Do Tâmega ao Ave, em tons de Verde

Andámos pelo flanco sul da região dos Vinhos Verdes, entre vinhas que resistem aos avanços urbanísticos e outras que dominam paisagens quase intocadas. Do vale do Ave ao vale do Tâmega, de Santo Tirso e Vila Nova de Famalicão a Celorico de Basto, fica bem evidente toda a riqueza e variedade deste colorido cantinho de […]

Andámos pelo flanco sul da região dos Vinhos Verdes, entre vinhas que resistem aos avanços urbanísticos e outras que dominam paisagens quase intocadas. Do vale do Ave ao vale do Tâmega, de Santo Tirso e Vila Nova de Famalicão a Celorico de Basto, fica bem evidente toda a riqueza e variedade deste colorido cantinho de Portugal.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

A região dos Vinhos Verdes é extensa e multifacetada. E esta riqueza de paisagens, enquadramentos e vivências fica bem expressa nos seus vinhos, que estão a dar passos cada vez mais seguros para fugirem à imagem feita e padronizada do produto leve, com gás e sem grande personalidade, de pronto-a-beber. Basta olhar para a forma como diferentes castas se afirmam em cada um dos principais vales que cortam a região – Alvarinho no rio Minho, Loureiro no Cávado, Avesso no Ave… – para se ficar com uma boa noção de que isto de dizer “Verdes” e achar que se tirou a fotografia toda é (e nunca o chavão se aplicou com tanta propriedade) chão que já deu uvas.
Do aconchego do terroir de Monção e Melgaço a territórios já a sul do rio Douro (a região dos Verdes estende-se até Castelo de Paiva, Cinfães e Resende), e com interioridades a fazerem a ligação ao mais famoso dos nossos recantos vínicos, o Douro, passando de caminho por vales húmidos e férteis, enfrentamos um mosaico de experiências dificilmente replicáveis em tão curto espaço. A prova disso é a nossa viagem, que nos leva da cintura industrial do Porto (o concelho de Vila Nova de Famalicão é o terceiro maior exportador do país, depois de Lisboa e Palmela) aos recantos bucólicos de Celorico de Basto. E tudo começa, imagine-se, sob o signo da arquitectura de inspiração nórdica…
Sim, nórdica. E não é preciso ser-se especialista em arquitectura ou letrado em culturas boreais para se perceber de imediato que esta imensa estrutura em madeira é algo que nos acostumámos a ver nas paisagens do Norte da Europa, rodeadas de neve, e céus frios. Aqui é mais oliveiras, pinheiros e vinhas. Isto dentro de muros, porque lá fora é toda uma paisagem urbana e industrial que marca presença. Estamos na Adega Casa da Torre, em Louro, Vila Nova de Famalicão, num verdadeiro oásis de verde e água que brota e corre por todo o lado.
A tradição familiar na agricultura já leva umas boas oito décadas e esta propriedade em particular foi adquirida em 1977, então para gado e vinha, centrando-se mais tarde nesta segunda cultura. O século XXI trouxe a produção com marca própria e em 2009 nasceu a adega, este edifício imponente desenhado pelo arquitecto Carlos Castanheira e que dá corpo à paixão da família pela madeira. Um imenso telhado de duas abas assente em vigas titânicas emoldura a entrada, onde um tanque em pedra se enche de água e dois bancos escavados em troncos aguardam quem ali se queira refugiar do calor que teima em não chegar.
Escolhemos entrar pelas traseiras e o trajecto leva-nos ao longo do canal de água que corre paralelo à parede da adega, franqueando edifício em pedra e recantos ajardinados. Lá atrás, quase escondida pelo arvoredo, está a casa da família. Entramos na adega e logo o olhar acelera pelo passadiço central em madeira, que percorre o edifício lá no alto, de um extremo ao outro, até desembocar no escritório, um espaço que se projecta na fachada da adega, com uma parede envidraçada a oferecer vistas de arvoredo. Lá fora há vinhas rodeadas de arvoredo e até – extraordinário – uma sebe de azevinhos, plantada há 30 anos.
Descemos e estamos no espaço reservado às provas, em plena adega, uma mesa em pedra preta e um armário de madeira dominando o local. Mas há quem prefira andar uns metros e entrar no laboratório que desponta num dos cantos do pátio de entrada, que é, afinal, um antigo pipo reconvertido em espaço utilizável. Com o projecto paralelo Secret Spot, no Douro, a preparar-se para proporcionar dormidas na Quinta da Faísca, em Favaios, o enoturismo na Adega Casa da Torre ainda está a ganhar balanço. E até por isso (e pela beleza iconográfica do edifício, naturalmente), não surpreende que cerca de metade dos visitantes que aqui acorrem venham por causa da arquitectura. Mas esses também gostam de vinho.

ADEGA CASA DA TORRE
Rua Dr. Carlos Araújo Chaves, nº 50, 4760-551 Louro, Vila Nova de Famalicão
Tel: 934 030 209
Mail: geral@adegacasadatorre.com
Web: www.adegacasadatorre.com
O enoturismo está numa fase de arranque e novidades poderão sempre aparecer a qualquer momento, beneficiando das sinergias a criar quando o projecto paralelo Secret Spot, no Douro, criar alojamento. Por enquanto, está disponível a visita à adega e vinhas com prova de vinhos no final. Os preços por pessoa variam entre 7,5 euros (prova de um vinho), 10 euros (dois vinhos) e 15 euros (três vinhos).
Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17
Paremos um pouco para apreciar a profunda mudança de cenário. O “crepitar” das águas vivas do Tâmega e a chilreada dos pássaros servem de fundo sonoro, agora mesmo abrilhantado pelo toque da “Avé Maria” numa igreja da outra margem. Das clareiras lisas passámos às vertigens verticais, precipitando o olhar desde o alto até ao mistério de um vale onde não conseguimos descortinar o rio. Estamos na Quinta das Escomoeiras, ali a dois passos da antiga estação ferroviária de Lourido, Celorico de Basto.
Da antiga linha de comboio, agora transfigurada em ecopista, chega-se à entrada da quinta por uma estrada mais do que secundária e que não se aconselha a quem sofra de vertigens. Mas aqui é tudo assim: o primeiro olhar através do portão chega a deixar-nos na dúvida sobre se chegamos ao sítio certo… Onde é que estão os nove quartos, as áreas comuns, a adega? A piscina, sim, essa brilha num azul romântico por entre o verde dos terraços, mas o resto…
O resto está lá, aninhado nas curvas de nível da encosta, que se precipita quase na vertical até ao Tâmega. É quase incompreensível, numa primeira impressão, abarcar a forma como tudo se equilibra neste anfiteatro natural. Leva o seu tempo, mas depois tudo vai fazendo sentido. A bebida de boas-vindas é um bom pretexto para pararmos um pouco e absorvemos a intensa magia do local. Casas de pedra, pátios, terraços, varandas, caminhos, relvados, telheiros de madeira, escadarias. E verde, muito verde.
Para além das videiras, algumas enormes, de desenvolvimento vertical e troncos maciços, há por aqui muito para desafiar até o botânico mais experimentado. A começar pela proliferação de orégãos, que mandaram às urtigas o seu temperamento mediterrânico e se instalaram nos muros e canteiros ao longo do caminho que leva ao complexo principal. São uns 50 metros a pé, ao longo dos quais, para além de passarmos por cima de uma plataforma feita com antigas sulipas do caminho-de-ferro, podemos contabilizar fetos, roseiras, hortênsias, alecrim, alfazema, sardinheiras; e cameleiras, oliveiras, pessegueiros, limoeiros, cerejeiras… E fiquemo-nos por aqui, porque a quinta garante que é lá em baixo, junto ao rio, que a Natureza é mais exuberante e preservada.
Fernando Fernandes, um antigo economista do Porto, demorou década e meia a reconstruir este local e agora alia o turismo à produção, em modo biológico, de vinhos e outros produtos agrícolas e derivados, como compotas e ervas, à venda na loja da quinta. Cerca de 90 por cento da clientela vem do estrangeiro. E escusam de trazer o stress na bagagem: aqui não há pequeno-almoço antes das 9h.

QUINTA DAS ESCOMOEIRAS
Quinta das Escomoeiras – Lourido, 4890-055 Arnoia – Celorico de Basto
Tel: 935 322 786 / 255 322 785
Mail: geral@quintadasescomoeiras.com
Web: www.quintadasescomoeiras.com
GPS: 41º20.668’N; 7º59.890’W
A adega está aberta a visitas, com prova de vinhos, todos os dias entre as 9h30 e as 13h e entre as 14h e as 19, de Abril a Outubro; de Novembro a Março os horários são 10h-13h e 14h-17h. No período de 16 de Dezembro a 31 de Janeiro solicita-se marcação antecipada. O preço dos quartos varia entre os 110 e os 150 euros na época alta (95/130 na época baixa). Na quinta pode fazer caminhadas pelas vinhas e paisagem circundante, passeios de bicicleta pela ecopista do Tâmega, tomar banho no rio ou na piscina (com sauna e banho turco), visitar os animais (incluindo uma burra de Miranda, a Julieta) ou marcar actividades externas como canyoning, rafting, parapente ou passeios em todo-o-terreno.
Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 18
Que os mais empedernidos citadinos não torçam o nariz ao que vão ler a seguir, mas tem o seu encanto estar à conversa debaixo de um carvalho enquanto os porcos comem à nossa volta. Os porcos, neste caso, são a Rosita e dois dos seus filhos, que cirandam pelo cercado e vêm comer à mão de quem já os conhece há algum tempo. Na Quinta de Gomariz podemos sempre esperar uma surpresa. Isso e atendimento personalizado.
É essa a filosofia do enoturismo nesta propriedade encravada entre Vila Nova de Famalicão e Santo Tirso (os 17 hectares de vinha dividem-se entre os dois concelhos), cujo projecto vínico data do início deste século. Em 2005, já com António Sousa ao leme da enologia, definiu-se a aposta nos brancos e são essas as castas que dominam a paisagem quase plana, com excelente exposição solar e rodeada de muros de pedra. Tintas, na quinta, são apenas três: Vinhão, Padeiro de Basto e Espadeiro, estas duas últimas vinificadas em rosé. Nos brancos dominam a Loureiro, Alvarinho, Avesso, Azal e Fernão Pires.
Ao todo, há aqui 27 castas, um número potenciado pela existência de várias filas de vinha experimental, onde crescem pés de plantas com nomes tão extraordinários como Lameiro, Esganoso de Lima, Branco Escola/Pintosa ou Cascal. E estrangeiras como, entre outras, a Branco Lexítimo, de Espanha. E o passeio pelas vinhas é também uma forma de ir conhecendo os animais da quinta, como os cães, as ovelhas, os gansos, as galinhas pretas. E os corvos, que são, dizem-nos, quem manda realmente aqui.
A Natureza mostra-se exuberante e as práticas da casa fazem por respeitar essa riqueza. Graças à instalação de painéis solares, a Quinta de Gomariz é auto-suficiente em termos energéticos e também de água. Com o pormenor curioso de o sistema de frio da adega (onde os vinhos são, religiosamente, guardados a 15ºC, para lhes dar “anos de vida”) precisar de funcionar com maior intensidade quando está calor e isso coincidir com os períodos de melhor desempenho dos painéis solares…
Cumprimos o percurso pela adega, que agrega espaços de construção moderna a um edifício em pedra de traça tradicional, e encerramos a visita na sala de provas, “vigiados” lá de fora pelos gansos e galinhas que vão cirandando pelo terreiro. Os vinhos falam-nos da relação com a terra e dos cuidados na adega. São, na sua elegância e profundidade, o melhor retrato desta quinta onde se respira tranquilidade e harmonia. E também uma mensagem indiscutível da excelência da região.

QUINTA DE GOMARIZ
Rua da Cerca, Landim – Famalicão
Tel: 252 891 144
Mail: info@quintadegomariz.com
Web: www.quintadegomariz.com
GPS: 41º22’32’’N / 8º27’22’’ O
A quinta está aberta para provas de segunda a sexta-feira, entre as 14h e as 16h30, e sábados das 10h30 às 12h30. Para outros horários solicita-se marcação prévia. Entre Setembro e Março, as visitas custam entre dois euros (época baixa) ou três euros (época alta) por pessoa (em alternativa: compras no valor de 15 euros). O preço sobe para quatro e cinco euros com prova de um vinho (ou compras de 20 ou 25 euros, conforme a época) e pode chegar aos sete/oito euros (ou compras no valor de 40 euros), quando a prova envolve quatro vinhos. Em épocas especiais (vindimas, Natal, Fim do Ano), será aplicado um tarifário diferente.
Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 3
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Se há uma dificuldade na tarefa de fazer uma lista de sugestões gastronómicas para quem visita o Minho, ela só poderá mesmo ser a da escolha. Quem visita estas paragens pode sempre contar com mesa farta e bom acolhimento, um pouco por todo o lado e nos mais diversos registos. Mas assumimos o desafio e deixamos aqui três belos postos de reabastecimento para humanos, cada um no seu estilo distinto (atmosfera mais familiar na Casa Sara Barracoa, ambiente mais distinto no Restaurante Quinta do Outeiro, tratamento informal no Restaurante Lage d’Água).
SARA BARRACOA – Praça D. Maria II, Vila Nova de Famalicão; 252 322 487
QUINTA DO OUTEIRO – Rua Outeiro de Baixo, nº 15, Amarante; 255 010 092 / 968 930 580 / 255 423 584; restaurantequintadoouteiro@gmail.com
LAGE D’ÁGUA – Avenida João Paulo II, nº 767, Rebordões, Santo Tirso; 252 858 630 / 914 200 008 / 914 251 220; lagedagua@gmail.com

Edição nº16, Agosto 2018

 

Cinco escapadinhas que sabem tão bem

Se o leitor é daqueles que escolhe o destino das férias com o estômago, este artigo é para si. Estes são alguns dos destinos mais saborosos do país, para ir de fim-de-semana ou mesmo só passar um dia. TEXTO Ricardo Dias Felner Nas mesas de Olhão em redor do mercado, não perca a tasca Vai […]

Se o leitor é daqueles que escolhe o destino das férias com o estômago, este artigo é para si. Estes são alguns dos destinos mais saborosos do país, para ir de fim-de-semana ou mesmo só passar um dia.

TEXTO Ricardo Dias Felner
Nas mesas de Olhão em redor do mercado, não perca a tasca Vai e Volta, com a raia alhada e os biqueirões albardados, ou a Casa de Pasto, com cataplanas e lulinhas fritas. Na zona, vale a pena ir em direcção a Tavira para comer polvo ou estupeta de atum no restaurante O Chico, em Santa Luzia. Ali ao lado, no Livramento, visite a produção de ostras de topo do Moinho dos Ilhéus e acabe a almoçar na Marisqueira Fialho (obrigatório o peixe-rei frito) ou na Noélia & Jerónimo, em Cabanas (marque com muita antecedência).Mértola é uma vila encantadora, com muitas atracções culturais (obrigatórias as Minas de São Domingos), mas a cozinha e o produto da região também são verdadeiros tesouros. Por todo o lado há pequenas queijarias, quase todas a trabalhar com leite de ovelha e de cabra, bons enchidos e boa carne de porco, as sopas alentejanas (de cação, bacalhau, etc.) ou o bom pão de São Miguel do Pinheiro e de Boizões, ali ao lado. Algumas destas iguarias vai encontrar nos restaurantes locais, como o Tamuje, o Brasileira e A Paragem. Se tiver tempo, desça ao concelho vizinho de Alcoutim.
No primeiro fim-de-semana de cada mês, na povoação de Altoito, há feira de produtores locais, entre eles os de excelente queijo de cabra algarvia (uma raridade que não encontra em Lisboa), mas também de legumes biológicos, e coze-se pão in loco pelas mãos de dona Hortense, antiga padeira. Procure nos restaurantes locais a canja de perdiz e os ensopados de borrego e de enguias, pescadas mesmo ali ao lado no Guadiana.
Fica a pouco mais de uma hora e meia de Lisboa, com auto-estrada mesmo em cima da cidade, e tem vindo a afirmar-se como uma alternativa gastronómica a Évora, inflacionada de turistas e preços. Ao sábado há o mercado tradicional no Rossio, com animais vivos, hortícolas, enchidos, queijarias (procure a Queijaria do Carlos e aguente a fila). Alguns vendedores nem banca têm, mas não os despreze, pelo menos aquela senhora que vende ovos de galinhas saudáveis. A menos de 300 metros daqui, tem dois restaurantes bem bons, ambos já com toques de chef, mas onde se pode só petiscar e beber um copo.

O restaurante Alecrim tem vista para o mercado e a Mercearia Gadanha, premiada por esta revista em 2017, fica no largo do Gadanha. Os dois restaurantes têm vinhos de produtores locais, como Tiago Cabaço, ou os Dona Maria, cuja adega, magnífica, tem visitas guiadas aos fins-de-semana.
Tornou-se um lugar comum falar no Porto como destino turístico. Mas a capital do Norte continua a revitalizar-se, conseguindo um compromisso único entre tradição e modernidade. Em nenhuma outra cidade portuguesa se consegue, num espaço tão pequeno, ter os melhores pratos de cozinha tradicional portuguesa lado-a-lado com os fine-dining mais sofisticados — e isto a preços abaixo da tabela de capital europeia, onde Lisboa já entra. Um pretexto para a viagem pode ser a renovação do Mercado do Bolhão ou uma reserva no Euskalduna, um dos restaurantes de alta cozinha (de vanguarda) mais badalados no ano passado.

Mas não perca também a nova leva de restaurantes de cozinha moderna em ambiente informal, como o Mito ou o Almeja. De resto, absolutamente imperdíveis continuam as francesinhas do Santiago, as sandes de pernil da Casa Guedes e os cachorrinhos da Gazela.
Trás-os-Montes é porventura a região de Portugal onde descobrimos mais produto e receituário tradicional. No triângulo de ouro dos enchidos que liga Montalegre, Chaves e Vinhais, está algum do fumeiro mais exclusivo do país, pequenas ou pequeníssimas produções, feitas artesanalmente e que não são vendidas em mais lado nenhum. O bicho-rei é o porco bísaro, com Denominação de Origem Protegida, mais delgado do que o porco branco que abunda por aí. Boa parte destes animais são alimentados com as sobras da horta e isso nota-se na carne, que faz um presunto distinto, bem como linguiças ou a distinta chouriça da cabaça, recheada de faceira, cachaço, abóbora e cebola.[
Algumas deles entram no famoso folar de Chaves, que pode comprar no não mesmo famoso João Padeiro – O Rei dos Folares. Outra iguaria é, naturalmente, o pastel de Chaves, e a casa onde ir bater é a maravilhosa Pastelaria Maria, com mais de 45 anos de actividade. Para refeições completas, a Adega do Faustino continua a ser a referência da cozinha regional. Em vindo de carro para Sul, dê um salto à vila de Vidago, onde encontra uma água mineral magnífica que pode ser bebida da nascente.

 

 

Edição Nº15, Julho 2018

As melhores sombras de Beja

Assim à primeira vista, falar de Beja como terra de vinhos pode parecer estranho. Mas no “forno” de Portugal a cultura da vinha não é um capricho de insensatos nem uma missão impossível: há bons e grandes produtores de vinho. Com um foco muito especial no enoturismo. Talvez seja difícil encontrar em Portugal uma concentração […]

Assim à primeira vista, falar de Beja como terra de vinhos pode parecer estranho. Mas no “forno” de Portugal a cultura da vinha não é um capricho de insensatos nem uma missão impossível: há bons e grandes produtores de vinho. Com um foco muito especial no enoturismo. Talvez seja difícil encontrar em Portugal uma concentração de unidades de grande fôlego como a que descobrimos na cintura sul da capital do Baixo Alentejo.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Imaginemo-nos em Beja. De preferência à sombra, que o Verão está esquisito, mas não falha. Se apontarmos a sul, não precisamos de ir muito longe para encontrarmos pequenos paraísos onde o vinho marca o ritmo dos acontecimentos. Num raio de duas ou três dezenas de quilómetros, são várias as unidades de enoturismo que se afirmam como referência a nível nacional. É como se quem recebe fizesse questão de recompensar quem ali chega, longe das principais rotas turísticas e debaixo de um sol abrasador.
Nesta surtida por terras de estio, visitámos a Herdade da Mingorra, a Casa de Santa Vitória e a Herdade do Monte Novo e Figueirinha. Não terão, talvez, a notoriedade de alguns dos seus vizinhos, como a Herdade da Malhadinha Nova ou a Herdade dos Grous, mas os padrões de excelência impostos por estes enoturismos de elite estabelecem um padrão a que não se pode fugir, para se ser minimamente competitivo…
Ponto prévio à mesa: quando a equipa de reportagem da Grandes Escolhas se dirigiu a Beja, o Verão estava a dar os seus primeiros sinais de vida. Calorzinho já a rondar a barreira dos 30 graus, os primeiros escaldões do ano a darem sentido a uma paisagem que ganha a sua real dimensão quando o termómetro se anima. Nas terras onde se registou a mais alta temperatura de sempre em território português (47,4ºC na Amareleja, em 2003), o calor não é propriamente notícia, mas este ano de 2018 está a dar cabo de muitas ideias feitas…
Enfrentemos então o que o Verão tem para nos atirar contando com três bons aliados: as sombras que a Natureza e os humanos souberam criar, os planos de água onde podemos reequilibrar o termostato e os bons vinhos da região, pretexto ideal para fazer uma pausa e respirar o silêncio de uma terra imensa. A primeira paragem é na Herdade da Mingorra, onde tudo está preparado para alargar o leque de ofertas turísticas.]Um pequeno desvio do IC2 leva-nos até à Herdade da Mingorra, onde os 170 hectares de vinha acabam por nem ser a marca mais forte de uma paisagem onde encontramos oliveiras, sobreiros e – agora – também amendoeiras. Estamos a entrar numa propriedade com 1.400 hectares, na qual, além da agricultura, também a actividade cinegética (essencialmente, caça à perdiz, mas também javalis) sustenta a aposta turística. Aliás, surpresa, quando esperamos visitar uma unidade com visitas e provas de vinho, eis que encontramos um projecto já com alojamento em fase de afirmação!
A adega, situada num pequeno cabeço, a escassa distância do núcleo habitacional, funciona como pólo central da actividade agrícola e turística, concentrando os escritórios, o laboratório e todas as restantes unidades de apoio num edifício moderno e pensado para receber visitantes. Prova disso mesmo é a galeria metálica que permite dar a volta à adega lá pelo alto, enquanto ficamos a conhecer os processos de vinificação e a história dos vinhos da casa.
O aumento da produção, das actuais 900 mil garrafas/ano para umas expectáveis 1,3 milhões, impõe um alargamento do edifício e, com essa intervenção, ficam prometidas novidades também neste circuito turístico, nomeadamente o alargamento e enriquecimento do espaço da loja, que é também recepção. Já passámos pela cave de barricas e espreitámos a varanda panorâmica onde os visitantes se podem sentar para saborear um copo de vinho. A paragem seguinte fica a escassos 100 ou 200 metros de distância, mas há muito para falar durante o percurso.
Acontece que a Herdade da Mingorra há muito recebe grupos de caça e criou condições para que os visitantes pudessem pernoitar. Agora, a aposta é divulgar esta oferta e alargar o leque de visitantes que podem desfrutar desta funcionalidade. Ao todo, são quatro quartos independentes e mais dois (no espaço comum da casa de família) para quem cumpra o exclusivo programa Wine Experience. Para além dos quartos, mobilados em estilo rústico e com camas em ferro, os turistas têm ao seu dispor vários espaços comuns.
Sim, há uma sala de estar, uma cozinha e até um ginásio (!), mas o que se destaca é mesmo o belo pátio interior, enquadrado por um telheiro onde se fazem as refeições, cadeiras, mesas (cada uma com o seu guarda-sol) e um tanque de água tratada onde cabem todas as tentações de frescura. É por aqui que ficamos, de volta da mesa, dos petiscos e do vinho. As horas passam ao ritmo da conversa. Talvez soe a desculpa, mas está muito calor lá fora…

HERDADE DA MINGORRA
Herdade da Mingorra, 7800-761, Trindade, Beja
Tel: 284 952 004
Fax: 284 952 005
Mail: geral@mingorra.com
Web: www.mingorra.com
Solicita-se marcação com uma semana de antecedência para as visitas à adega com prova de vinhos, cujos preços variam entre os 17 euros por pessoa (três vinhos), os 24 euros (cinco vinhos + queijo) e os 30 euros (sete vinhos + aperitivos). A prova de seis vinhos com almoço, por 60 euros, exige um mínimo de seis participantes. O programa Wine Experience, que possibilita o contacto directo com os proprietários, tem um custo de 160 euros por pessoa (mínimo: seis participantes) e os alojamentos custam 90 (quarto single) ou 95 euros (duplo). O aluguer conjunto dos quatro quartos sai por 350 euros.
Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 3
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5
E, no entanto, é preciso seguir caminho. Não muito longo, mas rumo a uma realidade bastante diferente. Não na exuberância dos números, que agora sobem para um total de 1.620 hectares de propriedade e um milhão de garrafas/ano, mas sim na filosofia do projecto. Da exploração familiar para a unidade mais distintiva de um grande grupo hoteleiro, as diferenças são muitas, mas na Casa Santa Vitória, apesar do “peso” dos 81 quartos da unidade (Vila Galé Clube de Campo) com ela geminada, a actividade agrícola também é nuclear.
Com mais de 16.000 visitantes anuais, este é dos enoturismos alentejanos com maior movimento e se é verdade que a “colagem” a um hotel pode inflacionar os números, a verdade é que a adega e a propriedade têm todos os argumentos necessários para receber bem quem as visita. Esta é uma peça única no universo Vila Galé, grupo com três dezenas de unidades hoteleiras em Portugal e no estrangeiro, mas em breve terá companhia, quando a Quinta da Amendoeira, no Douro, for apresentada. Até lá, os vinhos do grupo são todos originários daqui – e uma parte significativa, mais de 30%, da produção, acaba por ser consumida internamente.
A adega, situada a menos de 50 metros do hotel, é espaçosa e desenhada a pensar nos visitantes (todos os corredores da área visitável são verdadeiras galerias), que podem começar a visita assistindo a um vídeo sobre o vinho – a sala onde é projectado tem janelas panorâmicas sobre a adega. E também se fazem aqui provas de azeite (há 150 hectares de olival e azeites da casa para descobrir). Depois de conhecer a adega e as caves (onde dezenas e dezenas de barricas abrigam a lenta alquimia do envelhecimento dos vinhos), saímos para um átrio mobilado com peças antigas e dirigimo-nos à loja para a prova de vinhos e petiscos.
Do outro lado do parque de estacionamento, há restaurantes, bares, quartos acolhedores, piscina, relvados, fontes, esplanadas, uma quinta pedagógica, courts de ténis, quartos ecológicos em tendas índias, picadeiro. À volta, terras agrícolas, com pomares, vinha e olival. Uma capela espreitando do outro lado do espelho de água da barragem do Roxo, onde se podem fazer passeios de caiaque. Do alto dos seus ninhos, as cegonhas presidem solenemente a esta paisagem que conjuga o melhor de dois mundos: o Alentejo rústico e o cosmopolitismo de um moderno hotel de família.[

CASA SANTA VITÓRIA
Vila Galé Clube de Campo
Herdade da Figueirinha – Santa Vitória, 7800-730 Beja
Tel: 284 970 100 / 284 970 170 (adega)
Fax: 284 970 150 / 284 970 175 (adega)
Mail: campo@vilagale.com / campo.reservas@vilagale.com
Web: www.santavitoria.pt
GPS: N37º 53º ’20’ – W8º 01′ 14′
As provas de vinho custam quatro euros por pessoa (3 vinhos Versátil), 6€ (três vinhos Santa Vitória), 11€ (quatro vinhos Santa Vitória) e 23€ (quatro varietais Santa Vitória). Regularmente, há jantares vínicos (40€), os piqueniques custam 20 ou 35€ e o programa de actividades no hotel é vastíssimo, incluindo passeios de balão, jipe, moto4 ou bicicleta, tiro aos pratos, cavalos, ténis e badmington, canoagem e gaivotas, paintball…
Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 3
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 18
E, por falar nisso, na ligação entre tradição e modernidade, eis chegada a altura de deixar um alerta à Câmara Municipal de Lisboa, proprietária, e à Casa Santos Lima, entidade exploradora: o título de “vinha do aeroporto”, aplicado à exploração situada junto à rotunda do Relógio, na capital, pode muito bem ser contestado pela Herdade do Monte Novo e Figueirinha, cujas vinhas se estendem na planura contígua ao novo (e polémico) Aeroporto Internacional de Beja. Na verdade, entre a saída da aerogare e a entrada da adega, mediam umas meras centenas de metros de estrada…
O volume de produção é aqui semelhante aos dois destinos visitados anteriormente: a Herdade do Monte Novo e Figueirinha (com perto de 80 hectares de vinha, aqui e na zona da Vidigueira), produz um milhão de garrafas por ano. E também se afirma em outros produtos, como o azeite (200ha de olival) ou as amêndoas (30ha). Tudo fica bem visível quando subimos ao alto da torre metálica que integra o complexo do lagar, uma “aventura” não recomendável a quem sofra de vertigens, mas que proporciona uma vista fantástica sobre a herdade.
Não é por causa do aeroporto, cujo reduzido movimento (para sermos simpáticos) não potencia a localização privilegiada da propriedade, mas a ligação especial à Alemanha (entre 1967 e 1987, a Base Aérea nº11 foi ocupada em exclusivo pela Luftwaffe, que a usava para instrução) criou aqui raízes e os alemães são o principal (e esmagador) contingente de visitantes – cerca de 15.000 por ano. À sua espera encontram uma adega com muitas histórias para contar e uma característica muito especial: uma nascente no interior, que ajuda a refrescar as instalações.
Depois de passarmos pela loja e recepção, visitamos a zona de produção do azeite (outra semelhança com os dois projectos visitados neste roteiro é a valorização crescente da vertente turística desta cultura) e entramos depois na adega. Deparamos de imediato com cinco talhas (a mais antiga data de 1843), que em breve servirão para ensaiar o primeiro vinho de talha do produtor. A sala de barricas (há mais de 400 unidades), um salão com varanda capaz de albergar uma centena de pessoas e a sala de provas com janelas panorâmicas para a zona de vinificação são os espaços mais marcantes do complexo.
Provamos alguns vinhos dos depósitos e depois regressamos ao calorzinho de Junho e à luz forte que reinam cá fora. A atmosfera é informal e familiar – bem adequada a um projecto criado por avô e neto, em 1998. Há gente a trabalhar um pouco por todo o lado, os passarinhos cantam e um Airbus está estacionado na placa do aeroporto. Até pode parecer estranho, mas tudo se encaixa.[

HERDADE DO MONTE NOVO E FIGUEIRINHA
Herdade do Monte Novo e Figueirinha, 7800-740, São Brissos, Beja
Tel: 284 311 260
Fax: 284 311 269
Mail: adega@figueirinha.pt
Web: www.figueirinha.pt
GPS: N38º03.032 – W7º55.615
A herdade está aberta a visitas de segunda a sexta-feira entre as 9 e as 13h e das 14 às 18h; ao fim-de-semana, recomenda-se marcação. As visitas ao lagar e adega, com possibilidade de provas de vinhos do depósito, são livres. Caso os clientes queiram provar vinhos específicos, ou acompanhar com petiscos, será acordado um preço.

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 3
Arquitectura (máx. 3): 2
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Com um roteiro muito curto em termos de quilometragem, concentrando-se na região sul de Beja, e uma cidade com tanto para conhecer, o mais lógico é concentrar os “reabastecimentos” sólidos e líquidos na capital de distrito. Ficam duas sugestões, uma mais típica e tradicional (A Pipa, no centro), a outra moderna e funcional (Espelho d’Água, no parque da cidade). Em comum, a atenção muito especial dedicada aos vinhos da região.
TABERNA A PIPA – Rua da Moeda, 8, Beja; 284 327 043 / 968 115 032
ESPELHO D’ÁGUA – Rua de Lisboa, Restaurante do Parque da Cidade, Beja; 284 325 103 / 966 427 113 / 917 553 487; espelho_dagua@sapo.pt

Edição nº15, Julho 2018

 

BUCELAS, CARCAVELOS, COLARES: A cintura verde de Lisboa

De outros tempos mantêm o nome e o prestígio, mas onde havia tradições agrícolas dominam agora as pressões imobiliárias. Em Bucelas, Carcavelos e Colares, a vinha luta agora pela sobrevivência. Roteiro enoturístico pela cintura verde que enfrenta a maré de betão da zona metropolitana de Lisboa. TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga Em Oeiras, […]

De outros tempos mantêm o nome e o prestígio, mas onde havia tradições agrícolas dominam agora as pressões imobiliárias. Em Bucelas, Carcavelos e Colares, a vinha luta agora pela sobrevivência. Roteiro enoturístico pela cintura verde que enfrenta a maré de betão da zona metropolitana de Lisboa.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Em Oeiras, um hectare de terra em zona urbanizável pode custar entre um e dois milhões de euros. Que ainda prosperem vinhas é quase inimaginável, mas os terrenos da Estação Agronómica Nacional resistem à pressão urbanística e é aqui que se mantém erguida a bandeira do histórico vinho Carcavelos. Em Colares, há menos de 20 hectares de vinha em chão de areia, em tempos a imagem de marca da região. Até em Bucelas os ecos da expansão urbana se fazem ouvir há já algum tempo. Pode a viticultura resistir na franja de uma grande cidade?
A resposta não é fácil, nem linear, mas os sinais apontam para que sim. Haverá até quem diga que a viticultura, em particular, e a agricultura, em geral, são indispensáveis para conter os delírios urbanísticos e preservar a identidade dos locais. Nos últimos tempos, o processo de extinção dos vinhos da periferia lisboeta parece ter sido travado. Ainda é cedo para cantar vitória, mas as notícias são animadoras.
No que ao enoturismo diz respeito, a proximidade de um grande centro populacional – para mais, no centro da atenção mediática mundial – é um manancial de oportunidades. Resta aproveitar a maré humana que todos os dias desagua em Lisboa e saber cativá-la com propostas interessantes. E este processo parece estar a ser (ainda) mais lento do que o da recuperação do entusiasmo pela vitivinicultura. Normalmente, a prioridade é dada ao vinho e só depois vem o enoturismo. Mas neste cenário, as receitas e notoriedade que se garantem através dos turistas podem ser a verdadeira locomotiva para os vinhos da cintura verde da capital.A região é Bucelas, mas, para quem vai de Lisboa pela A8 ou A9, nem é preciso fazer o caminho todo: A-das-Lebres fica logo ali, junto a Loures. E a Quinta das Carrafouchas está na linha da frente, não só da actividade enoturística como também vitivinícola – num dos seus extremos já cresce uma pequena urbanização. São quatro hectares de vinha (3,5 tinta e 0,5 branca) e um mundo de surpresas que se escondem por trás da longa fachada cor-de-rosa estendida ao longo da estrada.
Entramos por uma sala de provas, com painéis de cortiça para os turistas assinarem e um balcão de madeira africana e pedra que já conta mais de 80 anos. Cá fora, uma extensão do espaço, para dias mais quentes; a seguir um salão para eventos com decoração rústica e onde as mesas redondas são, na verdade, bobinas de cabos eléctricos; no exterior, uma zona coberta limitada por paredes de vidro para apreciar a paisagem de copo na mão. Um dia, essa paisagem incluirá o rebanho de ovelhas saloias, uma espécie em risco de extinção, pastando por ali. As ovelhas já existem, o terreiro está a ser preparado.
É assim nas Carrafouchas: há sempre alguma coisa a ganhar forma. Mas também há sempre alguma coisa a acusar os efeitos do tempo. Nos últimos anos, a propriedade foi ganhando espaços funcionais para o turismo, mas o seu verdadeiro encanto está na profusão de recantos românticos que nos transportam para outros tempos. A construção actual data de 1714, mas já havia edifícios no local antes disso.
Descemos um caminho que bordeja as vinhas e damos de caras com um tanque rodeado em anfiteatro por painéis de azulejo representando as quatro estações. A água chega de uma mina encaixada num retábulo com uma enorme bacia em pedra e mais azulejos do século XVIII (num deles, são bem visíveis enormes garrafas de vinho num recipiente com água – a preocupação com as temperaturas de serviço não são uma modernice!). Mais à frente, um enorme tanque de 20x10m também semi-rodeado de muros ornamentados; colina acima encontramos uma nascente encaixada num pequeno edifício quadrangular, com azulejos, claro. Junto à casa, para lá de uma sebe de cedros, a surpresa de um jardim romântico de planta semicircular. O pátio exterior, com chão em calçada portuguesa e painéis de azulejos na varanda sobranceira. E a surpresa final da bem preservada capela.
Ainda um relance pela adega antiga, com o lagar e os velhos pipos de madeira, antes de regressar à sala de provas. Mesmo às portas de Lisboa, há muito para descobrir. Não esquecendo os vinhos, claro.

QUINTA DAS CARRAFOUCHAS
R. Francisco Franco Cannas, A-das-Lebres, Santo Antão do Tojal
Tel: 917 262 385
Mail: quintadascarrafouchas@gmail.com
Web: www.quintadascarrafouchas.com
A prova de vinhos (dois tintos e um branco, com petiscos regionais) custa 15 euros por pessoa, se incluir visita ao património da quinta o preço passa para 25 euros. Solicita-se marcação antecipada. O proprietário recebe pessoalmente, todos os dias (das 9 às 20h de segunda a sexta, das 9 às 12h e das 18h às 21h aos sábados e domingos).
Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17
Há edifícios em volta praticamente em todas as direcções e lá fora, para além dos muros de pedra e dos portões (abertos), há carros a circular, gente que se apressa a caminho sabe-se lá do quê, um supermercado com grandes letreiros. Mas aqui, nos terrenos da Estação Agronómica Nacional, entre oliveiras, cedros e vinhas, um ventinho frio soprando de norte, o brilho do mar cintilando ao longe para lá das colinas, estamos noutro mundo.
Estamos em Oeiras e quase soa a bónus que nestes terrenos cresçam as uvas que mantêm viva a tradição de um vinho generoso à beira da extinção. Mas é assim mesmo. Com 12,5 hectares de vinha (castas: Galego Dourado, Ratinho e Arinto, nas brancas; Castelão e Trincadeira, nas tintas) e duas adegas funcionais, a Câmara Municipal de Oeiras é, neste momento, o único produtor com actividade continuada que faz DOC Carcavelos, o mais esquecido dos nossos grandes vinhos licorosos.
A visita começa na Adega do Casal da Manteiga, instalada num edifício de planta hexagonal que era, a um tempo, infra-estrutura produtiva (abrigava os animais de trabalho e espaços para manteigaria e queijaria) e um local de lazer (a torre que remata o edifício funcionava como pavilhão de caça para o Marquês de Pombal (também conde de Oeiras) e seus convidados. Agora, uma das alas serve de adega, a outra está repleta de barricas, em galerias onde ainda são visíveis as antigas manjedouras em pedra.
Mas é mais abaixo, no vale, que esta dupla função produtiva e de lazer se afirma de forma mais evidente, testemunhando o pensamento pragmático do Marquês e exibindo soluções arquitectónicas e conceptuais que hoje parecem evidentes, mas que teriam o seu quê de revolucionário no século XVIII. A segunda adega, a Adega do Palácio, ocupa um edifício que inclui o recuperado Lagar de Azeite e ambas as infra-estruturas são contíguas ao palácio e seus jardins românticos cruzados pela ribeira da Lage.
Com 70 metros de comprimento e orientação Norte-Sul, a adega auto-ventila-se por acção dos ventos dominantes e a frescura no Verão é assegurada pela mina de água que corre por baixo do chão. Em cima, um telhado “flutuante” deixava espaço para a secagem de cereais, o que funcionava como isolamento natural. As surpresas aparecem por todo o lado – na casa de banho das senhoras, por exemplo (uma parte das instalações alberga escritórios dos serviços da câmara), ainda são visíveis vestígios dos antigos lagares em pedra.
Entre as duas adegas, há quase 1200 barricas e é neste cenário que provamos os vinhos, com a novidade de um Carcavelos tinto (10 Anos) que em breve sairá para o mercado. Cá fora, silêncio e luz. No total, a Quinta do Marquês tem 135 hectares murados. Um oásis de verde no mar de betão.

VILLA OEIRAS
Adega Casal da Manteiga
R. da Mina, Tremês (GPS: 38º 42′ 16,04″ N, 9º 19′ 13,72″ W)
Adega do Palácio Marquês de Pombal
R. Aqueduto 222, Oeiras (GPS: 38º 41’ 34,44” N, W 9º 18’ 52,54” W)
A filosofia de animação turística do Palácio do Marquês está a mudar e, com ela, também os horários e os programas de enoturismo. Para informações actuais, consultar o site da Rota dos Vinhos Bucelas, Carcavelos e Colares (www.rotadosvinhosbcc.com), a Confraria do Vinho Carcavelos (Paulo Rocha: 912 714 554 / 924 014 860) ou a Câmara Municipal de Oeiras (www.cm-oeiras.pt).
Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 1,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 3
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17
De uma região que esteve à beira da extinção para outra que também parece ter escapado a esse destino. Em Colares, onde nunca foi fácil fazer vinho, a pressão imobiliária levou ao desaparecimento de muitas vinhas e o sector acabou reduzido a um punhado de produtores. Hoje, há menos de 20 hectares plantados em chão de areia, a imagem de marca destes vinhos feitos em cima do mar. Também aqui, tal como acontece em Bucelas e Oeiras, a natural preocupação com a sobrevivência tem deixado o enoturismo para segundo plano. Mas as coisas estão a mudar e Colares, neste particular, segue na frente.
A Adega Regional de Colares, fundada em 1931, é a mais antiga adega cooperativa do país (hoje tem cerca de 35 sócios) e um destino turístico com movimento muito significativo – são dezenas de visitantes, em média, por dia, levando os números anuais para cima dos 20.000. Mesmo quem chega sem aviso tem acesso à adega dos tonéis, que se estende a partir do espaço da loja ao longo de dezenas de metros. Estão aqui mais de 90 tonéis, o maior dos quais com capacidade para 19.590 litros – a capacidade total é de 700.000 litros. A lista de madeiras (tropicais) usadas nos depósitos é, só por si, um achado: câmbala, macaúba, vinhático…
Se é um enoturista viajado, não se espante se a visão lhe trouxer à memória o Moscatel de Setúbal – o edifício onde se encontra pertenceu, em tempos, à José Maria da Fonseca, que aqui tinha um armazém, e a traça arquitectónica é semelhante à que encontramos em Azeitão. Hoje, a Adega de Colares produz cerca de 100.000 litros anuais (só uma pequeníssima fracção provém de chão de areia, como se imagina; o resto é do chamado chão rijo, terrenos argilo-calcários) e a sua capacidade de armazenamento fala-nos de um passado em que Colares era uma generosa fonte de vinho para todo o país.
A visita guiada leva-nos pelos espaços sociais que estão a ser dinamizados (salas com capacidade para receber até 600 pessoas), pelos jardins e acessos que ligam os vetustos edifícios do complexo murado. E desagua na adega, uma verdadeira montra da evolução tecnológica do sector da vinificação – encontramos, lado a lado, equipamento técnico moderno e antigo (lagares em cimento, depósitos em inox, cubas troncocónicas em madeira com taça para remontagem automática), o que permite explicar a evolução das técnicas ao longo do tempo.
De regresso à loja, podemos optar por uma das várias provas disponíveis no cardápio e saborear o carácter único de uma região cheia de história. É uma bela forma de encerrar o périplo pela cintura verde de Lisboa, porque em nenhum outro lugar ele é tão intenso como aqui, na face Norte da serra de Sintra.

ADEGA DE COLARES
Alameda Cel. Linhares de Lima 32, 2705-351 Colares
Tel: 219 291 210
Mail: geral@arcolares.com
Web: www.arcolares.com
As visitas guiadas (com prova de dois vinhos) custam 15 euros por pessoa e estão sujeitas a marcação prévia e disponibilidade. Mas quem aparecer na loja sem aviso pode sempre dar uma volta pela adega dos tonéis e decidir depois se pretende fazer alguma das provas disponíveis, com preços que vão dos 4 aos 10,65 euros por pessoa. Horário: de segunda a sexta, das 9h30 às 12h e das 14h30 às 17h. Eventos para grupos com preços sob consulta.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 1,5

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Não faltam opções para reconfortar o estômago neste périplo pelos arredores de Lisboa e seus sobreviventes vínicos. O carácter cosmopolita da região permite encontrar de tudo um pouco, mas escolhemos três restaurantes que simbolizam outros tantos estilos: o toque regional do Barrete Saloio, em Bucelas; a cozinha mais elaborada da Casa da Dízima, em Paço de Arcos; e a pureza dos produtos do mar do Adraga, na Praia da Adraga. Sempre com bons vinhos a acompanhar. Bom apetite!
BARRETE SALOIO – R. Luís de Camões 28-30A, Bucelas; 219 694 004
CASA DA DÍZIMA – R. Costa Pinto 17, Paço de Arcos; 214 462 965
ADRAGA – Praia da Adraga, Sintra; 219 280 028 / 961 910 833

Edição nº14, Junho 2018

 

As muitas faces da Bairrada

A região da Bairrada caracteriza-se pela sua paisagem diversificada, vinhos especiais e gastronomia vibrante. Neste cantinho do país que se estende pelos distritos de Aveiro e Coimbra, há muito para descobrir e saborear – razão mais do que suficiente para nos fazermos à estrada. No roteiro, um museu, uma cave tradicional e uma adega moderna. […]

A região da Bairrada caracteriza-se pela sua paisagem diversificada, vinhos especiais e gastronomia vibrante. Neste cantinho do país que se estende pelos distritos de Aveiro e Coimbra, há muito para descobrir e saborear – razão mais do que suficiente para nos fazermos à estrada. No roteiro, um museu, uma cave tradicional e uma adega moderna. E alguns bons restaurantes, claro.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Há muito tempo que o Museu do Vinho Bairrada, na Anadia, se tornou um destino central para quem visita a região. O edifício de arquitectura moderna inaugurado em 2003 e as suas colecções (as temporárias, abertas a uma variedade de temáticas e autores; e a permanente, à volta do vinho) atraem uma média de 2.000 visitantes por mês e servem, muitas vezes, de porta de entrada para o universo vitivinícola da região. Foi também esse o caminho que escolhemos: chegámos à Bairrada e dirigimo-nos ao museu do seu vinho. E fizemo-lo antes do almoço, saliente-se, porque o leitão é muito bom, mas a Bairrada tem muito mais para oferecer…Situado bem no centro da cidade de Anadia, junto à Estação Vitivinícola e à vinha que une os dois edifícios, fazendo a ponte entre o passado e o futuro, o Museu do Vinho Bairrada alinha-se num volume esguio e elegante. No primeiro piso, o espaço do lobby de entrada cola-se ao espaço do auditório e a áreas de exposição, povoadas agora por obras de Júlio Resende (até ao final de Maio), que nos transportam aos lugares que influenciaram os seus traços. Chama-se “A Experiência do Lugar” e é um excelente exemplo de como o museu trabalha outras áreas que não apenas a que lhe está no nome – uma iniciativa recente são as “Quintas no Museu”, série de tertúlias à quinta-feira à noite com gente com história e histórias para contar. Em Junho, será a vez de Júlio Pereira. A entrada é livre.
É no andar inferior que o enoturista vai encontrar a temática do vinho e da vinha. Descemos ao longo de um átrio onde, em lugar de destaque, repousa um lagar com tanque de madeira e prensa de vara. E então encaramos um comprido corredor, com salas laterais que nos levam pelo “Percurso do Vinho”. Primeiro a sala “Vinha”, depois a “Vindima” e por aí fora… Em todos estes espaços, o testemunho físico dos objectos do passado é complementado com imagens do presente projectadas na parede. Nalgumas salas, painéis com linguagem pictográfica ajudam a passar a mensagem a quem tenha limitações cognitivas.
Lá mais para a frente entraremos no espaço dedicado ao espumante – que tem, como é natural, papel de protagonista no museu. Encontramos máquinas de meados do século XIX e outras da viragem para o século XX, testemunhando o carácter pioneiro dos primeiros produtores da Bairrada. Fora dos olhos do grande público, o centro de documentação do museu disponibiliza a consulta de documentos dessa era. Os primeiros rótulos da época anunciavam então o “Champagne Portuguez”.
Três colecções, já no final do percurso, chamam imediatamente a atenção. Uma, a Colecção Comandante José Rafeiro, é constituída por cerca de 250 tambuladeiras (recipiente para provar o vinho, agora em desuso) de prata. A segunda, a colecção de saca-rolhas da família Adolfo Roque, exibe centenas destes instrumentos, dos mais elaborados aos mais simples, em metal, plástico, madeira, marfim. Já foi considerada uma das melhores 50 do mundo. A terceira colecção ocupa duas salas e mostra-nos garrafas, rótulos e publicidade do passado da região. Ficamos a saber que o licor Junípera é “o melhor produto estomacal”. E que houve em tempos um vinho chamado Matateu.

MUSEU DO VINHO BAIRRADA
Av. Engenheiro Tavares da Silva, 3780-203 Anadia
Tel: 231 519 780
Mail: museuvinhobairrada.m.anadia@gmail.com; m.anadia.p.dias@gmail.com
Web: cm-anadia.pt/2014-04-02-16-11-20/museu-do-vinho-bairrada
O museu está aberto todos os dias excepto à segunda-feira (10h/13h e 14h/18h aos dias de semana; 11h/19h aos fins-de-semana e feriados). A entrada custa um euro. Para além da exposição permanente sobre o mundo do vinho, há mostras temporárias de artes e autores diversos, bem como um auditório para 80 pessoas, biblioteca, mediateca e um espaço para eventos, com capacidade para 100 pessoas no interior e mais 50 num pátio interior (aluguer: 300 euros/dia).

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): *
Venda directa (máx. 3): *
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 3
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5*
* Nota ponderada. A filosofia do espaço não contempla estas actividades.A devoção especial ao espumante criou na Bairrada um tipo muito especial de instalações vinícolas, as caves. A sua história já teve altos e baixos – muitas destas casas não resistiram ao desaparecimento dos mercados das ex-colónias e desapareceram no último quartel do século XX, mas outras deram a volta e souberam renascer, adaptando-se às novas realidades. Um destes casos está ali bem perto da Anadia, na localidade de Ferreiros. Um longo edifício cor-de-rosa sinaliza que chegámos às Caves do Solar de São Domingos.
A entrada, discreta, faz-se por uma escadaria que leva a um pequeno pátio interior e, daí, à loja. A seguir, descemos para um salão onde se alinham uma centena de grandes barricas de 650 litros (há mais 500 na cave), guardiãs das aguardentes que envelhecem. Ao meio, uma mesa, num dos topos, duas salas com garrafas – são memórias da casa (uma delas, a Garrafeira Abílio Santos, homenageia um antigo colaborador com mais de 50 anos de empresa, que ainda visita as instalações de quando em vez). Uma escadaria abre caminho para as caves e é por aí que seguimos.
Os visitantes são recebidos na sala de cima e ficam a conhecer a história da casa (as instalações foram remodeladas em 1986, após um severo incêndio), mas é nas caves que encontramos a essência da Bairrada. Longas galerias “decoradas” com fungos pendurados do tecto e das paredes, o esqueleto de um antigo elevador de garrafas de corrente metálica, salas pequenas, um túnel amplo que em breve será preenchido com as garrafas que tilintam noutra zona, na linha de enchimento. E, claro, vinho, muito vinho – nestas caves repousam cerca de dois milhões de garrafas.
Num dos extremos, um túnel muito baixinho foi escavado à mão, para dar acesso a outra galeria, 12 metros abaixo do solo. Ainda são visíveis nas paredes as marcas da picareta, agora ornadas de gotículas de água que cristalizam em formas suaves. É preciso baixarmo-nos bastante para passar por aqui – muitos visitantes são mesmo desaconselhados de o fazer – e a explicação é simultaneamente pragmática e anedótica: quando o construtor perguntou de que altura deveria fazer o túnel, disseram-lhe para o fazer da altura de um homem. E ele fez, da sua altura…
Da atmosfera mágica e temperatura constante das caves para o espaço dos andares superiores. Passámos, entretanto, pelo armazém e entramos no edifício principal, onde encontramos os salões de eventos. Mesas enormes, peças de alambique, máquinas antigas, pés de vide – estamos na sala Bairrada. No andar de cima está outra sala, ainda maior, com janelas amplas e espaço para mais de uma centena de convivas. É aqui que abrimos uma garrafa de espumante e provamos uma das aguardentes da casa. Ao olhar para o tecto, percebemos que estamos na sala Baga. Bairrada de cima a baixo.

CAVES DO SOLAR DE SÃO DOMINGOS
R. Elpídio Martins Semedo, 42, 3780-473 Anadia
Tel: 231 519 680
Mail: info@cavesaodomingos.com
Web: www.cavesaodomingos.com
De segunda a sexta-feira, há dois horários fixos de visita (11h e 15h – encerra para almoço entre as 12 e as 14h); outros horários e sábado, solicita-se marcação antecipada. Há quatro programas de visita e prova (Momentos Moderados, Tranquilos, raros e Deliciosos), com preços que variam entre os 7,5 e os 27,5 euros, conforme os vinhos e os petiscos de acompanhamento. O programa Momentos Intensos inclui refeição quente e fica por 45 euros por pessoa – os jantares não podem prolongar-se para lá das 24h. O programa Roteiro Vitivinícola da Bairrada, com actividades em várias quintas, visita às caves e almoço custa 75 euros por pessoa.
Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

De dia, a adega da Quinta do Encontro é bonita e, situada num ponto alto sobre uma confluência de estradas, constitui um verdadeiro marco na paisagem. Mas à noite fica ainda melhor. Mesmo que a meteorologia obrigue a esperar pacientemente por uma aberta sem chuva até se poder enquadrar este conjunto de linhas suavizadas e matizadas pelas luzes interiores e exteriores. Havemos de voltar na manhã do dia seguinte, para a conhecer mais em pormenor.
A quinta foi comprada em 2000 pela então Dão Sul, agora Global Wines e, embora a sua reduzida dimensão (apenas 4 hectares) não lhe permita assumir grande protagonismo num grupo que produz vinho em seis regiões portuguesas e no Brasil, a verdade é que a construção da adega (iniciada em 2005 e com inauguração em 2007) trouxe a esta propriedade da Bairrada uma relevância muito especial. O projecto, do arquitecto Pedro Mateus, emula o movimento circular do vinho num copo, com rampas circulares ascendentes e descendentes em redor de uma adega central.
Em 2017, passaram por aqui umas dez mil pessoas, metade das quais cumpriram a visita à adega (que é gratuita) – as outras são visitantes que apenas passam pela loja ou se dirigem ao restaurante para refeições que podem ser de degustação ou de filosofia mais executiva (aos almoços, de semana). De uma forma ou de outra, todas são atraídas pela silhueta circular do edifício e pela forma simultaneamente harmoniosa e imponente como domina a paisagem em redor.
Uma paisagem que, diga-se, fica muito enriquecida pelas vinhas de dois outros produtores, Campolargo e Colinas de S. Lourenço, cujas instalações se situam nas proximidades. São estas vinhas que compõem o cenário quando subimos à galeria exterior e estendemos o olhar em volta. E há muito para ver: nos dias sem nuvens, a silhueta da serra da Estrela mostra-se ao longe, mais perto temos o Caramulo, ondulações suaves nas proximidades, bosques, matas e vinhas.
Lá em cima, uma sala multifunções está disponível para eventos. Cá em baixo, na cave, as barricas e as garrafas de espumante alinham-se numa galeria circular em volta da adega, com dois conjuntos semi-circulares de cubas de alumínio. O andar do meio, térreo, é composto pela recepção e loja – onde uma bela lareira central fornece um toque de conforto familiar a um ambiente moderno e luminoso – e ainda pelo restaurante, muito popular entre as gentes locais e chamariz para os turistas nas épocas altas.
Na Quinta do Encontro, como se o nome tivesse sido escolhido por isso mesmo, deparamo-nos com uma amostra bem alargada do portefólio da Global Wines, cujo epicentro se situa no Dão. Mas manda a tradição da casa que o vinho servido a quem bate à porta, mesmo que não seja possível efectuar a visita, seja um espumante local. Ou não estivéssemos na Bairrada…

QUINTA DO ENCONTRO
São Lourenço do Bairro, 3780-907 Anadia
Tel: 231 527 155
Mail: enoturismo@quintadoencontro.pt
Web: www.globalwines.pt/enoturismo
A adega está aberta a visitas, mas apenas mediante marcação – a boa notícia é que a entrada não é paga e quem entra pode sempre saborear uma flute de espumante. O restaurante está aberto de terça a sábado para almoço e jantar (12h/15h, 19h/22h) e aos domingos para almoço (12h/16h); encerra à segunda-feira. Organizam-se eventos com preços sob consulta.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17
Para qualquer português que goste de sentar à mesa, Bairrada é sinónimo de leitão assado. Mas há muito mais na gastronomia bairradina para nos proporcionar o devido reabastecimento nas estações de serviço para humanos. Aqui ficam três sugestões: um restaurante centrado no leitão (Mugasa), outro que partiu do pequeno reco para criar uma oferta ampla e requintada (Rei dos Leitões), e um terceiro que assenta os seus trunfos nos produtos do mar (Magnun’s & Co). Em qualquer deles, é pecado não pedir um espumante da região para acompanhar a comida.
MUGASA – Largo da Feira, Fogueira, Sangalhos; 234 741 061
REI DOS LEITÕES – EN1 Av. Restauração, Nº 17, Mealhada; 231 202 093
MAGNUN’S & CO – Av. Floresta 120, Mealhada; 960 024 268

Edição nº13, Maio 2018

 

À sombra da serra d’Ossa

Por terras de Redondo, nas faldas da serra d’Ossa, encontramos um Alentejo especial, abrigado na sombra das montanhas e virado para a pecuária, o montado e, claro, o vinho. Entre ícones de arquitectura, alojamentos semi-familiares e grandes produtores se fez um roteiro por terras de história, paisagem e boa mesa. TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo […]

Por terras de Redondo, nas faldas da serra d’Ossa, encontramos um Alentejo especial, abrigado na sombra das montanhas e virado para a pecuária, o montado e, claro, o vinho. Entre ícones de arquitectura, alojamentos semi-familiares e grandes produtores se fez um roteiro por terras de história, paisagem e boa mesa.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

A sul do Tejo só há dois locais mais altos: a serra de S. Mamede, em Portalegre, e a serra de Monchique, no Algarve. Não se menospreze, portanto, a importância na paisagem desta serra d’Ossa e dos seus 653 metros de altitude, num Alentejo mais habituado a ondulações suaves do terreno. Estendendo-se numa orientação NW/SE, entre Estremoz e Redondo, o maciço alberga um convento quase milenar (1182) e uma variada fauna e flora, num cenário que mistura o recém-chegado eucalipto com o ancestral montado. O flanco norte integra a bacia hidrográfica do Tejo, a vertente sul drena para o Guadiana. E é por este lado que vamos estar.
A região é rica em património histórico – entre outros pontos de interesse, a fortaleza de Juromenha, os castelos de Alandroal e Terena, os palácios de Vila Viçosa, monumentos megalíticos – e artesanato – olaria do Redondo e de S. Pedro do Corval, por exemplo. O casario branco e o verde dos campos (com as chuvas recentes, as flores prometem uma Primavera colorida) fornecem um cenário relaxante para uns dias bem passados. E, depois, claro, há o vinho. Redondo é uma das DOC Alentejo e por aqui encontramos nomes tradicionais e bem cotados do panorama vitivinícola português. Mas comecemos por um recém-chegado.

O enoturismo da Herdade do Freixo só abriu em finais de 2016, data recente, mas praticamente coincidente com a divulgação dos primeiros vinhos do projecto. Implantada numa área de 300 hectares, dos quais 50 são de vinha, a adega é aqui o centro das atenções. Não que dê nas vistas, antes pelo contrário: a adega da Herdade do Freixo é a única completamente subterrânea da Europa. Vista de fora, é um monte plantado com vinha onde só se detectam os pórticos das duas entradas e a silhueta dos respiradores e clarabóias. Visto por dentro, é um enorme poço central com uma rampa em espiral que dá acesso aos quatro pisos.
Já lhe chamaram o “Guggenheim do Alentejo”, mas as palavras não fazem justiça a esta espantosa obra de arquitectura, da autoria do arquitecto Frederico Valsassina, recentemente distinguida com o primeiro prémio do site ArchDaily na categoria Industrial Architecture dos 2018 Building of the Year Awards. Cada um dos quatro pisos tem 1.000 metros quadrados e a altura total do edifício, que está quase totalmente enterrado, ronda os 40 metros. Foi preciso fazer um grande buraco, mas os ganhos em funcionalidade (a adega funciona por gravidade e o controlo de temperatura e humidade torna-se muito mais eficiente) e arrojo estético fizeram esse esforço valer a pena.
Hoje, a Herdade do Freixo é um projecto em plena consolidação, com vinhos de elevado nível que procuram conciliar a estrutura e concentração do Alentejo com elegância e longevidade. E não se pense que o betão ou a qualidade dos vinhos são os únicos argumentos para justificar uma visita. Sim, há a vertigem do poço central, a incrível sala de barricas com um rochedo que pode ser um meteorito (!), a elegante sala de provas e o pátio interior. Há tudo isso e mais.
Mas cá fora espera-nos uma paisagem sem fim. Do marco geodésico que assinala o ponto mais alto das vinhas (450m) contemplamos um mar de montado e manchas agrícolas, a parede escura da serra d’Ossa, o “farol” branco das torres de Evoramonte, a silhueta de Évora no horizonte longínquo. A Herdade do Freixo foi desenhada para não manchar este ecossistema onde a cegonha-preta nidifica e oliveiras centenárias vigiam pastagens e vinhas. Missão cumprida com brilhantismo.

HERDADE DO FREIXO
Freixo, 7170-001 Redondo
Tel: 266 094 830
Mail: freixo@herdadedofreixo.pt
Web: www.herdadedofreixo.pt
A adega está aberta todos os dias excepto aos domingos e tem duas visitas guiadas (11h e 15h) de terça a sábado. Recomenda-se marcação prévia. A visita custa 6,50 euros por pessoa, valor que sobe para 15 ou 20 euros conforme se opte por uma das modalidades de prova de vinhos (um ou dois vinhos), acrescidos de outros 5 euros para degustar uma tábua de queijos e enchidos. A visita com almoço (mínimo de seis participantes) custa 135 euros por pessoa. A loja está aberta de segunda a sábado, das 9 às 17h.

Ali bem perto, na estrada que sobe para a serra, a Herdade da Maroteira não tem pergaminhos de arquitectura moderna para exibir (se exceptuarmos a bela piscina de horizonte infinito), mas a envolvência natural é ainda mais impressionante. O monte fica no centro de uma vasta propriedade (540 hectares) quase totalmente ocupada por montado (há também 13ha de vinha). A criação de uma empresa de passeios na natureza (a Corktrekking) transformou a herdade num dos mais populares destinos turísticos da região.
A pé ou de jipe (descapotável ou fechado), há toda uma imensa área para descobrir, desde as planuras agora alagadas pelas chuvas até ao ponto mais alto, o Cabeço da Águia, um miradouro a 400 metros de altitude de onde se contempla a planície central do Alentejo com a serra nas nossas costas. Ao fundo, vinhas, o plano de água de uma barragem, alguns eucaliptais flanqueando as encostas, pastagens sem fim. Percebe-se a serra de Portel no horizonte e distingue-se, a 30km de distância, a mancha branca do casario de Évora.
A vida animal é abundante, mas os reis são mesmo os cães da Maroteira, que acompanham invariavelmente os passeios em galopes entusiásticos e saltos artísticos por cima das vedações. Aliás, vale a pena deixar o aviso: se não gosta de cães, este não é sítio para si. Se gosta, fantástico. Eles estão por todo o lado e são uns pacholas. Abrir a porta do quarto logo pela manhã e ter a cabeça maciça de um rafeiro alentejano a saudar-nos de língua pendurada é todo um poema.
A primeira casa destinada a alojamento turístico começou a funcionar em 2004, na sequência das obras feitas no monte. Depois, em 2007, a casa principal também foi adaptada. Entretanto juntou-se uma terceira casa, em madeira, ali perto, mas isolada, no meio do montado, com vista para a serra. Todos os alojamentos têm kitchenette e a ideia é proporcionar o máximo de autonomia a quem aqui pernoita. Reservando de véspera, o pequeno-almoço é entregue à porta e quando o calor aperta imagina-se que a piscina seja um bálsamo irresistível.
Por agora, são a nobreza dos sobreiros, o colorido das flores e a omnipresença de água que desenham a paisagem e a experiência. Beleza e silêncio, saudados lá do alto por um arco-íris duplo.

Herdade da Maroteira
Caixa Postal 267, Aldeia da Serra, 7170-120 Redondo
Tel: 911 760 486 / 266 909 823
Mail: info@maroteira.com
Web: www.maroteira.com
A herdade dispõe de três casas para alojamento, duas no núcleo do monte e outra, de madeira, no meio do montado. Os preços oscilam entre os 75 euros por noite (casa de madeira, época baixa, mais de três noites) e os 160 euros (casa principal, época alta, só uma noite). O pequeno-almoço (7,5 euros por pessoa), as refeições (20 euros por pessoa) e o cesto de boas-vindas (20 euros) são extras. A prova de vinhos custa seis euros por pessoa. Há passeios a pé e de jipe (organizados pela Corktrekking – jose.inverno@maroteira.com; 962 831 053) a preços entre os 25 e os 35 euros. Depois de um ícone arquitectónico e de um mergulho na paisagem, o roteiro completa-se já nas planuras junto a São Miguel de Machede, num produtor de grande dimensão. A Casa Agrícola Alexandre Relvas (CAAR) fez em 2017 mais de cinco milhões de garrafas, a partir dos 150 hectares de vinha própria e outros 250 de produtores a quem compra uva. É um crescimento verdadeiramente exponencial desde que foi criada: em 2003, foram 24.000 garrafas…
Mas esta presença maciça no mercado não tem correspondência com a sua estratégia no enoturismo. Na Herdade da Pimenta, uma das três da empresa (as outras são a Herdade de S. Miguel, ali ao lado, e a Herdade dos Pisões, na Vidigueira), tudo está preparado para receber com atendimento personalizado – e isso não se coaduna com a presença de grandes grupos. Aposta-se, essencialmente, num cliente mais conhecedor e interessado, na sua maioria estrangeiros. Em 2017, este perfil significou cerca de 1.400 visitantes, a que se juntam mais 900 participantes em eventos de cariz público (como concertos na vinha), que a CAAR faz questão de organizar com regularidade.
A prova, confirma-se, é o momento alto da visita. Andamos pela adega ao longo de passadiços de metal, vimos cubas de inox, talhas de barro, barricas de madeira, prateleiras onde se faz o arquivo das colheitas. Ficamos a saber que há bicicletas para passear na vinha e roteiros organizados para visitar as duas herdades e confirmar as diferenças entre elas – uma pista é logo dada pelas colunas transparentes à entrada com amostras do solo de cada uma das propriedades da empresa. Mas é a prova que a memória retém com mais intensidade.
O “cardápio” contempla uma série de opções, incluindo, em breve, uma prova cega que promete ser desafiante. Instalados numa das mesas do grande átrio de entrada (enquanto vemos os trabalhos para a instalação de uma esplanada no jardim central do edifício), entramos pelos vinhos orgânicos e de talha e seguimos pelos varietais de castas portuguesas. A conversa flui, o tempo passa sem se dar por ele. Aqui não há horários rígidos. Tinha mesmo de ser, porque o vinho é muito bom e seria pecado não lhe prestar a homenagem que merece.

CASA AGRÍCOLA ALEXANDRE RELVAS
Herdade da Pimenta, 7005-752 São Miguel de Machede
Tel: 917 295 358 / 266 988 034
Mail: enoturismo@herdadesaomiguel.com
Web: www.herdadesaomiguel.com
GPS: 38º38’26.5’’N / 7º44’25,9’’W
A adega está aberta aos dias de semana, entre as 10 e as 17h; visitas noutros horários, ao fim-de-semana ou feriados requerem marcação antecipada. A visita com prova de três vinhos + snack custa 10 euros; o preço sobre para 20, 30 ou 40 euros noutras modalidades de prova (cinco vinhos; castas portuguesas; vertical de cinco colheitas). Os programas customizados começam em 30 euros por pessoa.

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Isto de andar na estrada de enoturismo em enoturismo gasta muito “combustível”. Por isso, nada como atestar regularmente o depósito numa das muitas “estações de serviço” para humanos que a região tem para oferecer. Nesta região da serra d’Ossa, ficam duas sugestões, ambas com o selo da autenticidade e o bónus da simpatia de quem recebe. No Redondo, recomenda-se o Porfírios’s, ali a 50 metros da entrada do castelo. Mais para a serra, na Aldeia da Serra d’Ossa, fica o Serra d’Ossa, à beira da estrada. Dois bons exemplos de que o Alentejo genuíno ainda respira simplicidade. E é delicioso.
PORFÍRIOS’S
Rua de Montoito, 59 e 61, Fra. A, Redondo; 963 336 675/266 909 737; www.porfirioss.webnode.com
SERRA D’OSSA
Rua Principal, 77, Aldeia da Serra d’Ossa; 266 909 037; coordenadas: 38.70986 / -7.565567

Edição nº12, Abril 2018

O Vale no topo do mundo vinícola

Edição nº11, Março 2018 Napa Valley Desde a primeira vinha plantada com fins comerciais, em 1858, que Napa Valley amadurece num plano superior. Passou pela filoxera, pela Lei Seca e pela Grande Depressão. A recuperação destes reveses gerou uma das regiões vinícolas e enoturísticas mais distintas e lucrativas à face da Terra. TEXTO Marco Cerdeira […]

Edição nº11, Março 2018

Napa Valley

Desde a primeira vinha plantada com fins comerciais, em 1858, que Napa Valley amadurece num plano superior. Passou pela filoxera, pela Lei Seca e pela Grande Depressão. A recuperação destes reveses gerou uma das regiões vinícolas e enoturísticas mais distintas e lucrativas à face da Terra.

TEXTO Marco Cerdeira Pereira
FOTOS Marco Cerdeira Pereira e Sara Wong

Tenha em mente que estamos a abordar uma zona realmente virtuosa dos EUA. Outro vale, o de Silicon, e as suas incontáveis multinacionais multimilionárias situam-se a meros 150 quilómetros para sul. Adaptado à área ideal em termos geológicos e meteorológicos, o vizinho Napa Valley provou-se prodigioso a condizer.
O momento da confirmação foi uma prova de olhos vendados do Paris Wine Tasting de 1976. Vários rótulos franceses há muito reputados estavam em competição. Quatro deles, Chardonnay, foram batidos pelo vencedor Chateau Montelena Chardonnay de Calistoga. Dois outros Chardonnay dos EUA ficaram nos quatro primeiros lugares. Já o Cabernet Sauvignon Stag’s Leap Wine Cellars derrotou quatro contendentes franceses. Com este resultado, os vinhos dos Estados Unidos conquistaram também um respeito mundial que não mais viriam a perder. Boa parte do mérito pertenceu ao privilegiado Napa Valley.
O solo deste vale californiano ascende de forma suave desde o nível do mar do oceano Pacífico, a Oeste, aos meros 110 metros do sopé do Monte Santa Helena. Delimitam-no uma tal de cordilheira Mayacamas e a, a Leste, a vertente setentrional das Montanhas Vacas. Para sul, esse mesmo solo é feito de sedimentos acumulados por sucessivos avanços e recuos de uma baía baptizada San Pablo. A Norte, inclui uma boa percentagem de lava e cinza legadas pela mesma actividade vulcânica que produziu os outeiros comedidos no âmago da região.
Sem surpresa, a meteorologia de Napa Valley varia consoante a morfologia do terreno e das influências geográficas complementares. O lado Sul é aberto ao oceano e mais fresco durante a época de crescimento das uvas. A secção norte, fechada pelo terreno, é muito mais quente. O Leste, apartado das tempestades invernais pelas montanhas e colinas do Oeste, prova-se mais árido. E toda esta diversidade meteorológica, orológica e de composição de solos de Napa há muito que proporciona aos bons enólogos uma base criativa inesgotável.
Em Napa Valley, a produção comercial de vinho pioneira teve início em 1858, às mãos de John Patchett. Várias adegas familiares aproveitaram a boleia. As primeiras medalhas de ouro foram conquistados pela adega Inglewook, hoje propriedade de Francis Ford Coppola e família. Era a única na região dedicada a produzir vinhos estilo Bordeaux. Arrecadou as medalhas na Feira Mundial de Paris de 1889. Daí em diante, mesmo se a casta mais disseminada se mantinha a Zinfandel, a produção vinícola de qualidade pegou de estaca no vale.
No final do século XIX, as adegas eram já 140. Dessas produtoras, hoje seculares, várias continuam a maturar os seus vinhos: Charles Krug, Mayacamas, Beringer, Beaulieu, Markham Vineyeards e outras. E isto apesar de os tempos que se seguiram lhes terem reservado uma sequência de sérios revezes.
Na aurora do século XX, a filoxera destruiu muitas das vinhas. A Lei Seca (Proibição) de 1920 encerrou as adegas que não conseguiram justificar a sua actividade com uma falsa produção de vinho sacramental. A fechar uma era catastrófica, a Grande Depressão instalou-se nos EUA e atrasou ainda mais o desenvolvimento vinícola da região.

Vinho e Clark Gable

A Beringer Vineyards foi a primeira adega a reagir. Convidou os participantes na Golden Gate International Exhibition a visitar a sua propriedade e, ao mesmo tempo, uma série de vedetas de Hollywood, em que se incluiu o carismático Clark Gable. Esta acção promocional de 1939 é, ainda hoje, considerada a origem do turismo ennológico que sustenta parte da economia de Napa Valley. Daí em diante e sobretudo após a II Guerra Mundial, várias personalidades contribuíram para o estrelato que esta região vinícola ostenta: Timothy Christian, da Christian Brothers; ou o hoje icónico Robert Mondavi, que se separou da adega da família Charles Krug Estate e fundou a sua própria em Oakville.
Nos anos 80 – já no rescaldo do sucesso surpreendente do Judgement of Paris, como ficou também conhecido o emblemático Paris Wine Tasting – uma praga moderna de filoxera assolou o vale. Foi o pretexto de que precisavam cerca de três quartos dos proprietários para dotarem as suas vinhas de castas mais bem adaptadas aos cerca de trinta solos distintos e ao clima da região. Essa reacção e o facto de, a partir do ano 2000, empresas norte-americanas e internacionais de monta terem começado a comprar pequenas adegas, vinhas e marcas propulsionou o desenvolvimento ímpar de Napa Valley.
Nos dias que correm, o Napa Valley alberga cerca de 475 adegas e, destas, 95% são familiares. Em Napa, 700 produtores distintos cultivam diversas castas que dão origem a mais de 1000 marcas de vinho. Entre as castas destacam-se Cabernet Sauvignon (47 por cento da área), Chardonnay (15%), Merlot (11%), Pinot Noir (6%), Sauvignon Blanc (6%) e Zinfandel (3%). Os vinicultores, por sua vez, dividem-se por 16 sub-regiões que ocupam 17.500 hectares (175 km2) de vinhas. Muitos deles criam os seus vinhos como parte dessas sub-regiões específicas ou, em alternativa, resultado de uma mixagem de uvas cultivadas em diferentes sub-regiões do vale e das vertentes que o delimitam. Por norma, quando empregam uvas de duas ou mais sub-regiões, usam a denominação Napa County, em vez da mais abrangente Napa Valley AVA (Área Viticultural Americana).
A quantidade de combinações entre os terroirs peculiares do vale com cada uma das suas envolventes meteorológicas e climáticas e as castas usadas gera uma miríade de possíveis acentuações, aquilo a que o escritor Matt Kramer chamou de “somewherenesses” (lugaridades) vinícolas que cada “rótulo” de Napa Valley contém e que revela ao apreciador. Se concordarmos em considerar a Cabernet Sauvignon a casta-rainha de Napa Valley e a isolarmos em diversos lugares, de cada um deles desvendaremos vinhos saborosos, apimentados e defumados, se provenientes de vinhas das zonas mais montanhosas como o Stag’s Leap District e a Howell Mountain; ou opulentos, frutados, com tons de amora e de moca, se oriundos das terras mais baixas do vale.

Cabernet, Merlot, Chardonnay…

Os Cabernet Sauvignon mais prodigiosos de Napa Valley são tão bons ou melhores do que os vinhos sublimes de Bordéus. Se ainda tiver dúvidas, prove, por exemplo, os seguintes: Inglenook Rutherford Rubicon 2012, Cain Five Spring Mountain 2011, Spring Mountain Vineyard 2010, Laura Zahtila Vineyards 2007, Corison Cabernet Sauvignon 2006.
Merlot é a segunda casta tinta do vale. Como as restantes, beneficia da diversidade local dos solos e das práticas de cultivo evoluídas. Por si só, esta casta dá origem a alguns vinhos leves, encorpados e repletos de textura, que, snobismos vinícolas à parte, são aptos a acompanhar refeições como qualquer Cabernet Sauvignon faria. É o caso, por exemplo, do Cakebread Cellars 2013, o Duckhorn Vineyard 2013 e o Ridge Estate Merlot 2013.
Quanto aos brancos, o Chardonnay é de longe o predominante. Foi tornado famoso por enólogos que, mesmo partindo de fortes traços pessoais, confluíram numa direcção: restrição do carvalho, do açúcar e da manteiga por forma a deixar as frutas (principalmente os citrinos) resplandecerem em vinhos perfeitos para refeições. Entre os bons exemplos contam-se: Grgich Hills Estate 2013 Paris Tasting Commemorative. O’Shaughnessy Estate Winery 2014, Clos Pegase 2014 Mitsuko’s Vineyard Los Carneros, Anderson’s Conn Valley Vineyards 2013.
Esta diversidade e excelência vinícola e a tradição e dinâmica turística conseguida desde o convite a Clark Gable levaram a outra expressão de sucesso. Quase 4,5 milhões de pessoas visitam Napa Valley todos os anos. O vale destaca-se, assim, como um dos destinos californianos mais populares, com uma indústria turística que gerou, em 2016, quase dois mil milhões de euros de lucro.
Quase 90% do vinho produzido nos EUA tem origem na Califórnia. Cerca de um terço desta percentagem avassaladora são vinhos com origem em Napa Valley. Cinquenta por cento dos vinhos californianos que custam mais de 15 dólares são de Napa Valley. O retorno médio de uma tonelada das uvas de Napa Valley é de 3600 dólares, enquanto que a região dos Estados Unidos que se segue, a vizinha Sonoma, só atinge os 2200. Uma única garrafa de Screaming Eagle Cabernet Sauvignon pode custar para cima de 2000 dólares.
Sem surpresa, em 2016, a indústria vinícola do vale chegou a um impacto financeiro local de 13 mil milhões dólares. No que diz respeito ao P.I.B dos E.U.A., esse impacto ultrapassou os 50 mil milhões de dólares. O vinho e o enoturismo de Napa dão emprego a 46.000 pessoas só no vale. Em termos nacionais, o número passa os 300.000 empregos.
A reputação superior conquistada ao longo do tempo por esta zona demarcada dos Estados Unidos justifica sem mácula o valor incrível a que ascendeu e a reputação superior dos seus rótulos.

GUIA DE VIAGEM

Como ir

Pode viajar para São Francisco com a Star Alliance www.staralliance.com numa combinação de voos da TAP www.flytap.com e da American Airlines www.aa.com via Londres e Chicago. Os preços começam nos 900 euros. De Frisco, uma hora de carro é suficiente para chegar a Napa Valley.

Onde Ficar

Napa Valley está dotado de cerca de 70 hotéis, resorts, pousadas e B&B. Não espere do vale o mesmo acesso democrático às adegas e ao alojamento que as regiões vinícolas australianas concedem aos visitantes.

Sugerimos-lhe:

Sem Olhar a Gastos:
Calistoga Ranch (Auberge Resort)
www.calistogaranch.aubergeresorts.com
Intermédio:
Carneros Resort & SPA
www.carnerosresort.com
Mais Acessível:
Craftsman Inn
www.craftsmaninn.com

Adegas a Não Perder

Algumas das mais famosas – Mondavi (robertmondaviwinery.com),Opus One (opusonewinery.com), Beringer (beringer.com) e Beaulieu Vineyards (bvwines.com) foram adquiridas por enormes grupos empresariais e tornaram-se mais comerciais e provavelmente demasiado procuradas.
Outras adegas – como a Frogsleap Winery (frogsleap.com) propuseram-se a desenvolver vinhas sustentáveis e produzem os seus vinhos de forma orgânica e com recurso apenas a energia solar.
Ou – caso da cliffledevineyars (cliffledevineyars.com) – combinam vinho e arte e complementam a oferta da sua adega com galerias de arte moderna e jardins com esculturas.
A de Francis Ford Coppola (www.francisfordcoppolawinery.com) é procurada pela curiosidade do visitante de ficar a conhecer o universo vinícola do realizador.
À parte das adegas, pode, ainda, explorar as diversas sub-regiões de Napa Valley a bordo do histórico Napa Valley Wine Train.
www.winetrain.com

INFORMAÇÕES ÚTEIS

Documentos

Para viajar para os Estados Unidos é necessário pedir e obter uma ESTA (Electronic System for Travel Authorization), o que pode ser feito através do site www.esta.cbp.dhs.gov. Além disso, o passaporte deve ser electrónico e ter uma validade superior a 6 meses.

Moeda

Dólar dos Estados Unidos (USA) – 1 dólar vale actualmente 0,73 euros. A maior parte dos estabelecimentos aceita pagamentos com cartão de crédito.

Indicativo

001 (para os Estados Unidos) + 707 (região de Napa Valley)

Quando ir

Qualquer altura do ano é boa para visitar a região. O estado da Califórnia, no geral, tem um clima temperado e, na zona de Napa Valley, em específico, o clima é de tipo mediterrânico.

MAIS INFORMAÇÕES

Embaixada dos EUA em Portugal
Embaixada dos E.U.A.
Avenida das Forças Armadas
1600-081 Lisboa
Tel.: + 351 21 7273300
Email: lisbonweb@state.gov

Turismo da Região de Napa Valley
www.visitnapavalley.com

Um Alentejo muito especial

Na zona de transição para as serranias de Portalegre, ali entre o regadio intensivo e zonas selvagens, recolhe-se um Alentejo muito especial. Excluídas da geometria dos grandes eixos viários, estas são terras onde encontramos a tradição no seu estado mais puro. E onde há sempre muito para descobrir. No prato, no copo, em conversa com […]

Na zona de transição para as serranias de Portalegre, ali entre o regadio intensivo e zonas selvagens, recolhe-se um Alentejo muito especial. Excluídas da geometria dos grandes eixos viários, estas são terras onde encontramos a tradição no seu estado mais puro. E onde há sempre muito para descobrir. No prato, no copo, em conversa com quem lá vive.

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga

MESMO quem não vai pela facilidade de imaginar o Alentejo como uma entidade geográfica e culturalmente una pode ser surpreendido pela paisagem e ambiente em constante mutação que encontramos por estas paragens. De Avis ao Crato vão escassas dezenas de quilómetros, mas é quanto basta para passarmos das ondulações suaves e das culturas de regadio para fragas rochosas e uma agricultura tradicional. É aqui que o Alentejo começa a soar a Beira Baixa, por terras e gentes em luta constante contra a distância.

Não há auto-estradas e nem a linha descontínua do IP2 serve de consolo rodoviário. O comboio, esse dinossauro em vias de extinção por estas paragens, serve de raspão algumas terras, mas invariavelmente com horários minimais e estações longe dos núcleos urbanos. E se é verdade que o isolamento e a pobreza carimbaram essa maravilha moderna que é um Alentejo ainda puro e preservado, então aqui temos a certeza de estar em contacto com o que a região guarda de mais puro e genuíno. Os números não deixam dúvidas: o Alentejo é enorme. Com 31.552 quilómetros quadrados, estende-se por cinco distritos (Beja, Évora e Portalegre na totalidade, mais uma parte de Santarém e a metade sul de Setúbal) e ocupa um terço do território continental. É maior do que a Bélgica, por exemplo – aliás, se fosse um país independente, estaria em 33º lugar (entre 49 estados e territórios) na lista por área.

Mas os seus 760.000 habitantes representam apenas 7,4% da população portuguesa – a densidade populacional do país é de 112,5 habitantes por quilómetro quadrado; no Alentejo, fixa-se nos 24… O cenário fica ainda mais radical quando apertamos a malha geográfica: estamos no distrito de Portalegre, o menos povoado do país, com 118.000 habitantes e uma densidade de 19,6. Avis tem pouco mais de 4500 habitantes (densidade: 7,4/km2), no Crato vivem 3700 pessoas (9,3/km2). Escusado será dizer que por aqui reinam os grandes espaços.

Pontuadas pelo casario branco das vilas e aldeias, as ondulações suaves do terreno foram em tempos terra de searas, mares de cereal banhando azinheiras e sobreiros. Mas os tempos mudaram e agora a marca mais saliente da agricultura é mesmo o enfileirar denso de olival intensivo, em regime de regadio. Num ano de seca extrema, a imensa barragem de Maranhão (capacidade máxima: 205 milhões de metros cúbicos, a oitava maior do país) aparece como uma paisagem irreal: a água resiste apenas nos canais principais e muito lá no fundo; os braços laterais da albufeira estão transformados em ermos de pedra solta, ruínas submersas durante décadas torram agora ao sol de um Verão que não acaba. Quando a chuva regressar, a paisagem voltará a alterar-se.

Herdade Fonte Paredes
Mesmo às portas de Avis, à beira da EN243 que leva a Fonteira, a Herdade Fonte Paredes é fácil de encontrar para quem chega à vila, graças à boa sinalização existente – um pormenor sempre de realçar. Adquirida em 1999 pelos irmãos Joaquim e Rui Cerejo, a geração mais recente de uma família que há muito tem no vinho um foco especial, a empresa está, aos poucos, a abrir-se para o mundo. É que, apesar do “low profile” dos proprietários e da sua filosofia de recato, a verdade é que já são mais de 100 hectares de vinha e uma capacidade produtiva projectada para breve que pode chegar ao milhão de garrafas. Aumentar a visibilidade dos vinhos Fonte Paredes, cujo mercado se distribui em proporções semelhantes entre as frentes nacional e de exportação, parece um desígnio inevitável.

Para os visitantes, a sensação mais forte de que não estão propriamente a visitar um pequeno produtor é a visão da adega. Cá de cima, do passadiço aéreo, é praticamente impossível ver o chão… o espaço está todo ocupado com depósitos de inox de capacidades diversas. A linha de engarrafamento está a funcionar e só deixamos este bulício para trás das costas quando espreitamos a sala de barricas e, depois, subimos para a sala de provas e refeições.

Antes já tínhamos passado pela loja, espaçosa e de decoração simplista, mas elegante. Cá em cima, no piso superior, a madeira impera: uma mesa comprida, longos bancos corridos, um balcão. Mas o olhar foge de imediato para o pátio exterior, onde nos podemos sentar a provar os vinhos enquanto espreitamos as vinhas, que começam logo ali, mas – e vamos descobri-lo em breve – se estendem a perder de vista.

O passeio pelas vinhas numa 4L é um clássico da oferta enoturística de Fonte Paredes. Espantosamente – ou não, para quem esteja mais familiarizado com a resistência do vetusto utilitário da Renault – só mesmo em condições muito exigentes se torna necessário recorrer a um veículo todo-o-terreno. Começamos pela vinha mais nova, plantada já em 2017 e que cresce a ritmo impressionante, rumo ao depósito de água e ao telheiro onde uma enorme mesa de mármore pode ser usada para refeições e provas ao ar livre. Daí seguimos em direcção a um dos braços da barragem do Maranhão, sempre na companhia das videiras, que se estendem numa faixa interminável até se lançarem em inclinações mais pronunciadas junto à albufeira.

Regressamos ao núcleo central da herdade. Para sermos saudados pelos rafeiros alentejanos e descobrirmos o enorme cercado onde galinhas de todas as cores e feitios convivem com patos, gansos, coelhos, pavões. Para os mais novos, descobrir ovos recém-postos na pilha de lenha pode ser um desafio aliciante. Isto é Alentejo.

HERDADE FONTE PAREDES
Morada: Quinta de Santa Ana, Apartado 76, 7480-999 Avis
Tel: 242 413 076
Fax: 242 413 077
Mail: info@herdadefonteparedes.pt
Web: www.herdadefonteparedes.pt
GPS: Latitude: 39.0431472; Longitude: -7.8747639
A loja e a sala de provas funcionam de segunda a sexta-feira (8h-12h30, 13h30- 17h). A prova, com quatro vinhos (branco, tinto e dois reserva) custa 16 euros por pessoa, mas o preço pode ser acertado em função dos vinhos pretendidos, petiscos e do número de participantes. Requer-se marcação antecipada, também exigida para os passeios nas vinhas, piqueniques e almoços ou jantares. Preço sob consulta. A reserva de caça (600 hectares) funciona entre Agosto e Fevereiro, mediante marcação prévia.

Herdade da Rocha
Fazemo-nos à estrada, para uma viagem curta mas que nos transporta até um mundo completamente diferente. Das grandes explorações agrícolas a terrenos semi-selvagens, do olival intensivo para o mato e a floresta, do terreno suavemente ondulado para fragas rochosas. Da atmosfera genuína de uma unidade agrícola para o ambiente sofisticado de um lodge exclusivo. Chegámos à Herdade da Rocha, no Crato, para nos instalarmos na Olive Residence & Suites.

A tarde vai avançada e há qualquer coisa de profundamente apaziguador na visão destas casinhas de madeira que se encavalitam no ponto mais alto da paisagem, rodeadas de vinhas e emolduradas ao longe por manchas de eucaliptal. Daqui a pouco, apreciaremos o pôr-do-sol em cima de um penedo de granito e é aí que nos assalta a sensação de que, subitamente, fomos transplantados para outro sítio. A visão da vinha cortada por afloramentos rochosos, por exemplo, lembra-nos imediatamente o Dão. Alguém disse uma vez que a zona de Portalegre é um resumo concentrado do país inteiro. E estava certo.

A envolvência natural joga a favor deste inovador e ambicioso projecto turístico, mas tudo o resto está a ser feito com preceito. Há 8 alojamentos – quatro quartos no edifício principal e quatro suítes à volta do jardim (com nomes de variedades de oliveira), onde crescem coqueiros e encontramos uma piscina “guardada” por estátuas de inspiração oriental. Uma enorme lareira sobre carris promete conforto nas noites mais frescas para quem se instale no telheiro e, caso esse argumento não chegue para nos atrair ao exterior, há sempre a Olive, o poço de mimo em forma de cadela que faz questão de receber cada visitante como um amigo do peito. E o termo visitante, aqui, não se restringe à espécie humana: a Olive Residence & Suites aceita animais.

A propriedade tem 58 hectares, dez dos quais de vinha. Ao fundo, a adega está instalada perto de duas pequenas represas (uma delas atravessada por uma ponte de madeira) e as obras continuam no interior, para criar espaços de turismo e trabalho com uma
filosofia de decoração, no mínimo, sedutora. Na encosta entre a adega e a casa dos proprietários, ligada à unidade hoteleira por um “túnel” de vinha, o verde intenso faz lembrar… sim, isso mesmo: é um mini-campo de golfe, para já com 3 buracos, serão 6 no futuro. E, uma vez que falamos de planos, avance-se desde já com o projecto de criar um grande cercado para veados, do outro lado da vinha, que ocupa uma bacia de solo fértil entre encostas rochosas.

O futuro anuncia-se cada vez mais interessante. Mas, para já, depois de passarmos pelos quartos, pequenos, mas arranjados com requinte, o que conta é isto: a atmosfera familiar de um copo de vinho bebido à volta da mesa, a música ambiente no jardim, o silêncio dos grandes espaços lá fora numa noite sem vento. Imperdível.

HERDADE DA ROCHA
Morada: Lugar Couto do Saramago, 7430-019 Crato
Tel: 910 988 603
Mail: geral@herdadedarocha.pt
Web: www.herdadedarocha.pt
Os preços dos quartos e suítes variam entre os 75 e os 150 euros. Os hóspedes têm ao seu dispor bicicletas para passeios nas redondezas e programas diversos que incluem provas de vinhos, piqueniques e, em breve, golfe. Proximamente, haverá um programa para a apanha da azeitona. Existem planos para isso, mas ainda não se servem refeições.

Fundação Abreu Callado
O leque de propostas para este mini- roteiro enoturístico por terras da barragem de Maranhão já incluiu um produtor familiar e um projecto de nicho. Em Benavila, a poucos quilómetros de Avis, encontramos o terceiro “estilo”, uma casa que aposta tudo na rusticidade. A Fundação Abreu Callado é muito mais do que um produtor de vinho: gere uma Escola Profissional e suporta um Centro de Convívio e Apoio Social, só para dar dois exemplos de intervenção na vida pública da região. E não espanta, por isso, que uma visita às suas instalações seja uma experiência que vai muito para lá do mundo dos vinhos.

À chegada ficamos logo com a sensação de estarmos num sítio especial. O complexo de edifícios, datado de 1758, exibe paredes de um branco imaculado com os lambris debruados a azul forte e estende-se graciosamente em redor de um grande pátio central, prolongando-se do outro lado da rua numa sequência de áreas de serviço recuperadas para se transformarem em espaços didáticos. Um deles é o Museu Rural, onde podemos ficar a conhecer alfaias e maquinaria de antanho, incluindo uma debulhadora Tramagal do século XVIII, que funcionou originalmente a vapor e foi depois adaptada para receber potência de um tractor, através de uma correia transmissora. É uma visão extraordinária, quase irreal, como se os seus tons pastel não pertencessem a um objecto tridimensional, mas estivessem antes impressos na parede…

Outro espaço nesta zona exterior é a Casa do Feitor, que replica a organização e o mobiliário das antigas casas rurais. Dentro de muros encontramos o Lagar, onde não se faz azeite desde 2004, mas, garantem, toda a maquinaria está pronta a funcionar; a Loja, uma antiga tulha de cereais adaptada com pormenores de decoração que reportam ao tempo em que a casa era sede de uma eguada de Lusitanos; e a Casa da Matança, que de talho passou a sala de provas, mantendo as instalações de desmancho dos porcos e os varões para pendurar os enchidos. A intervenção nestes locais procurou ser minimalista, de forma a preservar o carácter rústico das instalações, respeitando assim o seu passado.

Encontramos mobiliário, decorações e utensílios que durante gerações acompanharam a vida das pessoas – em muitos casos, quem tenha ligações familiares ao Alentejo pode mesmo fazer uma viagem no tempo… E este carácter didático associado a uma vertente emocional é, provavelmente, a melhor forma de terminar uma visita a paragens alentejanas ainda banhadas numa atmosfera de profunda e genuína autenticidade. Onde a hospitalidade é muito mais do que apenas uma palavra. Abra-se uma garrafa de vinho e deixe-se correr a conversa. Estamos quase a meio de Outubro e lá fora estão 32 graus. Parece que o tempo por aqui passa mesmo mais devagar.

FUNDAÇÃO ABREU CALLADO
Morada: Travessa Abreu Callado, 7480-228 Benavila (Avis)
Tel: 242 430 000
Fax: 242 434 284
Mail: fundacao@abreucallado.pt
Web: www.abreucallado.pt
Encerra aos domingos. As visitas às vinhas e à adega, Museu Rural, Lagar de Capachos, salas de estágio de vinhos e sala de provas durante a semana (9h-13h/15h-18h), com prova de um vinho, são gratuitas. Ao sábado, só com marcação antecipada, que se recomenda também nos restantes dias. Provas de vinhos para grupos até 15 pessoas, com petiscos regionais: entre 10 e 12,5 euros, com marcação antecipada (48 horas). Almoços para grupos (mínimo: 25 pessoas), com visita e prova de vinhos: entre 30 e 45 euros.

Ao ritmo do Alvarinho

No canto mais a Norte de Portugal, Monção e Melgaço afirmam-se como terroir de eleição da casta Alvarinho. E o vinho é o complemento perfeito para uma gastronomia carismática, tornada ainda mais apetecível pelo encantador cenário natural e pela simpatia de quem recebe. Imperdível.   TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga A GEOGRAFIA tem […]

No canto mais a Norte de Portugal, Monção e Melgaço afirmam-se como terroir de eleição da casta Alvarinho. E o vinho é o complemento perfeito para uma gastronomia carismática, tornada ainda mais apetecível pelo encantador cenário natural e pela simpatia de quem recebe. Imperdível.

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga

A GEOGRAFIA tem destas coisas. Mesmo num país tão multifacetado como Portugal, com uma enorme riqueza de gentes, hábitos, culturas e ambientes, é preciso fazer um esforço para abarcar toda a diferença entre a pequena sub-região de Monção e Melgaço e tudo, ou quase tudo o que a rodeia. Os traços de um clima mais continental na mais atlântica das regiões portuguesas são, claro, explicados pela geografia, nomeadamente pelo anfiteatro formado pelas cadeias montanhosas que isolam esta região das influências marítimas. É aqui, entre encostas graníticas e terraços de aluvião (onde encontramos calhaus rolados do que em tempos foi o leito do rio Minho) que a casta Alvarinho tem o seu território de eleição. A fama destes vinhos já tem séculos, mas num passado recente o Alvarinho parecia caído em desgraça: sendo uma planta muito pujante, requeria trabalho cuidado na vinha para controlar a folhagem, mas as suas uvas são pequenas e contêm grainhas de dimensões generosas. Ou seja, não está para grandes produções.

Só que o que lhe falta em quantidade é compensado pela qualidade e o trabalho de alguns “novos” pioneiros da região conseguiu valorizar esta casta de características nobres, susceptível de envelhecer com grande classe e moldável a diversos estilos de vinificação.

O resultado foi um rejuvenescido olhar sobre os vinhos e as uvas de Alvarinho, que hoje se contam entre as mais caras do país. E nesta vaga de reconhecimento, interno e além-fronteiras, ganhou também força a especificidade da zona de Monção e Melgaço. Numa zona do país onde as cadeias montanhosas se perfilam quase perpendicularmente ao mar, orientando os rios e criando corredores para a entrada da humidade marítima, estas duas vilas centenárias (ambas com castelos, igrejas, solares e núcleos urbanos que merecem bem a visita) estão, caprichosamente, isoladas por um circo de picos que determinam um microclima muito especial.

Esta é ponta mais a Norte de Portugal (assinalada por um marco de pedra na localidade de Cevide, Melgaço) e se fica desde já um sinal do que se segue daqui para baixo é a generosidade das gentes e a riqueza de uma mesa que só terá paralelo, em termos de variedade e identidade, com a do Alentejo. É uma terra de serras e vales, de verde e cinzento, de água e abundância. De fábulas e tradições. Fica longe, para a maior parte dos portugueses, mas é imperdível. Aqui, sentimo-nos sempre em casa. E o Alvarinho está cada vez melhor.

Quinta de Soalheiro
A marca Soalheiro está a cumprir o seu 35º aniversário e desde 1982, quando foi criada, até hoje o trajecto tem sido sempre ascensional. Novos vinhos, novas pistas, estratégias de marketing ambiciosas, enologia de pormenor, atenção aos detalhes. Hoje, é difícil falar de Alvarinho sem pensarmos em Soalheiro e há sempre uma (boa) surpresa ao virar da esquina. Ou isso ou uma promessa de novidades. E, desta vez, essa promessa está bem à vista: obras para aumentar a adega e criar um espaço mais generoso para as actividades de enoturismo.

A vista daqui é grandiosa. Sim, abaixo dos nossos pés há uma escavadora e um camião que parecem brinquedos arrebanhando terra e pedras, mas tudo o resto é bucólico e sereno. Situado num pequeno cabeço a meio do anfiteatro formado pelas montanhas que isolam esta zona, a meio caminho entre Melgaço e Monção, a Quinta de Soalheiro está rodeada de vinhas, com vista para terras de Espanha, do outro lado do rio que corre ali em baixo, camuflado pelo arvoredo. Um pouco mais ao longe, uma faixa prateada em constante movimento confirma que o rio Minho segue o seu curso por entre a névoa. Do outro lado, as serranias de Castro Laboreiro impõem a sua presença maciça.

A visita à adega e zonas de trabalho adjacentes faz-se de copo na mão. A ideia é ir percebendo os processos de vinificação à medida que avançamos e ir provando das cubas os vinhos que constituem as quatro famílias da casa, cujas especificidades ficam, assim, bem ao alcance dos sentidos. Encontramos os três tipos de depósito usados na fermentação – inox, cimento e madeira – e ficamos a conhecer mais sobre a história da empresa e da família. E, por isso, tem sempre um sabor especial perceber que o que é agora a zona dos espumantes já foi uma garagem e que foi nessa garagem que tudo começou.

Subimos para a sala de provas, decorada com fotografias do concurso organizado pelo produtor em 2017 (este ano a arte será protagonista e em breve uma das fachadas do edifício será abrilhantada com uma peça ambiciosa, cujos detalhes estão, por agora, no segredo dos deuses). Daqui é um passo até ao terraço, onde o silêncio, a névoa e o fumo das queimadas tingem a paisagem numa atmosfera de mistério. Soalheiro é vinho, mas também fumeiro. Porque logo ali em baixo fica a Quinta de Folga, a meia encosta do cabeço encimado pela adega. Em linha recta, serão menos de 300 metros, marcados em declive por terraços e vinhas (uma delas com Alvarinho em pé franco, sem enxerto). Cá em baixo, reinam os porcos de raça bísara e as instalações da quinta são usadas para eventos e refeições de grupos. Come-se o que vem da terra. E come-se muito bem. O sol já desaparece por trás das montanhas quando deixamos estas terras de excelência.

QUINTA DE SOALHEIRO
Morada: 4960-010 Alvaredo, Melgaço
Tel: 251 416 769
Fax: 251 416 771
Mail: quinta@soalheiro.com
Web: www.soalheiro.com
GPS: 42.097446, -8.309966
A quinta está aberta a visitas todos os dias excepto domingos, aos dias de semana entre as 9 e as 17h30 e aos sábados entre as 9 e as 18h30. Os programas (são seis) de visita com prova de vinho começam nos 6 euros por pessoa (8,5 com prova de vinhos na Quinta de Folga) e vão até aos 67,5 euros (70 com Quinta de Folga) da Prova Premium, em que são apresentados sete vinhos da casa. As visitas que incluam a Quinta de Folga estão sujeitas a reserva, com antecedência mínima de cinco dias e mediante disponibilidade.

Solar de Serrade
O dia amanheceu bem menos gelado do que o anterior. Hoje, sem vento, apetece caminhar um pouco antes do pequeno-almoço, o olhar perdido entre as névoas que se soltam da terra e os fiapos de nuvens ainda agarrados às encostas das montanhas que nos rodeiam praticamente por todos os lados. Ao fundo, o relógio de uma igreja faz soar as notas do seu cântico (“A 13 de Maio; na Cova da Iria…”) e a passarada parece fazer coro do cimo das árvores. O murmúrio da água a correr de uma bica completa a envolvência sonora, à medida que percorremos o jardim romântico e encaramos a fachada do belo solar do século XVII, agora em contra-luz por acção do sol nascente. Serrade é uma experiência singular.

Tínhamos chegado na véspera, já a noite descera sobre a paisagem e o frio voltava a apertar. Lá dentro, escadarias em pedra, esculturas, tapeçarias, móveis antigos, reposteiros, pinturas, lustres, tectos e piso em madeira. No quarto, simples e de mobiliário a tender para o rústico, sentimos o ambiente acolhedor do aquecimento central e surpreendemo-nos com dois pormenores: as janelas em pedra, com os chamados “bancos dos namorados”; e, na casa de banho, a enorme banheira com pés em ferro forjado.

O Solar de Serrade já teve várias vidas e já viu muita coisa. Após o 25 de Abril de 1974, a proprietária juntou alguns pertences em quatro malas e desapareceu. Anos de abandono e vandalismo transformaram o belo edifício numa ruína, onde os miúdos brincavam (fazendo fogueiras com os livros antigos…) e a pilhagem se tornou regra (até lareiras em pedra foram levadas…). Até que os actuais proprietários, que tinham adquirido a propriedade em 1981, iniciaram as obras de recuperação – decorreram entre 1991 e 1997, ano em que foi inaugurado o hotel.

São dez quartos, num cenário simultaneamente aristocrático e campestre. Para lá do jardim romântico com sebes aparadas e fontes, estendem-se linhas de arvoredo e vinhas extraordinárias amparadas em pilares de granito maciço. São 12 hectares em volta do solar (e outros 18 em propriedades nas redondezas). A menos de 100 metros do solar, a adega foi construída de raiz no final do século XX, mas a utilização de pedra da região e a traça do edifício faz empensar que se trata de mais uma recuperação.

A uma curta distância de Monção, e mesmo após o aparecimento de várias unidades hoteleiras na vila, o Solar de Serrade continua a atrair visitantes e a fidelizar clientes. Ou, melhor, amigos. Porque cada um que chega é recebido e encorajado a sentir-se em casa. E abrir uma garrafa de Alvarinho é o primeiro passo para que isso aconteça.

SOLAR DE SERRADE
Morada: Apt. 85 – Mazedo, 4950-280 Monção
Tel: 251 654 008
Fax: 251 654 041
Mail: info@solardeserrade.pt
Web: www.solardeserrade.pt
GPS: N 42.05774º , W 8.47913º
O solar dispõe de 10 quartos, entre duplos e twin, mais suítes (2). Na época alta (de 1 de Abril a 30 de Setembro, mais Carnaval, Páscoa e passagem de ano), os preços variam entre os 70 euros por noite nos quartos e os 95 da suíte principal (90 da suíte traseira); na época baixa são, respectivamente, €60, €90 e €80. Visitas à adega sem marcação entre as 8h e as 12h e entre as 13h e as 17h, são gratuitas para grupos de menos de 15 pessoas. Fora deste horário, ou para grupos maiores, solicita-se marcação antecipada.

Quinta de Santiago
Ali bem perto, a Quinta de Santiago aparece-nos como uma ilha. De um lado, a estrada e um parque industrial; do outro, mais alcatrão; abaixo, na direcção do núcleo da vila, uma urbanização recente; para Oeste, enfim, algum protagonismo da natureza, com linhas de arvoredo. Não custa imaginar que os 6,5 hectares de vinha, em solos de terraço de aluvião, sejam fortemente cobiçados pelo sector imobiliário, mas aqui mora uma família que tem um sonho e uma causa. E ambas passam pela ligação à terra.

Para além da vinha, encontramos um pomar com dezenas de árvores, uma pequena horta, a casa em pedra, uma capela, um espigueiro, outras construções de apoio. Um pouco mais abaixo, caminhando pelos carreiros pavimentados com seixos do rio, encontramos os lagos (onde há peixes e crescem nenúfares) e a nova adega, desenhada em estilo moderno mas com claras alusões ao cenário envolvente e às edificações tradicionais. Tudo isto é património – e, quase dentro da vila, pode mesmo considerar-se património colectivo desta região. Por isso, Santiago é cada vez mais sinónimo de divulgação cultural e vínica. Sente-se aqui que há uma missão a cumprir.

O projecto foi iniciado em 2009, as experiências iniciais de vinificação aconteceram em 2011 e no ano seguinte saiu o primeiro vinho para o mercado. Trabalhava-se no piso inferior da casa de habitação, onde agora se arma mesa para almoço, num cenário de verdadeiro museu (mobiliário, pipas, alfaias agrícolas e utensílios ligados à nobre arte de fazer vinho rodeiam-nos e fornecem motivos de conversa). Mas antes demos uma volta pelas vinhas (maioritariamente de Alvarinho) e passámos pelo edifício da nova adega.

Começamos pela loja, um espaço pequeno mas luminoso, onde – para além dos vinhos da casa, claro, com os rótulos ostentando o coração minhoto bordado, uma homenagem à avó – encontramos produtos criados por parceiros seleccionados: conservas, compotas, chocolates, livros… Surpresa dar de caras com o Rascunho, a novidade da quinta para 2018 e de que só se fizeram 600 garrafas. À atenção dos colecionadores. Passamos à sala de provas, aberta em grandes portas de vidro para o terraço panorâmico que paira sobre as vinhas. De um dos lados, uma abertura oval foca-nos o olhar no espigueiro tradicional, cujo visual é replicado pelo ripado vertical de uma das paredes da adega.

Rodeados de futuro por todos os lados, regressamos ao passado e à velha adega-museu. Comida sobre a mesa, copos que se enchem, espíritos à solta. E então dá-se o milagre e o tempo pára lá fora. Na Quinta de Santiago, as viagens no tempo são coisa rotineira.

QUINTA DE SANTIAGO
Morada: Rua D. Fernando, 128, Cortes, 4950-542 Mazedo
Tel: 917 557 883
Mail: wine@quintadesantiago.pt
Web: quintadesantiagoalvarinho.blogspot.pt
A quinta está aberta entre as 10 e as 18h. A prova simples (1 vinho + bolachas) custa cinco euros por pessoa e a escala de experiências na quinta progride mais três degraus até aos 15 euros por pessoa, com prova de dois vinhos + bolachas + queijo + enchidos. Os almoços ficam entre 25 e 35 euros e a opção por um piquenique nas vinhas tem o preço de 15 euros por pessoa. Na época das vindimas, as opções são meio dia ou um dia inteiro de trabalhos e rituais, com petiscos e provas, por 45 euros.

As caves do tempo

Quando, em breve, os portugueses abrirem uma garrafa de espumante para celebrar o Natal ou o Ano Novo, é muito provável que se estejam a preparar para beber Raposeira ou Murganheira, as duas marcas de topo do mercado nacional. Em jeito de preparação para estes momentos, fomos visitar as caves onde estes vinhos repousaram, abraçando […]

Quando, em breve, os portugueses abrirem uma garrafa de espumante para celebrar o Natal ou o Ano Novo, é muito provável que se estejam a preparar para beber Raposeira ou Murganheira, as duas marcas de topo do mercado nacional. Em jeito de preparação para estes momentos, fomos visitar as caves onde estes vinhos repousaram, abraçando a lenta alquimia do tempo.

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga

ESTAMOS no mês das grandes festas do Natal e Ano Novo, alturas em que será bem provável ouvir um pouco por todo o lado o “pop” mais ou menos discreto das rolhas de espumante a saltarem das garrafas. Estando em Portugal, um país com grande tradição vinícola mas escassa cultura das bolhinhas, é muito provável que esta seja, para muitos (principalmente se não viverem na região da Bairrada), a única ocasião do ano em que saboreiam este tipo de vinho, sempre especial mas ainda com tanto por descobrir.

E é uma pena, porque os espumantes reúnem um conjunto de virtudes que parece feito à medida para os ritmos e as vivências da moderna sociedade cosmopolita. São, por norma, menos alcoólicos do que os vinhos tranquilos; podem beber-se nos vários momentos da refeição (como aperitivo, com a comida, no final) e acompanham um vasto leque de pratos, incluindo sabores mais exóticos; e têm uma imagem de juventude e sofisticação. Acontece que, apesar de tudo isso, muita gente ainda não os descobriu. E isso explica o seu consumo residual: segundo dados da ViniPortugal referentes à época 2014/15, o espumante representava apenas 0,6 por cento do vinho produzido em Portugal e o consumo anual era de 0,34 litros por pessoa, contra os 41 litros por pessoa dos vinhos tranquilos. E este é ainda o único sector vinícola em que as importações superam as exportações.

A região por excelência dos vinhos espumantes nacionais é a Bairrada, terra onde nascem cerca de dois terços dos néctares nacionais com bolhinhas, mas há outra que se destaca neste campo. A pequena região de Távora-Varosa, encaixada entre o Dão e o Douro, desenvolve-se em solos predominantemente graníticos e a altitudes que oscilam entre os 500 e os 800 metros. Argumentos de peso para garantir a frescura dos vinhos-base para espumante, que aqui têm dois dos seus maiores paladinos em Portugal: a Sociedade Agrícola e Comercial do Varosa (com a marca Murganheira) e as Caves da Raposeira. Ambas fazem parte do mesmo grupo e, juntas, representam à volta de 60 por cento do mercado nacional.

É por estas terras de vales cavados e extensas cristas montanhosas que traçamos o nosso roteiro enoturístico. Para conhecermos melhor as instalações da Murganheira e da Raposeira, assim em jeito de estágio para os grandes desafios da quadra festiva que se avizinha. Tracemos então rumo para Lamego, sede dos mais populares espumantes portugueses.

Caves Murganheira
Dois números marcam desde logo as primeiras impressões à chegada. Primeiro, o de visitantes: cerca de 25.000 por ano, um total muito respeitável e que nos dá a imagem exacta do profissionalismo de quem aqui trabalha e da qualidade da experiência que nos aguarda. O segundo é ainda mais impressionante: o enorme painel de parede que representa um conjunto de flutes foi feito com 20.000 muselets, o nome das armações de arame que seguram as rolhas das garrafas… A obra de Acácio de Carvalho, professor da Faculdade de Artes do Porto, demorou quatro anos a ficar completa. E o tempo é tema central desta visita.

Estamos na sala de provas e loja, uma vasta divisão que ocupa o andar superior da adega e que se abre numa parede envidraçada para uma paisagem esmagadora, dominada pela silhueta ondulada da serra das Meadas e, mais ao longe, pela pirâmide negra e imponente do Marão. O vale que se estende à nossa frente, verdejante e salpicado de casinhas, não podia ter um nome mais sugestivo: Vale Encantado.

E, por baixo dos nossos pés, outras maravilhas nos aguardam. As caves da Murganheira foram, literalmente, arrancadas à montanha. Estamos em terras de granito azul, conhecido por ser o mais duro de todos, mas isso não demoveu os homens de aqui escavarem túneis, muitas vezes à força de explosivos – em alguns locais, são ainda visíveis nas paredes as perfurações onde foram colocadas as cargas que exploraram as falhas nesta fortaleza natural e permitiram abrir os espaços subterrâneos onde agora estagiam os espumantes que um dia teremos no copo.

O espumante faz-se com uvas, muito conhecimento técnico e… tempo. Muito tempo. E na Murganheira não se poupa em nenhum destes “ingredientes”. Dispondo de 30 hectares de vinhas próprias, distribuídas por três parcelas, a empresa faz cerca de 1,2 milhões de garrafas por ano, o que, naturalmente, implica comprar uvas a produtores da região. E são cerca de uma centena. Os vinhos não se limitam a cumprir os estágios em garrafa definidos para cada categoria; duplicam ou triplicam esses tiveperíodos, que podem ultrapassar os seis anos nalguns casos. Não espanta, por isso, que a quantidade de garrafas aqui armazenadas seja impressionante: um milhão nesta adega, seis milhões no total.

Percorremos as galerias de pedra onde a temperatura ronda os 12/13 graus todo o ano, tectos pingando água aqui e ali das “estalactites” de fungos, paredes irregulares quase invisíveis por trás das pilhas de garrafas. Antes recebemos uma lição rápida, mas recheada de pormenores deliciosos, sobre o processo de vinificação e depois acabaremos a ronda nas linhas de engarrafamento (a manual e a automática). Mas é este silêncio, esta magia da obscuridade, onde o tempo parece ter parado, que nos fica na memória.

Cá fora, de novo deixando escorrer o olhar pelo vale Encantado e pelas montanhas que o emolduram, damos uma vista de olhos pelo restaurante e acabamos a provar um espumante na sala de entrada. A conversa leva-nos até à história do rótulo do novo espumante Chardonnay, chamado Único por ser, na altura em que foi lançado, inédita a utilização desta casta para espumantização. O rótulo traz-nos de imediato à ideia o genérico dos filmes de James Bond… E é isso mesmo: este foi o vinho servido em Nova Iorque e Lisboa na ante-estreia de uma das mais recentes aventuras do espião ao serviço de Sua Majestade.

CAVES MURGANHEIRA
Morada: Abadia Velha, 3610-175 Ucanha
Tel: 254 670 185/6
Fax: 254 670 187
Mail: geral@murganheira.com
Web: www.murganheira.com
Há quatro visitas diárias (preço com prova de um espumante: 2,5 euros) que não carecem de marcação antecipada – às 10h, 11h, 15h e 16h. A marcação antecipada recomenda-se para grupos com mais de 10 pessoas e é indispensável no caso de visitas mais técnicas, que exijam a presença do enólogo, ou no caso de se pretender degustar um petisco (bola regional) juntamente com o vinho. Por marcação, e com preço sob consulta, organizam-se refeições, a cargo da equipa do chefe Rui Paula (DOP e DOC).

Caves Raposeira
Se a Murganheira fica perto de Lamego, as Caves Raposeira ficam mesmo dentro do perímetro urbano da cidade. Se na Murganheira a quantidade de vinho em estágio impressiona, na Raposeira ele esmaga- nos: aqui repousam entre 10 e 11 milhões de garrafas! Uma realidade que só muito recentemente passou a ser possível conhecer, porque o enoturismo na maior cave portuguesa de espumantes só tem três meses.

Passamos pela zona de vinificação antes de entrarmos nas caves, aqui de paredes construídas pelo homem. A cave velha existe desde o início do século XX e estende-se por baixo das vinhas, que ocupam a encosta sobranceira à adega – às uvas vindas daqui juntam-se as compradas a mais 300 produtores da região. Os anos explicarão alguma coisa, os materiais outro tanto, mas o que salta à vista é a profusão de bolores que se agarram às paredes e pendem do tecto. Numa das salas, há mais do que isso: pequenos cachos de uvas, agora completamente camuflados, lembram o tempo em que era aqui que se secavam as uvas para fazer passas – eram usadas para acompanhar as garrafas e compor um kit de Ano Novo. Foi-se a moda, ficaram os cachos mumificados em vida suspensa.

Milhões de garrafas e muitos metros de túneis depois, desembocamos num salão mais vasto, onde apreciamos maquinaria antiga antes de sairmos para o exterior e rumarmos à loja, situada num edifício exterior decorado com mesas altas e estantes de madeira com garrafas antigas, instrumentos de laboratório que já tiveram a sua época, rótulos, cartazes e outros suportes de memória de uma casa fundada em 1818.

Já de copo na mão, saímos para o terraço panorâmico, ainda e sempre a serra das Meadas e o Marão que se adivinha para lá dos prédios de Lamego. Ali à frente fica o vale do Douro, mas daqui nem se adivinha. O sol começa a baixar e o frio vai descendo sobre o vale; melhor voltar para dentro e apreciar a paisagem (e o vinho) sentados à janela, decoradas com aqueles banquinhos a que chamavam “dos namorados”. Abaixo do edifício, ouve-se correr água e um relvado promete frescura e sossego para dias mais quentes.

As vinhas, como já se disse, ficam logo ali, atrás da imponente fachada da adega, coroada com um anúncio luminoso de proporções gigantescas. E é para lá que seguimos, começando por perceber porque é que a Raposeira é das poucas casas em Portugal autorizada a usar uvas de duas regiões distintas: é que a primeira parcela de vinha, uma pequena faixa mesmo junto ao edifício, ainda fica na região demarcada do Douro. Távora-Varosa começa logo a seguir, do outro lado da estrada de terra batida.

As vinhas trepam por esta encosta de solos graníticos até à linha de cedros que marca a crista da montanha. Para lá deste bosque ficam, de um lado, os terrenos de um convento integrado no Santuário de Nossa Senhora dos Remédios (cujos pináculos se descortinam mais abaixo); e, do outro, o campo de treino dos Rangers. Em Lamego, o espumante é uma religião bem guardada.

CAVES RAPOSEIRA
Morada: Lugar da Raposeira, Apartado 9, 5101-909 Lamego
Tel: 254 655 003
Fax: 254 655 928
Mail: geral@cavesdaraposeira.com
Web: www.cavesdaraposeira.com
Há quatro visitas diárias (preço com prova de um espumante: 2,5 euros) que não carecem de marcação antecipada – às 10h, 11h, 15h e 16h. A marcação antecipada recomenda-se para grupos com mais de 10 pessoas e é indispensável no caso de visitas mais técnicas, que exijam a presença do enólogo, ou no caso de se pretender degustar um petisco (bola regional) juntamente com o vinho.