Requinte e tradição de mãos dadas

Como é que se define um sítio onde as mordomias da tecnologia, os prazeres da mesa, o encanto das coisas simples e a Natureza em estado puro se conjugam numa experiência única? É fácil: Herdade da Malhadinha Nova. Fomos conhecer uma das unidades mais icónicas do enoturismo do Alentejo e do país, agora com uma […]

Como é que se define um sítio onde as mordomias da tecnologia, os prazeres da mesa, o encanto das coisas simples e a Natureza em estado puro se conjugam numa experiência única? É fácil: Herdade da Malhadinha Nova. Fomos conhecer uma das unidades mais icónicas do enoturismo do Alentejo e do país, agora com uma “extensão” em terras algarvias.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Gomez

Em 1998, a família Soares, proprietária da rede de garrafeiras com o mesmo nome, decidiu dar um passo a montante na fileira do vinho e tornar-se produtora. Adquiriu a Herdade da Malhadinha Nova, em Albernoa, a sul de Beja, e começou a plantar vinha. O sucesso da aposta mede-se, duas décadas depois, pelo constante crescimento das suas marcas, pela excelência das infra-estruturas e pela aposta no enoturismo. A Malhadinha é uma referência. E uma escola.
Aos 35 hectares iniciais de vinha criados a partir de 2001 juntaram-se mais 20 em 2017, e outros 20 em 2018, a que podemos ainda acrescentar a aquisição de uma vinha velha (plantada em 1949) com quatro hectares, ali bem perto. Destas vetustas cepas saíram as edições inaugurais de Vale Travessos Vinhas Velhas, da vindima de 2016 – e, passe a publicidade (desnecessária, de resto, numa casa que sabe “vender” os seus vinhos como poucas), quem quiser conhecê-las terá de ser rápido: foram feitas apenas 670 garrafas de branco e 370 de tinto. Numa parceria com a família Pereira Coutinho, a equipa da Malhadinha Nova é agora também responsável pelos 12 hectares de vinha da Quinta de Mata-Mouros, em Silves, Algarve, e dos vinhos Convento do Paraíso que de lá saem.

Mas este crescimento na área plantada e no volume de vinhos produzido está prestes a ser eclipsado por outro investimento, numa área em que a Malhadinha faz também questão de estar no topo: o enoturismo. Quando chegar o Verão, aos dez alojamentos disponíveis no núcleo central do hotel rural (aberto em 2008) vão juntar-se outros 16 em quatro blocos espalhados pela propriedade e ainda mais quatro numa casa situada no centro de Albernoa, a Casa Amarela (que conta ainda com sala comum, cozinha, pátio interior e terraço panorâmico). E, já que falamos de pernoitas, uma palavra ainda para a villa no meio das vinhas disponível na Quinta de Mata-Mouros.
Turismo e vinho de mãos dadas, produção e distribuição a todo o gás, visão e capacidade de investimento. Sim, tudo isso, mas sempre com os pés na terra. Literalmente: o respeito pelo meio ambiente marca a gestão da casa, com a transição já feita para o modo de produção biológico – e a azáfama nas vinhas mostra bem como esta opção exige esforço e dedicação. Na Malhadinha Nova, trabalham a tempo inteiro mais de 50 pessoas – e esse contingente está neste momento substancialmente reforçado pela presença das equipas de construção civil, em tarefas de acabamento dos novos núcleos de alojamento, entre outras obras que decorrem na herdade.
Como é que todos estes trabalhos podem coexistir com uma unidade hoteleira que apregoa a tranquilidade e a paz dos grandes espaços? A resposta, mais uma vez, é simples: a Herdade da Malhadinha Nova, que agora engloba outra propriedade comprada mais recentemente, tem 455 hectares. Há espaço para tudo. Se precisa de um bom exemplo, fixe este número: entre o núcleo de entrada (onde se situam o restaurante, a adega, a loja e o picadeiro) e o hotel temos de percorrer 1500 metros de estrada de terra batida. Isso mesmo: um quilómetro e meio! Passando de caminho por uma ribeira que pode galgar as margens quando chove muito. Sim, a aventura espreita.

Mas a nossa viagem começa mais a sul, na margem esquerda do rio Arade, junto a Silves. É aqui que encontramos a Quinta de Mata-Mouros, um apaziguante recanto de sossego e beleza natural, encaixado entre as encostas da serra e o plano de água que lhe corre mesmo aos pés. A propriedade tem 120 hectares e inclui, para além das vinhas, nos terrenos mais elevados, áreas de pomar, hortas e bosque. A água está por todo o lado, há cães e galinhas, mas quem manda é a passarada.
Ao longo da estrada ribeirinha, encontramos vários núcleos de construção. Antes de mais, o convento, edifício do século XVI devotado a Santa Rita e que é utilizado agora apenas para alojamento de convidados e funcionários – há planos para o abrir ao público. Depois, a zona visitável, com a loja (de planta circular – foi construída numa antiga eira – e onde é obrigatório prestar atenção ao extraordinário travejamento do tecto) e a adega (onde se destacam os lagares em pedra e as linhas agudas – quase nórdicas – do telhado em abas sucessivas). Árvores enormes compõem o espaço, o cheiro das laranjeiras em flor paira sobre as hortas e os terraços que vão dar ao rio. Por entre a folhagem, podemos perceber a silhueta do casario de Silves.
Mas, para apreciar verdadeiramente a paisagem, há que subir às vinhas. A pé, se a alma e as pernas estiverem fortes, ou de jipe. Lá em cima, Silves, na margem oposta, oferece-se à vista, as casas brancas e o rosado das muralhas do castelo fundidas num mosaico de grande beleza. No meio das vinhas, a surpresa de encontrarmos um heliporto e, depois, rodeada por algumas árvores, uma casa com piscina de horizonte infinito sobre o rio e a ondulação da serra algarvia. Está disponível para aluguer.
Ninguém imaginaria todo este espaço e tamanha variedade de paisagens no que parecia apenas um recanto entre o rio e a estrada nacional. Mas aqui há de tudo, incluindo, claro, a casa de família, mais ao fundo, mas fora do roteiro enoturístico. Que um tal oásis de sossego tenha este nome tão “bélico”, por assim dizer, é outra aparente incongruência. Mas só aparente… O topónimo Mata-Mouros não deriva da fama de algum cavaleiro cristão de espada afiada. Nada disso: era a mata dos mouros. E está tudo explicado.
A equipa da Malhadinha Nova começou a divulgar o enoturismo da quinta há apenas um ano e o movimento começa agora a ser mais regular, justificando a elaboração de programas próprios, que ainda não estavam disponíveis quando foi feito este trabalho. Tratando-se do Algarve, não surpreende que os estrangeiros sejam o contingente mais forte entre os visitantes do projecto Convento do Paraíso, mas o prazer não tem nacionalidade. E, já agora, os vinhos são uma bela surpresa.[/vc_column_text]

QUINTA DE MATA-MOUROS
Quinta de Mata Mouros, Silves
Tel: 911 933 949
Mail: info@conventodoparaíso.com
Web: www.conventodoparaiso.com
Actualmente, as visitas carecem de marcação antecipada e o alojamento na casa isolada junto às vinhas tem preço sob consulta. Mas todo o projecto enoturístico está a ser desenhado de raiz e, por isso, não é ainda possível avançar tabelas de preços nem menu de programas, visitas e provas. A actualização desta informação está prometida para breve, pelo que se aconselha consulta prévia na Internet.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 3
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17

De Silves a Albernoa são pouco mais de 100 quilómetros, uma horinha de caminho que nos leva das serranias algarvias às suaves ondulações da planície alentejana. E um preço irrisório a pagar quando o objectivo é tão saboroso. Adjectivo adequado, porque começamos o programa da estadia com um belo jantar no restaurante da herdade, aberto ao público. Depois, rumamos ao hotel. É de noite quando chegamos, mas a falta de paisagem terrestre é amplamente compensada pela explosão silenciosa de estrelas no céu.
O dia seguinte começa novamente sob o signo da boa mesa. Os pequenos-almoços da Malhadinha são míticos e, por isso, talvez nem seja adequado vir aqui um confesso mau garfo matinal tecer grandes comentários… Uma coisa é certa: tudo o que lá está é bom e há de tudo. E o que não houver, é só pedir. Adiante, que temos muito para descobrir, dentro e fora de portas.
Os quartos, naturalmente, são excelentes, num equilíbrio perfeito entre o rústico e o sofisticado – vale a pena destacar a banheira de grandes dimensões, o tablet e as ofertas de fruta e vinho, a par do generoso espaço disponível e de pormenores de decoração de gosto inatacável. As salas comuns são acolhedoras e oferecem uma série de recantos que permitem alguma intimidade mesmo que haja muitos hóspedes. Mas é lá fora que está a essência da Malhadinha. Piscina, relvados com espreguiçadeiras e sofás, spa (jacuzzi, banho turco, salas de massagem), tanques com água, esplanadas, oliveiras vetustas e laranjeiras jovens, uma linha de ciprestes delimitando o espaço num dos flancos, vinhas a toda a volta.
Sim, porque o olhar depressa ganha profundidade de campo (nunca a expressão caiu tão bem como neste contexto). O hotel fica sobre uma plataforma elevada, reinando sobre a paisagem grandiosa. Prados, manchas de arvoredo (eucaliptos e sobreiros), colinas que escondem e mostram ao mesmo tempo. Há por aqui bicicletas e moto-4 para quem quiser percorrer esta imensidão. As surpresas aparecem por todo o lado.
Primeiro, a ribeira, que corre pela planura alentejana até que, de repente, atravessa um maciço rochoso, criando uma zona de penhascos na rocha xistosa. Estaremos no Douro? Não, talvez seja a serra algarvia, a julgar pelas giestas que povoam esta encosta aqui. A vista alarga-se: de um lado, Beja, a uns 20km; do outro, Castro Verde, a 25. Mas quando saímos do mato mediterrânico deparamos com novas vinhas, onde um grupo de mulheres vai fazendo a poda. E, logo a seguir, já confinando com uma curva da ribeira, verdes prados salpicados do castanho das vacas. Ribatejo?! Andamos pelo meio das simpáticas ruminantes e chegamos à água. Canoagem, pesca, caminhadas… há aqui um mundo de aventuras à espera dos mais activos. Isso ou sentarmo-nos à sombra de um sobreiro enquanto o tempo passa devagar.
Nestes cenários tão diversificados estão a nascer as novas suítes e villas exclusivas, em quatro núcleos separados. Todas as ruínas da propriedade estão a ser transformadas em alojamentos de luxo. Em breve, em vez de 10 alojamentos, haverá 26 disponíveis. É um crescimento assinalável, mas não é de crer que a atmosfera da Malhadinha Nova venha a sofrer alterações sensíveis. As cegonhas continuam a fazer ninhos nos pontos altos, as águas da ribeira vão galgar as margens sempre que a chuva caia com mais abundância, os cavalos e as vacas continuarão a pastar à vontade nas colinas sem fim.
Por cima, um céu incrível vai desvendar-se à noite. E, na terra, as vinhas vão florir e dar origem a belos vinhos. Brindemos com eles à beleza da vida no campo. Com todas as mordomias que a era moderna nos proporciona, já agora.

HERDADE DA MALHADINHA NOVA
Herdade da Malhadinha Nova, Albernoa
Tel: 284 965 432/429 (hotel); 284 965 210/211 (restaurante); 927 701 022 (visitas)
Mail: geral@malhadinhanova.pt; elisa.costa@malhadinhanova.pt; isa.maximo@malhadinhanova.pt
Web: www.malhadinhanova.pt
GPS: 37º49’50.60’’N | 7º59’20,91’’W
As visitas guiadas à propriedade e à adega realizam-se de segunda a sábado em três horários (11h, 12h, 15 ou 16h – de Outubro a Maio; 11h, 12h, 16 ou 17h – Junho a Setembro) e custam entre 10 e 35 euros por pessoa, conforme o leque de vinhos a provar. O acompanhamento com tábua de enchidos e queijos fica por mais 5 euros. Recomenda-se marcação prévia. A visita com prova de três vinhos é oferta para hóspedes do hotel e clientes do restaurante. Os quartos custam entre 300 (single) e 400 (suíte) euros por noite. As novas suítes e villas terão preços que vão dos 450 aos 1500 euros. O leque de experiências é vastíssimo, com passeios a pé, de canoa, cavalos, jipes, bicicletas, moto-4, charrete, mas também pesca, massagens, tiro com arco, yoga… E roteiros culturais, workshops de gastronomia, experiências enológicas, observação de aves. E muito mais.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 3
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 19

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Numa zona onde, espantosamente, assistimos a uma incrível concentração de unidades de enoturismo de grande nível, qualquer roteiro gastronómico não pode deixar de fora mesas como as da Malhadinha Nova, dos Grous ou do Vila Galé, mas aqui optamos por falar de restaurantes que estão fora desse circuito. Delicie-se com a comida tradicional alentejana do Campo do Caroço, em Albernoa, ou da Casa do Alentejo, em Castro Verde. E, já que demos um saltinho ao Algarve, deixe-se encantar pelos petiscos do Mato à Vista, em Cabanita, Paderne.

CAMPO DO CAROÇO – Largo da Liberdade, 7, Albernoa | 963 009 095
CASA DO ALENTEJO – Largo da Feira, Castro Verde | 286 327 132
MATO À VISTA – Cabanita, Paderne (37º11’39’’N | 08º13’20’’W) | 289 367 101 / 967 036 016

Edição nº25, Maio 2019

 

Com os pezinhos na areia

O sol de Primavera já por aí anda há uns tempos e o apelo da praia intensifica-se. Por isso, fomos dar uma volta com os pezinhos na areia – não à beira-mar, mas pelas vinhas da Península de Setúbal. Um roteiro por terras acolhedoras, com vinhos excelentes e… muita bicharada! TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo […]

O sol de Primavera já por aí anda há uns tempos e o apelo da praia intensifica-se. Por isso, fomos dar uma volta com os pezinhos na areia – não à beira-mar, mas pelas vinhas da Península de Setúbal. Um roteiro por terras acolhedoras, com vinhos excelentes e… muita bicharada!

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Gomez

Das margens do estuário do Sado às planuras de fronteira com o Alentejo, das zonas urbanas da cintura de Lisboa aos espaços abertos da costa atlântica, a Península de Setúbal é rica e multifacetada. Na geografia, na paisagem, na tradição – há quem garanta que foi por aqui, há cerca de 4000 anos, que foram plantadas as primeiras vinhas da Península Ibérica. É também aqui que encontramos a segunda região demarcada mais antiga do país, depois da do Vinho do Porto: em 1907, o Moscatel de Setúbal viu o seu estatuto único reconhecido.
Hoje, com 9500 hectares de vinha, a região vitivinícola da Península de Setúbal produz mais de meio milhão de hectolitros de vinho (em 2017/18: 525 milhões), cerca de oito por cento do total nacional. E se o Moscatel de Setúbal continua a ser a maior bandeira de excelência, é impossível fechar os olhos a uma realidade que se afirma: com boas produções e enologia cada vez mais cuidada, os vinhos da região conquistam os mercados internos e externos com a sua notável relação preço/qualidade. Grandes campeões de vendas (Bacalhôa, José Maria da Fonseca, Casa Ermelinda Freitas, Cooperativa Agrícola de Pegões) e muitos produtores de menores dimensões povoam uma região onde imperam os terrenos de areia.
Palmela é o concelho português com mais área de vinha e é quase impossível andar na estrada sem ver as tabuletas que indicam “adega”, um pouco por todo o lado. Mas, desta vez, fugimos do epicentro do sector e formos procurar experiências enoturísticas por outras paragens em redor. Começamos por Setúbal, nas margens da ribeira de Marateca; passamos por Azeitão, fomos até Canha e depois terminamos no Poceirão. Três produtores, quatro propostas para umas horas ou dias bem passados, por entre belos vinhos, boa comida, paisagens que nos fazem esquecer a proximidade dos grandes centros urbanos, gente que sabe receber e muita bicharada. Sim, promete-se interacção com criaturas peludas e penudas. Venham daí, que o sol já vai alto e a jornada promete.

A Gâmbia é um país africano, pois, mas é também uma localidade do distrito de Setúbal e uma herdade que lhe foi buscar o nome. Saímos da EN10 poucos quilómetros a leste da capital de distrito e num instante esquecemos os prédios, os semáforos e os mares de gente. Enormes sobreiros, casas térreas brancas debruadas a azul, ao longe o brilho ofuscante dos planos de água. A maré cheia transforma a foz da ribeira de Marateca num espelho imenso (algumas horas depois, é apenas um canal de água rodeado de planícies de lodo), percebem-se a estrutura rectilínea das salinas e o pontilhado das aves em constante movimento.
A Herdade de Gâmbia tem 650 hectares, 30 dos quais de vinha, de onde saem uvas para os vinhos da casa (a cargo da Sociedade Agrícola Boas Quintas e do enólogo Nuno Cancela de Abreu) e para vender a outros produtores da região. A cortiça, o pinhal e alguma pecuária completam a actividade agrícola da herdade, mas o turismo está a ganhar cada vez maior importância. O espaço Lugar dos Pernilongos (nome de uma ave aquática, já agora), que junta zona de refeições, forno a lenha, terreiro de areia e um telheiro cheio de brinquedos, salta à vista logo à entrada, mas a sua essência está alguns metros mais à frente, nos terrenos e construções contíguos ao núcleo central da herdade: a quinta pedagógica.
Num instante estamos “à conversa” com a Pamela, que se deita no chão de barriga para o ar, à espera de festas. A Pamela é uma porca vietnamita, que aqui chegou depois de anos a viver fechada num apartamento. Com ela estão a Flor de Sal (uma ovelha gorducha), o Ernesto, a Emília e a Papoila (família de cabras anãs), a burra Alfarroba e o seu marido Malaquias. E há coelhos, galinhas, patos e gansos, porcos e cavalos, uma pavoa e uma tartaruga. E um cão, já agora.
Como a miudagem tem muito com que se entreter (incluindo aprender a fazer pão, ou conhecer os segredos da lã, por exemplo), os pais podem aproveitar para se aventurar nos trilhos da herdade, para caminhadas ou sessões de observação de aves. Isto, claro, com a promessa de belos vinhos para provar no regresso. Mesa posta no jardim, com vista para a ribeira, a passarada a chilrear por ali, um sol que desmente o calendário e faz esquecer o Inverno. Uma vinha estende-se até à linha de arvoredo que separa os terrenos agrícolas da zona de influência da maré e há um cavalo que espreita para lá das sebes.
À saída, mediante marcação prévia, podemos sentar-nos no telheiro para desfrutar uma refeição no campo. E é obrigatório passar pela loja para levar os vinhos da casa connosco. Mas leva-se sempre muito mais do que isso quando voltamos à estrada.
HERDADE DE GÂMBIA
Rua da Liberdade, 2910-219 Setúbal
Tel: 265 938 050 / 964 179006 (Lugar dos Pernilongos)
Mail: herdadegambia@gmail.com / lugardospernilongos@gmail.com
Web: www.herdadegambia.com
GPS: 38.553150, -8.760399
Para além das actividades da quinta pedagógica, a herdade oferece a possibilidade de passeios pedestres (com ou sem guia) e observação de aves. O passeio pelos observatórios (há três, nas margens da ribeira da Marateca) custa apenas um euro por pessoa, sem guia – a presença deste será orçamentada em função das circunstâncias. Solicita-se marcação antecipada. Há seis programas de provas de vinhos (mínimo: 4 pessoas), variando entre os 5,5 euros por pessoa (3 vinhos, sem canapés) e os 12,2 euros (cinco vinhos, incluindo Reserva e Moscatel, com canapés). Refeições para grupos mediante consulta.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,6
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

Num instante mudamos de mundo. A atmosfera bucólica da Herdade de Gâmbia cede o passo ao ritmo aristocrático de Azeitão e, passando ao largo da casa do treinador José Mourinho, eis-nos perante as primeiras vinhas da Quinta de Catralvos, sede da Malo Wines. São 22 hectares exclusivamente de castas brancas (ou quase, porque há uma parcela de Moscatel Roxo), em terrenos planos ou levemente ondulados em redor da adega.
Entramos na loja e vemos muitos vinhos tintos. Como é que… Bom, a explicação é simples: as vinhas tintas ficam noutro espaço da empresa, que é propriedade do médico Paulo Malo. Lá iremos, ao Monte da Charca, em Canha. Mas, por agora, vamos conhecer as instalações deste produtor que faz à volta de 500 mil garrafas por ano, mas cuja adega presta serviços a mais de uma dezena de clientes externos, responsáveis por outro meio milhão de garrafas.
A adega, naturalmente, é ampla, com uma capacidade instalada de 1,2 milhões de litros, termicamente isolada por um prado que cresce na cobertura e com os seus espaços mais “nobres” ocupados por barricas onde estagiam tintos e envelhecem moscatéis. No edifício contíguo, junto à loja, o enorme salão para eventos, com capacidade para até 500 pessoas, e o espaço do restaurante (tem chef residente, mas não está aberto ao público, recebendo apenas eventos e refeições de grupos mediante marcação).
Nas traseiras, o módulo dos quartos, cinco ao todo, com uma sala comum. O regime aponta para uma lógica de self-service, com o pequeno-almoço a ser deixado à porta. Aqui predominam os visitantes estrangeiros, na sua maior parte verdadeiros enoturistas, que visitam a região com o foco nos seus vinhos. É diferente a algumas dezenas de quilómetros dali, numa zona onde três regiões – Península de Setúbal, Tejo e Alentejo – se encontram. Dirigimo-nos a Canha, rumo ao Monte da Charca, um local mais procurado por famílias.
O contraste com Catralvos é ainda mais evidente na atmosfera campestre (chega-se lá por estrada de terra batida, com a surpresa de passarmos por um enorme parque de painéis solares) e na composição das vinhas, que só contemplam castas tintas. Não há adega, porque as uvas são colhidas à noite e seguem para Azeitão. O Monte da Charca é uma verdadeira unidade de alojamento rural, com os quartos rodeados de vinha e bicharada, silêncio total e um céu que explode em estrelas. Quando a Grandes Escolhas lá esteve, estavam em fase adiantada obras de remodelação, que prometiam transformar o local num destino de eleição.
Então vejamos: piscina coberta e spa, piscina exterior e barragem com uma ilha, planos para criar um alojamento num barco e outro numa camioneta vintage, restaurante, muito espaço e um verdadeiro zoo nos cercados ali à volta. Uma família de gamos, outra de avestruzes, javalis, um lama, cavalos, burros, um rebanho com mais de 300 ovelhas… a lista poderia continuar, mas não podemos esquecer os cães. Vários, grandes e pequenos, à solta pelos relvados, sempre prontos para saudar quem chega.
Com 55 hectares de vinha ali à volta, boas estradas de terra batida e caminhos bem desenhados, passear a pé ou de bicicleta é quase obrigatório. Passamos pelos cercados e percebemos que muitos dos animais apreciam o contacto com os humanos – um gamo que encosta a cabeça à grade para ser coçado, as avestruzes que se aproximam curiosas e… gulosas, burros que gostam de festas. Já os javalis procuram esconder-se e o lama, bom, esse mira-nos com ar desconfiado. Uma ponte de madeira permite-nos chegar à ilha, só para descobrirmos que uma parte das ovelhas se adiantou e já ocupa as melhores sombras…
Resta dizer que a gama de tintos feitos com as uvas do Monte da Charca é extraordinária e que, quanto mais não fosse, vale a pena a visita só para ficar sentado a ouvir o silêncio com um copo na mão.

QUINTA DE CATRALVOS
EN379, 2925-708 Azeitão
Tel: 212 197 610
Mail: geral@quintadecatralvos.com
Web: www.quintadecatralvos.pt
As provas de vinhos (que podem incluir visitas à adega e às vinhas) custam entre seis euros por pessoa (grupos com mais de 50 pessoas, três vinhos) e 12,5 euros (entre duas e nove pessoas, três vinhos com queijo ou torta de Azeitão). A experiência vínica, em que os visitantes vestem o papel de enólogo, fica a 28,5 euros por pessoa (grupos entre 10 e 50 pessoas). O preço dos quartos varia entre os 68 e os 98 euros por noite.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

MONTE DA CHARCA
Olho De Bode De Cima, 2985-708 Canha
Tel: 212 197 610
Mail: geral@quintadecatralvos.com
Web: www.quintadecatralvos.pt
O preço dos quartos oscila entre os 75 e os 150 euros por noite. Os programas enoturísticos são centralizados na Quinta de Catralvos, mas é sempre possível realizá-los no Monte da Charca, mediante marcação.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): *
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 18*
(*nota ponderada; a filosofia do local não contempla a existência de loja)

As mulheres, por estas bandas, têm muito que se lhe diga. Estamos na Quinta da Invejosa, sede do produtor Filipe Palhoça, e em frente, do outro lado da estrada, está a Quinta da Teimosa… O comentário é feito, em tom de brincadeira, enquanto contemplamos a paisagem que rodeia as instalações da Filipe Palhoça Vinhos, no Poceirão. E se a vista é bonita daqui, da enorme varanda no primeiro andar, também é muito interessante lá de baixo, contemplando o edifício.
Cinzento e amarelo, com uma fachada central mais escura, feita com painéis de cortiça. A descrição até pode soar estranha, mas há toda uma elegância que ressalta deste visual que nos remete para as antigas civilizações mediterrânicas, sensação reforçada pela colunata lateral. As obras ainda decorriam quando a Grandes Escolhas visitou a quinta, mas já se podia ter uma noção bem segura do resultado final. É o investimento mais recente de uma casa que começou a apostar no enoturismo há menos de dois anos.
A Quinta da Invejosa tem 18 hectares de vinha (ao todo, a empresa possui 95 hectares de vinhedos), em solos planos de areia, uma adega com capacidade para 1,2 milhões de litros, loja moderna e decorada num misto de tradição e modernidade, salão para eventos e provas. Em breve, terá também uma esplanada exterior com vista para a vinha pedagógica (onde estão plantadas as duas dezenas de castas trabalhadas pela empresa) e um quintal interior onde se planeia promover a interacção com animais domésticos.
As obras de remodelação cortaram o ímpeto inicial da procura enoturística, mas agora não há desculpa para falhar a visita a este local. O cuidado nos detalhes é evidente (o balcão tem uma zona rebaixada, para facilitar o acesso a quem se desloque em cadeira de rodas – e isto é só um exemplo), há peças muito interessantes para apreciar – como o alambique e caldeira que se alinham numa parede interior da loja – e o leque de experiências pode incluir uma refeição ou prova de vinhos na nave de barricas.
Na cave, para além das barricas, há também um pequeno espaço onde estão expostas algumas garrafas que contam a história da casa. O primeiro vinho engarrafado (S. Filipe, um tinto de Castelão) data de 1995 e desde aí a gama alargou-se para três marcas: S. Filipe, Quinta da Invejosa e Filipe Palhoça. Há também Moscatel, claro, e aguardente. Escolha-se um destes néctares e passe-se o olhar em redor, pelas planuras onde as vinhas começam a despontar, pelas linhas de arvoredo ao longe, o casario disperso. A haver aqui espaço para a inveja, será certamente de quem passa na estrada e não pode parar para saborear a vida…

QUINTA DA INVEJOSA
EN5, km 24,8, 2965-213 Poceirão
Tel: 265 995 886
Mail: geral@filipepalhoca.pt
Web: www.filipepalhoca.pt
GPS: N 38º37’18’’ | O 8º43’30’’
Há duas visitas guiadas por dia – 10h e 15h30 no Verão (Abril a Outubro); 10h30 e 15h no Inverno (Novembro a Março). Aos domingos, solicita-se marcação antecipada e um mínimo de oito participantes. Os preços variam conforme a prova de vinhos escolhida e vão desde os quatro euros por pessoa (três vinhos) até aos 14 euros (cinco vinhos e produtos regionais, mínimo quatro participantes). Há também uma prova de espumantes com harmonizações (10 euros, mínimo quatro pessoas). Refeições para grupos mediante consulta. A loja está aberta de segunda a sábado, entre as 9 e as 13h e das 14h às 18h.

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Nem sempre é fácil navegar no dédalo de estradas que cruzam na enorme planície de aluvião que caracteriza esta zona da península de Setúbal e a maioria dos restaurantes alinham pela filosofia de estabelecimento de estrada. Mas há alternativas muito interessantes para “reabastecimento” dos visitantes. Aqui ficam três sugestões, desde os grelhados da Casa das Tortas de Azeitão aos petiscos da Pérola da Mourisca, passando pelo estilo wine bar e sala de chá do Mar Até Cá.

CASA DAS TORTAS DE AZEITÃO – São Lourenço (Vila Nogueira de Azeitão), Praça da República, 37A | 969 146 996

MAR ATÉ CÁ – Rua 5 de Outubro, Cajados | 962 465 120

PÉROLA DA MOURISCA – Rua Baía do Sado, 9, Setúbal | 265 793 689

Edição nº24, Abril 2019

 

Abrem-se horizontes em Monforte

Alto Alentejo, zona de transição para a serra de S. Mamede, vinhos que combinam a frescura da altitude com a força de uma terra quente. Património, gastronomia, gentes que abrem a porta. Passado, presente e futuro. E uma paisagem a perder de vista. TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga Terras férteis, ribeiras que drenam […]

Alto Alentejo, zona de transição para a serra de S. Mamede, vinhos que combinam a frescura da altitude com a força de uma terra quente. Património, gastronomia, gentes que abrem a porta. Passado, presente e futuro. E uma paisagem a perder de vista.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Terras férteis, ribeiras que drenam a face sul da serra de S. Mamede, ali ao fundo na linha do horizonte, e uma localização geográfica estratégica – a meio caminho entre Mérida, a capital da província ibérica, e Lisboa. Os romanos encontraram em Monforte território acolhedor e rico, instalando-se por ali há mais de dois mil anos. Hoje, as ruínas de Torre de Palma levantam o véu sobre o que seria a vida nesta luxuosa villa, que dominava o extenso planalto agrícola. A família Basilii, nome que chegou até nós numa inscrição encontrada no local, marca o início da história registada de uma região com muito passado e que tenta não perder o comboio do futuro.
Monforte fica junto a um eixo rodoviário principal, o IP2, a meio caminho entre Estremoz e Portalegre, e não será a dificuldade dos acessos a explicar o seu despovoamento. Falamos de uma das regiões do país com menos gente e neste concelho vivem agora pouco mais de 3000 pessoas – eram para cima de 8000 na década de 1950. Com 7,9 pessoas por quilómetro quadrado, não espanta que a Natureza e os grandes espaços sejam a marca de água deste município. A agricultura e a pecuária são pujantes, há pedreiras de granito. E faz-se vinho. Do bom.
É surpreendente consultar o sistema de navegação do carro e perceber que estamos a cerca de 350 metros de altitude, rondando os 400 em alguns locais. Não é o planalto das Beiras, mas aqui já estamos na meseta ibérica, esse bloco primordial da península que transforma Espanha num dos países europeus com altitude média mais elevada. Para os vinhos, isto é extraordinário: as amplitudes térmicas são muito significativas, as brisas sopram com mais frequência e a exposição solar é quase uniforme, dada a suavidade da orografia. Alie-se a isto a tal terra fértil e abundância de água que tanto seduziu os romanos (e outros antes deles, que os vestígios de povoamento remontam ao Neolítico) e temos uma receita garantida para uvas de grande qualidade. Ainda com um extra: a surpreendente mineralidade proporcionada pela influência do granito no subsolo.
Por tudo isto, e muito mais, Monforte é terra que merece uma visita. Para quem vem até aqui, as opções são muitas e – coisa surpreendente no Alentejo… – não ficam longe. Olhando apenas para um raio de uns 30km em redor da vila, podemos encontrar as fortalezas de Elvas, os encantos de Vila Viçosa, a monumentalidade de Estremoz, os cavalos de Alter, as águas da barragem do Caia, os encantos “alpinos” e históricos de Portalegre, Castelo de Vide e Marvão. É muito para absorver. Mas não vale a pena ter pressa. Saboreie devagar este Portugal preservado no tempo. E com um copo na mão, já agora. Nós ensinamos o caminho.

Se há um sítio onde o passado, o presente e o futuro desta região se encontram, ele é o Torre de Palma Wine Hotel, uma unidade hoteleira de cinco estrelas com 19 quartos, restaurante onde o chefe Filipe Ramalho é assumido candidato à estrela Michelin e um conjunto de mordomias de excelência. Ali ao lado, as ruínas da villa da família Basilii (o nome adoptado pelo restaurante do hotel), são um legado, mas também uma inspiração.
A ideia é replicar o que os romanos faziam por aqui: um hotel emula a hospedaria dos primeiros séculos desta era, o spa recorda as termas, os cavalos continuam a tradição dos puro-sangue Lusitano (cuja origem pode bem estar nestas terras), o restaurante. E os vinhos, claro, assinados originalmente pelo enólogo Luís Duarte e agora nas mãos de Duarte de Deus. As vinhas estão mesmo ali ao lado, a adega limita num dos cantos o enorme quadrilátero de construções dominado, ao meio, pela torre medieval (data de 1338).
Tudo aqui é limpo, bonito, arranjado, elegante. Mas sem que jamais se perca a matriz rústica de um hotel rural. Ao traço arquitectónico de João Mendes Ribeiro junta-se a decoração de Rosarinho Gabriel e o seu trabalho conjunto funde-se com uma paisagem grandiosa, de longínquos horizontes em tonalidades de verde. Ao longe, as silhuetas da serra de S. Mamede (1025m), de um lado, e da serra de Ossa (653m), do outro. O pôr-do-sol visto do alto da torre, onde se pode saborear a “welcome drink” oferecida aos hóspedes, é qualquer coisa de mágico. Mas vale sempre a pena o esforço de subir umas boas dezenas de degraus. A qualquer hora.
Já que estamos por aqui, olhemos com atenção para o que nos rodeia. A piscina, a horta biológica, a vinha, o pomar, o bosque de pinheiros, as pastagens sem fim pontilhadas de vacas, o picadeiro e as boxes dos cavalos, as cegonhas de se saúdam matraqueando os bicos, os dois grandes terreiros cercados de construções térreas. As que têm telhas são recuperadas, as cobertas com placas de cimento foram acrescentadas ao complexo (casos do restaurante e da loja/adega). O hotel abriu em Maio de 2014 e neste momento já inverteu a tendência inicial e acolhe mais portugueses (60%) do que estrangeiros.
Mas é nos detalhes que está o maior encanto. A piscina interior, os quartos luxuosos, a incrível decoração da loja (que parece transportar-nos para o imaginário do Faroeste…), o notável Cristo esculpido em cortiça que encontramos na capela, as obras de arte e peças de artesanato espalhadas pelos salões do edifício principal, o enorme forno comunitário, a adega moderna cujo visual faz lembrar uma catedral. Há por aqui muita coisa para fazer e desfrutar, mas, por agora, fiquemo-nos por aqui, em silêncio, de copo na mão enquanto sol doura a paisagem.

TORRE DE PALMA WINE HOTEL
Herdade da Torre de Palma, Monforte
Tel: 245 038 890
Mail: reservas@torredepalma.com
Web: www.torredepalma.com
GPS: 39º 4’ 6’’N | 7º 29’ 20’’W
Os preços começam (época baixa, dias de semana) nos 145 euros do quarto duplo, 185 euros para o duplo superior, 185 euros para o quarto familiar e 345 euros para a master suíte. Restaurante, spa (com tratamentos e massagens), visitas à adega, provas de vinhos ou workshops de cozinha são algumas actividades disponíveis no interior do hotel. No exterior, temos passeios de balão, bicicletas, observação de estrelas, passeios a cavalo, aulas de equitação. E recomenda-se a visita às ruínas romanas.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 3
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 3
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 19,5

Ali a poucos quilómetros, na estrada para Arronches, o roteiro enoturístico continua com a visita a um produtor que já faz mais de 500 mil garrafas anuais, a que se juntam outras 100.000 oriundas da região de Arraiolos (do Monte do Pintor, na posse do mesmo grupo de investidores chineses sediados em Macau). Estamos na Herdade do Perdigão, 40 hectares de vinha rodeando o edifício da adega e o complexo habitacional, a casa principal decorada com a réplica de uma torre medieval.
As ondulações suaves do terreno dão um encanto especial à vinha, por agora ainda sem verde, mas emolduradas por linhas de arvoredo. Da estrada, somos convidados a entrar por um pórtico de paredes brancas e barras amarelas, um sobreiro de cada lado, uma estrada que se estende até à linha do horizonte. Imagens icónicas de um Alentejo que se reinventa sem perder o contacto com as raízes.
Chegamos à adega, passamos pela sala de provas maior, onde pontifica uma mesa comprida e as paredes estão “decoradas” com alvéolos de cimento onde se arrumaram as garrafas que fazem o arquivo vivo da casa. O rendilhado das etiquetas e cápsulas foram um efeito visual muito interessante. Uma curiosidade: apesar de a propriedade se chamar Herdade do Perdigão, os vinhos perderam a contracção da preposição e do artigo, chamando-se apenas Herdade Perdigão. Uma disparidade que poderá, quiçá, dar uma boa história para ouvir de copo na mão.
Porque aqui é do contacto directo com o visitante que se faz, também, a magia da visita. Depois de descermos à zona de trabalho, onde pontificam os depósitos em inox, e de passearmos pela bonita nave das barricas, voltamos a subir, para uma outra sala de provas, onde as garrafas já estão sobre a mesa. Cá fora, um generoso sol de Inverno vai afastando o frio (mais uma vez, as grandes amplitudes térmicas marcando o carácter da região), os cães ladram lá ao longe abanando as caudas, os sons do campo ecoam pelas colinas e pelo complexo de construções, que inclui, num plano mais próximo, uma pequena capela. Lá dentro, o vinho começa a passar pelos copos.
Fala-se da história recente da herdade, de como foi adquirida por Carlos Gonçalves, empresário ligado às tecnologias bancárias, que um dia decidiu voltar ao seu ramo, abrindo espaço ao mais significativo investimento chinês no sector vitivinícola em Portugal. Mudou isso, mas manteve-se o padrão de fazer vinhos de qualidade a partir das vinhas velhas que se alinham pelos campos em redor à espera que a Primavera as faça voltar à vida, num círculo mágico que desafia o tempo.

HERDADE DO PERDIGÃO
Herdade do Perdigão, Monforte
Tel: 967 304 941
Mail: schaves@herdadeperdigao.pt
Web: www.herdadeperdigao.pt
O enoturismo funciona aos dias de semana, entre as 8h30 e as 17h30, e é possível optar por três provas distintas, variando a gama dos vinhos apresentados: “As nossas tradições” – 11 euros por pessoa, com quatro vinhos; “O Terroir dentro do Terroir” – 14 euros por pessoa, com quatro vinhos; “A Melhor expressão do nosso Terroir” – 19 euros por pessoa, três vinhos. Em qualquer dos casos, com o mínimo de dois participantes.

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 16,5

Curiosamente, umas das primeiras imagens que retemos do nosso destino seguinte é também uma torre, vigiando do alto de uma colina as bandas de vinha que se estendem num sobe e desce que tão depressa esconde como revela a paisagem circundante. É uma construção moderna, com fins tão prosaicos como servir de depósito para as alfaias agrícolas, mas fornece um miradouro fantástico sobre a propriedade. Estamos na Quinta de S. Sebastião, outrora domínio do Marquês da Praia e Monforte, agora sede da empresa Lima Mayer.
Se a torre é recente, o que não falta por aqui são testemunhos do passado, com destaque para a igreja visigótica do século XI, uma de várias construções que nos falam da matriz religiosa do complexo, que acolheu em tempos uma comunidade de frades. A profusão de nascentes deu origem a um dédalo de fontes, canais, barragens, aquedutos e tanques – e esta generosidade da Natureza ajuda a explicar a longa história de ocupação humana destas terras: há por aqui vestígios pré-históricos.
O monte propriamente dito é constituído por um terreiro central rodeado de alvas edificações térreas bordejadas a amarelo, a que se acede por um pórtico vigiado por um enorme e caloroso cão de gado transmontano. No recinto murado, já houve veados, mas descobriram forma de saltar e agora vagueiam pelas terras em redor, enriquecendo um santuário natural onde, entre muitas outras espécies, nidificam grifos e águias-reais.
Descendo uma escadaria exterior com vista para a piscina acedemos à sala de provas, decorada de forma rústica, mas acolhedora e encavalitada sobre os muros que dominam a horta em socalcos. Lá ao fundo, do outro lado deste pequeno vale pontilhado por planos de água, está a adega. Num terreno contíguo, pasta um cavalo puro-sangue Lusitano. À volta, 20 hectares de vinhas plantadas em 2000 sobre areias graníticas, que conferem aos vinhos da casa, feitos pelo enólogo Rui Reguinga, um carácter muito especial.
A produção anda à roda das 150 mil garrafas e o proprietário, Thomaz de Lima Mayer, não esconde a filosofia de exclusividade que impõe aos seus vinhos. “Produzimos pouco, muito bom e caro!” E essa matriz elitista também se aplica ao enoturismo: todas as visitas têm o próprio produtor como anfitrião e carecem de marcação antecipada. “Mais do que apenas dar provas de vinho, gosto de receber.” O calor humano, a paisagem surpreendente e a qualidade do que temos no copo fazem da visita à Quinta de S. Sebastião uma experiência muito especial. E, à saída, pode sempre contar com “um preço mais simpático” nos vinhos da casa.

LIMA MAYER
Quinta de São Sebastião, Monforte
Tel: 245 573 450 / 964 053 243
Mail: info@limamayer.com
Web: www.limamayer.com
GPS: 39° 0.120′ | -7° 28.130′
Todas as visitas carecem de marcação prévia, com preço sob consulta. O proprietário recebe pessoalmente, apresenta a propriedade, explica na vinha as técnicas de viticultura e na adega os processos de vinificação. A prova de vinhos inclui amostras de barrica. O programa inclui refeição no final.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 3
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Encontrar bons sítios para “reabastecer” à mesa não é tarefa complicada no Alentejo, mas às vezes precisamos de uma pequena ajudinha para acabar com as dúvidas. Por isso, aqui ficam três sugestões, noutros tantos registos diferentes: desde o estilo directo da Churrascaria Tapadão ao ambiente típico do Solar do Forcado, passando pelo intimismo da Taberna Tintos e Petiscos. Saciedade garantida.
CHURRASCARIA TAPADÃO – Rua do Assomar, nº2, Monforte | 963 391 952
SOLAR DO FORCADO – Rua Cândido dos Reis 14, Portalegre | 245 330 866
TINTOS E PETISCOS – Rua Dr. António Sardinha, nº2, Vaiamonte | 960 248 138

Edição nº23, Março 2019

 

Rio abaixo, de copo na mão

Os vinhos do Tejo estão, de forma segura e consistente, a vencer o preconceito. E se o que nos chega ao copo é bom, então vamos descobrir o que está por trás, as histórias, os terroirs e as pessoas que dão corpo e alma a uma região que se reafirma. “Descemos” o Tejo, parando pelo […]

Os vinhos do Tejo estão, de forma segura e consistente, a vencer o preconceito. E se o que nos chega ao copo é bom, então vamos descobrir o que está por trás, as histórias, os terroirs e as pessoas que dão corpo e alma a uma região que se reafirma. “Descemos” o Tejo, parando pelo caminho para retemperar o corpo e o espírito.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

A região vitivinícola do Tejo é muito recente, mas tem uma história secular. Paradoxo? Nem por isso. A tradição de fazer vinho no vale da metade oeste do maior rio da península Ibérica tem a sua origem nos tartessos, um povo oriundo da região do Guadalquivir (sul de Espanha), que terão introduzido a vinha no que viria a ser o território português por volta de 2000 anos antes de Cristo. Um milénio depois, os fenícios trouxeram novas castas para as regiões onde estabeleciam comércio, nomeadamente a embocadura dos grandes rios, como o Guadiana, o Sado, o Tejo e o Mondego. Em 1170, no foral de Santarém, já D. Afonso Henriques menciona o vinho. E o resto é história.
Mas quando se fala de vinhos do Tejo estamos a olhar para pouco mais de uma década: a região vitivinícola do Tejo só ganhou este nome em 2008, enterrando – no papel, ainda que não de imediato nas mentalidades – a antiga região Ribatejo. Esta reorganização lá terá tido a sua argumentária burocrática, mas o propósito subjacente desde sempre ficou claro: era preciso mostrar aos consumidores que se vivia uma nova era. O vinho do Tejo já não era o “carrascão” produzido em grandes quantidades e despachado para as carvoarias e tascas de Lisboa. Nascia o futuro.
Hoje, o Tejo engloba cerca de 17 mil hectares de vinha e é responsável por cerca de dez por cento da produção nacional (média de 650 mil hectolitros/ano). Espraia-se ao longo do rio desde praticamente o centro geográfico do país (Mação, Ferreira do Zêzere) até às portas da cintura urbana de Lisboa (Azambuja, Benavente). O rio define os três terroirs da região: junto à água, as férteis planícies do Campo; na margem esquerda, os solos arenosos da Charneca; na margem direita, os terrenos argilo-calcários do Bairro.
Mas isto é saber de biblioteca (ou internet, nos tempos que correm). É preciso pôr os pés ao caminho para descobrir tudo o que o Tejo tem para dar, no seu cruzamento de rituais e culturas (das Beiras, do Alentejo, das influências litorais que chegavam nos barcos e, naturalmente, desse imenso Ribatejo que alberga esta região). Começámos no Tramagal, junto a Abrantes, e descemos o grande rio até ao Cartaxo, com paragem em Almeirim. De copo na mão e espírito aberto. Já temos saudades.

Há muito tempo que se produz vinho por aqui, mas a “era moderna” da Quinta do Casal da Coelheira começou em 1986, quando foi adquirida pelos actuais donos. Nessa altura, vendia-se toda a produção em garrafão e foi preciso criar marcas, investir na adega, reconverter as vinhas. Em pouco tempo, a qualidade desse trabalho teve expressão nos vinhos. Mas ainda havia um problema, explica Nuno Rodrigues, enólogo e proprietário: “A imagem dos vinhos, o que as pessoas sentiam no copo, não correspondia ao que encontravam aqui.” E há seis anos o espaço foi remodelado.
As linhas tradicionais da unidade agrícola ribatejana continuam lá, com os edifícios compridos a delimitarem um pátio interior (enriquecido com incríveis painéis de azulejo que mantêm toda a frescura ao cabo de quase 40 anos), um antigo poço no centro do espaço. A diferença é que numa das alas, em vez de celeiro e estábulos, temos agora uma loja, um espaço multiusos e uma sala de provas. Visual moderno e simplista, com madeiras claras e superfícies vidradas coabitando em harmonia sob um altíssimo tecto forrado a madeira mais escura.
Entramos pela loja, onde os vinhos da casa se mostram em expositores e armários de madeira, enquanto num ecrã passa em vídeo a história deste projecto. Duas grandes portas levam-nos ao salão, capaz de albergar eventos para até uma centena de pessoas e onde encontramos alguma maquinaria antiga e pedestais com as garrafas mais emblemáticas da casa. Por cima de quem entra, um cubo de madeira projecta-se sobre o espaço – é um escritório. Ao canto, um balcão; parte do chão fez-se aproveitando antigos esteios da vinha, em pedra.
Uma porta ao fundo leva-nos até à “sala das vaidades”, assim chamada por ter as paredes forradas a diplomas conquistados pelos néctares da Coelheira ao longo de décadas. É aqui que se fazem provas de vinhos, em mesas e cadeiras de madeira. Numa das paredes, duas imagens pintadas a vinho, por um artista local; ao canto um velho alambique. Abaixo deste nível fica a sala de barricas, do outro lado do complexo a adega, as vinhas (cerca de 55 hectares) a um quilómetro de distância.
Abrantes (apesar da sinuosidade da estrada; que, por outro lado, oferece magníficas vistas sobre o Tejo) fica a poucos minutos e há a promessa de uma nova ponte para aceder directamente do Tramagal à A23. O Casal da Coelheira recebe à volta de 1500/2000 visitas por ano, sem grandes grupos, que não são fáceis de gerir naquele espaço. Famílias, casais e grupos de amigos encontram aqui um espaço moderno e funcional integrado num complexo com toda a sedução dos velhos tempos. Quanto aos vinhos, ano após ano marcam presença segura entre os melhores da região.

CASAL DA COELHEIRA
Estrada Nacional 118, nº1331, Tramagal
Tel: 241 897 219 / 241 897 802
Mail: geral@casaldacoelheira.pt
Web: www.casaldacoelheira.pt
GPS: 39,26º 58,38N | 8,15º 04,20W
As visitas podem ser efectuadas entre as 9h e as 12 e entre as 14h e as 18h aos dias de semana. Sábados, das 9h às 12h. Mínimo duas pessoas, máximo 15. A visita com prova de três vinhos (branco, rosé, tinto) custa 10 euros por pessoa ou 20 euros por pessoa com prova de três vinhos topo de gama da casa à escolha dos visitantes. A loja funciona no mesmo horário, encerrando ao domingo.

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 1,5

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17

Se as instalações do Casal da Coelheira não renegam a sua ligação à terra (chamava-se mesmo Centro Agrícola do Tramagal), mais abaixo no rio entramos numa zona fortemente marcada pela presença aristocrática das grandes famílias que frequentavam a corte – a zona de Almeirim era Coutada Real desde 1424 (D. João I). Os exemplos de grandes propriedades que aliam latifúndio e belos palacetes são vários e extraordinários – Lagoalva de Cima, em Alpiarça; Casal Branco e Alorna, em Almeirim, por exemplo. Escolhemos, desta vez, a Alorna, tutelada historicamente pela figura notável da Marquesa de Alorna, poetisa e mulher de causas que viveu na transição do século XVIII para o século XIX, numa altura em que ao universo feminino estavam reservados tradicionalmente papéis de bem menor protagonismo.
De um lado da EN118, as instalações de trabalho; do outro os jardins e o palácio, com a (agora) anacrónica fachada principal virada de costas para a estrada – mas de frente para a Vala Real, via por onde chegavam, vindas do Tejo, as embarcações que transportavam a fidalguia lisboeta até à lezíria. Com o tempo, nos terrenos contíguos, para lá do arvoredo, cresceram a adega e edifícios de apoio, mas a silhueta esbelta do palacete continua a dominar a paisagem.
A loja fica junto à estrada, na outra “margem”, e no terreiro delimitado pelos edifícios agrícolas cresce uma espantosa planta, um arbusto que só as regras da botânica obrigam a que se chame assim, tal a sua dimensão. Chamam-lhe “bela-sombra”, nome científico phytolacca dioica, também conhecida pelos nomes comuns ombú ou umbú e originária das pampas da América do Sul. Uma bela imagem para nos enquadrarmos na dimensão da quinta: 2.500 hectares, 220 de vinha, produção projectada para 2019 de 2,4 milhões de garrafas.
Visitamos a adega, espreitamos a imponente sala de barricas, passeamos pela alameda ajardinada e admiramos o palacete que reina sobre a imensa lezíria (o interior do edifício está fora do roteiro turístico), as arribas de Santarém ao fundo, a silhueta da ponte Salgueiro Maia mais à esquerda. Junto aos jardins, uma vinha que junta as 27 castas existentes na propriedade, justamente apelidada Jardim das Castas.
Fechamos a visita na loja, para apreciarmos a elegância e funcionalidade das instalações e nos demorarmos no espaço que fica atrás, copos e garrafas sobre mesas que são pipas, conversa fluindo ao ritmo do vinho. Em 2018, não contando naturalmente com o enorme movimento exclusivo da loja, passaram pela quinta cerca de 2.000 enoturistas. Esperam-se mais em 2019. E não espanta: os vinhos são extraordinários, as histórias que vêm com eles também.

QUINTA DA ALORNA
Estrada Nacional 114, Almeirim
Tel: 243 570 706
Mail: geral@alorna.pt; carolina.gomes@alorna.pt
Web: www.alorna.pt
As visitas (centro equestre, adega, exterior do palácio, mas sem prova de vinhos) custam 5 euros por pessoa, 8 euros (prova de dois vinhos), 11 euros (três vinhos) ou 35 euros (seis vinhos, incluindo os Marquesa de Alorna). Ao domingo, segunda e terça o enoturismo funciona das 10h às 12h30 e das 14h às 18h. Quartas, quintas, sextas e sábados, o horário prolonga-se mais meia hora da parte da tarde. A loja está aberta todos os dias, no horário normal.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 18

Depois de uma empresa familiar e de uma propriedade com história e “pedigree”, o retrato do actual Tejo fica bem composto com a nossa próxima paragem: a Adega Cooperativa do Cartaxo. Antes de mais, um louvor a quem pegou nos destinos desta instituição com quase sete décadas de actividade (foi fundada em 1954) e apostou na sua modernização. Não há-de ser fácil encontrar um nome mais susceptível ao estigma do que este: não lhe basta ser adega cooperativa e ser do Ribatejo, como ainda é do Cartaxo! E, no entanto…
Quando, há alguns anos, a crítica e o público acordaram para o bom trabalho que estava a ser feito por aqui, já a “má fama” dos vinhos ribatejanos levara fortes estocadas de produtores da região que apostavam na qualidade e ambicionavam a excelência. A este lote juntou-se, por direito próprio, a Adega Cooperativa do Cartaxo, que gere cerca de 600 hectares de vinhas, vinifica à volta de 11 milhões de quilos de uva por ano e faz entre cinco e seis milhões de garrafas, mais “bag-in-box”. E se houver dúvidas sobre o gigantismo da operação, basta espreitar as traseiras da adega e pasmar com a dimensão impressionante dos três depósitos em inox que ali se alinham: dois deles têm capacidade para 500 mil litros, o maior chega ao milhão!
Estes, e outros instalados numa ala exterior do edifício de quatro andares (dois abaixo do solo) que alberga a adega, armazéns, laboratório, sala de barricas e, enfim, toda a unidade produtiva, são a resposta para um bom problema: a Adega Cooperativa estava a operar no seu limite e em 2018 nem sequer pôde aceitar novos sócios. A aposta na qualidade e na consistência do trabalho (há 25 anos que Pedro Gil é responsável pela enologia) trouxe frutos e o futuro comercial anuncia-se de crescimento sustentado.
Perante o que atrás foi descrito, facilmente se percebe que a aposta no enoturismo não foi, durante muito tempo, prioritária. Mas as coisas estão a mudar. A inauguração da nova loja, de visual moderno e com sala de provas, logo à entrada das instalações, justificou-se pela elevada procura, mas abarcou igualmente o universo do turismo. Até porque, na última vindima, criaram-se pela primeira vez programas para visitantes e a adesão foi de tal modo entusiástica que ficaram bem claras todas as potencialidades desta actividade. Vai ser melhorado o percurso pela adega e dinamizada a oferta enoturística. Para já, quem for ao Cartaxo não dará o seu tempo por mal empregue. E, ainda melhor, poderá descobrir um lote de vinhos de enorme qualidade a preços bem interessantes.

ADEGA COOPERATIVA DO CARTAXO
EN 365-2, Cartaxo
Tel: 243 770 987
Mail: geral@adegacartaxo.pt
Web: www.adegacartaxo.pt
GPS: 39º 09’ 20.33’’N | 8º 48’ 33.18’’W
As visitas (adega, zona de vinificação, sala de barricas, cave) custam cinco euros por pessoa, convertidos em vale de desconto para a aquisição de produtos na loja. Solicita-se marcação antecipada com 72 horas de antecedência. Na altura das vindimas, estão disponíveis dois programas, um com visita à adega e prova de vinhos comentada (5 euros por pessoa), o outro (30 euros) juntando visita às vinhas com explicação das castas e almoço. Os preços indicados são os de 2018.

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 1,5

AVALIAÇÃO GLOBAL: 16,5

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Numa região tão extensa e variada, é quase impróprio recomendar apenas três mesas onde o viajante poderá “reabastecer”. Mas, sem prejuízo para tantos outros locais onde a gastronomia – local, ou outras – está muito bem representada, aqui ficam três sugestões. E não deixe de pedir um vinho da região para acompanhar.
Restaurante Santa Isabel – Rua Santa Isabel, 12, Abrantes; 916 777 068, 967 893 970 (encerra aos domingos e feriados)
Taberna Ó Balcão – Rua Pedro de Santarém 73, Santarém; 243 055 883; www.tabernaobalcao.pt
Taberna do Gaio – Estrada N3 – Cruz do Campo, Cartaxo; 243 759 883; tabernadogaio@hotmail.com; GPS – 39º 07’46.38’’N / 8º 48’50.96’’W

Edição nº22, Fevereiro 2019

 

Um cheirinho de Inverno no Douro

A ameaça de chuva e as temperaturas a baixarem no termómetro não podem ser desculpa para adiar uma visita ao Douro. Desta vez, ficámos logo pela entrada da região, ali entre Lamego e a Régua. Paisagens de cortar a respiração, vinhos de eleição, gentes calorosas. E aquele cheirinho de Inverno que torna tudo especial. TEXTO […]

A ameaça de chuva e as temperaturas a baixarem no termómetro não podem ser desculpa para adiar uma visita ao Douro. Desta vez, ficámos logo pela entrada da região, ali entre Lamego e a Régua. Paisagens de cortar a respiração, vinhos de eleição, gentes calorosas. E aquele cheirinho de Inverno que torna tudo especial.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Há qualquer coisa de mágico nestas paisagens quase irreais do vale do Douro. Faça sol ou faça chuva. Mas é como se a meteorologia austera do Inverno, com vento, frio, chuva ou nuvens que se roçam nos picos, fornecesse a este quadro a moldura austera e severa que realça ainda mais a sua beleza esmagadora. Sim, o mundo é sempre mais bonito e atraente com sol, mas o Douro não quer ser bonitinho. Basta-lhe ser o que é: uma maravilha da Natureza trabalhada pelo Homem até à insanidade.
Em tempos território quase intransponível, o vale da região vinhateira mais antiga do mundo está agora francamente acessível – e em nenhuma outra região essa evolução se torna mais óbvia do que aqui, junto à Régua, correctamente conhecida como a porta do Douro. A moderna rede de auto-estradas aproximou a cidade do Peso da Régua (nome que aglomera os das duas localidades que se agregaram: o Peso, na encosta; a Régua, mais recente, junto ao rio, sob a influência do caminho-de-ferro) das áreas urbanas do litoral. E daqui também depressa (e bem, que a estrada é uma delícia!) se chega ao Pinhão, ou a Vila Real, ou a Lamego. Outras terras ficam mais fora dos eixos rodoviários principais, mas é também dessa dureza, dessa exigência física e mental, que se faz o sortilégio do Douro…
Deambulámos por esta zona sem nunca perder a Régua de vista, ainda que dois dos nossos destinos se situem na margem esquerda do rio, em terras do concelho de Lamego. Ponte para lá, ponte para cá, sobre as águas do Douro que por esta altura correm com força, o mais fácil é depararmos com quintas e vinhas. Mas há mais para ver e sentir.
Na Régua, é imperativo visitar o Museu do Douro, onde, para além da exposição permanente “Douro: Matéria e Espírito”, há sempre novidades para conhecer. E, como o saber não ocupa espaço e o tempo aqui passa mais devagar, guarde um bocadinho para entrar no Solar do Vinho do Porto, onde, para além de ficar a conhecer melhor a história e os segredos deste néctar dos deuses, também pode simplesmente sentar-se a contemplar o rio e os barcos e pessoas que nele se afadigam.
Do outro lado do rio, a escassos quilómetros, fica Lamego, cidade milenar. A Sé de Lamego (1129), o castelo e o Santuário de Nossa Senhora dos Remédios destacam-se entre o património edificado, sendo que os dois últimos funcionam igualmente como miradouros privilegiados sobre a cidade e a região. A esbelta escadaria do santuário, com os seus 686 degraus, é também um bom desafio para os mais dados às proezas físicas…
Por estas paragens, aliás, há que estar sempre preparado para enfrentar desníveis, ou não estivéssemos na terra dos socalcos. E a nossa primeira visita leva-nos a um sítio onde se conseguiu um valioso compromisso arquitectónico entre a ocupação do espaço e o respeito pela paisagem.

Os edifícios antigos da Quinta do Vallado são ocre, num tom mais ou menos carregado conforme a chuva oxida ou não o ferro contido na tinta. E só isso já é uma maravilha. Ao lado, paredes cinzentas de xisto marcam a nova fase de construção, fundindo-se com a paisagem circundante. Quem olha de fora dificilmente poderá ter a noção dos espaços criados para dar forma a uma adega e um pequeno hotel.
A visita à adega leva-nos da zona de recepção das uvas, no piso superior, até ao passadiço metálico que paira sobre as cubas de inox, passando, de caminho, pelos lagares em granito. Percorremos de seguida uma escadaria em túnel, espreitamos a belíssima galeria das barricas, voltamos a descer até à loja e sala de provas, espreitamos o armazém de Vinho do Porto, com os seus grandes balseiros e barricas. Fala-se da região, dos vinhos e da história da casa, que pertenceu à mítica D. Antónia, a Ferreirinha, e ainda continua na família. É, portanto, uma empresa familiar, mas com uma dimensão que já a aponta a outros “campeonatos”… O Vallado faz cerca de 1,4 milhões de garrafas por ano e contabiliza 20.000 visitantes anuais, mesmo sem receber grupos com mais de 20 pessoas.
A localização, numa arriba sobre a margem esquerda do rio Corgo, ali mesmo à entrada do Peso da Régua, é apenas uma das explicações para este sucesso. Entre os outros contam-se a qualidade dos seus vinhos, a aposta feita no Enoturismo e a popularidade da casa, construída também graças a… José Mourinho. “Quando ele estava no Chelsea, os nossos vinhos foram escolhidos pelo clube. Éramos apenas um dos fornecedores, mas a imprensa entrou em delírio e isso deu-nos enorme visibilidade. Foi um clique!”, conta, com um sorriso, Francisco Ferreira, enólogo e membro da família proprietária do Vallado.
Descemos por um caminho empedrado e vamos conhecer o hotel, a funcionar com cinco quartos no edifício antigo desde 2005 e com outros oito, na ala nova, a partir de 2011. A beleza das construções e a forma harmoniosa como se relacionam com a encosta quase nos faz esquecer que estamos em patamares vertiginosamente equilibrados na paisagem. Há jardins, pomares, hortas, spa e ginásio no meio das laranjeiras, esplanadas, piscina e bar de apoio instalado num antigo balseiro. Isto cá fora. Lá dentro temos os quartos, salões com lareira, sala de refeições, biblioteca e um “honesty bar”, onde os clientes se servem e deixam o pagamento devido.

QUINTA DO VALLADO
Vilarinho dos Freires, 5050-364 – Peso da Régua
Tel: 254 323 147, 254 318 081 (hotel e enoturismo)
Mail: reservas@quintadovallado.com; enoturismo@quintadovallado.com
Web: www.quintadovallado.com
GPS: 41º 09’ 44.5’’ N 07º 45’ 58.2’’ W
A adega está aberta todo o ano, com quatro horários de visita: 11h e 14h45 (em inglês); 12h e 15h45 (em português). A visita custa 17,50 euros por pessoa, a duração é de 1h30 e o programa inclui prova de vinhos (brancos, tintos e Porto). Mediante marcação, estão disponíveis provas e visitas privadas, workshops, almoços e jantares vínicos. No hotel, os preços oscilam entre os 150 (quarto standard) e os 210 euros (suíte) por noite, na época baixa; e entre os 190 e os 265 euros, na época alta. O hotel tem 13 quartos e dispõe de piscina e spa, disponibilizando ainda programas de passeios pedestres, de bicicleta, barco ou jipe, sessões de pesca no rio, piqueniques ou aulas de cozinha tradicional.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 18,5

Após um almoço que nos faz sonhar com o Verão (apenas porque, no Vallado, o salão de refeições tem à frente um pátio panorâmico com uma generosa mesa – imperdível com bom tempo), é tempo de atravessar o rio e subir a encosta sul, para chegarmos ao Wine Hotel da Quinta de Casaldronho. Aqui, a recuperação dos antigos edifícios ainda prossegue na adega e armazém, mas, um pouco mais abaixo, o hotel está em pleno funcionamento.
Abriu em 2014 e já há planos para alargar o projecto com a construção de seis mega-suítes para o segmento luxo. Brasil e EUA, com Suíça e Alemanha em plano secundário, são os principais países de origem dos hóspedes – quase 70 por cento são estrangeiros. Com bar, restaurante, piscina na cobertura, esplanadas e quartos muito bem equipados, esta é uma unidade moderna de qualidade. Mas é talvez nos detalhes que reside o seu extra de encanto.
Para começar (e acabar, e continuar, e respirar, e sonhar…), a paisagem. Do terreiro sobre o rio espraiamos o olhar pelo vale do Douro, o casario da Régua à esquerda, enquadrada pela silhueta maciça do Marão em pano de fundo; à direita o cabeço altivo do miradouro de São Leonardo de Galafura, que tanto inspirou Miguel Torga. Vinhas e muros desenham padrões nas encostas, manchas de mato e olival quebram as linhas hipnóticas dos socalcos. Pena terem colocado um poste de alta tensão logo abaixo do hotel – mas a verdade é que, ao cabo de alguns minutos, deixamos de reparar nele e focamo-nos no que interessa. Para quem quiser explorar as redondezas, há percursos pedestres marcados e bicicletas eléctricas à disposição.
Mas falemos também da pedra circular que faz de braseiro no exterior, dos dois gatos (na zona do hotel) e três cães (lá para cima, na adega) que recebem os visitantes, das ruínas bem aproveitadas para espaços comuns a céu aberto, da capela mesmo ali ao lado, dos muros de xisto. E dos vinhos, feitos – em completo antagonismo com o espírito moderno do hotel – sem recurso a qualquer maquinaria, numa busca assumida pela diferença e pela autenticidade.
A história desta quinta é notável. Pertenceu a Egas Moniz, tutor de D. Afonso Henriques, e, antes de passar para as mãos da actual família de proprietários (em 1850), foi de uma D. Sofia, de quem reza a tradição ter escondido um tesouro nas suas terras. Durante as obras, os mirones juntaram-se para ver se as escavações traziam à luz do dia o famoso tesouro. Nada feito. Mas bastaria terem levantado os olhos do chão para o verem… na forma desta paisagem grandiosa e implacável.

QUINTA DE CASALDRONHO WINE HOTEL
EN 313 Valdigem, 5100-829 Lamego
Tel: 254 318 331
Mail: info@quintadecasaldronho.com
Web: www.quintadecasaldronho.com
GPS: 41° 8’39.88″N / 7°45’18.12″W
O hotel dispõe de 18 quartos e duas suítes, com preços que oscilam entre os 94 (quarto duplo) e os 166 euros (suíte), na época baixa; e entre os 114 e os 195 euros na época alta. O restaurante está aberto para jantares todos os dias da semana. Para além de uma piscina na cobertura e esplanadas panorâmicas, a quinta tem percursos pedestres marcados, há bicicletas eléctricas e podem agendar-se provas de vinhos. Junto da recepção é possível obter aconselhamento e marcar outras actividades, desde passeios de barco a visitas a quintas da região. A adega da quinta está em remodelação para albergar uma loja e receber visitas.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): *
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5*
*nota ponderada; a filosofia do local não contempla ainda a existência de loja.

Ali bem perto, na Quinta das Brôlhas, na vila de Valdigem, tudo muda. Continuamos a um saltinho do rio, mas o que marca a paisagem são as escarpas rochosas em redor, o anel de casario e os terrenos planos e férteis no centro da bacia natural, onde encontramos as vinhas, sim, mas também hortas, árvores de fruto e jardins. Há vários tanques e fontes, a água corre num murmúrio tranquilizador. Isto é Douro, mas parece que estamos no Minho.
Não é uma quinta junto a uma localidade; é uma terra à volta da quinta. “Brolhas” pode ser sinónimo de mulher feia, de uma técnica de escultura usada na região ou da fase em que as vinhas começam a despontar depois da hibernação do Inverno. Fiquemo-nos por esta última, que parece a mais adequada. A Quinta das Brôlhas tem um total de 18 hectares de vinha, mas só uma parte fica aqui, neste terreno plano rodeado de casas e estradas; as outras espalham-se pelas encostas em redor.
Quem passa pelo discreto portão, situado na rua principal de Valdigem, entra num mundo diferente e cada vez mais raro nos nossos dias. Estamos numa propriedade agrícola, cujos donos moram fora e que é gerida pelos caseiros. Não há aqui circuitos enoturísticos marcados nem adegas de arquitectura moderna; respira-se, em contrapartida, uma atmosfera do que é simples e genuíno. É claro que na adega – onde várias pessoas se abastecem para as festas – notamos os depósitos em cimento, as cubas de inox e também os balseiros de madeira, ao lado de lagares em granito. Só que o melhor está cá fora.
Neste ar frio do Inverno, não se pode dizer que o silêncio é total. Nada disso. Ouvem-se carros a passar ao longe, ruídos das casas que vemos ao fundo, uma ou outra voz. E a água que corre nos tanques, e os pássaros que esvoaçam entre as árvores, e o miar dos gatos que se abrigam dentro de uma sebe. Tudo junto, lá está, dá-nos a sensação de termos viajado no tempo e no espaço, para uma dimensão apaziguadora de coisas simples.
Os olhos também têm muito para assimilar. As casas em pedra tão parecidas com os solares minhotos, a capela, a estranha fonte semi-afundada com a estátua de Santo António, as edificações secundárias que são alugadas a turistas (uma delas ocupada agora em permanência; sobra outra, com piscina e uma varanda muito sedutora), o verde das hortas, os planos de água, os jardins. Pormenor poucas vezes visto: algumas das sebes de buxo limitam, não roseirais ou outras plantas ornamentais, mas sim vinhas! Apanhamos uma tangerina da árvore. É doce e está fresquinha.

QUINTA DAS BRÔLHAS
Rua das Brolhas, 5100-831 Valdigem
Tel: 213 960 044, 254 331 756, 934 242 943 (visitas e provas)
Mail: geral@quintadasbrolhas.com
Web: www.quintadasbrolhas.com
A quinta, que fica a 12km de Lamego e a cerca de 3km da Régua, tem duas casas para alojamento rural, embora a sua disponibilidade esteja restrita: uma já está alugada para o ano inteiro, a outra costuma ser ocupada por clientes de uma agência britânica entre a Páscoa e o final do Verão. Tem quatro suítes, duas salas, cozinha e grande varanda coberta com vista para as vinhas, bem como piscina exterior; preço de aluguer sob consulta. As visitas à propriedade e provas (3 vinhos e azeite) carecem de marcação prévia, mas o preço (10 euros) é sempre deduzido na compra de vinhos ou azeites.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Com o Douro sempre em pano de fundo e a certeza de bons vinhos para compor a refeição, comer bem é um imperativo quando se visitam estas paragens. Escolhemos três propostas com níveis de preços e oferta gastronómica diferentes. Mais tradicional o Cacho d’Oiro, mais moderno o SUS Douro, mais elaborado o DOC. Bom apetite!
CACHO D’OIRO – Rua Branca Martinho, Peso da Régua; 254 321 455, 963 121 120 / reservas@restaurantecachodoiro.pt
SUS DOURO – Rua José Vasques Osório, Loja C1 | Loja C1, Peso da Régua; 254 336 052, 967 966 567 / info@susdouro.com
DOC – Estrada Nacional 222, Folgosa; 254 858 123, 910 014 040 / doc@ruipaula.com

Edição nº21, Janeiro 2019

 

Gricha e Pessegueiro, vizinhos na margem sul

A zona está povoada de quintas cheias de história. Quem sobe do Pinhão para montante encontra sucessivamente, à sua direita, um punhado de propriedades que são referências na região. Estamos no coração do Douro, o local por excelência para se fazerem grandes vinhos. Aqui fica o registo da visita a duas quintas de uma série […]

A zona está povoada de quintas cheias de história. Quem sobe do Pinhão para montante encontra sucessivamente, à sua direita, um punhado de propriedades que são referências na região. Estamos no coração do Douro, o local por excelência para se fazerem grandes vinhos. Aqui fica o registo da visita a duas quintas de uma série longa que se estende por muitos quilómetros.

TEXTO João Paulo Martins

Há muito que sabemos que a localização da vinha é um dos factores que melhor individualiza um vinho, que lhe pode conferir particularidades que outros vinhedos, ainda que situados perto, não têm. Chega-se mesmo a afirmar que o factor localização não é um, mas sim “o” factor que determina as particularidades de um vinho. No Douro esta afirmação é ainda mais verdade quando sabemos que a exposição, a altitude, o tipo de solo e as castas são factores determinantes para se saber o que vamos colher. Dividido em três sub-regiões, o Douro tem, no Cima Corgo, o seu Eden, aquele local que é reconhecido por todos com sendo a zona que gera os vinhos de equilíbrio perfeito onde se conjugam, de forma harmoniosa, a concentração, a riqueza aromática, o perfeito balanço entre corpo e acidez. Estas virtudes são óbvias para os vinhos do Porto mas nos últimos 30 anos tornaram-se também cada vez mais óbvias para os vinhos DOC Douro. Por essa razão alguns produtores procuraram as vinhas disponíveis e aqui se instalaram, como foi o caso da Quinta de S. José mas também das Quintas da Gricha e Pessegueiro, as duas que agora abordo.

O sonho de Johnny
A Churchill começou por ser uma empresa de Vinho do Porto, a isso “obrigava” a tradição familiar do produtor. A família Graham foi em tempos proprietária da quinta dos Malvedos mas a venda da empresa à família Symington no início dos anos 60 fez com os Graham ficassem desligados das quintas do Douro. Mas Johnny Graham acabou por criar a sua própria empresa – a Churchill Graham que, adquiriu em 1999 a quinta da Gricha, na margem sul do rio, uns quilómetros acima do Pinhão. À data a Churchill já tinha uma quinta na zona do rio Torto mas a aquisição da Gricha e a possibilidade de se adquirirem mais parcelas contíguas levou a que a quinta do Torto fosse vendida. Ficaram agora 50 hectares dos quais cerca de 35 são ocupados por vinha.
Começámos por conhecer a marca Quinta da Gricha e Churchill Estates. O tinto Quinta da Gricha é feito em lagar de inox, faz maloláctica em casco novo de 500 l e fica aí 12 a 15 meses. Já o Gricha é um tinto que vem de uma vinha que tem mais consistência de qualidade e a opção foi fazer um tinto mais “borgonhês”, com menos concentração e mais elegância. Fermenta até meio com as massas e a segunda parte, após separação das massas, é feita em casco. Um modelo para seguir no futuro. São para já 3000 as garrafas produzidas. Há também uma nova marca – Talhão 8 – da qual se fizeram apenas 5000 garrafas. Foi vinificado em lagares robóticos em duas adegas alugadas na zona da Pesqueira. É a primeira vez que a empresa isola um talhão de vinha numa garrafa, mas a ideia é continuar. A vinha foi plantada em 2000, produz pouco, tem uma exposição norte e o vinho, mais aberto e mais delicado, espelha exactamente essa localização. O enólogo Ricardo Nunes que nos recebeu, salienta que “com as leveduras indígenas do vinho do Porto a fermentação é mais lenta e a temperatura não sobe muito, o que é uma vantagem”. Do vintage Quinta da Gricha fizeram-se 6000 garrafas, já o vintage Churchill chegou às 40 000.
Na quinta existia uma casa, velha e em muito mau estado mas, recordo bem, o suficientemente acolhedora para ali termos feito provas e almoçado, há talvez cerca de 20 anos. A quinta terá em breve a área alargada com mais 5 ha de vinhedos onde serão plantadas entre 10 a 15 castas, o que permitirá no futuro fazer um field blend. A casa foi objecto de restauro – com um bom-gosto que merece aplauso – e reúne agora todas as comodidades que ajudaram a que se tenha transformado também em posto de enoturismo com estadia, para já com quatro quartos mas com perspectiva de alargamento.
Na quinta produz-se Porto mas também DOC Douro. Há vinhos que não incluem o nome quinta porque as uvas são adquiridas a lavradores mas, como salientou Ricardo, “compramos todas as uvas aos nossos lavradores (cerca de 15) e não apenas as que estão incluídas no benefício”. Fiel à tradição, Johnny, agora com o apoio de Ricardo, mantém a tradicional pisa a pé em lagares para fazer o vinho do Porto. Quando visitei a quinta, em Outubro, estavam a entrar as últimas cargas da vindima, neste caso de Touriga Nacional. Para Ricardo, esta é a zona por excelência da Touriga Nacional e Touriga Franca e menos Tinta Roriz. Com uma exposição suave a norte (o que é normal em muitas parcelas da margem esquerda do rio), conseguem-se maturações muito boas e estão a ter bons resultados também com algum Sousão que plantaram em pequena quantidade, ainda assim “cremos que será melhor para Porto do que para Douro”, diz Ricardo. Das uvas da quinta é possível fazer uma hierarquia em três níveis: as uvas de topo destinam-se a Porto vintage e single quinta vintage, a vinhos de reserva que irão originar tawnies de 20 e 30 anos e um pouco para Crusted que é, normalmente, um lote de 2 anos de vintage; o segundo nível destina-se a LBV e reservas para tawnies 10 anos; no terceiro patamar encontramos os vinhos que se destinam a Finest Ruby e tawny Reserva. A Churchill Graham exporta cerca de 70% da produção.
Sendo ainda cedo para avaliações mais fundamentadas, Ricardo não tem dúvida: “estamos muito surpreendidos com a qualidade dos vinhos desta colheita de 2018, sobretudo nos Porto. Os vinhos têm uma cor fechada, com boa fruta e mostram uma grande estrutura; são tudo muito boas notícias para o futuro” disse. O brilho nos olhos também não deixava antever outra afirmação.

Pessegueiro, o vizinho do lado
João Nicolau de Almeida (filho) é o enólogo desta Quinta do Pessegueiro vizinha da Gricha. O nome próprio e o apelido vêm carregados de história e responsabilidade, do pai e do avô, ambos figuras incontornáveis da enologia do Douro desde os anos 40 do séc. XX até à actualidade.
Tudo começou com o sonho de Roger Zannier de ter um vinho e uma quinta no Douro. Empresário francês ligado à indústria têxtil e já produtor na região de Provence, Zannier adquiriu em 1991 uma propriedade com frente de rio, na margem sul do Douro e ali, partindo de uma ruína que apenas tinha quatro paredes, fez uma casa acolhedora para receber visitas com todas as comodidades. Hoje a quinta é constituída por três parcelas distintas e com idades variáveis. Mesmo junto à casa estão a decorrer novas plantações e João Nicolau de Almeida não cessa de fazer novas experiências com as variedades que lhe merecem mais atenção.
As várias parcelas, uma delas centenária, ocupam 28 ha. Nessa vinha muito velha, contígua com a vinha do Panascal, encontramos cepas decrépitas que, aparentemente, não estão já vocacionadas para produzir quantidade que se veja mas ali, João tem todo o cuidado em preservar aquele património, mesmo sabendo que, se apenas olhássemos para a folha Excel, o mais indicado era arrancar e plantar de novo. A adega é um edifício ultramoderno onde, como se costuma os dizer, houve mão de arquitecto, situada nos altos, bem perto da adega da quinta de S. José. Ali convivem os métodos mais tradicionais da pisa em lagar com os balseiros mais modernos onde fermentam e estagiam os vinhos. A quinta produz sobretudo vinho DOC Douro mas não se esqueceu o Porto: não só há vintage e LBV como existe também um Porto branco que é uma das originalidades que aqui se fazem e de que João muito se orgulha. Além das uvas da quinta também se compram uvas brancas e tintas, quer no Cima Corgo quer no Douro Superior.
A marca de entrada de gama, Aluzé, arrancou com o branco em 2012 quando se produziram apenas 1200 garrafas; em 2017 chegaram às 18 000 garrafas e em 2018 poderá atingir o número de 25 000. O tinto resulta de um lote de uvas da quinta e compradas, tem Touriga Nacional e Touriga Franca, fermenta em cuba e está 12 meses em balseiros de vinificação e só sai na altura da vindima quando são libertados os balseiros para a fermentação da vindima seguinte.
O Aluzé tinto começou com vida atribulada: o primeiro, em 2010, só tinha 12,5% e “a entrada no mercado foi terrível”, muito difícil de vender. Agora seria mais fácil “porque há mais apetência por vinhos menos graduados”, diz João. No início, o conceito era puxar para baixo no álcool. Agora são mais pragmáticos e deixam o ano expressar-se melhor, desde que com limites.
As vendas no mercado do Benelux, França e Alemanha estão muito facilitadas por se usarem os mesmos canais que vendem os vinhos da Provence, de Roger Zannier. A produção de branco continua restringida a uma marca – Aluzé – e João confessa que “ainda não temos acesso a uvas brancas suficientemente interessantes para se pensar num branco de um patamar acima; no entanto, como já temos uvas de novos plantios de Rabigato e Folgozão, acho que no futuro próximo poderemos pensar num Quinta do Pessegueiro branco”, disse.
Ao desbastar uma área de mato, descobriram-se, bem perto da casa, uns patamares antigos que, após algum restauro, foram replantados e João mostra com orgulho o resultado: “temos muito boas condições para voltar a produzir vinhos de enorme qualidade. Poderão ou não ser varietais, podem ser lote tipo Tinta da Barca com Alicante Bouschet, pode ser Rufete, logo se vê, temos de ter paciência”, afirmou. A regra por aqui é a seguinte: intervir o mínimo, assegurar fermentações com leveduras indígenas, manter tanto quanto possível o vinho mais próximo da sua expressão original, espelhando o local onde nasceu, as castas que o integram e as características do ano. Parece fácil, mas não é. O Pessegueiro já está a dar frutos. E são saborosos.

 

Edição Nº21, Janeiro 2019

Vinhos e gentes da terra do mármore

Quando pensamos em Estremoz e Borba, há duas coisas que nos vêm imediatamente à cabeça: mármore e vinho. Ambas as “indústrias” marcam a paisagem deste recanto do Alentejo, mas enquanto a primeira enfrenta uma fase difícil, a outra está em franca expansão. Num breve roteiro enoturístico pela região, fica a sensação de que só falta […]

Quando pensamos em Estremoz e Borba, há duas coisas que nos vêm imediatamente à cabeça: mármore e vinho. Ambas as “indústrias” marcam a paisagem deste recanto do Alentejo, mas enquanto a primeira enfrenta uma fase difícil, a outra está em franca expansão. Num breve roteiro enoturístico pela região, fica a sensação de que só falta criar uma dinâmica de conjunto para afirmar este verdadeiro “cluster” vitivinícola.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

No seu conjunto, a população dos municípios de Estremoz e Borba ronda os 22 mil habitantes. Contas feitas com base nos dados da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana dizem-nos que há, nestas duas terras, pelo menos 27 produtores de vinho – e muitos deles são nomes de peso no panorama nacional do sector. Não é difícil perceber a sua presença: hectares e hectares de vinha são uma das imagens de marca da região, a par das pedreiras (e respectivas escombreiras) de mármore. Apesar disso, e ao contrário do que sucede por outras paragens, parece não haver por aqui ainda uma lógica de afirmação colectiva do sector, pelo menos em termos turísticos.
A intenção, assuma-se desde já, era limitar a visita à zona de Estremoz, mas depressa se tornou evidente que a oferta de dormidas não correspondia à riqueza do panorama em termos de visitas. E, assim, depois de passarmos pela Herdade das Servas, rumámos ao concelho vizinho de Borba para conhecer a Herdade do Penedo Gordo, encerrando o périplo no dia seguinte com uma passagem pela Tiago Cabaço Wines. Há por aqui muito para conhecer e argumentos não faltam para nos cativar, desde as paisagens pinceladas pelas cores do Outono ao riquíssimo património histórico, não esquecendo, como convém, a excelência da mesa alentejana, que tem por aqui alguns dos seus templos.
O traçado da A6, a ligação mais directa entre o centro de Espanha e Lisboa, coloca Estremoz e Borba praticamente em linha de vista de quem circula pela auto-estrada. Os desvios são curtos, os marcos da paisagem apelativos (talvez o exemplo mais impressionante seja a silhueta maciça do castelo de Évora Monte, empoleirado num dos pontos mais altos da serra de Ossa) e, apesar de estarmos no Alentejo profundo, a cidade espanhola de Badajoz está a escassas dezenas de quilómetros, Évora fica a meia hora de distância e Lisboa a menos de duas horas…
O turismo, por aqui, é um desígnio inevitável. Com um apelo tanto maior quanto houver capacidade para criar uma identidade forte, uma mensagem directa, para cativar visitantes. E o vinho está na primeira linha para se afirmar como elemento definidor desta região. Assim haja vontade e surjam ideias. Nem é preciso sair do Alentejo para encontrar um bom exemplo desta dinâmica: nos últimos anos, as empresas vitivinícolas e as entidades oficiais têm unido esforços para afirmar a Vidigueira como destino enoturístico.
Mas façamo-nos à estrada, que há muito para ver. E provar.

O vinho já por ali “mora” há muito tempo, como o comprovam duas talhas existentes na propriedade e datadas de 1667. Mas o projecto Herdade das Servas tem apenas 20 anos. Em duas décadas a família Serrano Mira pegou na herança de 350 anos de tradição e assumiu um compromisso ético que já obrigou a casa a uma reformulação radical da sua gama, acabando com a marca de entrada por não ter uvas suficientes para responder às solicitações. Aqui não se facilita: são 350 hectares de vinha, toda não regada, e não se compram uvas nem vinho por fora. Apesar de não aparecer nas grandes superfícies, a verdade é que a marca Servas é praticamente omnipresente na restauração.
A propriedade recebe-nos com uma alameda onde crescem árvores, que nos leva a um terreiro decorado com um bonito miradouro, esplanada e uma vinha pedagógica, onde crescem todas as variedades trabalhadas na adega. Entramos para a loja/recepção e daí passamos imediatamente à adega, que conhecemos do alto de um passadiço superior. No final, uma grande janela em vidro permite uma visão geral sobre a área de armazém e linha de engarrafamento.
Fazem-se aqui mais de um milhão de garrafas por ano, de vinhos que podem fermentar em barricas, em lagares de mármore (com programas de pisa a pé na altura das vindimas), lagares de inox e depósitos de inox. Em muitos casos, os vinhos seguem depois para envelhecimento em madeira, juntando-se na sala de barricas, onde se juntam umas quatro centenas delas numa atmosfera de frescura e recato. Ali ao lado, a garrafeira particular, onde se conserva memória física de todos os vinhos da casa.
De volta ao andar superior, um olhar curioso às estantes com memórias destas duas décadas e saúda-se um grupo de espanholas que se instalou na sala de provas para conhecer os vinhos. Cá fora, uma vista praticamente a 360 graus recorda-nos que o mais importante de tudo isto é a terra, agora pintada em tons pastel pelo envelhecimento das folhas das videiras. Será do ar do campo, mas a fome aperta. E estamos no sítio certo: no restaurante das Servas a mesa está posta para um desfile de pitéus da cozinha tradicional alentejana que conduz a conversa pela tarde fora.
Um dia, prometem, será possível pernoitar por ali. Por enquanto, há que ganhar coragem e rumar a outras paragens. Com muita pena, porque, mesmo já não sendo Verão, aquele miradouro, com a silhueta de Estremoz de um lado e a de Évora Monte do outro, parece feito à medida para um pôr-do-sol épico. Um copo de vinho na mão e o Alentejo todo ali.

HERDADE DAS SERVAS
Herdade das Servas, Estremoz
Tel: 268 322 949 / 268 098 080 (restaurante)
Mail: enoturismo@herdadedasservas.com / restaurante@herdadedasservas.com
Web: www.herdadedasservas.com
GPS: 38.836542, -7.678185
A herdade recebe visitas todos os dias, entre as 10h e as 12h30 e das 14h às 17h30. A visita à adega e cave sem prova de vinhos custa 5,50 euros por pessoa, o preço sobe para 7,50 com prova de dois vinhos. Há uma lista alargada de vinhos a copo e duas provas especiais: a Prova Cega, com três vinhos (9,80 euros; mínimo cinco pessoas); e a Prova Excelência, com vinhos topo de gama e conversa com o produtor/enólogo na garrafeira particular (55 euros; grupos entre seis e oito pessoas). O restaurante funciona entre as 12h30 e as 15h30 (almoços) e das 19h30 às 22h30 (jantares). Encerra à terça-feira.

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

Alguns quilómetros depois, o sol já vai baixo quando chegamos à Herdade do Pinheiro Gordo e nos encantamos com o suave ondular das vinhas até onde a vista alcança. Falar desta propriedade, que expande para o Alentejo a actividade da Quinta das Arcas (da região dos Vinhos Verdes), é um constante saltitar entre o passado, o presente e o futuro. Porque a dimensão do investimento e a magnitude das tarefas exigem que se trate o tempo com o respeito que merece.
Comecemos pelo que foi. Em 1999, António Esteves Monteiro encontrou no Alentejo o sítio que desejava para fazer grandes vinhos (os “vizinhos” são vinhas da Bacalhôa, de um lado; e da Herdade das Servas, do outro). Mas, lembra o filho, Mário, que nos recebe nesta visita, Esteves Monteiro encontrou mesmo só o sítio; não havia nem um pé de vinha. Nem um?! Nem um. Os mais de 400 mil que agora compõem uma herdade com 140 hectares de vinha têm sido plantados em campanhas sucessivas, compondo um mosaico de dez castas, cinco brancas e outras tantas tintas. O solo, de argila e pedra, é enriquecido com estrume de vaca e 12 furos alimentam um grande depósito de água para que toda a vinha seja regada. A adega, ao fundo do caminho que vem da entrada (decorada com muros de xisto – sim, é dominante nestes terrenos), vai este ano ser aumentada, remodelada e modernizada, abrindo também novos horizontes para o enoturismo (incluindo uma loja aberta ao público).
E lá estamos nós a saltitar na linha do tempo. A própria casa principal, umas duas centenas de metros mais abaixo, vive o presente já a pensar no futuro. Com construção de 2010, quatro quartos, três suítes, uma sala comum, piscina, zona de recreio para crianças e alpendre para churrascos constituem o núcleo de alojamento. Mas há planos para avançar com uma proposta ainda mais exclusiva e apelativa: casas individuais na encosta adjacente, com piscina própria e privacidade garantida.
O quarto é simples, mas prático, uma cama gigante, claraboia na casa de banho e uma pequena varanda de onde podemos contemplar o casario da aldeia de Orada. De manhã, ouve-se a passarada e o eco longínquo de um tractor. O resto é vastidão e silêncio. Os mais corajosos poderão sentir-se tentados a pegar numa das bicicletas eléctricas à disposição e pedalar até à aldeia para ir buscar pão fresco. Mas também podemos sentar-nos à beira da piscina para deixar a vista deslizar pelo olival e pelas vinhas, pelas linhas curvas das colinas e pelo traçado angular das parcelas que o Outono tinge de cores contrastantes. Seja como for, o pequeno-almoço está garantido.

HERDADE DO PENEDO GORDO
Herdade Penedo Gordo, Orada, Borba
Tel: 224 157 810
Mail: enoturimo@penedogordo.com
Web: www.penedogordo.com
GPS: 38º 52’45,2N / 7º26’47.5’’W
Com a adega a entrar em obras, a oferta enoturística concentra-se actualmente no alojamento, embora seja possível marcar provas de vinhos. Há quatro quartos e três suítes, com preços que vão dos 60 aos 76 euros por noite entre Outubro e Maio e dos 75 aos 95 euros de Junho a Setembro. O pequeno-almoço é pago à parte e custa 10 euros (quartos) ou 12,5 euros (suítes). As suítes estão equipadas com kitchenette e preparadas para “self-catering”.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): –
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17*
*Valor ponderado; a loja só ficará disponível após as obras na adega.

Não era um objectivo à partida, mas agora que nos dirigimos para a última etapa do nosso périplo por terras do mármore fica bem claro que o panorama vitivinícola desta região mudou drasticamente nas últimas duas décadas. Porque a nossa próxima etapa tem uma história ainda mais recente do que as duas anteriores: foi em 2004 que Tiago Cabaço, nado, criado e “vindimado” em Estremoz, lançou o seu projecto pessoal. Hoje, é um dos nomes-ícone da região e a sua adega, mesmo às portas de Estremoz, produz quase um milhão de garrafas/ano.
A estrada nacional que rodeia Estremoz passa mesmo junto às vinhas e o movimento de camiões é intenso. Espanha aqui tão perto. Com acessos tão directos, não espanta que o enoturismo seja aqui levado muito a sério – a estimativa aponta para 8 a 10 mil visitantes por ano. Os três hectares de Alicante Bouschet plantados junto à adega fornecem um enquadramento espantoso para o casario da cidade, o castelo lá no alto, a célebre torre de mármore branco reluzindo ao sol. Tiago Cabaço tem mais 135 hectares de vinha, ali a 10km, em Santa Vitória do Ameixial, e só trabalha com uvas próprias.
Nesta propriedade junto à estrada não havia nada a não ser a placa “Vende-se”, que Tiago ia tirando sempre que passava, para ganhar tempo enquanto preparava a aquisição. Hoje, para além da vinha, há um edifício mais pequeno onde se destilam os “espíritos” da casa e uma adega moderna, de linhas arredondadas, inaugurada em 2012. Lá dentro, iniciando o percurso visitável, encontramos a loja e recepção, com vista para adega através de um janelão de vidro.
Passamos depois pela adega, espreitamos o laboratório e a linha de engarrafamento, entramos na sala de barricas. Em breve, este percurso será diferente, porque está planeada uma remodelação interna dos espaços, melhorando a capacidade de resposta à procura turística, ao mesmo tempo que se optimizam os circuitos de produção. É que o espaço já não abunda, ao ponto de a antiga zona reservada a eventos estar agora ocupada pelo armazém. O que não mudará é a sala de provas, colocada em plano superior à adega, inox de um lado, barricas do outro e uma parede de vidro com vista para Estremoz.
É aqui que nos sentamos, em ambiente descontraído, para provar alguns vinhos, com nomes modernos e internacionais como Blog ou .Com mas que indiscutivelmente nos falam de Alentejo. Um Alentejo rico de tradições e saberes ancestrais, sábio na sua relação com o tempo e, no entanto, capaz de apontar ao futuro. Na Tiago Cabaço Winery, a média de idades ronda os 30 anos.

IAGO CABAÇO WINERY
Quinta da Berlica – Mártires, Estremoz
Tel: 268 323 233
Mail: geral@tiagocabacowinery.com / enoturismo@tiagocabacowinery.com
Web: www.tiagocabacowinery.com
A adega está aberta para visitas e provas (mínimo: duas pessoas) todos os dias, entre as 10h e as 13h e das 14h às 18h. As opções começam na visita e prova de um vinho durante o percurso (5 euros) e vão até à Prova Excelência, que permite provar cinco vinhos (24 euros). Pelo meio temos a Prova Premium (três vinhos; 10 euros) e a Prova Selection (quatro vinhos; 14 euros).

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
Apesar da proximidade de Évora, epicentro da cozinha alentejana, os restaurantes de Estremoz sempre conseguiram manter uma fama muito própria. Por todo o Alentejo, não é difícil encontrar onde bem comer, mas ao registo tradicional aliam-se agora propostas que conciliam a tradição e um certo cosmopolitismo. Aqui ficam três sugestões, duas em Estremoz e uma por terras de Borba.
MERCEARIA GADANHA – Largo Dragões de Olivença, 84 A, Estremoz; 268 333 262 / mercearia@merceariagadanha.pt
ALECRIM – Rossio Marquês de Pombal, 31-32, Estremoz; 268 324 189 / 925 352 995 / www.alecrimestremoz.pt
ESPALHA BRASAS – Monte das Naves de Cima, Alcaraviça, Borba; 963 555 191

Edição nº20, Dezembro 2018

 

Boas novidades em Gaia

A enorme afluência de turistas está a dinamizar como nunca o mundo da oferta enoturística ligada ao Vinho do Porto. Durante o Verão surgiram várias novidades em Vila Nova de Gaia e nesta edição espreitámos duas delas. E aproveitámos, claro, para admirar a silhueta da Ribeira reflectida nas águas do Douro… TEXTO Luís Francisco FOTOS […]

A enorme afluência de turistas está a dinamizar como nunca o mundo da oferta enoturística ligada ao Vinho do Porto. Durante o Verão surgiram várias novidades em Vila Nova de Gaia e nesta edição espreitámos duas delas. E aproveitámos, claro, para admirar a silhueta da Ribeira reflectida nas águas do Douro…

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Se nos quisermos dedicar a divagações mais ou menos estéreis, podemos sempre questionar-nos sobre se foi o vinho a potenciar o turismo no Grande Porto ou se é a explosão do número de visitantes que está a alimentar o crescimento do enoturismo. Mas, mais do que especular sobre se foi o ovo ou a galinha a nascer primeiro, interessa olhar para a cada vez mais pujante actividade das casas de Vinho do Porto e o notável incremento de qualidade e variedade da oferta.
Em 2017, o Porto recebeu mais de 1,6 milhões de visitantes, qualquer coisa como oito vezes mais do que a população residente na cidade. Mas quem vai ao Porto vai a Gaia e, certamente, o grande chamariz da cidade ribeirinha na outra margem do Douro é o enoturismo. A tradição vem de longe nos tempos, mas os últimos anos têm visto chegar um conjunto de investimentos e novas ideias que transformaram por completo a paisagem física e humana na zona. Um processo imparável, que promete ter o seu ponto alto com a execução do projecto “Mundo do Vinho”, um investimento de 100 milhões de euros da Fladgate Partnership que deverá estar pronto em Junho de 2020.
Mas, por agora, centremo-nos em novidades menos avassaladoras. Este Verão viu surgir alguns novos espaços e apadrinhou a renovação de outros. A Real Companhia Velha inaugurou o espaço 17•56, com museu e enoteca, uma infra-estrutura de grande fôlego de que demos conta na nossa edição de Outubro. No âmbito das comemorações do seu centenário, a Poças abriu as portas do seu novo centro de visitas. E a Vasques de Carvalho, empresa recente e que não tem caves em Gaia, optou por criar uma Brand House. Fomos espreitar estes dois últimos projectos.

Para quem possa pensar que já não há nada para inventar neste mundo da oferta enoturística do Vinho do Porto, a Vasques de carvalho tem uma resposta: fazer das fraquezas forças, transformar as limitações em fonte de inspiração. Empresa jovem (foi fundada em 2015) e sem caves em Vila Nova de Gaia, a necessidade sentida de estar presente no Grande Porto obrigou a puxar pela imaginação. Replicar “artificialmente” a atmosfera vetusta que a concorrência pode oferecer não era opção. E assim nasceu a ideia de criar uma Brand House, assim uma espécie de wine-bar reservado a provas dos vinhos da casa.
Com esta filosofia bem vincada e diferente de tudo o que existia, a Vasques de Carvalho nem precisava de se instalar em Gaia. Podia ter sido no Porto. Mas o espaço ideal surgiu com a hipótese de aquisição das antigas instalações de uma oficina junto à igreja Paroquial de Santa Marinha. A fachada bem composta marca a diferença para os edifícios vizinhos, de dimensões bem mais generosas, mas sem uso. Não é um espaço imponente, mas marca pontos na decoração e na atmosfera criada nos seus múltiplos recantos. E era essa exactamente a ideia da empresa: abrir portas a uma experiência personalizada e tranquila, longe dos grandes grupos e da confusão da marginal ali a dois passos.
Há muitos turistas (o que nem sequer é notícia…) a circular pela zona ribeirinha, que nos últimos tempos se converteu em zona pedonal. Na frente de rio, o movimento é contínuo, mas aqui, a escassas dezenas de metros para o interior, há menos passantes. Ainda assim – e num ano que os responsáveis da Vasques de Carvalho classificam como “ano zero”, uma vez que ainda não estão operacionais parcerias com hotéis ou contactos com agências de turismo (a Brand House foi inaugurada apenas em Agosto) – a casa tem funcionado muito à conta dos espontâneos e dos que a procuram por recomendação de amigos.
O espaço de entrada funciona como loja e daí passamos a um corredor decorado com pequenas torneiras que nos leva a uma sala interior com um pequeno pátio adjacente. Paredes em pedra, plantas suspensas, som de água a pingar. Duas mesas, um banco de pedra com almofadas, alguns cadeirões. E, lá no alto, um quadrado de céu. Este foi, durante o Verão, o cantinho mais procurado. Mas há outros: um ali mesmo ao lado, com painéis de vidro que se podem correr para ligar com o pátio; outros dois no andar de cima, a que se acede pelas escadas situadas a meio do corredor inicial. Tudo junto, há espaço para 40 a 50 pessoas.
Por todo o lado há garrafas expostas e pormenores de decoração (como os aros de metal usados nas pipas pendurados nos candeeiros) que nos lembram sempre a primazia do vinho. Conforto, privacidade para nos instalarmos a dois ou em pequenos grupos, serviço atento, mas sem excesso de formalidades, vinhos de grande qualidade. Esta experiência não substitui uma visita às caves (e na Vasques de Carvalho fazem questão de as aconselhar a quem por ali passa), é algo de diferente, mais exclusivo e intimista.
Esta é uma experiência centrada no vinho. Mas a Vasques de Carvalho, que tem instalações na Régua e no Pinhão, não perdeu de vista todo o mercado de turistas que querem conhecer a atmosfera das caves. Em breve haverá novidades no Douro – a empresa tem planos para abrir a visitas os armazéns que adquiriu no Pinhão. São cerca de 1.400 metros quadrados de área e uma atracção muito especial: quatro tonéis de 50.000 litros cada um, os maiores da região. As aduelas têm 12cm de espessura e são mantidas no seu lugar por 20 aros de metal com 6mm de espessura… Mas isso fica para 2019.

VASQUES DE CARVALHO
Rua de Santa Marinha, nº 19 | 4400-291 Vila Nova de Gaia
Tel: 223 710 445
Mail: smoreira@vasquesdecarvalho.com (reservas)
Web: www.vasquesdecarvalho.com
GPS: 41º 08’ 11’’ N / 8º 36’ 55’’W
A Brand House está aberta todos os dias, das 10h às 18h, excepto 1 de Janeiro, domingo de Páscoa e dia de Natal. É possível reservar mesas e espaços, bem como desenhar provas específicas. Mas o “cardápio” inclui quatro programas específicos: Starters (15 euros por pessoa), Movers (20 euros), Century (45 euros) e Flyers (55 euros). A prova Flyers inclui seis vinhos, as restantes quatro, e os preços variam consoante os vinhos que são servidos. Provas a copo a partir de cinco euros.

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17

De uma empresa jovem para uma que celebra em 2018 o seu centenário. A Poças foi fundada em 1918 e sempre optou por uma filosofia tranquila e discreta no seu posicionamento no mercado. Com instalações fora da frente ribeirinha, só foi “contagiada” pela febre do enoturismo em 2016, altura em que adaptou alguns espaços e abriu portas a visitas. Mas a enorme afluência (25.000 pessoas em 2017) mostrou que havia ali um enorme potencial, de receitas e promoção da marca, e estimulou novos investimentos no sector. Neste Verão, a empresa de cariz familiar juntou ao extenso e variado programa de comemorações do seu centenário a abertura de um novo centro de visitas.
O investimento de 650 mil euros permitiu recuperar dois armazéns adjacentes aos da empresa, criando um circuito de visitas, uma sala de provas, loja e um espaço para eventos particulares. De caminho, as barricas e tonéis ganharam nova casa, abrindo espaço nas instalações originais para os vinhos DOC Douro, que estão, como é tendência geral na região, a ganhar peso crescente nas contas da Poças. Tudo isto foi feito sem grandes alardes e com intervenções minimalistas nos edifícios, um reflexo da filosofia da empresa e da vontade de preservar a atmosfera do local.
São dois pavilhões paralelos e à entrada encontramos o balcão de recepção numa parede de madeira que se estende a toda a largura, mas deixa espaço em cima para apreciarmos a estrutura do telhado, recuperado, mas com a traça tradicional. Apetece de imediato descobrir o está por trás daquela fachada, mas a visita começa por uma porta lateral, que nos conduz ao outro grande armazém do complexo. É, tal como o anterior, um longo corpo de paredes em pedra e pé-direito generoso. Lá dentro, e depois de passarmos por um ecrã onde são exibidas fotos de eventos da empresa, alguns com décadas, apreciamos as linhas de barricas e tonéis.
Um corredor lateral permite-nos chegar ao cantinho onde funcionam os serviços de tanoaria, continuando pela ala principal vamos dar a uma sala de provas/refeições, com uma cozinha de apoio. No centro do espaço, limitado numa das paredes por painéis de vidro que mostram um muro antigo forrado a hera, domina uma enorme mesa de madeira, cujo tampo, de linhas anacronicamente curvas, foi feito com antigas aduelas de tonel. Grupos e empresas têm aqui um espaço para eventos.
Uma nova porta lateral e chegamos ao segundo armazém, onde se alinham mesas para provas, um balcão e os expositores da loja, com vinho, claro, mas também acessórios e algum “merchandising”. A decoração, minimalista, contempla algumas peças artísticas criadas no âmbito de um desafio lançado pela empresa em anos anteriores e acrescenta um toque de modernidade e elegância às linhas maciças do edifício.
Todo o percurso é plano, sem problemas de mobilidade, e a relativa simplicidade do “menu” – visita, prova, loja; sem artifícios tecnológicos ou actividades “paralelas” – reforça a sensação de facilidade e descontracção.
Uma lógica diferente, uma experiência diferente, descomplicada e directa. Que pode terminar com uma mensagem especial para alguém a quem queiramos oferecer um presente: no balcão da loja há uma colecção de carimbos que podem ser usados à discrição no papel de embrulho. Desde o logotipo da Poças até mensagens mais ou menos divertidas sobre a vida e o vinho, há muito por onde escolher.

POÇAS
Rua Visconde das Devesas, 168 | 4401 – 337 Vila Nova de Gaia
Tel: 223 203 257
Mail: visitors@pocas.pt
Web: www.pocas.pt
GPS: 41.12768, -8.619121
O centro de visitas está aberto todos os dias, das 10h às 17h entre Outubro e Abril e das 10h às 20h entre Maio e Setembro. A visita (com prova de dois Porto incluída) custa 6,50 euros por pessoa, mas há a possibilidade de optar por alguma das provas pré-definidas ou acertar os vinhos a servir (preço sob consulta). Também é possível marcar refeições. Oferta grande de vinhos a copo, com preços entre os 2,50 e os 10 euros (Douro) e entre os 3,50 e os 20 euros (Porto).

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

Edição nº19, Novembro 2018

 

A lei do Oeste

A candidatura conjunta de Torres Vedras e Alenquer permitiu a estas terras da região vitivinícola de Lisboa assegurar a distinção de Cidade Europeia do Vinho em 2018. Às portas de um dos destinos mais na moda a nível planetário, será que o enoturismo está a aproveitar a maré? Rumámos ao Oeste, em busca de respostas. […]

A candidatura conjunta de Torres Vedras e Alenquer permitiu a estas terras da região vitivinícola de Lisboa assegurar a distinção de Cidade Europeia do Vinho em 2018. Às portas de um dos destinos mais na moda a nível planetário, será que o enoturismo está a aproveitar a maré? Rumámos ao Oeste, em busca de respostas. E voltámos com um verdadeiro resumo do que é o Portugal do vinho. Generoso, complexo, profundamente humano. E ainda longe de cumprir todo o seu potencial.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Em 2017, Lisboa recebeu 4,94 milhões de turistas, quase dez por cada residente. Só em alojamento, estes visitantes gastaram no ano passado 1065 milhões de euros. Os números continuam a ser esmagadores e as perspectivas são de crescimento. Sim, a “invasão” continuou em 2018 e promete não dar tréguas. Com a Cidade Europeia do Vinho “sediada” em Torres Vedras e Alenquer, que distam escassas dezenas de quilómetros da capital, os horizontes parecem abrir-se para os operadores da região. Ainda mais após o lançamento, em Setembro, do Guia de Enoturismo destes dois municípios.
São 64 páginas, metade em português e a outra em inglês, onde se fala dos vinhos de Torres Vedras e Alenquer, fornecem-se indicações sobre as rotas do vinho e enumeram-se os produtores que recebem visitantes. Ao todo, são dez em Torres Vedras e 16 em Alenquer. É um número bastante razoável, mas que representa apenas uma fracção do universo vitivinícola destes dois municípios, ambos colocados no top-5 dos concelhos com mais vinha em território português, de acordo com números de 2014: Torres Vedras (5.126ha) aparece em terceiro lugar e Alenquer (4.886ha) em quinto, numa tabela liderada por Palmela (6.025ha).
Há muita vinha, há muito vinho e há muita vontade de fazer mais e melhor. Mas também ainda há muito caminho a percorrer, nomeadamente nesta vertente do enoturismo. Uma rápida consulta do Guia mostra que as casas com porta aberta são ainda as excepções: apenas a Quinta de Chocapalha e a Casa Santos Lima não solicitam marcação prévia (e, mesmo estes, mudam de registo ao fim-de-semana). Por todo o lado, a regra é receber mediante agendamento, ainda que em alguns casos os espontâneos acabem por ser acolhidos.
Ainda é pouco, para mais atendendo ao mercado potencial que se perfila na região (e na cidade de Lisboa, em particular). Para mais, a região de Lisboa é um excelente cenário para se absorver a realidade dos vinhos portugueses. Com o Atlântico perto e uma orografia intrincada, as terras que vão dos subúrbios da capital até à zona de Óbidos produzem vinhos completamente distintos ao virar de cada cumeada. Alenquer e Torres Vedras, por exemplo, estão lado a lado, mas a primeira é conhecida por ser terra de tintos, enquanto a segunda afirma os seus brancos. E, no entanto, há belos brancos em Alenquer e tintos de valor em Torres…
Se o vinho português é variado e complexo, Lisboa é o exemplo perfeito dessa riqueza. É neste Oeste que encontramos a expressão máxima da lei do terroir. Um mundo à espera de ser descoberto.

Quem chega à quinta do Anjo, a casa-sede da Quinta do Pinto, terém, de imediato, duas impressões: a força do tempo e a beleza do espaço. Para a primeira contribuem a traça nobre e antiga da casa, um palacete do século XVII; e a silhueta maciça dos eucaliptos que bordejam o pátio, três colossos seculares de troncos ciclópicos. A beleza do espaço vive também destas impressões fortes, mas assenta principalmente na harmonia das curvas do terreno, das linhas de vinha que sobem pelas encostas, nas fileiras de arvoredo que limitam as fracções, na paleta de cores que se espalha de ambos os lados da estrada.
São 120 hectares de propriedade, espalhados em forma de “8” com a casa no centro, que é também o ponto mais baixo. Subimos ao extremo da propriedade do lado sul, com o bloco maciço da serra de Montejunto dominando o horizonte, e percebemos facilmente a enorme diversidade de terrenos e exposições. A vinha ocupa mais de metade da área da propriedade (63ha) e as principais manchas estão viradas a sul, pontuadas por algumas construções para as quais já existem planos.
A quinta é um cenário privilegiado e há infra-estruturas encerram potencialidades para muito mais altos voos. Planos existem, uns em vias de concretização no curto/médio prazo, outras num horizonte temporal mais distante: transformar um depósito no alto da vertente norte em sala de provas; recuperar um complexo rústico de habitações para criar alojamentos (quatro quartos), aproveitar outras construções para dar corpo a um restaurante, reaproveitar a antiga cavalariça para loja (inauguração em breve), transformar a destilaria em espaço museológico…
Um destes dias, a Quinta do Pinto poderá ser um grande destino enoturístico. Mas o que lá está já vale bem a visita. A casa é de uma elegância distinta, com a particularidade (assumida pelo arquitecto no desenho original – do século XVII, ressalve-se) de o acesso à adega ser feito pela zona habitacional, onde pontificam vetustos salões com tectos em madeira, mobiliário clássico e belas pinturas nas paredes. Virados para o pátio exterior, em calçada portuguesa, há vários espaços para provar vinhos ou fazer refeições.
Lá dentro há belos mostos a cheirar a fruta, barricas de madeira, cubas de inox e grandes depósitos em cimento (com os nomes das crianças da família em painéis de azulejo). Mas viremos costas à azáfama das vindimas e concentremo-nos nesta vista, copo na mão e conversa fácil. O vento sopra nas folhas dos choupos e a luz de Setembro acaricia as vinhas. A vida é bela.

QUINTA DO PINTO
Quinta do Anjo, Aldeia Galega da Merceana, 2580-081 Alenquer
Tel : 919 100 800
Mail: quintadopinto@quintadopinto.pt
Web: www.quintadopinto.pt
A quinta recebe visitantes (mínimo duas pessoas) preferencialmente aos dias de semana, mediante marcação prévia. Há três programas distintos, todos envolvendo passeio pela propriedade, visita à adega com prova de amostras de cuba e posterior prova de vinhos. Os preços variam conforme o número de vinhos e os acompanhamentos (três vinhos, com pão e queijo – 25 euros por pessoa; quatro vinhos com pão, queijo e presunto – 30 euros; seis vinhos, com pão, queijo, presunto, frutos secos, salgados e tapas – 45 euros) e há descontos para grupos.

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 3
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

Ali bem perto, aproximando-nos das vertentes de Montejunto, fica a Quinta do Monte d’Oiro, um espaço onde imperam a harmonia, a limpeza e a excelência das instalações. E dos vinhos, já agora. Não espanta o perfeccionismo: aqui está a mão de José Bento dos Santos, ilustre gastrónomo nacional e um homem conhecido pela sua atenção ao mínimo detalhe. Se não ficaram dúvidas de que há ambições de fazer crescer o enoturismo na Quinta do Pinto, aqui a estratégia também é clara: sem nunca virar costas às visitas privadas, o alvo preferencial são as entidades interessadas em organizar eventos corporativos.
Quando entramos, logo no terreiro contíguo à adega, uma escultura do próprio Bento dos Santos, intitulada “Terroir”, mostra placas de calcário sobrepostas a serem “espremidas” numa prensa sobre uma coluna de cobre – e esta é uma boa forma de lançar o tema do terroir. As vinhas lançam-se dali encosta abaixo e sobem na vertente oposta, até às linhas de arvoredo na crista – encontramos um bosque de nogueiras, sobreiros e até cedros-do-Bussaco, alguns carismaticamente curvados pela força dos ventos.
A variedade da paisagem e dos microclimas fica bem evidente até na toponímia: estamos na Ventosa, lá mais ao fundo fica a Abrigada… E estas brisas constantes são também parte da alquimia da quinta, com pouco a recear das humidades doentias e com probabilidade diminuta de noites demasiado quentes, que prejudicam a maturação lenta e gradual das uvas. Ao lado dos 20 hectares de vinha já existentes, foram agora (em 2017) plantados outros nove – e é extraordinário verificar a diferença de crescimento entre plantas da mesma casta e com a mesma idade, conforme os lotes de terreno em que estão implantados. É também por isso que na Quinta do Monte d’Oiro cada parcela é vindimada e vinificada em separado.
Percorremos a adega, o salão de refeições (com mesa de grandes dimensões e lareira, bem como uma sala de reuniões adjacente), entramos na sala de provas às escuras e só depois descobrimos a vista para as barricas, havemos depois de passar pela pequena loja junto ao estacionamento. Em todo o lado, limpeza e harmonia, a sensação de que tudo foi arranjado ao pormenor, mesmo se por ali passa gente a trabalhar. Todos os programas são por marcação e sem horários, mas em todos se garante atendimento personalizado e uma explicação detalhada dos vinhos e da filosofia que levou à sua criação. Quem aqui entra, sente-se especial.

QUINTA DO MONTE D’OIRO
Freixial de Cima, 2580-404 Ventosa, Alenquer
Tel : 263 766 060
Mail: geral@quintadomontedoiro.com
Web: www.quintadomontedoiro.com
A quinta está aberta aos dias úteis, entre as 9h e as 17h (sob consulta nos restantes dias) – ao fim-de-semana para um mínimo de 12 pessoas. A visita com prova de vinhos (incluindo sempre o Reserva tinto), acompanhada de tábua de queijos e enchidos regionais, custa 25 euros por pessoa (três vinhos), 35 euros (cinco vinhos) ou 60 euros (seis vinhos, incluindo edições limitadas/exclusivas – neste caso, mínimo de seis participantes).

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 3
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

Deixamos as terras de Alenquer e rumamos a Torres Vedras. Vamos conhecer um projecto com menos de uma década no mercado e que, no entanto, já se afirma como um dos produtores emblemáticos do concelho e mesmo da região lisboeta no seu todo. Criada em 2005, mas com actividade “a sério” apenas desde 2009, a AdegaMãe está incluída no grupo Riberalves (um dos protagonistas do comércio de bacalhau no mundo) e faz cerca de um milhão de garrafas por ano, com vinhas essencialmente de uva branca (22ha) junto ao edifício da adega (inaugurado em 2011) e de tinta (85ha) a uns meros dez quilómetros, a leste.
A adega foi inaugurada em 2011 e os pormenores de arquitectura cativam de imediato o olhar. Mas os seus pontos fortes são a sua funcionalidade (os tractores com uvas entram na adega para descarregar – um tubo colector de fumo é ligado ao escape, para impedir a acumulação de fumos) e a incrível paisagem que se estende aos seus pés. Da varanda dominamos uma panorâmica de mais de 180 graus sobre uma bacia coberta de vinhas (da AdegaMãe e dos seus vizinhos), que se estendem em suaves inclinações pelas encostas até às linhas de cumeeira da serra da Archeira, mesmo em frente.
Também aqui, a sudoeste de Torres Novas, a toponímia não deixa dúvidas: estamos na zona da Ventosa, sinónimo de frescas brisas marítimas que contribuem para limpar os frequentes nevoeiros matinais, a que os locais chamam “rocio”. Em linha recta, estamos a menos de 10km do mar e essa é uma influência clara nos vinhos da casa. O que vem mesmo a calhar quando o grande negócio da casa-mãe é peixe… No interior da adega, um barco de madeira que em tempos serviu no “Creoula”, o bacalhoeiro transformado em navio-escola, faz a ligação entre estes dois mundos.
Damos uma volta pela adega, com capacidade para 1,5 milhões de litros; visitamos a sala de barricas, a 14 metros de profundidade; entramos na sala de eventos, onde se podem sentar largas dezenas de pessoas; espreitamos a sala de provas, com mesas de tampos em mármore; descobrimos vários auditórios. Há aqui muita coisa para ver e a empresa (que recebeu em 2017, 10.000 pessoas para eventos, 3500 para visitas e um número não contabilizado para provas) ambiciona ser um destino cada vez mais completo. Na calha está um investimento de 150 mil euros que irá criar um espaço de petiscos. Mesmo a calhar, porque quem nunca provou os pastéis de bacalhau da AdegaMãe não sabe o que perde…

ADEGAMÃE
Quinta da Archeira, Estrada Municipal 554, Fernandinho, 2565-861 Ventosa, Torres Vedras
Tel: 261 950 100
Mail: geral@adegamae.pt
Web: www.adegamae.pt
GPS: +39º 02’ 55’’ N / -9º 17’ 45’’ W
O enoturismo e loja de vinhos estão abertos todos os dias (segunda a sábado, das 9h30 às 13h e das 14h às 18h30; domingos das 11h às 14h e das 14h às 18h). As visitas, com marcação prévia aconselhada, custam entre seis euros por pessoa (prova de um vinho) e 25 euros (prova de todos os vinhos disponíveis). Pelo meio há mais cinco opções. Pode ainda optar-se por um brunch, que fica por 25 euros por pessoa, com cinco vinhos na carta. Servem-se refeições mediante marcação, a 45 euros + IVA por pessoa (mínimo de oito pessoas ao almoço de segunda a sexta; mínimo de 20 participantes nos restantes dias e horários), com visita incluída.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

ESTAÇÃO DE SERVIÇO
No intrincado das estradas do Oeste, nem sempre é fácil decorar o caminho. Mas a profusão de restaurantes é garantia de que não haverá falta de combustível… Escolhemos três casas nesta região de Torres Vedras e Alenquer, duas que unem a tipicidade ao bom acolhimento e a terceira – Casta 85 – já com outras ambições gastronómicas.
ADEGA VILA VERDE – Estrada Nacional nº9, Aldeia Gavinha; 263 760 574
O SANTINHOS – Estrada Nacional nº8, Turcifal; 261 951 474
CASTA 85 – Calçada Francisco Carmo 31, Alenquer; 915 761 911

Edição nº18, Outubro 2018

Recantos do Dão

Há tanta coisa, e sempre tão diferente, para descobrir no Dão que cada incursão tem o sabor de uma aventura única. Desta vez, em três saborosas paragens, confirmamos toda a sedução de uma terra dura no contacto, mas generosa nas dádivas. Vinho e muito mais, de Carregal do Sal a Mortágua, passando por Viseu. TEXTO […]

Há tanta coisa, e sempre tão diferente, para descobrir no Dão que cada incursão tem o sabor de uma aventura única. Desta vez, em três saborosas paragens, confirmamos toda a sedução de uma terra dura no contacto, mas generosa nas dádivas. Vinho e muito mais, de Carregal do Sal a Mortágua, passando por Viseu.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Imaginemos um território de forma quase oval, um planalto delimitado por um anel de serras (Buçaco, Caramulo e Arada, a Oeste; Montemuro, Leomil e Lapa, a Norte; Estrela, a Sudeste; Açor, a Sul) e escavado por rios que correm de Nordeste para Sudoeste (Mondego, Dão e Alva, todos tributários da barragem da Aguieira) ou, na metade setentrional da região, de Leste para Oeste (Paiva e Vouga). Parece a descrição de uma fortaleza inexpugnável, mas esta é uma cidadela de portas abertas.
Resguardado da influência atlântica, o Dão é terra de meteorologia severa, com verões quentes e invernos frios, pedra de toque para gentes rijas e vinhos soberbos. Esta foi a segunda região demarcada de Portugal, em 1908 – e a primeira de vinhos não generosos, já que a do Douro foi criada para regulamentar o Vinho do Porto. Durante décadas, os vinhos do Dão, criados em planaltos e encostas invariavelmente enquadrados por floresta, estiveram no topo do prestígio nacional. Depois, perderam identidade, viram outras regiões conquistar protagonismo. Mas a chama nunca se apagou e os tempos mais recentes mostram uma região apostada em recuperar a alma e o prestígio.
Com uma gastronomia bem própria, abundante património histórico e uma paisagem cheia de contrastes e recantos mágicos, a “fortaleza” do Centro de Portugal está à espera de quem queira descobrir os seus encantos. E, numa altura em que o calor volta a apertar e ainda temos bem vivo na memória o horror dos fogos florestais, visitar esta região é também prestar um tributo solidário às suas gentes.

Oliveira do Conde é uma freguesia do concelho de Carregal do Sal com pouco mais de três mil habitantes, mas uma história pelo menos tão antiga quanto Portugal – recebeu foral de D. Dinis em 1286 – e uma série de edifícios que falam desse passado distinto. E é também terra de vinhos, com vários produtores ali sediados. Um deles é a Quinta das Marias, que resulta de um trajecto inverso ao que levou o nome do país aos quatro cantos do globo: aqui, a obra foi feita por um imigrante.
Peter Eckert, suíço, adquiriu a propriedade em 1991, então uns meros quatro hectares, dois dos quais de vinha, completamente ao abandono. A pouco e pouco, foi juntando parcelas ao seu núcleo original e neste momento são já 16 hectares de área total, com 12 de vinha. A primeira adega nasceu em 1995, a segunda foi inaugurada já no século XXI. Ficam uma de cada lado do terreiro de entrada, onde três mastros exibem as bandeiras de Portugal, da Suíça e de Oliveira do Conde. Uma tradição de sempre, aqui.
Um passeio pelas vinhas permite perceber como cada parcela tem características muito próprias – e essa é a inspiração para os vinhos da casa, sempre definidos tendo por base as uvas de cada parcela, que são vindimadas e vinificadas em separado, antes das decisões na adega. Há oliveiras e pinheiros sempre em linha de vista e lá ao fundo a surpresa de encontrar as ruínas de um antigo lagar, com as bacias em granito, as mós e os apoios das varas resistindo ao passar dos anos. O plano é transformar este local numa sala de provas. Promete.
O granito volta a surgir-nos nos lagares do edifício da adega original, hoje reservada para zona de estágio dos tintos e sala de barricas – a vinificação é feita ali em frente na adega mais recente, onde se organiza também o armazém, rotulagem e o espaço de loja para quem desejar adquirir os vinhos localmente. Mas é do outro lado que nos sentamos (ao balcão!) para provar os vinhos e ouvir as suas histórias.
Cá fora, à saída, procura-se uma sombra para o derradeiro relance pela paisagem. Estamos num planalto, a cerca de 300 metros de altitude, com o Mondego a correr a Sul e o Dão a Norte. No horizonte perfilam-se algumas das serras que vigiam este território: Açor, Gardunha, Estrela. Com um bocadinho de esforço, podemos perceber o volume cilíndrico da construção no alto da Torre. Quando há neve, funciona como um verdadeiro farol.

QUINTA DAS MARIAS
R. Portela, 34, Oliveira do Conde, 3430-364 Carregal do Sal
Tel: 935 807 031 / 964 828 669
Mail: eckert@sapo.pt / quintadasmarias@icloud.com
Web: www.quintadasmarias.com
GPS: 40.442634, -7.967985
A quinta está aberta a visitas das 9h às 12h e entre as 14h e as 17h, mas a flexibilidade é a palavra de ordem. Tanto nos horários como nos preços a praticar, sob consulta e dependente do número de participantes e dos vinhos a provar. Por razões logísticas, a dimensão dos grupos está limitada a 25 pessoas. O programa normal inclui visita às vinhas e à adega, seguida de prova.

Originalidade (máx. 2): 1,5
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 3
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17

Rumamos a Norte. Mas, indo nós a caminho de Viseu, havemos de parar antes de lá chegar… Junto à pequena localidade de Soutulho fica o Hotel Rural Quinta do Medronheiro, na margem oposta à do planalto de Viseu, confinando com um rio (o Pavia, afluente do Dão) que continua a lutar contra a poluição e em linha de vista com duas grandes vias rodoviárias (o IP3, em viaduto, e a A25). Pode um local tão “urbano” ser um paraíso bucólico de sossego e comunhão com a Natureza? Pode, pois. Porque houve quem soubesse criar as condições para que quem chega sinta que está a entrar num mundo diferente.
A propriedade tem 37 hectares e assenta a sua actividade em três vertentes principais: três hectares de vinha, um salão de eventos (situado no andar superior da adega, com vista panorâmica) e o hotel rural. Este acomoda 16 quartos em três edifícios contíguos, interligados por um delicioso labirinto de escadarias em pedra, canteiros ajardinados e telheiros de madeira. Ao fundo, a piscina. Lá dentro, o restaurante, que funciona apenas por marcação, para refeições e provas de vinhos.
Aqui a regra é o sossego. Sim, há bicicletas para quem queira dar uma volta e os passeios a pé são altamente recomendados, mas a ideia base é estarmos quietos. A ler, a beber um copo de vinho da casa (há tinto e dois espumantes e para breve estão prometidos um branco e um rosé, todos com enologia de Hugo Chaves), ou simplesmente a ver passar o tempo – de olhos abertos ou fechados…
Mas, por mais sedutora que seja a perspectiva de não fazer nada quando o calor aperta, há tanto para ver que seria pena não pôr os pés ao caminho. As vinhas, os jardins que ladeiam as quatro salas para casamentos e outras cerimónias, os carreiros junto aos prados e pelo meio do arvoredo (muitos medronheiros, nada comuns na região, mas que dão o nome ao local), os penedos de granito, a lagoa lá no alto, as vacas que por ali pastam e os três cavalos que passeiam pela propriedade em regime semi-selvagem.
Fomos encontrá-los junto ao rio. O Oloroso, veterano que até já deu nome a um dos vinhos da casa, a égua Violeta e o jovem Riscado pastam na zona mais fresca, junto às águas que correm por entre as pedras. Dois moinhos de água surpreendentemente bem conservados ilustram uma tradição local, mas estão desactivados e os planos de recuperação deste património ancestral esbarram na má qualidade das águas do rio. Pena, porque esta podia ser a paisagem perfeita.

HOTEL RURAL QUINTA DO MEDRONHEIRO
Quinta do Medronheiro, Soutulho, 3510-744 São Cipriano, Viseu
Tel: 232 952 300 / 968 817 437
Mail: geral@quintadomedronheiro.pt
Web: www.quintadomedronheiro.pt
GPS: 40º37’26.817’’N / 7º57’59.106’’W
O hotel funciona todos os dias do ano, com 16 quartos de diversas tipologias e preços que vão dos 80 euros (duplo standard) aos 115 euros (apartamento T1). Sob reserva, organizam-se jantares com sabores típicos da região (25 euros por pessoa, mais bebidas); as provas de vinhos, com lanche regional, custam 15 euros por pessoa.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): –
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 18*

* Média ponderada; a filosofia do local não contempla a existência de loja.

E, por falar em paisagem, é impossível não nos arrepiarmos com o cenário que nos espera nas margens da barragem da Aguieira. Estamos a caminho de Mortágua e as cicatrizes do horrível incêndio de Outubro do ano passado acompanham-nos durante quilómetros, arrasando tudo de alto a baixo – não fossem os rebentos espontâneos de eucalipto, que já alcançam um bom metro de altura, e poderíamos imaginar-nos nas encostas de um vulcão…
Mas o fogo não chegou às suaves encostas de vinhas que nos levam até à adega da Quinta da Giesta, da empresa Boas Quintas, onde nos aguarda uma surpresa. Entramos na sala da loja e um ecrã gigante saúda: “A BOAS QUINTAS dá as boas-vindas à Revista Vinho Grandes Escolhas; Luís Francisco e Ricardo Palma Veiga.” São uns queridos, mas claro que isto é especial para jornalistas… Mas não, não é. Sempre que possível, é uma atenção reservada a quem visita esta quinta com vista para Mortágua.
Da loja saímos para a vinha, onde pontificam as castas tradicionais do Dão (Touriga Nacional e o Encruzado à cabeça), mas também outras, incluindo os primeiros pés de Arinto de Bucelas plantados na região – influência evidente do perfil generalista do homem-forte da casa, o enólogo Nuno Cancela de Abreu, que faz vinho em quase todo o país. Aqui e ali descortinamos ninhos em madeira e também caixas para os morcegos, que são os predadores naturais da traça da videira.
Entramos pela adega, moderna e equipada para fazer face às ambições de uma empresa que aponta este ano ao milhão de garrafas. Aqui não encontramos cave de barricas (essa fica na casa de família de Nuno Cancela de Abreu, no centro de Mortágua), mas somos conduzidos ao salão onde se realizam as provas. E é por esta altura que começam as “dificuldades”…
Porque embarcamos em duas enriquecedoras experiências: O Jogo dos Aromas e O Meu Vinho. Na primeira, é preciso identificar os aromas em vários vinhos, usando, para comparar, uma caixa com 88 (!) essências diferentes e uma cábula com as famílias de fragrâncias que podemos encontrar no vinho. O segundo é mais “mãos na massa”: depois de provarmos três castas a solo (Touriga Nacional, Alfrocheiro e Tinta Roriz), vamos compor o nosso próprio lote e engarrafá-lo. De caminho, se houver crianças no grupo, elas terão desenhado um rótulo. Isso e escrito uma carta para si próprios, que meterão numa garrafa com instruções para só a abrirem daí a cinco anos. Imaginação ao poder.

BOAS QUINTAS
R. Quinta da Gandarada, 14, 3450-335 Mortágua
Tel: 231 921 076 / 925 873 805
Mail: wines@boasquintas.com / rita.mendes@boasquintas.com
Web: www.boasquintas.com
Visitas das 10h às 12h e entre as 14h e as 18h, de segunda a sexta-feira, solicitando-se marcação antecipada com dois dias de antecedência. Visitantes sem marcação ou em horários diferentes e ao fim-de-semana ou feriados ficam sujeitos à disponibilidade da equipa. Há três níveis de prova de vinhos, com preços entre 4,5 euros e os 15 euros por pessoa. O Jogo dos Aromas fica por 20 euros por participante, com prémios por bom desempenho e prova de cinco vinhos; O Meu Vinho custa 25 euros por pessoa, incluindo prova de cinco vinhos e a garrafa criada na ocasião.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5ESTAÇÃO DE SERVIÇO
O Dão é uma manta de recantos e um puzzle de paisagens e experiências. Por isso, não se leve a mal que a nossa recomendação para abastecimento sólido contemple um leque vasto de boas mesas, noutras tantas localidades. E se nunca ouviu falar de lampantana, não deixe de visitar a última das propostas…
ZÉ PATACO – Rua do Comércio, 124, Canas de Senhorim; 232 671 121; restaurantezepataco@gmail.com
3 PIPOS – Rua St. Amaro, 966, Tonda, Tondela; 232 816 851; 3pipos@gmail.com
PALACE – Rua Paulo Emílio, 12, Viseu; 232 284 758; palace.viseu@gmail.com
ALDEIA SOL – Avenida do Reguengo, 281, Vila Meã, Mortágua; 231 929 127; aldeiasol@sapo.pt

Edição nº17, Setembro 2018