Roteiro: Algarve – A discreta revolução

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  Uma História com 2500 anos Os vinhos estarão no Algarve há muito, muito tempo. Segundo o livro “A Vinha e o Vinho no Algarve – O renascer de uma velha tradição”, coordenado por João Pedro Bernardes e Luís Filipe Oliveira, do Centro de Estudos do Património da Universidade do Algarve, “foram (…) os Fenícios […]

 

Uma História com 2500 anos

Os vinhos estarão no Algarve há muito, muito tempo. Segundo o livro “A Vinha e o Vinho no Algarve – O renascer de uma velha tradição”, coordenado por João Pedro Bernardes e Luís Filipe Oliveira, do Centro de Estudos do Património da Universidade do Algarve, “foram (…) os Fenícios ou os Gregos que, a partir do século VIII a.C., permitiram os primeiros contactos da região com o vinho, uma bebida cara e de consumo muito restrito”. O vinho chegava de barco em ânforas, cujos restos, descobertos em abundância, continham vestígios de vinho. Não tardou que os autóctones começassem a plantar a videira, mais a jeito de experiência. A chegada dos romanos, alguns séculos depois, veio expandir o cultivo, a par da oliveira. Mas, aparentemente, ainda em pouca quantidade, destinando-se o pouco vinho resultante a ocasiões especiais e/ou elites sociais. Nos séculos seguintes, a produção local não inviabilizou a importação, que passava pela actual Itália para, calcula-se, a espanhola Andaluzia e a Gália, actual França. Por essa altura, o vasilhame de transporte vai passando do barro (as famosas ânforas vinárias), para a madeira, com os barris e tonéis a assegurarem também a função de armazenamento.
Terá sido já na nossa era que se fomentou o cultivo da vinha no Algarve, através de explorações
agrícolas fundadas por colonos romanos ou sob a sua influência. Estes colonos trouxeram ainda as suas técnicas de vinificação. Com a queda do Império Romano, estas explorações entram em colapso, por volta do século V. Dos séculos seguintes pouco ou nada se sabe, mas não custa perceber que alguma vinha se tenha mantido na paisagem algarvia, incluindo na presença islâmica no sul de Portugal, que durou até ao século XIII. Os árabes, curiosamente, já detinham bons conhecimentos sobre a vinha e o vinho, patentes, por exemplo, em tratados agronómicos da altura. E tanto assim era que o rei Afonso III responsabilizou os mouros que por aqui ficaram pelo cultivo das suas vinhas na região.
E os anos foram passando. Existem bons registos do século XV e posteriores que mostram que o cultivo da vinha e o fabrico do vinho tinha, entretanto, crescido significativamente. Juntamente com frutas (especialmente o figo), o vinho começou a ser exportado, por mar, para a região de Lisboa e também para o Norte da Europa (muitas vezes de Lisboa). Isto pressupunha áreas de vinha já consideráveis. Diz “A Vinha e o Vinho no Algarve” que a vinha “ocupava uma mancha que se estendia por toda a faixa litoral, subindo inclusive o barrocal, para se deter apenas nas imediações da serra algarvia”. E estava sobretudo junto às povoações.
Os séculos posteriores não trouxeram grandes novidades a este panorama. Mesmo os procedimentos de viticultura e enologia, pouco se alteraram ao longo dos anos. Práticas poucas vezes sãs davam, muitas vezes, origem a vinhos defeituosos ou alterados com ingredientes. A introdução de conhecimentos mais modernos nem sempre era bem-vinda: muitos produtores achavam que o vinho feito “à moda antiga” era o preferido dos consumidores. Noutras paragens, não era assim. De tal maneira que surge em Lisboa uma proibição de entrada de “vinhos inferiores e avinagrados do Algarve”.
A obra de João Pedro Bernardes e Luís Filipe Oliveira refere-o explicitamente, apontando razões para isso: por um lado, o acervo das castas tradicionais, “que privilegiavam a quantidade e não a qualidade”. E por outro, a influência das condições climáticas do Algarve, com calor na Primavera e Verão e temperaturas moderadas no resto do ano; estas condições proporcionavam vinhos alcoólicos, com poucos taninos e acidez, comprometendo a sua evolução. Mas, se pensarmos bem, o panorama não seria tão diferente noutras regiões do país.

 

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Sara Silva, Presidente da Comissão Vitivinícola do Algarve, entrou na casa em 2010, mas só gere os seus destinos desde 2019, à frente de uma equipa de cinco pessoas.

 

 

O vinho algarvio no século XX

E chegamos rapidamente ao século XX, já depois de resolvida a hecatombe da Filoxera e os estragos causados pela chegada das doenças fúngicas chamadas de Oídio e Míldio. Refira-se que a Filoxera não atacou tão severamente os vinhedos algarvios como nas outras regiões, por duas grandes razões: os solos de areia e a consociação da vinha com outras culturas, como a figueira, oliveira, alfarrobeira e amendoeira. Ou seja, as vinhas eram na sua maioria pequenas e afastadas, o que dificultava a propagação da praga. De tal maneira que, já nos anos 80, cerca de 17% da área de vinha algarvia ainda estava em pé franco, sem recorrer ao enxerto com bacelo americano, imune à Filoxera. Em Lagoa, essa percentagem era 37%!
Nas primeiras décadas do século, o comércio local de vinho era pouco desenvolvido e o vinho era comercializado a granel, em garrafões ou barris e o seu destino era sobretudo as tabernas. Em 1945, começam a surgir as primeiras adegas cooperativas, com Lagoa e Lagos a assumir a dianteira. Em 1951 já existiam 15 cooperativas no Algarve. Numa região de pequenas vinhas e pequenas explorações agrícolas, as adegas algarvias chegaram a vinificar a grande maioria da produção da região. E foram também responsáveis por um aumento de qualidade do vinho e da sua uniformização. Mas o destino de quase todas estava traçado: com a chegada da laranja, e depois do turismo e do betão, muitas vinhas desapareceram, recebendo os agricultores os respectivos (e generosos) subsídios para as arrancar, ou a venda dos direitos de plantação para outras regiões.
As cooperativas, já de si pequenas, não conseguiram resistir. A única sobrevivente foi a de Lagoa (que, entretanto, se fundiu com Lagos). Chegou a vinificar 80% do vinho algarvio, já nos anos 90, mas foi definhando. Hoje continua a laborar, mas recebe uma pequena parte das uvas que em tempos lá entraram, junto à famosa Nacional 125. Chegou a fazer 4 milhões de litros, hoje produz apenas 200 mil litros próprios. Mas aqui faz-se mais: conhecida agora como “Única”, esta cooperativa acaba por tomar um papel importante na região, prestando serviços de adega a vários produtores.
No entanto, não foram apenas as cooperativas a sofrer. Muitos produtores de uva e vinho desapareceram ou viram as suas produções diminuir. No início da década de 2000, o Algarve tinha perdido 90% (!) da sua área de vinha.

Rumo à discreta revolução

A região vitivinícola do Algarve foi, entretanto, demarcada em 1980, tendo como sub-regiões Lagos, Portimão, Lagoa e Tavira. A Comissão Vitivinícola Algarvia (CVA), contudo, só inicia a sua actividade em 1994. A partir de 1998, a CVA conseguiu dinamizar um pouco o Algarve vitícola, incentivando a renovação das vinhas algarvias. Em 2005 já tinham sido reestruturadas cerca de 400 hectares de vinhas. No entanto, eram ainda poucos os produtores. A chegada do cantor inglês Cliff Richard, que plantou vinhas na sua propriedade de Albufeira em 1998, ajudou à notoriedade do vinho da região.
O panorama só se alterou significativamente na última década. Segundo Sara Silva, “em 2010, a região tinha apenas 16 produtores de vinho, hoje são 50”. A presidente da CVA entrou na casa em 2010, mas só gere os seus destinos desde 2019, à frente de uma equipa de cinco pessoas. A explosão deveu-se à entrada de novos produtores locais e outros vindos de fora. Mas já veremos o porquê desta pequena revolução.
Dois produtores são de referir em particular: estamos a falar da Casa Santos Lima, um dos maiores exportadores de vinho de Portugal (com vinhas sobretudo na região de Lisboa), e da Aveleda, o maior potentado nos Vinhos Verdes, mas com vinhas no Douro e Bairrada. Ambas com investimentos pesados. A Casa Santos Lima, por exemplo, chegou em 2013 à zona de Tavira, e é já, de longe, o maior certificador da região. Já agora, os três players seguintes são a Aveleda, a Quinta do Barranco Longo e a Quinta dos Vales. Mais ainda: corre na região o rumor de que outras grandes empresas têm “o olho posto” neste território com um terroir muito próprio.

 

Um território junto ao mar

A vinha algarvia cresce num clima de Invernos amenos e Verões quentes e secos. Ou seja, um clima mediterrânico bem vincado, com fraca amplitude térmica e pouco vento. Lembremo-nos que todo o Algarve está protegido dos ventos frios do norte por várias cordilheiras montanhosas, que se estendem de leste a oeste. A sul, a proximidade ao mar, contudo, costuma dar uma boa ajuda a manter os teores de acidez nas uvas, algo tão importante para dar frescura aos vinhos. As temperaturas amenas no Inverno e o número de horas de sol (cerca de 3 mil!) fazem com que, aqui, as vinhas comecem a trabalhar mais cedo que no resto do país. E, claro, as vindimas seguem esta precocidade.
Com pouca chuva durante os meses mais quentes, todos os produtores que visitámos durante esta reportagem tinham rega instalada, quase todos indo buscar a água ao subsolo. No litoral, predominam os solos arenosos e argilo-arenosos, com alguma fertilidade. No barrocal, a faixa mais para o interior, os solos são maioritariamente calcários de vertentes pedregosas, também com pouca fertilidade. Existem alguns aluviões, de alta fertilidade, quase sempre junto a rios e linhas de água. Mais para o interior, na serra algarvia, os solos são cada vez mais pobres e secos, predominando o xisto e outras rochas.

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Mariana Canelas, directora comercial e o enólogo Bernardo Cabral, dão a cara pela Arvad.

 

Uma (muito) pequena região vitivinícola

Actualmente existem no Algarve cerca de 600 hectares de vinha apta a produzir uvas para fazer vinhos certificados (DOC e Regional). Para se ter uma ideia da reduzida dimensão, podemos dizer que vários produtores individuais portugueses possuem mais do que isto. Ainda por comparação, a vizinha região do Alentejo tem perto de 24 mil hectares de vinha para DO/IG, cerca de 40 vezes mais do que todo o Algarve. O anuário do Instituto da Vinha e do Vinho indica que, em 2021, o Algarve era a mais pequena região de Portugal continental em área de vinha.
Outrora depósito de muita vinha, o litoral algarvio tem hoje poucas cepas. Ao longo dos anos, foi cedendo o lugar ao barrocal, onde está agora a maioria da vinha. Um “restinho” vai para a serra algarvia, onde existe um exemplo extremo: o anterior presidente da CVA, Carlos Garcias, está a explorar uma pequena vinha na serra da Fóia, a mais alta do Algarve. A vinha foi plantada em terraços que se aproximam de uma altitude de 700 metros. É impressionante a diferença de temperatura daqui para o litoral. Em Agosto, na viagem de Portimão à Quinta de São Francisco (como se chama a exploração), durante uns meros 35 minutos de carro, vemos o termómetro descer cerca de oito graus.

 

 

A ascensão da casta Negra Mole

Em termos de castas, o Algarve moderno tem de tudo um pouco. Mas uma se destaca de todas as outras: a clássica algarvia Negra Mole, que tinha vindo a ser progressivamente abandonada por vários viticultores à procura de vinhos mais modernos, começa agora a ser a estrela da região. Dos 50 produtores, cerca de 20 têm-na no encepamento e as suas uvas são actualmente muito cobiçadas e valorizadas: ouvimos falar de preços a rondar €1,50, ou mais, este ano, o que torna esta uva uma das mais caras do país. Outros viticultores que visitámos pensam plantá-la e/ou aumentar a área existente. Mas, verdade seja dita, também existem os que não querem Negra Mole, que continua a ser a casta mais plantada do Algarve. Na vinha, a Negra Mole é única. A primeira vez que viu a casta na vinha, o enólogo Bernardo Cabral (que oficia na Arvad, produtor de Estômbar) ficou estupefacto: “isto tem tudo para dar errado: no mesmo cacho existem uvas brancas, rosadas e tintas”. Já foi há muitos anos, mas ainda hoje se ri da experiência. A Negra Mole é uma variedade que dá vinhos com pouca cor, e por isso é fácil fazer rosés (e mesmo brancos). Considerada tinta, tem, contudo, taninos muitos suaves (alguns enólogos usam engaços, grainhas e macerações prolongadas para extrair mais cor e taninos nos tintos) e se for bem tratada na vinha e adega, dá vinhos que, apesar de discretos, possuem uma excelente frescura e leveza. Exactamente o que cliente moderno está a pedir… De resto, os vinhos tintos certificados no Algarve usam uma multitude de castas que podemos encontrar noutras regiões: desde as nacionais Alicante Bouschet, Aragonez, Syrah, Touriga Nacional, Castelão, Trincadeira (Crato Preto), etc.
Nas castas brancas, destacava-se o Crato Branco, mais conhecida como Síria ou Roupeiro noutras regiões. Nos produtores mais virados para a qualidade, está a ser ultrapassada por uvas com melhores teores de acidez, como o Arinto, Verdelho ou Encruzado e as mais conhecidas internacionalmente (Sauvignon Blanc, Chardonnay, etc). Patrick Agostini, da Quinta do Francês, ainda vinificou Crato Branco durante alguns anos, mas diz que oxida muito facilmente e não se vendia bem no enoturismo: “o nosso cliente é estrangeiro e compra o que conhece”, disse-nos ele.

Algarve precisa de mais adegas

A região produz cerca de 1,6 milhões de litros de vinho e introduz no mercado mais de um milhão de garrafas de vinho certificado, quase todo Regional Algarve (mais de 90%). A CVA tem tentado que o DOC Algarve tenha mais aderentes, mas os produtores, pelo que ouvimos, não vêem grande necessidade de mudar. Curiosamente, isto parece derrotar a existência das quatro sub-regiões algarvias. O tema está agora a ser debatido no Conselho Geral da CVA e alguma decisão irá surgir nos próximos tempos.
Como muitos produtores não têm adega, as três existentes que prestam serviços começam a atingir os seus limites. Com o crescimento na área de vinha e no número de produtores (quatro ou cinco por ano), Sara Silva acredita que mais adegas terão de surgir, e, de facto, várias estão apenas à espera dos demorados licenciamentos.

O antigo e o moderno

Quando bem vinificados, os vinhos tintos algarvios sempre tiveram um perfil muito suave, com pouco tanino, pouca cor, pouco aroma e muito álcool. E o algarvio sempre gostou deste tipo de vinho. Os melhores chegaram mesmo a ter prémios em concursos.
Hoje, o panorama é muito diferente. O encepamento mudou muito, as áreas de vinha também, assim como as produções, mais baixas, mas com melhor qualidade e concentração. A mudança ocorreu tanto nos tintos como nos brancos e rosés. Na verdade, o Algarve é hoje terra de brancos e rosés. É isso que a maioria dos enófilos procura nas superfícies comerciais, nos restaurantes, hotéis e wine bars. Não espanta, por isso, que a maioria dos novos projectos leve isto em consideração. Ou seja, o encepamento passou a estar mais virado para estes tipos de vinho. Uma parte das uvas tintas vai, por isso, para os rosés.
Em tempos, os vinhos generosos tiveram alguma fama e houve quem defendesse que o terroir algarvio será propício a estes. Apesar de muito poucos o fazerem actualmente, detectámos vontade de alguns produtores em levar a cabo algumas tentativas.
A modernidade vínica não foi exclusivamente endógena. A entrada de técnicos e produtores de fora também trouxe experiência e novas abordagens. Nomes como Joana Maçanita e Pedro Mendes (responsáveis por vários produtores), Bernardo Cabral (Arvad), António Narciso (Artemis), e Jorge Páscoa (Quinta do Canhoto), são apenas alguns exemplos, mas existem mais.

Vinhos para todos os gostos

A maioria dos produtores está em sintonia com o consumidor local (especialmente o turista enófilo), tentando produzir vinhos cada vez mais frescos e elegantes e menos alcoólicos, especialmente brancos e rosés. O grande segredo é apanhar as uvas mais cedo e de facto, no início de Agosto, já muita gente estava a vindimar nas quintas que visitámos.
Um dos produtores com mais sucesso, Rui Virgínia (Quinta do Barranco Longo), tem vários brancos que não passam dos 11,5 graus de álcool. E, dos que provámos, nem um indício de desequilíbrio ou acidez descasada.
Nos tintos, alguns produtores mais atrevidos, como Patrick Agostini (Quinta do Francês), produzem vinhos poderosos, alcoólicos e com taninos algo aguerridos. Mas, verdade seja dita, o seu terroir, de serra com solo xistosos, assim o proporciona. São vinhos caros, mas o médico francês vende tudo, a maior parte no Algarve.

Um mercado muito apetecível

Empresas muito profissionais como a Casa Santos Lima e Aveleda, com milhões de litros produzidos em várias regiões do país e anos de experiência na comercialização e promoção, não investem à toa. Especialmente quando os investimentos são pesados, como aqui já aconteceu e vai continuar a acontecer. Porquê então o Algarve? Porque, desde logo, o preço do vinho algarvio é o mais elevado do país (sem contar com Madeira e Açores, claro). A julgar pelos números da Nielsen, a mais conhecida empresa de estudos de mercado neste sector, há sete anos consecutivos que o Algarve lidera, destacado no preço médio por litro pago pela distribuição e restauração. Só por comparação, um litro de vinho algarvio valia €13,50 em 2022, contra €6,20 no Alentejo e €9,70 no Douro.
Como é isto possível, numa região com pouca notoriedade vínica? Na verdade, é fácil de perceber. Até agora o mercado local tem absorvido quase todo o vinho, Sara Silva estima entre 70 a 80%. Essa é, aliás, a principal razão por que é difícil encontrar, no resto do país, vinho algarvio nos restaurantes e grandes superfícies: “Para quê enviar para Lisboa e enfrentar uma concorrência aguerrida quando consigo escoar aqui toda a produção e a bom preço?” parecem perguntar os produtores algarvios. Ora, o turista e/ou residente estrangeiro é o maior consumidor. Não sendo tão sensíveis a marcas e regiões vínicas, estes enófilos têm tendência a escolher vinhos locais e, pelos vistos, têm gostado, porque têm continuado a comprar. Por outro lado, não custa perceber que a melhoria substancial na qualidade média tem levado muitos enófilos algarvios a escolher também vinhos locais. A enorme profusão de garrafeiras, lojas gourmet e wine bars é sinal claro desta realidade. Felizmente existe capacidade de compra: o Algarve é a segunda região com maior PIB per capita de Portugal, a seguir à Área Metropolitana de Lisboa (dados de 2021). Este é, sem dúvida, um mercado à parte do resto do país.

O poderoso Enoturismo

A par do generoso mercado local, o enoturismo é a outra faceta do vinho algarvio. De facto, é uma belíssima fonte de receitas para muitos produtores de vinho que visitamos. A maioria dos visitantes é estrangeira e não se importa de pagar para calcorrear as vinhas em visita guiada e depois provar os vinhos da casa, em prova conduzida. Um petisco a acompanhar e são duas ou três horas bem passadas, que, para o turista estrangeiro, vale bem 10, 20 ou 30 euros por cabeça. Ou muito mais, para experiências personalizadas como, por exemplo, um workshop de fazer lotes de vinhos (€285 na Quinta dos Vales). Melhor ainda, alguns turistas levam vinho para casa ou pagam ao produtor para os enviar para qualquer destino além-fronteiras. Patrick Agostini, da Quinta do Francês, confidenciou-nos: “seria difícil sobreviver sem o enoturismo”. É também por isso que diversos produtores, como a Quinta da Malaca (entre Portimão e Vilamoura) estão a ultimar obras para receber turistas. Outros, como a Aveleda (Alvor) e Artemis (Tavira), esperavam com impaciência pelas licenças de construção, que, pelos vistos, estão a levar entre dois e três anos.
Há dois anos, nasceu a rota de vinhos do Algarve, chamada de Algarve Wine Tourism. Contando com cerca de 25 produtores aderentes, já tem site próprio (algarvewinetourism.pt) e uma app (Algarve Wines), contendo toda a informação de que o enoturista precisa. “É um potencial que já cá estava”, diz Sara Silva, que lamenta não ter acesso a maiores fundos para promoção.

 

Do Algarve, com muito orgulho

Depois do sol, da praia e do golfe, o Algarve arrisca-se a ter no vinho mais um forte motivo de atracção turística. À parte a notoriedade, o Algarve não perde para qualquer outra região vitivinícola portuguesa. Avista-se facilmente um futuro risonho e um exemplo de enoturismo para o mundo. Os vinhos são muito bons, só falta que o resto do país (e o mundo) os descubra, de preferência saboreando-os com a magnífica gastronomia algarvia.

Os produtores

Para fazer esta reportagem, visitámos oito produtores, escolhidos com a ajuda da CVA. Procurou-se visitar várias realidades, com vinhas junto ao litoral, no barrocal e na serra. Produtores grandes, médios e um pequeno. Mas existem muitos mais e a trabalhar muito bem. Ao mesmo tempo, falámos com vários enólogos e técnicos de viticultura. Aqui fica um apanhado breve de cada um.

Artemis
Do Dão para o Algarve, perto de Tavira. Este é o percurso que António Narciso passou a fazer desde que assumiu a responsabilidade produtiva por esta exploração, propriedade do advogado Vicente Marques. No Dão, a marca é Dom Vicente, aqui é Monte da Ria e Solar da Ria. A vinha está mesmo no litoral e as uvas são, por enquanto, vinificadas numa adega improvisada, na zona industrial de Tavira. A adega própria (e enoturismo) será construída junto às vinhas, nos próximos tempos.
domvicente.shop/pt

Arvad
O nome deriva do que se pensa ter sido o nome do rio Arade em fenício, que significava refúgio. Projecto recente, propriedade de um empresário que comprou terras ao pé de Estômbar. Começou a plantar em 2016 e em 2019 saíram os primeiros vinhos, com a assinatura do enólogo Bernardo Cabral. Possui enoturismo com muita classe e vista esplendorosa sobre o vale do rio Arade. Um hotel de charme está em construção, a estrear em 2025.
arvad.pt

Aveleda
Um dos maiores projectos do Algarve, com 24 hectares de vinha, junto ao Alvor. Resultou da aquisição, em 2019, por parte da Aveleda, da quinta do Morgado da Torre, que já aqui produzia vinho há muitos anos e em boa quantidade. A vinha própria tem mudado e crescido, assim como a produção, actualmente a rondar os 100 mil litros, da marca Villa Alvor. Outra parte da vinha é arrendada. Tudo é colhido à máquina. A casa possui adega e enoturismo com loja, mas ambas vão ser substituídas: o novo e generoso edifício está apenas à espera da aprovação para começar a construção.
villaalvor.pt

Quinta da Malaca
À frente deste projecto está a família Cabrita. A história tem décadas de idade, com o avô Francisco, mas apenas em 2010 se iniciou no engarrafamento com marca própria. Luís Cabrita é a cara da casa e o mais ligado à gestão. As vinhas (cerca de 30 hectares, algumas com 70 anos) estão em Pêra, junto ao litoral e a escassos 2 quilómetros do mar, nos típicos solos arenosos. Os vinhos — Malaca, monocasta, e Vale de Parra, vinhos de lote — são vinificados em adega próxima, com a responsabilidade de Joana Maçanita. A empresa está a terminar as instalações de enoturismo, mas já tem clientes desde há anos.
facebook.com/vinho.malaca

Quinta do Canhoto
Propriedade dos irmãos Josefina e Edgar Fernandes, esta quinta ao pé de Albufeira conta com uma vinha a rondar os dez hectares, totalmente reconvertida em 2009 (existiam cepas com mais de 100 anos). As uvas são vinificadas na adega própria, projectada pela jovem arquitecta Joana Fernandes, da nova geração. Inaugurada em 2019, a adega já ganhou um prémio de design e ainda bem, porque aqui o enoturismo é explorado intensamente, acompanhado pelos vinhos da casa, da marca Esquerdino. A enologia está a cargo de Jorge Páscoa, mais conhecido pela sua actividade na região de Lisboa.
quintadocanhoto.com

Quinta do Francês
Desde cedo que o médico francês Patrick Agostini sonhava em produzir o seu vinho. Em Bordéus tirou o curso de viticultura e enologia, mas foi em plena serra algarvia, a oeste de Silves, que realizou o seu sonho. A partir de 2000, do nada, criou uma vinha (hoje com 12 hectares), depois uma adega e fundou um enoturismo com muito sucesso, gerido pela mulher, Fátima Santos. Um dos projectos mais originais com mais pergaminhos do Algarve.
quintadofrances.com

Quinta dos Capinhas
Mais um projecto familiar, explorado pela família Capinha, em Porches. Neste barrocal algarvio estão plantados, desde 2015, 8 hectares de vinha, que dão origem aos vinhos com a marca da quinta. A casa não possui adega, vinificando na Única, a cooperativa de Lagoa. Alguns brancos na Adega do Pateiro, na Quinta da Penina, com Pedro Mendes. O enoturismo é aqui muito explorado e costuma estar cheio, tal como as três villas que a quinta possui para alojamento de turistas, situadas em plena vinha.
quintadoscapinhas.com

Sul Composto
A empresa pertence a Carlos Garcias, anterior presidente da CVA. É agora um pequeno produtor, usando uvas de uma propriedade familiar em Burgau e comprando outras para vinificar com a marca Al-Mudd. Outra marca é Terraços da Fóia, que resulta de uma vinha arrendada a uma altitude de quase 700 metros, das castas Tinta Roriz e, mais recentemente, Riesling. Implantado em terraços virados a norte, ao estilo do Douro, este terroir é único no Algarve e Carlos não esconde a sua adoração pelo sossego do local, com uma vista deslumbrante.
sulcomposto.pt

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2023)

De aroma intenso e sabor onde se cruza o caramelo dos maltes com os toques frutados tropicais dos lúpulos, nasce a mais recente obra-prima da Super Bock.

A 3.ª edição especial de Super Bock Collector’s Edition vem celebrar os 96 anos da marca, distinguindo-se por preservar a tradição cervejeira e o património de qualidade. É limitada a 100 unidades e estará disponível na Super Bock Store no final de Novembro. A partir de hoje é possível registar-se para receber informação em primeira mão sobre o início da venda desta edição exclusiva, e quem estiver entre os primeiros vinte compradores, ganha inclusive um convite duplo para visitar a Super Bock Casa da Cerveja.
A Collector’s Edition é já uma tradição para celebrar o aniversário da Super Bock e, pelas suas características, é ideal para partilhar em convívios com amigos, para oferecer em momentos especiais ou para coleccionar e abrir na altura certa com as pessoas certas.

Super Bock Collector’s Edition
Nesta edição, a cerveja especial, desenvolvida pelos Mestres Cervejeiros da Super Bock, apresenta-se ao estilo de Triple India Pale Ale, com um aroma doce a frutos tropicais, como a manga ou a lichia, aos quais se juntam alguns suaves apontamentos cítricos. O paladar amargo é requintadamente equilibrado com o doce das notas a caramelo e biscoito provenientes dos maltes que compõem o sabor sublime e harmonioso desta cerveja. Para apreciar todos os detalhes únicos que se encontram reunidos nesta cerveja, deve ser degustada com tempo e sem pressas.
Inspirada nas antigas garrafas da Companhia União Fabril Portuense (CUFP) do final do século XIX, esta edição especial está disponível numa garrafa serigrafada que possui o retrato de um painel de Augusto Gomes na Sala de Cobre, a primeira sala de fabrico em Leça do Balio. Para enaltecer a experiência cervejeira que é proporcionada pela Collector’s Edition 2023, está disponível numa caixa com dois copos de pé alto de 66cl, podendo ser adquirida pelo valor de 75€ exclusivamente na Super Bock Store.

Vidigal Wines: Quando a sorte bate à Porta 6

vidigal Porta 6

Quem conhece Manuel Bio, CEO do grupo Abegoaria (na fotografia de abertura), já percebeu que é feliz a fazer negócios, quer seja vender ou comprar, de pequena ou grande escala. Com olho para potencial e oportunidades, grande visão estratégica e racionalidade financeira, já salvou empresas da falência e, até hoje, expandiu a Abegoaria às regiões […]

Quem conhece Manuel Bio, CEO do grupo Abegoaria (na fotografia de abertura), já percebeu que é feliz a fazer negócios, quer seja vender ou comprar, de pequena ou grande escala. Com olho para potencial e oportunidades, grande visão estratégica e racionalidade financeira, já salvou empresas da falência e, até hoje, expandiu a Abegoaria às regiões do Alentejo, Douro, Lisboa, Tejo, Dão e Vinhos Verdes, conquistando as casas dos consumidores portugueses com vinhos de enorme sucesso, sobretudo nos supermercados. A ambição, contudo, é também internacional, e, para isso, a Abegoaria concretizou recentemente um dos seus projectos mais arrojados, com a compra da totalidade da Vidigal Wines — sediada em Cortes, Leiria — que antes pertencia a António Mendes Lopes e a capital norueguês. A Vidigal tem origem ainda no início do século XX, numa quinta fundada por um cónego e, no início dos anos 90, alguns proprietários depois, passa para as mãos de António Mendes Lopes que, conjugando as suas vivências no estrangeiro com bastante criatividade e uma (boa) dose de loucura, levou a Vidigal Wines a ser uma das empresas de vinho portuguesas com mais sucesso na exportação, apoiada no fenómeno Porta 6, com milhões de garrafas vendidas lá fora, números que nunca pararam de crescer. A marca nasceu em 2012 e, neste momento, é o tinto português que mais vende fora de Portugal, e o segundo vinho europeu mais vendido no mercado inglês, com quase 5 milhões de garrafas comercializadas no Reino Unido. A seguir, vêm os mercados do Brasil, Israel e Canadá. A produção total anual do Porta 6 tinto supera os 8 milhões de garrafas. António Mendes Lopes não tinha, no entanto, intenções de continuar ligado à empresa após a aquisição, mas acabou por ficar como consultor, “porque o convenceram de que ali fazia falta”. Manuel Bio, e a restante equipa administrativa do grupo, conheceram António em pleno início de pandemia de Covid-19, com as primeiras conversas sobre um possível negócio em 2020. A concretização do acordo deu-se em 2022, mas em 2021 estava tudo quase fechado, e já trabalhavam em algumas coisas em conjunto.

vidigal Porta 6

 

 

Porta 6 é o tinto português que mais vende fora de portugal. E segundo vinho europeu mais vendido no mercado inglês, com quase 5 milhões de garrafas comercializadas no Reino Unido.

 

 

“Para nós era talvez a única empresa que, nesta fase mais recente, ‘jogava’ connosco, porque éramos muito fortes no mercado interno, com uma posição bastante privilegiada na grande distribuição e consumo em casa. Estávamos a começar a olhar para o consumo fora de casa e a desenhar uma divisão de ‘fine wines’, mas ainda não era estratégia para o grupo, queríamos fazê-lo com tempo. Estávamos a tentar a exportação, sendo que começar na exportação com vinhos portugueses é difícil e o sucesso demora a chegar. Surgiu assim esta empresa, que não tinha nada do que nós tínhamos, e tinha tudo o que estávamos à procura. No fundo, a Vidigal veio antecipar 10 anos a nossa estratégia de exportação. É um grande investimento, mas ganhámos 10 anos lá fora, e também alguns vinhos muito interessantes para o consumo fora de casa e para a tal divisão ‘fine wines’, como o Brutalis”, explica Manuel Bio. Luís Bio, director de internacionalização da Abegoaria, acrescenta, “podemo-nos orgulhar, como grupo, de sermos hoje praticamente nº1 em off trade (supermercados); nº1 em Inglaterra, também nos supermercados; top 5 no Brasil; nº1 em Israel… ou seja, conseguimos consolidar nesta aquisição uma “value story” e um vinho como o Porta 6, que faz com que, hoje, sejamos produtores de dois terços do vinho português vendido nos supermercados em Inglaterra”. António Mendes Lopes interrompe: “Não é o vinho Porta 6, é a marca”. E continua, explicando que “o Porta 6 é todo imagem. O vinho é bom, mas isso não chega. O Porta 6 tem de ser como é porque a imagem está na cabeça das pessoas, é muito mais do que a qualidade do vinho.

O ex-proprietário da Vidigal Wines, que sempre defendeu aquilo a que chama um modelo horizontal de trabalho, acredita que é esta a fórmula que serve uma marca. “Cada um faz o seu papel e as pessoas não sabem nem se metem no dos outros. Porque temos de perceber que as pessoas não fazem bem tudo, nem é possível que assim seja. Há um enólogo melhor para transformar as uvas em vinho, outro melhor para finalizar o vinho e os lotes… Eu deito-me a pensar num rótulo e numa marca, no final de uma viagem tenho um texto feito… não me tirem isto, que é o que eu gosto de fazer! Mas não me falem em uvas e vinhas, porque eu não gosto. Só gosto de uvas quando já estão no tegão”, exemplifica António Mendes Lopes, convicto de que “é preciso cercarmo-nos de pessoas teimosas e criativas, pessoas capazes de dizer ‘não’ na nossa cara. Pessoas que conseguem pensar juntas. A inteligência colectiva funciona”, remata. Neste sentido, criou um departamento chamado Brand Defender, onde os accionistas não participam, para defesa das marcas e da qualidade das mesmas. “Quem tiver interesse em poupar, e não em gastar, não pode entrar neste departamento”, sublinha António Mendes Lopes, que advoga não haver ciência exacta para o sucesso, mas acredita em alguns princípios: “Começa-se por fazer as coisas com qualidade e por manter qualidade e o estilo teimosamente, aconteça o que acontecer. Não se pode comprometer a qualidade ou o estilo. E depois espera-se… espera-se que a sorte chegue. Por definição, a sorte não pode ser planeada. É por isso que se chama sorte”. E por falar em estilo, insere-se aqui uma das componentes mais importantes da marca Porta 6, a imagem. O rótulo icónico é a reprodução de uma pintura que estava a ser vendida a turistas nas ruas de Lisboa pelo próprio autor, o artista alemão Hauke Vagt, que residia no bairro de Alfama, perto do castelo de São Jorge. A pintura do famoso eléctrico amarelo chegou às mãos de António Mendes Lopes, que decidiu negociar com o autor e fazer dela o rótulo do Porta 6. “Qualquer pessoa poderia ter comprado aquela pintura e transformá-la num rótulo, mas fomos nós que o fizemos”, afirma, também numa alusão à sorte de que tanto fala.

vidigal Porta 6

Os enólogos António Ventura, Rafael Neuparth (à esquerda) e Arnaldo Simões (último à direita) com Luís Bio, Manuel Bio e António Mendes Lopes.

Já António Ventura e Rafael Neuparth são os enólogos responsáveis pelos vinhos da Vidigal Wines, e Arnaldo Simões dedica-se à finalização dos lotes, estando residente na empresa. Como se faz um vinho de 8 milhões de garrafas, como o Porta 6 tinto, mantendo a qualidade e consistência? Perguntamos. “Acabou por ser fácil, porque tudo isto foi crescendo ano após ano, não começámos com 8 milhões, foi mais com duas paletes…”, diz António Ventura, entre risos. O que mudou tudo foi, na verdade, o “momento James Martin”, o chef-celebridade inglês que se lembrou de afirmar, no programa BBC Saturday Kitchen, que o Porta 6 era um dos melhores tintos que tinha provado em dez anos. Nessa altura, a única distribuidora da marca no Reino Unido era a Majestic que, depois do programa ir para o ar, viu o seu site “ir abaixo” com tanta solicitação. “Foi aqui que a sorte nos bateu à porta. Coube-nos recebê-la, acarinhá-la e trabalhar com ela”, lembra António Mendes Lopes. Nessa altura, foi difícil ter vinho para tanta procura, e um incremento revelou-se obrigatório. “Estavam a pedir-nos dez contentores, e tivemos de fazer esse trabalho. No ano seguinte já estávamos preparados. Nesse ano não tínhamos vinificação, o vinho era adquirido a terceiros, mas em 2014 nasce a adega das Encostas do Atlântico [empresa junto a Caldas da Rainha que é 70% da Vidigal Wines e que detém também as vinhas do projecto] e passámos a ter a nossa vinificação, o que nos facilitou muito e nos permitiu criar volume com qualidade. Temos uma equipa de enologia lá, liderada pelo Mauro Azóia, e outra na Vidigal, onde se faz apenas a finalização, mas cruzamos muito a informação e estamos sempre a provar juntos”, desvenda António Ventura. A Vidigal Wines explora, através da Encostas do Atlântico, cerca de 350 hectares de vinha, que se situam maioritariamente nas regiões de Alenquer e das Caldas da Rainha.

Para algo completamente diferente…

Embora o porta-bandeira da empresa (passe-se a expressão) seja o Porta 6, há outro elemento no portefólio com conceito e posicionamento totalmente distintos, o topo de gama Brutalis. Fazendo jus ao nome, é um tinto de potência, desaconselhado aos fracos de coração (ou, por outra perspectiva, talvez funcione como desfibrilhador), com Alicante Bouschet na base do lote e 20% de Cabernet Sauvignon. António Mendes Lopes, que viveu na Dinamarca, chamou Brutalis ao vinho inspirando-se num rinoceronte com o mesmo nome, que se encontrava num jardim zoológico daquele país. “Era meio louco, levava tudo à frente”, descreve. Mesmo os mercados mais fortes para o Brutalis são, na sua maioria, completamente diferentes dos do Porta 6, passando sobretudo por Portugal, Alemanha, Brasil, China e Macau. Uma prova vertical de oito colheitas deste tinto, do mais antigo para o que está actualmente no mercado, revelou algumas surpresas, com algumas edições a chocar pela juventude e vivacidade, e outras até mais elegantes, que resultaram um pouco menos “Brutalis” do que a equipa da Vidigal pretendia. O primeiro, de 2005 (ainda Regional Estremadura), foi o único feito com uvas da Quinta da Cortesia, na Merceana, mas rapidamente se percebeu que não era a vinha ideal para o perfil que se procurava. Apresenta um perfume exótico de fruta negra, especiarias, sândalo e cera de abelha. Na boca é mais leve do que se esperava, bem vegetal e maduro na fruta, chão de bosque e leve balsâmico no final (16,5 valores).

vidigal Porta 6

A partir do 2008 e até ao 2013, entram as uvas da “vinha do cemitério” (precisamente por ser perto de um), também na zona da Merceana. O 2008 foi uma das surpresas positivas, bastante vivo no nariz de fruta silvestre madura, muita pimenta branca, um leve lado resinoso, e outro mais lácteo e fumado. Na boca tem o tanino ainda aguerrido, muito novo, quase infante. Agradavelmente adstringente, largo e longo (17,5). O 2009 entra no mesmo registo do anterior mas mais vegetal, com uma gordura fumada bem presente. Na boca é um pouco mais magro, choveu cedo nesse ano e António Ventura diz ser a causa (17). O 2012 é, curiosamente, talvez o menos Brutalis de todos mas o que mais impressiona ao nível da qualidade absoluta. Nariz muito elegante e fino no perfume, onde balsâmicos encontram chão de bosque, eucalipto, mirtilo e arando. Na boca é vivo no lado especiado e balsâmico, potente e com muito carácter mas extremamente elegante em simultâneo, longo e sedoso no final (18). Já o 2013 é talvez o mais especiado de todos, com muita pimenta preta, cardamomo, levíssimo açafrão e agulha de pinheiro. Na boca está muito novo, imponente, tanino adstringente e final de potência. Para esperar em garrafa (17). O 2015 muda totalmente de cenário, passando a ter origem numa vinha perto do Cadaval, no lado Norte da Serra de Montejunto. Mais balsâmico no nariz do que os outros, com nota vegetal e bagas silvestres. Na boca tem uma juventude pornográfica, muito intenso e vegetal, tanino bruto e por limar. Longe do momento certo (17,5). No 2017, os balsâmicos juntam-se a fruta silvestre e cera de abelha no aroma. Bem adstringente, mas com volume a suportar, tem a particularidade de fazer sentir o álcool no final um pouco quente e medicinal (17). No mercado está o 2018, que se revela bem diferente das anteriores colheitas, a denotar mais as notas típicas do Cabernet Sauvignon. Ganhou equilíbrio e frescura balsâmica, mantendo a intensidade dos taninos. Promete crescer em garrafa (17,5).

vidigal Porta 6

Em apenas três anos, desde a aquisição, a Abegoaria duplicou as vendas globais da Vidigal Wines. “Sempre fomos uma empresa comercialmente muito agressiva, o que ajudou muito a que isso acontecesse. Aproveitámos, claro, o momento óptimo em que a Vidigal estava, sobretudo ao nível do produto e da imagem. Depois, foi abrir os canais, aproveitando clientes que já tínhamos na Abegoaria, nacionais e internacionais, e fazendo o mesmo com os vinhos da Abegoaria nos clientes da Vidigal”, adianta Manuel Bio. Um dos grandes objectivos do grupo é aproveitar as suas valências comerciais no mercado nacional, para levar a marca Porta 6 a ter, em Portugal, o mesmo sucesso que tem no mercado internacional. Para isso, a Abegoaria conta com a sinergia que já tinha com a distribuidora Vinalda, que assumiu a tarefa de trabalhar a marca no canal on trade (a sua especialidade) e continuar a alavancá-la no off trade. A tarefa é difícil, como reconhece Manuel Bio, mas não impossível, e os resultados, atesta, têm sido muito positivos…

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2023)

 

 

A vila de Sesimbra beneficia de ter uma baía com areia (administrativamente são duas) virada a Sul, fenómeno raro no nosso país atlântico de praias maioritariamente viradas a Oeste. Protegida da nortada, tem, portanto, um clima convidativo ao turismo, apesar da água fria. Com a intensificação do turismo há já algumas décadas, muitos foram os restaurantes que ali apareceram, quase sempre no binómio petisco e peixe grelhado.

Dos caracóis ao espadarte, sobretudo em esplanada, Sesimbra tem pergaminhos há muito. Até por isso, ficámos muito bem surpreendidos com O Zagaia, casa recentemente aberta e que se destaca por querer marcar a diferença.

Numa rua não da primeira linha defronte da praia, com uma pequena esplanada dedicada apenas à espera por mesa, O Zagaia é um restaurante sofisticado, mas não de fine dining, que poderia estar em qualquer capital europeia. Mas a surpresa maior é mesmo a organização da carta, inclusivamente dos vinhos (muito bem elaborada e com alguns vinhos pouco habituais na restauração), preferindo-se a qualidade e originalidade em teor da diversidade e quantidade. Nota-se bem que este é um projecto de quem já trabalhou em várias casas, o que confirmámos em convers

a com os responsáveis.

Nas entradas, os nossos destaques vão para os croquetes de choco e maionese de alho negro, e mexilhões com leite de coco e lima kaffir, dois pratos de clara influência asiática. Igualmente bons são os “arrozes” (lingueirão ou carabineiro) e o nosso predilecto: lula com manteiga de carabineiro e puré de aipo. As doses não são grandes e pretende-se que sejam partilhadas, por isso a ideia é provar vários pratos.

 

Com um preço ajustado à qualidade e serviço, O Zagaia merece visitas regulares, mesmo fora da época balnear. Na verdade, o melhor é mesmo “zagaiar” todo o ano.

 

O ZAGAIA

Rua Dr. Peixoto Correia 33, 2970-752 Sesimbra

Horário: de quinta a segunda-feira 12h30–15h00 e 19h00–22h30; encerra à terça e quarta-feira

Contacto: 966280204

Instagram @ozagaia

 

Prioridade total ao sabor

prioridade ao sabor

A harmonização de comida com vinho tem vivido sobretudo de dogmas, a que é mais que tempo de renunciar e ao mesmo tempo urge substanciar racionalmente. Além de novos perfis vínicos que os produtores têm vindo a oferecer, o gosto evoluiu muito nas últimas décadas. Hoje acreditamos que o grande objectivo da ligação é que […]

A harmonização de comida com vinho tem vivido sobretudo de dogmas, a que é mais que tempo de renunciar e ao mesmo tempo urge substanciar racionalmente. Além de novos perfis vínicos que os produtores têm vindo a oferecer, o gosto evoluiu muito nas últimas décadas. Hoje acreditamos que o grande objectivo da ligação é que vinho e comida sucumbam harmoniosamente nos braços um do outro, sem vencedor nem vencido. Bem-vindos ao fascinante mundo do equilíbrio e ousadia à mesa.

O assunto é delicado, mais apropriado seria dizer que é pouco visitado. No entanto, precisamos absolutamente de um jogo coerente à mesa para conseguir chegar ao objectivo supremo de uma digestão feliz. A plataforma universal de conhecimento tem de assentar muito mais no racional do que o nosso sistema fisiológico consegue identificar do que simplesmente numa cartilha sensaborona tacitamente adoptada. O magistral e fundador trabalho de Brillat-Savarin lavrado no fundamental livro “A fisiologia do gosto” estabelece quatro sabores fundamentais: ácido, doce, amargo, salgado e um quinto sabor “do qual ainda ouviremos falar muito”, e que baptizou como osmezoma. Aprendemos a chamar-lhe umami com a instalação das chamadas cozinhas orientais, principalmente a japonesa. Se nos apoiarmos nestes cinco pilares dos alimentos da nossa mantença, temos já belíssimos pontos de partida para a exploração vínica.

prioridade ao sabor

 

A estruturante acidez

A salada acompanha e equilibra muitas vezes um prato, à maneira da janela que se abre para entrar ar fresco e que o prato ganhe luz e matizes diferentes de sabor. Azeite, vinagre e ervas aromáticas como o agrião ou o manjericão operam facilmente essa transformação. Umas simples gotas de limão avivam uma ostra fazendo sobressair a sensação marítima do vibrante bivalve de que Portugal é porta-estandarte. Este costume de deitar uns pingos sobre a membrana da ostra era para ver se estava viva. A reacção ao ácido fazia-a reagir indicando por isso que estava em condições para consumir. Com a certificação dos tempos modernos, há apenas que procurar produtores acreditados, a frescura está garantida. Igualmente fresco é o sorvete de limão que se tornou vezeiro em sobremesas diversas supostamente para criar frescura, mas há que atender ao sabor que no caso tende a ser dominante. A raspa da casca de uma laranja ou limão pode ser o toque de frescura que faz abrir e impressionar um simples bolo, frango assado ou o merengue italiano que cobre uma tarte. Menos perceptível, mas igualmente estruturante é a acidez num prato quente. Mas se num caldo ou prato de tacho quase se pode medir pelo pH – e nesse caso devemos procurar obter 4 ou menos – num prato estruturado e com vários componentes há que fazer prevalecer o bom senso e a experiência. O tomate é sempre um elemento forte em saladas frias, comporta-se em cru como fruto rico em licopeno, fortemente antioxidante, mas conhece bem o seu caminho quando incluído em configurações culinárias de cozinha lenta. O mesmo é dizer que tem honras de fundo fundamental de cozinha o que afinal é o elemento ácido indispensável e único na libertação lenta e sustentada. O alho e a cebola contribuem de forma particularmente eficaz para o perfil acídulo do trabalho culinário. O primeiro infelizmente tem mais detractores que adeptos fervorosos, o grelo que está dentro de cada dente do hortícola deve ser removido antes de toda a sequência de preparação, depois é que surge a glória do que é um dos mais felizes moderadores de acidez da história da cozinha. Há além disso que ter a garantia da boa origem do alho, é muito sensível às águas de rega na horta, a garantia bio é sem dúvida fundamental. Procure pequenos produtores da sua confiança ou mesmo que conheça pessoalmente e vai ver a diferença. A cebola de boa semente portuguesa comporta-se de forma abnegada e sistematicamente aceita papel secundário. Picada, liberta ácido sulfúrico, de resto responsável pelas lágrimas que jorramos no processo, cortada em gomos transforma-se fundindo harmoniosamente com a restante assessoria. Ligações felizes: Arinto de Lisboa sem madeira. Vinho Verde Alvarinho. Tintos baseados na casta Castelão. Aragonez do Alentejo.

 

 

prioridade ao saborO que é doce nunca amargou

O capítulo das coisas doces estimula particularmente o sentimento nacional e talvez por isso mesmo tenhamos copiosa oferta vínica para as acompanhar. Passou de moda o saudável costume de beber um copo de licor como digestivo no final da refeição, e aparentemente não volta tão cedo ao altar da mesa. Permanece, contudo, a esperança de que as aguardentes bagaceiras e vínicas prossigam nas suas sendas felizes, indispensáveis para os portugueses. Imparáveis estão o whisky e o gin, que são bebidas duras geralmente de qualidade excepcional, há que dizê-lo. Isto enquanto não aparecem projectos sólidos de destilados de fruta que temos e é tão boa. Mas adiante, que estamos na festa doceira, há muito por que festejar. Leite-creme, arroz-doce, mousse de chocolate são glórias quotidianas que vão adoçando a boca às famílias, receitas registadas nos canhanhos que vão animando os frigoríficos. A concorrência dos preparados instantâneos é feroz e lá cedemos à pressão, que a gente tem pressa.
Portugal tem âncora forte e sápida na chamada doçaria conventual, sabedoria de matriz regional crivada de conhecimento popular. Ganhou especial impulso no início do séc. XIX, quando a extinção das ordens religiosas conduziu a que o que tinha crescido nas cozinhas dos conventos passasse a fonte principal de rendimento. O torrão real e o fartes de Portalegre, fortemente baseados em ovos e frutos secos são glórias universais da doçaria, são dois exemplos apenas de um vastíssimo receituário de que ainda hoje gozamos suaves rendimentos. Os livros de receitas sobreviveram graças sobretudo ao facto de muitas das oficiantes estarem ao serviço durante o dia mas iam dormir a casa, e assim foram adquiridos conhecimentos preciosos. O que seria de nós sem esse manancial? Nem pastel de nata teríamos, quanto mais papos de anjo, ovos moles ou castanhas doces. A refinação de açúcar é assunto relativamente recente, o mel é ancestral e natural e marca presença de vulto na doçaria nacional, tanto directamente em receitas de pastelaria como em molhos e outros condimentos. O chocolate é outra descoberta recente, tudo se passa na era pós-descobrimentos, mas não foi por isso que o adoptámos com menos fervor e continua a ser desafiante no que toca à harmonização com vinhos.
O percurso vínico da variante doce da nossa alimentação tem sido mais ou menos errático, movido mais por dogmas do que razões. Quem nunca experimentou casar doçaria conventual com um tinto velho com mais de vinte anos não sabe o que perde. A estrutura está mais aberta e a componente doce é preservada. O caso do pastel de nata resolve-se com um moscatel de Setúbal ou um Carcavelos. Já as sobremesas com chocolate negro – mais de 70% de cacau – pedem um Porto Vintage novo. O chocolate de leite gosta mais de Madeira Malvasia. Nos bombons, pralinés ou recheados, a opção certa pode ser um Porto Tawny 30 ou 40 anos.

Os injustiçados amargos

Não há equilíbrio sem extremos e o grupo de amargos é aquele de que menos se fala. Mesmo na prosápia da crítica de vinhos é que mais estranheza provoca no leitor, por se tratar de uma área que inspira defeito, quando é um sabor fundamental ao nível dos restantes. Convivemos bem com ele e sem ele a vida é sensaborona. Apercebi-me disso pela primeira vez quando há muito tempo me foi servida uma entrada unicamente de beterraba crua sem qualquer marinada ou molho. Sabemos que é rica em açúcar, mas há que sabê-la trabalhar para que o amargo não domine demasiado o conjunto. No contexto certo torna-se deliciosa, e até base de saladas tépidas exóticas. Na ligação com o vinho há apenas que ter o cuidado de optar por vinhos com pouca ou nenhuma madeira, para não puxar demasiado pelos polifenóis presentes na bebida. Num campo bem diverso estão os igualmente diversos amargos do peixe. Destaco os fígados, parte importante e particularmente injustiçada e que raramente se leva à mesa requintada e na qual está muito do sabor. Há que ter a ousadia de por exemplo servir em iscas tal como se faz com porco ou vitela e depois saber-lhe dar a devida assessoria, trabalhando fundos e molhos. O vinho azedo, quase vinagre que se aplica nas axilas e coxas do leitão antes de se entregar ao fogo sacrificial vai mais tarde fazer a grande diferença no sabor final. O vezeiro espumante cumpre bem o seu desígnio, mas um tinto de Baga pode ajudar na leitura do requinho de que todos tanto gostamos. Temos surpresa garantida colocamos espinafres crus numa salada fria, os amargos presentes nas folhas podem destruir o objectivo primordial, que seria a harmonia integradora. Mas curiosamente se as passarmos primeiro numa frigideira anti-aderente sem gordura, a estrutura vegetal abre e deixa-se impregnar de condimentos e temperos, piscando o olho a um bom Pinot Noir. Mesmo quando os vai utilizar num gratinado, vale a pena dar este tratamento prévio. O forte amargo que caracteriza a semente de cacau pode ser uma mais-valia na preparação e processamento culinário de certos pratos, funcionando como intensificador de sabor. O registo vínico feliz será neste caso um Arinto da Bairrada com madeira. O café é também um referencial amargo e não é em vão a inclusão em estufados longos ou em molhos. A perdiz adquire estatuto de realeza e o bife ganha dimensão universal.

prioridade ao sabor

Grupo salgado

O sal está diabolizado e procura diariamente clemência junto de consumidores, médicos e nutricionistas. É um fenómeno social cíclico que está à mercê de revoadas de opinião e radicalismo geralmente pouco informadas e de certa forma alarmistas. O gosto português, contudo, não o dispensa e está na base da história da nossa alimentação desde há muitos anos. Deve utilizar-se com muita moderação, apenas como intensificador de sabor, embora saibamos que usamos e abusamos dele na cozinha. E se é pouco razoável o extremismo cego, urge instalar uma nova consciência em todo o espectro do consumo. A manteiga portuguesa, a mesma com que barramos o pão do pequeno-almoço, tem muito sal, devíamos ter o grau “meio sal” dos franceses para compensar tudo o que pomos no pão, ele próprio já rico em sal. A expressão pejorativa de pãozinho sem sal diz quase tudo sobre o assunto e no restaurante o vezeiro saleiro tem de estar ao lado. Trata-se, portanto, do sabor fundamental que domina o gosto de um prato e ao mesmo tempo o aviva. Não imaginamos o nosso maravilhoso fumeiro sem o sal. Não há presunto tradicional sem a forte salga inicial, que o ajuda a secar também e o ajeita para a empreitada do fumo. A cura do queijo concentra nele a tonalidade salina, por força da evaporação da componente líquida, indo de pasta mole a velho. O molho de soja de que abusamos na forma como comemos sushi e sashimi faz-nos ir muito além no sal, devíamos passar as peças pela soja muito ao de leve, e nem todas precisam sequer de passar. Tornou-se um hábito social que acaba por arruinar a experiência de pureza e verdade que procuramos junto dos bons sushimen que temos de norte a sul do país. Além disso, não damos hipótese a que o vinho brilhe, recorremos à cerveja numa espécie de jogo de opostos que nada tem a ver com a majestade implicada na cozedura da lâmina que tornou famosa a cozinha japonesa. Pelo fenómeno da criação de dimetilamina já referido, o vinho tinto está excluído da harmonização, pelo que deve optar por brancos de álcool moderado e acidez pronunciada. Já o queijo velho pode gostar da companhia de um tinto vigoroso com madeira. Para o presunto, há que considerar a maridagem com brancos de curtimenta com alguma evolução e ir contra o preconceito cego de acompanhar com tinto. Tudo depende da idade e cura do presunto e da gordura disponível. No geral, os enchidos curados de fatia pedem o corte da acidez, pelo que pode dar-se o caso da oportunidade para um tinto do Dão sem madeira. Já no caso da alheira clássica, deve levar-se perfurada com alfinete nas pontas e levar-se a uma frigideira anti-aderente sem qualquer gordura, lume no mínimo. Vai bem com branco de Trás-os-Montes, servida com grelos salteados e ovo estrelado.

Umami, o sabor que sabe bem

Eis-nos chega dos ao quinto sabor, o umami, que está na moda e na boca dos chefs. Numa escala de intensidades, o leite materno é campeão, seguido cá muito em baixo pelo caldo de vitela da primeira fervura, que em francês se diz “fond de veau” e está na base de muitos cozinhados. Não é tanto a intensidade, mas a envolvência e sensação de satisfação que leva a que os nossos bebés gostem tanto do leite materno no período de aleitação. Se atribuirmos 300 unidades de umami a essa essência materna, ao caldo de vitela damos 75. O terceiro classificado é o caldo dashi de camarão da cozinha chinesa e japonesa, com cerca de 50 unidades. Depois vêm todos restantes alimentos, com menos de dez pontos. Brillat-Savarin sabia bem de que falava no seu matricial livro Fisiologia do Gosto. As cozinhas orientais têm-nos ensinado muito sobre equilíbrio e completude de uma refeição e no fundo tem muito a ver com digestibilidade. A mesa kaizeki, alta cozinha japonesa composta de uma sequência de pratos de grande recorte técnico, representa todo um tratado de alimentação. Nós, ocidentais temos beneficiado muito da fusão e confrontação lúcida e intelectualmente orientada com as técnicas e sabores das cozinhas orientais. Apreciamos sobretudo a plenitude de sentidos sem pesar demasiado e a digestão fácil e simples. Tofu e seitan estão a entrar no nosso léxico nutricional justamente por esta razão. Há uma procura de equilíbrio que deve envolver a totalidade da refeição em vez de apenas partes e é imperativo que abracemos de forma culta e instruída tudo o que formos integrando pacificamente nas nossas cozinhas. Os vinhos resultantes de práticas biodinâmicas têm-me surpreendido muito sobretudo por esta vertente de umami e compreende-se que muitos menus de degustação do famoso Abade de Priscos começassem por um consomé de aves e fossem acompanhados por Madeira Sercial, ponte divinal apenas alcançável por mestres dos equilíbrios. Temos produtores entre nós que estão apostados nesta via, adoptando práticas que dão saúde à terra e nos integram nas suas paisagens. Um simples queijo fresco do dia acompanhado por um Vinhão de Vasco Croft, da região dos Vinhos Verdes representa bem a redenção que todos queremos. E merecemos.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2023)

Editorial Novembro: Há cada coisa…

Editorial

Editorial da edição nrº 79 (Novembro 2023) “Os olhos também comem”, já dizia a minha avó. A expressão popular traduz um fenómeno que todos conhecemos: a forma ajuda a enaltecer o conteúdo. O desenho ou a embalagem podem induzir uma percepção de qualidade/sofisticação, facilitar a venda, criar notoriedade de marca. Isto é válido para todo […]

Editorial da edição nrº 79 (Novembro 2023)

“Os olhos também comem”, já dizia a minha avó. A expressão popular traduz um fenómeno que todos conhecemos: a forma ajuda a enaltecer o conteúdo. O desenho ou a embalagem podem induzir uma percepção de qualidade/sofisticação, facilitar a venda, criar notoriedade de marca. Isto é válido para todo o tipo de bens, dos automóveis ao têxtil, do mobiliário doméstico à perfumaria.

Todos sabemos, igualmente, que nem sempre forma e conteúdo (ou forma e função) correspondem. Uma cadeira elegante pode ser altamente desconfortável; um automóvel de estética exuberante pode ser um desastre (literalmente) em termos de condução; uma t-shirt atractiva pode ficar disforme na primeira lavagem. E, como é óbvio, um elaborado empratamento pode corresponder a uma desilusão gastronómica e uma garrafa muito bem vestida ter lá dentro um vinho que não vale metade do que custa.

Vivemos bem com isso, faz parte do jogo de sedução que as marcas fazem connosco. No caso dos vinhos, um dos exemplos mais prementes é o das garrafas pesadas. As incontornáveis desvantagens ambientais são superadas pelas evidentes vantagens comerciais. Dificilmente um vinho de elevada qualidade e preço pode ser vendido numa garrafa leve (só algumas regiões francesas alcançaram estatuto que o permite) ainda que, tudo o indica, a fileira vitivinícola, pressionada pela lei e/ou consciência ambiental, caminhe a pouco e pouco no sentido da leveza.

Mas o que dizer quando a forma é de tal modo impositiva, tão intrusiva, tão “in your face” (para usar a expressão inglesa), que praticamente grita: “seu palerma, o conteúdo não tem qualquer importância, o que estamos a vender é estatuto e diferença”?

Também aqui, a indústria das bebidas é fértil em exemplos. Um dos mais antigos é o dos licores e espumantes com chamativos “flocos de ouro”. E essa até é uma forma barata de usufruir do luxo ilusório. E se for uma garrafa de espumante com 45 litros? Foi o que fez uma conhecida casa francesa (não de Champagne, felizmente, apesar desta região ter um apreciável histórico em extravagâncias do género) fundada em 1898. Diz a notícia que a Zeus, da Luc Belaire, “é a maior garrafa de espumante do mundo, tem mais de um metro de altura, pesa 72,5 kg cheia e exige a força de 4 homens para a carregar e servir”. Confesso que adoraria assistir a esse espectáculo! Mas não devo ter essa sorte porque, até ao momento, foram produzidas apenas duas garrafas Zeus (vão fazer digressão mundial) e os “3 mil milhões de bolhas” (delicioso detalhe!) que cada uma contém não me irão, certamente, passar pelo goto.

Resta contar que a Luc Belaire é especializada em grandes formatos, nomeadamente os 15 litros e, ao que parece, com grande sucesso. As gigantes garrafas, sobretudo do Rosé Belaire (que a casa adianta ser “o espumante rosé nº1 na América”) tornaram-se, segundo a press release, “uma referência para celebridades, influenciadores, artistas e desportistas de todo o mundo, que têm vindo a celebrar marcos de carreira, lançamentos de álbuns e vitórias em campeonatos acompanhados de Belaire”.

Confesso que desde que li a notícia sou assaltado por uma interrogação. Como se refresca e serve adequadamente uma garrafa de 45 litros? Ou de 15 litros, já agora? Ou isso não importa porque o objectivo não é beber o vinho, mas sim “celebrar” com ele? Há vários dias que não durmo a pensar nisto…

Adega Velha dá um twist ao futuro da aguardente

Adega Velha Aguardente

Adega Velha promete democratizar o consumo de aguardentes. A estratégia da marca está assente na criação de um movimento da categoria de aguardentes, democratizando-a através da desmistificação que as aguardentes são consumidas por um público mais velho e maioritariamente masculino, e que são para ser consumidas apenas no final da refeição como um digestivo. Através […]

Adega Velha promete democratizar o consumo de aguardentes. A estratégia da marca está assente na criação de um movimento da categoria de aguardentes, democratizando-a através da desmistificação que as aguardentes são consumidas por um público mais velho e maioritariamente masculino, e que são para ser consumidas apenas no final da refeição como um digestivo. Através de uma comunicação mais inclusiva e centrada na partilha, acompanhada com um novo packaging nas referências 6 e 12 anos e através da introdução da mixologia e do food pairing, a marca vai dar um twist à categoria das aguardentes.
O “Twist” nasce como nome de um cocktail, em que a mistura de Adega Velha 6 anos com ginger ale e raspa de laranja, permite à aguardente entrar em novos momentos de consumo e recrutar novos consumidores. Mas para a marca, o “Twist” é mais do que um cocktail, é o movimento que quer criar na categoria, preservando a história e o heritage da marca, mas dando-lhe a possibilidade de explorar novos caminhos para o futuro.

“Além da introdução da mixologia na estratégia da marca, vamos evoluir a nossa forma de estar desde a prateleira à carta do bar com um novo packaging nas referências 6 e 12 anos, passando pelo ecossistema digital, com uma comunicação mais jovem e inclusiva no novo site e nas redes sociais da marca” afirma Isabel Barbosa, Brand Manager da marca Adega Velha.
Fruto de um sonho de família, a Adega Velha é uma aguardente com mais de 50 anos de história, pertencente à empresa Aveleda, S.A.  Adega Velha é uma aguardente vínica, envelhecida em barricas de carvalho, obtida através da dupla destilação de um vinho proveniente da região dos Vinhos Verdes.

Editorial: Conta-me estórias

Editorial

Editorial da edição nrº 78 (Outubro 2023) Maria Pureza é biodinâmica. Cumpre os preceitos da Antroposofia de Rudolf Steiner, em harmonia com a Natureza e a biodiversidade. Os 6 hectares de vinha que possui são trabalhados manualmente, com preparados biodinâmicos à base de produtos naturais como algas, cobre, enxofre, tisanas de plantas diversas. Galinhas, patos, […]

Editorial da edição nrº 78 (Outubro 2023)

Maria Pureza é biodinâmica. Cumpre os preceitos da Antroposofia de Rudolf Steiner, em harmonia com a Natureza e a biodiversidade. Os 6 hectares de vinha que possui são trabalhados manualmente, com preparados biodinâmicos à base de produtos naturais como algas, cobre, enxofre, tisanas de plantas diversas. Galinhas, patos, ovelhas, ouriços, andam livremente pelo meio das cepas e são eles que ditam, comendo ou rejeitando as uvas, quando estas devem ser colhidas. Maria não possui certificação biodinâmica nem a procura: “O biodinamismo, a comunhão com o mundo natural, é algo que vem do nosso interior”, diz, “não se impõe do exterior”. O seu empenho no modelo tem-se revelado determinante no perfil e na comunicação dos vinhos que ostentam a sua marca, recolhendo o aplauso de críticos e consumidores de mais de 55 países, com 600 mil garrafas vendidas para todo o mundo.

António, um dos maiores produtores da sua região, faz vinhos num território muito especial, com um particular microclima, onde as influências atlânticas e continentais se misturam de forma equilibrada, em termos de amplitudes térmicas e humidade. São vinhos de vincado cariz regional, conjugando tradição e modernidade a partir de uvas cuidadosamente escolhidas das castas Syrah, Touriga Franca e Castelão. Naqueles solos arenosos e argilo calcários, as uvas amadurecem lentamente, ganhando açúcar sem perder indispensável acidez. Após a fermentação, o vinho tinto vai estagiar nas melhores barricas novas de carvalho francês, provenientes das mais reputadas tanoarias. Podemos encontrar o seu Monte da Floribela Reserva de Assinatura em supermercados seleccionados, ao preço médio de €3,10.

Jorge é um verdadeiro vigneron português, não produzindo mais do que 20 mil garrafas. Prefere não possuir vinha própria, trabalhando em estreita parceria com pequenos lavradores, ajudando-os a manter viva a sua actividade e as cepas de que tanto gostam. Grande parte destes vinhedos são bastante antigos e é a partir deles que, num espaço alugado em adega vizinha, Jorge elabora os seus vinhos. Entre eles destaca-se a linha Irreproduzível Vinhas Velhas, constituída por um tinto e um branco de field blend, o primeiro quase exclusivamente Touriga Nacional com um toque de Tinta Roriz, o segundo maioritariamente Encruzado, com Verdelho e Viognier. Das melhores barricas destes vinhos, com 95% de tinto e 5% de branco, à maneira de Cotes du Rhone, este vigneron elabora a sua marca de topo, o On Your Face Vinhas Muito Velhas, já presente nos melhores restaurantes portugueses de “fine dining”.

Na sua adega, Teresa faz 300 mil litros de vinho, entre brancos, rosés e tintos. Na vindima de 2019 resolveu elaborar um branco diferenciador, “vinho de sommelier”, como ela lhe chama, feito sem inoculação, unicamente a partir das leveduras autóctones. Para tal, no canto mais escuro da adega, Teresa conserva uma colónia de leveduras indígenas, uma espécie de “aldeia dos gauleses de Asterix cercada pelos romanos”, como ela a classifica com humor. Sendo a adega diariamente visitada por grupos de enoturistas, naquele local Teresa delimitou o pavimento com fitas fluorescentes, para ninguém pisar a sua “arca do tesouro”. Assim, em cada vindima, para fazer o vinho de leveduras indígenas, vai ao canto da adega com uma colher de chá e recolhe com cuidado o precioso fermento. A verdade é que estas leveduras imprimem ao seu Naturalix branco um carácter completamente distinto, com aromas e sabores de enorme pureza e sentido de terroir.