão de estilo e preferência pessoal. Pormenores. Convido o leitor a experimentar todos estes vinhos, faça o seu próprio painel com qualquer subconjunto deles. Vai deleitar-se, em particular, se no fim da prova da cozinha sair um assado fumegante e acabar à mesa em festa.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)

Herdade da Amada: Da Vinha, com amor…

Herdade da Amada

No ano 2018 a Herdade da Amada, situada em Elvas, foi adquirida pelo grupo empresarial da família Marvanejo (Armazéns Marvanejo), um grossista que se dedica à comercialização de inúmeros produtos do ramo alimentar, com especial incidência nas carnes de porco preto “Patanegra”, vinhos e destilados. Helena e Luís Marvanejo apostaram nas tradições seculares da herdade, […]

No ano 2018 a Herdade da Amada, situada em Elvas, foi adquirida pelo grupo empresarial da família Marvanejo (Armazéns Marvanejo), um grossista que se dedica à comercialização de inúmeros produtos do ramo alimentar, com especial incidência nas carnes de porco preto “Patanegra”, vinhos e destilados. Helena e Luís Marvanejo apostaram nas tradições seculares da herdade, ao plantarem 14 hectares de vinha, o resultado de uma aspiração e de um sonho familiar.
“Quisemos fazer algo diferente do que já existia no mercado, e apresentar, ao mundo, vinhos que reflectissem, na nossa ideia, um novo e renovado Alentejo. Não queríamos produzir vinhos sobre-maduros, com excesso de álcool ou madeira a mais, mas antes apostar num perfil claro de elegância e frescura, vivacidade e autenticidade”, referiram Luís e Helena Marvanejo.

Herdade da Amada
Helena e Luís Marvanejo apostaram nas tradições seculares da Herdade da Amada.

Bacelos bravos
E foi com esta ideia de vinho que, começando as coisas pelo princípio, como deve de ser, decidiram tomar a opção de, ao contrário do habitual, plantarem em bravo, talvez a primeira manifestação de amor para com a futura vinha, lembram-se da frase do Poeta?
Plantar bacelos bravos, por si só, não resulta em nada. É necessário, posteriormente, enxertar neles as videiras das castas que se pretendem criar. O processo começa pela escolha dos porta-enxertos. Os da Herdade da Amada foram seleccionados em vinhas velhas da região, recuperando assim a genética das vinhas velhas de sequeiro. Foram, depois, plantados na terra, tendo ficado a criar raízes durante um ano, um sistema radicular com maior profundidade para que a planta aguente melhor as altas temperaturas do Alentejo, garantindo, assim, um vinha durante mais anos, e, ao mesmo tempo, dando alguma resposta ao problema das alterações climáticas
Adicionalmente, este método, segundo Luís Marvanejo, permite que, a longo prazo, se poupe dois terços da água geralmente usada nas regas de uma vinha normal.
Quando os porta-enxertos já revelam a circulação da seiva, são colocadas, então, as videiras, meticulosamente identificadas e colhidas durante o Verão, uma a uma, tendo ficado armazenadas numa câmara frigorífica até Março-Abril, altura em que são colocadas nos porta-enxertos. O terreno foi dividido em parcelas identificadas, tendo sido enxertada, em cada uma delas, a casta que previsivelmente melhor se adaptará, depois de previamente estudados e analisados os respectivos solos.
Este método de plantação em bacelo bravo, para além de ser uma prática muito antiga, é também mais morosa e dispendiosa, existindo sempre a opção alternativa de adquirir porta enxertos já prontos. No entanto, a opção pelo método de enxertia tradicional constitui um forte motivo de orgulho para Luís e Helena Marvanejo, razão pela qual lhe é dada menção de destaque no rótulo dos vinhos da casa, ou não fosse a Herdade da Amada um dos maiores vinhedos da região inteiramente plantado com enxertia no local.
A vinha está entregue ao viticólogo José Luís Marmelo, e a enologia conta com as contribuições do enólogo residente Bruno Pinto da Silva e o conhecimento e experiência da enóloga consultora Susana Esteban que, por si só, dispensa grandes apresentações.

Produção integrada
A viticultura da Herdade da Amada, certificada pelo Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo, é baseada no modo de produção integrada e segue o princípio da intervenção mínima, no respeito pela natureza das castas e do seu terroir. Este tipo de viticultura tem, como base, a prevenção aliada a uma forte monitorização e acompanhamento. Por seu lado, a enologia segue também o princípio da intervenção mínima. Trata-se de uma enologia subtractiva, de forte base científica, que trabalha ao máximo com a química da uva e o factor tempo, quase sem recurso a produtos enológicos, exceto quando estritamente necessário. E este será, provavelmente, o segundo momento de demonstração de amor para com a vinha.
Resta saber se o termo “intervenção mínima” será o verdadeiramente correcto, pois toda a atenção, constante monitorização e acompanhamento da vinha, aliado ao forte trabalho científico com a química da uva e factor tempo, não serão antes uma verdadeira e salutar “intervenção máxima”? Mas isso são contas de outro rosário…
Com solos argilo-calcários, clima tipicamente Mediterrâneo, caracterizado por verões quentes e secos e invernos chuvosos, foram escolhidas dez castas a serem plantadas, após selecção massal. Nas brancas, Arinto, Fernão Pires de vinhas velhas da Serra de Portalegre, Roupeiro e Verdejo de Rueda DO. Nas tintas, Alicante Bouschet, Castelão, Syrah do Rhône, Grand Noir de vinhas velhas da Serra de Portalegre, Touriga Nacional do Crasto e Tempranillo (Aragonez) de Toro DO. De momento, para a vinificação, ainda se recorre aos serviços de uma adega em Arronches, mas está já em andamento o projecto para a construção da própria adega na Herdade da Amada.
A primeira vindima foi em 2022, tendo resultado vários vinhos, um branco e um tinto de lote, com produção de 6898 e 11630 garrafas, respectivamente, ambos já disponíveis no mercado, e ainda três monocastas, Touriga Nacional, Syrah e Alicante Bouschet, que deverão sair durante a Primavera de 2024, em virtude de precisarem de mais tempo depois de um curto estágio em madeira.
E eis-nos chegados ao momento em que podemos constatar a frase inicial do Poeta, será que a vinha correspondeu a tanto amor, cuidado e dedicação? A resposta é francamente positiva. Brindemos pois!

(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)

CASA DOS ESPÍRITOS: William Hinton, a estrela do rum da Madeira

rum

O rum começou por ser conhecido como aguardente de cana da Madeira e usado para fazer a poncha, a versão local da caipirinha brasileira. Mas, já neste século, tudo mudou. A alteração da designação de aguardente de cana para Rum Agrícola visou tornar a vida mais fácil aos muitos turistas que visitam a ilha e […]

O rum começou por ser conhecido como aguardente de cana da Madeira e usado para fazer a poncha, a versão local da caipirinha brasileira. Mas, já neste século, tudo mudou. A alteração da designação de aguardente de cana para Rum Agrícola visou tornar a vida mais fácil aos muitos turistas que visitam a ilha e a quem aguardente de cana, não só é difícil de pronunciar, como de identificar o produto como o Rum que de facto é. Bares e cocktails agradeceram e a elaboração de produtos distintos e de gama superior ganhou nova dimensão.

A cana-de-açúcar foi introduzida, na ilha, ainda no séc. XV, pouco tempo após a sua descoberta e foi muito importante na economia local, antes ainda do vinho ter assumido um papel de relevo. Dela a plantação do açúcar foi levada para as Antilhas e para o Brasil, onde a técnica foi replicada e onde assumiu um papel de enorme importância. O solo, a exposição, a disponibilidade, quer de água quer de material para os engenhos, foi determinante para o sucesso das plantações.

A primeira referência à produção de aguardente de cana data de 1649. Com o sucesso da produção na América, a produção local declinou (sem desaparecer) e foi aí que o vinho ganhou mais preponderância. A originalidade do rum agrícola e a diferença para um rum vulgar é-nos explicada por Américo Pereira, especialista local de destilados: “cerca de 95% do rum mundial é industrial, feito com restos de cana, melaço (que neste caso é um subproduto da destilação) e, na Madeira, apenas usamos o sumo fresco que depois fermenta durante 48 horas, muitas vezes sem leveduras ou, com frequência, com um pão em massa fresca da padaria, que aqui serve de levedura. No final, a grande diferença em relação ao rum da Venezuela ou Cuba é que o nosso tem mais acidez, é mais puro e tem muito pouco açúcar”.
Existem actualmente seis engenhos activos na ilha, onde se processa a produção de uma miríade de pequenos produtores de cana. A produção tem direito a IGP (Indicação Geográfica Protegida), e é obtida exclusivamente por fermentação alcoólica do sumo de cana-de-açúcar.A destilaria William Hinton foi fundada em 1845. Por volta de 1920, assumindo uma posição dominante na ilha, chegou a processar 600 toneladas de cana-de-açúcar por dia. O negócio interrompeu-se em 1986 e foi retomado em 2006 e a empresa, além do rum com indicação de idade tem também edições especiais, os Single Cask que utilizam cascos de variadas origens, como Madeira, Whisky, Carcavelos, Sauternes, entre outros. Deve ser apreciado a solo, com um cubo de gelo ou um pouco de água mineral e em cocktail, sendo que o mais simples é a adição de uma casca de laranja ao rum. Pode-se, no clássico cocktail Old Fashioned, substituir o whiskey por rum agrícola envelhecido.

(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)

À CONVERSA COM: EDUARDO CHADWICK – Do Chile para o mundo

Eduardo Chadwick

Já esteve em Portugal? Estive uma vez, faz agora cerca 21 anos, quando visitei o Douro a convite do Dirk Niepoort e dos Douro Boys. É uma região maravilhosa. Não poderia ser mais diferente de Chile… Sim, no Chile trabalhamos com poucas variedades e, no Douro, pelo que soube, há uma imensidão de castas diferentes. […]

Já esteve em Portugal?
Estive uma vez, faz agora cerca 21 anos, quando visitei o Douro a convite do Dirk Niepoort e dos Douro Boys. É uma região maravilhosa.

Não poderia ser mais diferente de Chile…
Sim, no Chile trabalhamos com poucas variedades e, no Douro, pelo que soube, há uma imensidão de castas diferentes. No meu país começámos por trabalhar os vinhos por casta, mas actualmente estamos a trabalhar mais na mistura de castas, nos blends. Actualmente os nossos melhores vinhos são lote de várias castas: Don Maximiliano é um lote bordalês, Seña é uma mistura bordalesa com Carmenère. Esta nova tendência começou há cerca de 20 anos. Continuamos essencialmente a plantar as cepas em pé-franco.

Nos novos perfis de vinhos, crê que a “moda Parker” já faz parte do passado?
A verdade é que algumas empresas ainda estão a fazer vinho com esse estilo, sobretudo as que têm nos Estados Unidos e China os seus principais mercados. O nosso estilo sempre foi o oposto de Parker. Sempre quisemos apostar na elegância e finesse, indo ao encontro do gosto inglês, que sempre foi o nosso principal mercado.

Havia então uma espécie de barreira entre o “estilo Parker” e o gosto inglês…
Sim, nós chegámos a ter uma associação no Chile com a família Mondavi (Califórnia), de que nasceu o vinho Seña. Mas após os problemas que a família teve na Califórnia, resolvemos recomprar a parte deles. Houve, assim, uma ligação ao mercado americano, mas hoje o nosso foco é o mercado inglês.

Nos vinhos chilenos, além da Carmenère que faz um pouco figura de casta-bandeira, que outras variedades melhor representam os vinhos do Chile?
Creio que o Cabernet Sauvignon é a mais representativa e a primeira na exportação. No Chile temos zonas bem distintas, a que chamamos vales, mas ainda não são regiões demarcadas com regras próprias como há na Europa. Ainda precisamos discriminar melhor dentro de cada vale, mas falta consenso entre produtores e instituições. É um desafio que temos ainda pela frente. E há algumas dificuldades, porque muitas empresas têm vinho com uvas que vêm de zonas muito diferentes, e isso choca com a noção de região demarcada. Mas estamos a apostar nos vinhos “single estate” exactamente à procura dos micro terroirs. Também temos Merlot e Syrah, mas esta é difícil de vender. A Malbec está a crescer um pouco.

E nos brancos?
A nossa casta-rainha é a Sauvignon Blanc e, em seguida, a Chardonnay. Depois há um pouco de Viognier, Chenin Blanc, Pinot Gris, Verdejo também um pouco. Alvarinho? Creio que não…

Qual a melhor maneira de introduzir vinhos do Novo Mundo no mercado europeu tão tradicional?
Começámos no Reino Unido, que não produzia… Bem, agora já produz (risos…), e também em outras zonas não produtoras, como Escandinávia e Holanda, com vinhos de boa qualidade e baixo preço. Mas o nosso foco são os vinhos de gama alta e mercados como Suíça e até Portugal que está no TOP 5 europeu.

Além dos clássicos Alma Viva, Clos Apalta e Don Melchor, há actualmente algum outro vinho-ícone no Chile?
Diria que Seña está perto desse grupo. Aliás, foi lançado primeiro que esses, nos anos 90. No entanto o prestígio desses vinhos continua.

Nota: a Grandes Escolhas viajou a convite da Wine + Partners. Os vinhos Chadwick são importados para Portugal pela Luxury Drinks

(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)