Baías e Enseadas: da garagem para o mundo

Daniel Afonso – uma pessoa genuína e apaixonada – é um verdadeiro garagista, com as cubas, barricas e uma prensa vertical justapostas num espaço minúsculo em Mercês (de Sintra), e com um carro velho à porta para ir às vinhas, espalhadas pela zona de Colares. O seu carácter terra-a-terra continua na genuinidade dos seus vinhos, […]
Daniel Afonso – uma pessoa genuína e apaixonada – é um verdadeiro garagista, com as cubas, barricas e uma prensa vertical justapostas num espaço minúsculo em Mercês (de Sintra), e com um carro velho à porta para ir às vinhas, espalhadas pela zona de Colares. O seu carácter terra-a-terra continua na genuinidade dos seus vinhos, que, nascidos num ambiente modesto, encontram o glamour no seu destino, servidos nos restaurantes estrelados do Algarve e Nova Iorque.
A ideia de fazer vinho nasceu muito cedo. “Desde que comecei conscientemente a gostar de vinhos, tive logo o sonho de fazer um vinho meu”, confessa Daniel Afonso. Em 2012 começou a realizar o seu sonho: fez a primeira surriba e no ano seguinte plantou três castas brancas, típicas da região de Lisboa — Fernão Pires, Arinto e Malvasia de Colares (que considera a melhor casta branca nacional) — a 5km do mar em linha recta. Em 2014 plantou mais 0,5 hectares acrescentando Castelão.
A vindima de 2015 serviu de ensaio e a de 2016 deu origem aos primeiros vinhos apresentados no mercado. A pouco e pouco, ia plantando mais vinha e mais castas: o Cercial que gosta pelo seu carácter e acidez e duas castas estrangeiras – Chardonnay e Pinot Noir – que no início pensou fazer só para si, mas as experiências de vinificação mostraram os resultados de tal modo promissores que ficou motivado a dar-lhes mais protagonismo.
Mas havia outro sonho: fazer um vinho DOC Colares, com Malvasia e Ramisco plantadas em chão de areia. Este demora mais tempo, porque a propria plantação em chão de areia é diferente. E este ano já conseguiu lançar o primeiro Colares Malvasia.
A abordagem enológica é simples. Sem desengaço, vai tudo para a prensa, onde acaba por ter uma pequena maceração porque o processo demora 7-9 horas. Fermenta com leveduras indígenas, um pouco de sulfuroso para impedir a fermentção maloláctica e retira a borra mais grosseira. A fermentação acaba nas barricas e lá os vinhos ficam de 6 a 8 meses, com bâtonnage. Nos tintos, as uvas também não desengaçadas, levam uma ligeira pisa a pé, ficando com alguns cachos inteiros. O estágio também é em barricas, durante cerca de 6 meses.
Neste momento, Daniel só faz os monovarietais a querer mostrar “o que cada casta fala da região”. Os vinhos da gama Escolha Pessoal estão sujeitos a uma selecção mais criteriosa em todos os passos desde a uva às barricas.
“Faço o melhor que posso e tento intervir o mínimo possível” – diz o produtor, não tendo intenção nenhuma de produzir vinhos funky para agradar os wine freaks. Não é por ser um produtor pequeno que vou atrás de modas. “Eu não quero ser diferente, quero representar a região”, afirma o vigneron com convicção, “quero que quando alguém prove os meus vinhos, diga ‘Isto só pode ser de Colares!’”.
Neste momento, tem quatro vinhas e precisa de aumentar a área. A produção de hoje conta com cerca de 8 mil garrafas, das quais 90% vai para a exportação: Estados Unidos, Inglaterra, Noruega e Bélgica. Em Nova Iorque, os Baías e Enseadas estão presentes em 70% dos restaurantes estrelados. No famoso Per Se, com três estrelas Michelin, só estão quatro vinhos brancos portugueses, um deles é o Baías e Enseadas Malvasia. Os 10% vendidos no mercado nacional estão principalmente presentes no Algarve, em restaurantes como o Vila Joya, A Ver Tavira, Al Sud e Bon-Bon.
Nos futuros planos estão um vinho rosé, um espumante e o Ramisco de Colares.
(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)
Barão do Hospital: Cresce a vinha e nasce um reserva

A Quinta do Hospital, em Valinha, Monção, foi adquirida pela Falua em Fevereiro de 2020 e desde logo se percebeu que a coisa era séria. É que esta é uma das mais notáveis propriedades da sub-região de Monção e Melgaço, com uma história riquíssima que remonta ao século XII e à Ordem do Hospital, ostentando […]
A Quinta do Hospital, em Valinha, Monção, foi adquirida pela Falua em Fevereiro de 2020 e desde logo se percebeu que a coisa era séria. É que esta é uma das mais notáveis propriedades da sub-região de Monção e Melgaço, com uma história riquíssima que remonta ao século XII e à Ordem do Hospital, ostentando um bonito solar e capela do século XVI.
Os terrenos abrangem 25 hectares, estendendo-se pelos dois lados da estrada. Quando da sua aquisição pela Falua (desde 2017 integrada no grupo Roullier) já havia vinha plantada do lado do solar, dez hectares de Alvarinho, videiras hoje com cerca de uma década. Mas logo ali, quer Rui Rosa, administrador da Roullier para Portugal, quer Antonina Barbosa, Directora Geral e de Enologia da empresa, tiveram em mente a ampliação vitícola, aproveitando ao máximo o terroir de excepção onde se situa a Quinta do Hospital.

A vinha está plantada em cordão unilateral retumbante (com 1.75m de altura), um sistema de condução comum na região e que já mostrou a sua validade. Ainda assim, a Falua tem vindo a fazer melhoramentos graduais, no sentido de obter uma vegetação retumbante bem dividida entre os dois lados da sebe, melhorando assim o microclima na zona dos cachos. A área de videiras vai, entretanto, duplicar com a nova plantação a realizar em 2024. Neste momento, o terreno está a ser preparado e, segundo Antonina Barbosa, o sistema de condução ainda está em estudo, com base em ensaios que estão a fazer noutras vinhas da região. “Acima de tudo”, diz Antonina, “queremos que preserve as características genuínas da casta naquele lugar.”
Mas nem só de Alvarinho vivem os projectos Falua na região dos Vinhos Verdes. A empresa tem igualmente um Loureiro de primeira linha e, para garantir e até ampliar sua qualidade e consistência, chegou a um acordo com a Casa da Torre, propriedade da Companhia de Jesus, situada em Vila Verde, com um solar do século XVIII onde funciona um Centro de Espiritualidade. Antonina Barbosa conhece bem o potencial vitícola do lugar, pois a Falua recebe desde há anos as uvas provenientes da vinha de 1,5 hectares ali existente. Esse conhecimento levou a empresa a fazer um aluguer a longo prazo dos terrenos agrícolas da Casa da Torre e a plantar, no ano que passou, uma vinha de raiz, com 10 hectares de Loureiro e 1 de Padeiro. “Acredito profundamente que esta vai ser uma vinha muito especial e duplamente ‘abençoada’”, refere a enóloga.
A Falua tem, na verdade, investido bastante em viticultura, e não apenas no terreno, também no que é mais importante, as pessoas. Miguel Mesquita é o responsável por uma equipa que trabalha Tejo e Vinhos Verdes, com um técnico de viticultura residente em cada uma das regiões. E desde 2021, o experiente Professor Rogério de Castro assume a consultoria externa. O plano de investimento vitícola da Falua, a executar até 2024, e no valor de 5 milhões de euros, totaliza 200 hectares no Tejo (foram já adquiridos 80 hectares ao lado da emblemática Vinha do Convento) e 31 nos Vinhos Verdes.
Com tanto para dizer sobre a vinha (é aqui que tudo começa, afinal!), quase me esquecia de falar do vinho que aqui nos trouxe. Pois o Barão do Hospital Reserva branco 2020 vem da parcela situada mesmo à frente do solar e tem a madeira (metade do lote fermentou e descansou em barrica nova e usada de 500 litros) e o tempo de estágio (um ano sobre as borras) como principal factor diferenciador do Alvarinho “normal” da casa. E é, sem dúvida, um belíssimo vinho.
(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)
Concurso dos Vinhos dos Altos: já são conhecidos os vencedores

Foram revelados os vencedores do 2º Concurso dos Vinhos dos Altos, integrado no evento “Vinhos e Sabores dos Altos”, que decorreu entre 16 e 18 de Junho em Alijó, no recuperado edifício da Casa dos Noura. Cortes do Tua Douro Reserva 2021 da Cortes do Tua Wines nos vinhos brancos, Circa Douro Grande Reserva 2017 […]
Foram revelados os vencedores do 2º Concurso dos Vinhos dos Altos, integrado no evento “Vinhos e Sabores dos Altos”, que decorreu entre 16 e 18 de Junho em Alijó, no recuperado edifício da Casa dos Noura.
Cortes do Tua Douro Reserva 2021 da Cortes do Tua Wines nos vinhos brancos, Circa Douro Grande Reserva 2017 da Quinta do Jalloto nos vinhos tintos e Fragulho Porto Tawny 20 anos da Casa dos Lagares na categoria de vinhos fortificados foram os três grandes vencedores num concurso que contou com 82 vinhos concorrentes, avaliados por um júri de 12 pessoas, entre jornalistas, bloggers especializados, garrafeiras e compradores profissionais.
Tanto o concurso como o evento “Vinhos e sabores dos Altos” pretendem realçar o carácter único dos vinhos do Planalto de Alijó e Favaios, onde entre as principais características se destacam a grande elegância e frescura destes vinhos. Para além dos três grandes vencedores, foram ainda atribuídas mais 8 medalhas de Ouro e 16 medalhas de Prata, considerando as três categorias, Brancos, Tintos e Fortificados, cabendo nesta última tantos os vinhos Moscatel do Douro como os vinhos do Porto.
Vinhos Brancos
Melhor Vinho
Cortes do Tua Reserva 2021, Cortes do Tua Wines
Medalhas de Ouro
Águia Moura Gouveio 2020 | Casa Agrícola Águia de Moura |
As Olgas 2021 | Maçanita Vinhos |
Fernão de Magalhães Reserva 2019 | Adega Cooperativa de Sabrosa |
Medalhas de Prata
Circa Reserva 2020 | Faustino Meireles Moreira (Quinta do Jalloto) |
Familia Silva Branco 2020 | Branco Wines Family |
Manoella 2022 | Wine & Soul |
Quanta Terra Grande Reserva 2021 | Quanta Terra |
Quinta dos Lagares Reserva 2018 | Vitavitis Unipessoal |
Vale do Tábua Reserva 2020 | Vale do Tábua |
Vinhos Tintos
Melhor Vinho
Circa Grande Reserva 2017, Faustino Meireles Moreira (Quinta do Jalloto)
Medalhas de Ouro
FozTua Grande Reserva 2019 | Foz do Tua |
Pandemic Wine 2020 | Carlos Rua |
Virtual 2020 | João M. Soares Pires |
Medalhas de Prata
Andreza Altitude 2019 | Lua Cheia – Saven |
Costa Boal superior 2018 | Costa Boal Family Estates |
Costureiro 2018 | Foz do Tua |
Fonte da Perdiz Grande Reserva 2019 | Abegoaria Wines – Adega de Alijó |
Maragato Grande Reserva 2020 | Maragato Douro Wines |
Os Canivéis 2019 | Maçanita Vinhos |
Quinta de Martim Reserva 2017 | Casa Agrícola Águia de Moura |
Submerso 2020 | Vinhos Submerso |
Vinhos Fortificados
Melhor Vinho
Fragulho Porto Tawny 20 anos, Casa dos Lagares
Medalhas de Ouro
Quinta da Pedra Alta Pedra Nº 03 Porto branco | Vinhos Quinta da Pedra Alta |
Vale do Tábua Porto Tawny 10 Anos | Vale do Tábua |
Medalhas de Prata
Dalva Porto branco 2011 | Granvinhos |
Tapada de Favaios Moscatel do Douro | Vinhos de Favaios |
Monte d’Oiro: Pioneiro da moderna Lisboa

Apesar da história destes vinhos não ser tão antiga assim, estes já têm idade suficiente para terem conhecido modas e tendências do sector, algumas hoje arrumadas na prateleira. Quando Bento dos Santos se iniciou nesta aventura estávamos na era Parker, o que quer dizer que se usava e abusava de madeira nova nos vinhos, na […]
Apesar da história destes vinhos não ser tão antiga assim, estes já têm idade suficiente para terem conhecido modas e tendências do sector, algumas hoje arrumadas na prateleira. Quando Bento dos Santos se iniciou nesta aventura estávamos na era Parker, o que quer dizer que se usava e abusava de madeira nova nos vinhos, na altura uma virtude muito celebrada. Na região de Lisboa, então ainda à procura do melhor rumo para os novos tempos, não havia, por exemplo, vinhos da casta Syrah e foi um verdadeiro sarilho, dizem-nos, conseguir aprová-los na CVR.
Quem fala de Syrah pode falar de Viognier, outra variedade à época inexistente na região. Olhando agora à distância de quase 30 anos tudo nos parece inacreditável. Mas foi assim, primeiro estranhou-se e depois entranhou-se e, hoje, aquelas castas são meninas bonitas em toda a região. No Monte d’Oiro houve, desde sempre, mais opções e outras castas acabaram por marcar presença, como são os casos da Arinto, Marsanne, Touriga Nacional e Tinta Roriz, por exemplo. A região, não muito afastada da costa atlântica, ondulada por natureza e ventosa por desígnio, tem excelentes condições para a produção de vinho, mas há que escolher bem as parcelas em função da orientação solar, da drenagem dos solos e da constituição dos mesmos.
Não se estranha assim que a mesma casta tenha comportamentos diferentes, dependendo do local onde está plantada, da produtividade por hectare e depois, já na adega, da forma como é trabalhada. A quinta tem certificação biológica e os vinhos têm-se revelado com muito boa consistência de qualidade. Dos tempos da dupla passagem em madeira nova só sobra a memória; hoje procura-se o equilíbrio entre madeira nova e usada por forma a garantir a elegância do produto final, algo válido quer para brancos quer para tintos. Mas, é de toda a justiça dizê-lo, dos tempos em que não havia certificação e em que o conhecimento da quinta não era “ao centímetro” como é hoje, ainda nos chegam grandes vinhos. Tivemos oportunidade de provar (e neste caso, beber…) dois tintos Quinta do Monte d’Oiro Reserva (1999 e 2008) e dois Têmpera (Tinta Roriz) de 2001 e 2012. Notável evolução, perfeito balanço e muito prazer na prova passados estes anos. É essa também a virtude do vinho, sempre pronto a surpreender-nos.
No portefólio da quinta temos agora dois vinhos rosé, um deles de mais pretensão – o Reserva – com estágio em barrica usada e 9 meses em garrafa antes de ser comercializado. O Reserva tinto é sempre um vinho que incorpora cerca de 4% de Viognier em co-fermentação, uma prática importada do Rhône e que muita confusão, acreditamos, terá feito a quem aprovava os vinhos nos anos 90. Os brancos também estão distribuídos por duas categorias com o Reserva a ser parcialmente (60%) fermentado em madeira, ente barricas novas e usadas. É desta forma que ele adquire o equilíbrio que agora nos revela. Também os tintos têm dois patamares, com o Reserva a mostrar que já encontrou o seu modelo, agora muito mais focado na elegância do que na potência. Depois continuam os vinhos varietais que são selecções parcelares – Arinto, Tinta Roriz, Touriga Nacional, Petit Verdot, Parcela 24 e ex-eaquo.
A melhor surpresa estava reservada para um Arinto de 2019 que teve estágio de 28 meses em barrica única. Este branco demonstra que a casta tem uma enorme plasticidade e que se mostra muito bem na região que lhe esteve na origem, Lisboa. Pena mesmo é serem tão poucas garrafas, uma vez que está claramente vocacionado para ser um sucesso. O que se espera é que sirva de incentivo para futuras edições, com o mesmo perfil.
(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)
Soalheiro: Experimentar, aprender, evoluir

Para uns, clássico, para outros, moderno. É assim o produtor Soalheiro, a causar, desde que os irmãos António Luís e Maria João Cerdeira pegaram no projecto familiar, fundado pelos pais em 1982, diferentes interpretações e emoções nos consumidores de Alvarinho de Monção e Melgaço (e não só). Tudo depende dos vinhos nos quais se coloca […]
Para uns, clássico, para outros, moderno. É assim o produtor Soalheiro, a causar, desde que os irmãos António Luís e Maria João Cerdeira pegaram no projecto familiar, fundado pelos pais em 1982, diferentes interpretações e emoções nos consumidores de Alvarinho de Monção e Melgaço (e não só). Tudo depende dos vinhos nos quais se coloca o foco: por um lado, os Soalheiro “Clássico”, Reserva, Allo, Primeiras Vinhas ou Germinar; por outro, referências como Terramatter ou Nature, e até mesmo o Granit que, segundo Luís Cerdeira foi, na verdade, um dos primeiros sintomas da veia experimental e curiosa da equipa técnica da casa. “Tanto podemos considerar que somos o novo do Velho Mundo, ou o velho do Novo Mundo”, afirma o produtor.
Mas é agora que esta componente vem ao de cima com mais força, com o Soalheiro a apresentar ao público e à imprensa uma gama de vinhos feitos, na sua adega, com processos de vinificação que não ‘«são tão familiares, alguns deles produzidos, inclusive, em parceria com outros enólogos. Uma parte destes vinhos está já no mercado, e a outra vai (pelo menos por agora) ficar retida como instrumento de estudo e consumo não comercial.
“O Clássico Aguça o Engenho” foi o nome dado a esta viagem e aprendizagem, descrita assim pela equipa do Soalheiro: “A busca constante de conhecimento, e de vinhos que exprimam a riqueza que o território nos oferece, permanecerá, e é com esse conhecimento e engenho que os clássicos se fortalecem e se tornam intemporais”. Luís Cerdeira, que além de proprietário é responsável de enologia (apoiado pela enóloga residente Asun Carballo), explica a máxima, e recorda que “muitas coisas mudaram ao longo destes 40 anos, mas o nosso espírito criativo, curioso e exigente continuará sempre alimentar a nossa atitude, a sustentar a qualidade e consistência do que aqui criamos e a inspirar o projecto Soalheiro a valorizar o território”. Segundo Maria João Cerdeira, isto passa por dar ainda mais importância aos solos. “Este trabalho de valorização dos solos é recente e ainda há muito a fazer, mas foi também para isso que fundámos o Clube de Viticultores do Soalheiro, em 2004, para que houvesse maior partilha de conhecimento e recursos, porque só assim é que evoluímos”, desenvolve a responsável de viticultura. Actualmente, o Clube de Viticultores integra cerca de 150 famílias.
Além da colheita mais recente do Soalheiro que a casa apelida de “Clássico”, o Alvarinho de entrada de gama e um dos rótulos mais importantes (talvez o mais importante) para o negócio do produtor, na prova foram apresentados outros 10 vinhos. Dos que estão disponíveis no mercado, provou-se o Mosto Flor 2021 — “um Alvarinho feito a partir das gotas que escorrem das uvas antes da primeira prensagem”, ou seja, cujo mosto é obtido apenas a partir da pressão originada nas uvas quando estas são introduzidas na prensa, fermentando depois em inox — o Ag.hora Alvarinho 2021 — produzido em parceria com o enólogo georgiano Gio, inspirado no estilo de vinificação tradicional da Geórgia, fermentando em Terracota com leveduras espontâneas, onde faz maceração pelicular e volta para estagiar após prensa — o Pet Nat Alvarinho 2022 — excelente exemplar da categoria com rótulo igualmente bem-conseguido, uma nuvem branca em céu azul celeste, que transmite tranquilidade, leveza e expressividade — o Alvorone 2020 — Alvarinho criado em parceria com a Vinhos APRT3 “ao estilo Amarone, com as uvas desidratadas para concentrarem os açúcares e os ácidos, prensadas cerca de um mês depois”, antes de fermentarem e estagiarem um ano em barricas novas e mais 6 meses em inox — o Revirado 2020, já provado na edição de Abril — Alvarinho de solo granítico de encostas montanhosas a 400m de altitude, fermentado e muitas vezes “revirado” em barricas rotativas — e o Pé Franco 2020 — um Alvarinho que provém de vinhas não-enxertadas, plantadas há 10 anos em solo arenoso, fermentado com as películas e estagiado em barrica.
No que toca às experiências que por agora ficam apenas na “Cave de Inovação” do Soalheiro, falamos do Solo Limoso — um Alvarinho que nasce numa vinha “junto às margens graníticas e escavadas do rio Minho, em solo com grande percentagem de limo”, que fermentou em foudre e cuba de inox, e estagiou em barrica e ovo de inox — o Pet Nat Loureiro e o Pet Nat Alvarelhão — o primeiro com uvas de Valença e o segundo de uma vinha velha — e o De[Feito] — “blend feito das tinajas e terracotas de Loureiro e Alvarinho, estagiado mais de um ano em inox com as borras”, um vinho assumidamente “marado”, mas mostrado na mesma pois, segundo Luís Cerdeira, “inovar significa fazer novo, arriscar, e nem sempre corre bem!”…
(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)
Sugestão: Os (outros) licorosos de Portugal

Se estivéssemos a fazer um script para um filme sobre este tema, poderia ser mais ou menos assim: Cena 1: Um grupo de amigos a fazer uma prova de vinhos. Eu também estava presente. Coisa caseira, sem pretensões, apenas para desfrutar o vinho e, como dizem em Angola, estar junto. A certa altura, e após […]
Se estivéssemos a fazer um script para um filme sobre este tema, poderia ser mais ou menos assim:
Cena 1:
Um grupo de amigos a fazer uma prova de vinhos. Eu também estava presente. Coisa caseira, sem pretensões, apenas para desfrutar o vinho e, como dizem em Angola, estar junto. A certa altura, e após alguns vinhos terem sido degustados em prova cega, eu trouxe para a mesa um vinho já decantado. Retinto, percebia-se que era um generoso. De imediato começou o jogo: Porto Vintage ou LBV? Logo aí houve alguma controvérsia porque não era evidente se seria de um tipo, ou de outro. Pelo perfil logo se puseram de lado quer os Madeira quer os Moscatéis; era claramente um vinho retinto engarrafado novo. O segundo momento foi tentar perceber quem seria a casa produtora: seriam empresas inglesas de vinho do Porto, seria um perfil mais tradicional português? Se sim, qual poderia ser a empresa? Novamente várias opiniões, tudo algo baralhado. Resultado da prova: não era um vinho do Porto, era um licoroso de Borba!
Cena 2:
Almoço no Porto, no restaurante Gaveto. Convidador: Dirk Niepoort. À mesa estaríamos uns 8 ou 10, quase todos ligados ao vinho do Porto e vários da própria empresa. Para a sobremesa, Dirk serve o vinho às cegas: logo ali a primeira discussão foi se seria Niepoort ou de outra firma. Um dos presentes, o senhor Nogueira – “cheirista” encartado da Niepoort e já então acabado de se reformar, vaticinou: este seguramente não é o estilo Niepoort! A conversa continuou, a cada cabeça sua sentença. Resultado: era um licoroso da África do Sul, apelidado de Cape Fortified. Vinho notável, a todos os títulos, se a memória não me falha.
Cena 3:
Tenho em minha casa para jantar Dirk Niepoort e David Guimaraens, então acabados de chegar a Lisboa após uma passeata de mota pelo país, uma versão Easy Ryder do séc. XXI. A certa altura do serão servi um vinho bem carregado na cor, rústico de perfil, mas impressionante no conjunto. Ambos entraram em modo de dúvida, sobre que tipo de Porto seria e de quem, ou seja, a conversa do costume nestas coisas das provas cegas. Às tantas um deles, que não recordo quem, disse: espera, este é capaz de ser o licoroso do Mouchão que provámos ontem quando estivemos na herdade! Era mesmo!
Eram dezenas as destilarias no Bombarral e a grande quantidade de aguardente produzida destinava-se ao Porto e, também, aos licorosos locais.
Vamos casar mosto com aguardente?
As três cenas ajudam-nos a perceber que o universo dos licorosos pode ser desafiante. Podemos encontrar um de dois perfis que, ainda mais, ajudam a confundir com o “universo” Porto; um perfil engarrafado mais jovem e que lembra, de facto, um Vintage ou LBV, e um outro tipo, mais longamente envelhecido em casco e que pode fazer-nos pensar se não estaremos perante um Porto Tawny ou, em alguns casos, um Madeira.
Há razões que ajudam a perceber porque é que nos podemos enganar; em primeiro lugar, as castas: o tal licoroso de Borba era feito de Aragonez e o licoroso da África do Sul era elaborado com castas do Douro, para lá levadas em tempos idos. Se a este “factor casta” juntarmos a forma como são feitos, ou seja, interrupção da fermentação por adição de aguardente vínica, igual à que se usa para vinho do Porto, percebemos melhor que todos estamos desculpados por termos sido iludidos com o licoroso.
Alguns dos vinhos aqui provados entram na designação Abafado: tratam-se de licorosos em que, cumprindo o que a legislação determina, se interrompe a fermentação no início da mesma, por adição de aguardente; se o mosto não chegar mesmo a fermentar, então estamos perante uma Jeropiga.
Algumas casas – como a Companhia Agrícola do Sanguinhal ou o Mouchão têm já uma história secular na produção de vinhos licorosos. No Mouchão a tradição remonta ao início do séc. XX (1901) e, no caso do Sanguinhal há que lembrar que a firma de Abel Pereira da Fonseca, ainda nos finais do séc. XIX, tinha uma empresa de vinho do Porto; e a partir do momento em que adquiriu as 3 quintas na zona do Bombarral – Sanguinhal, Cerejeiras e S. Francisco – dedicou-se a produzir vinhos licorosos. Estávamos então na segunda década do séc. XX. Além desta grande empresa, outras como os Patuleia e Vinhos Bernardino eram destiladores de aguardente. Eram dezenas as destilarias na região e enorme a quantidade de vinhos que ali eram “queimados”; a aguardente destinava-se sobretudo a beneficiar o Vinho do Porto. Era assim tentador fazer algo semelhante nos vinhos da região. Na Companhia Agrícola do Sanguinhal a tradição manteve-se até hoje e as reservas mais antigas que são usadas na preparação dos lotes têm, segundo o actual proprietário, mais de 80 anos.
Já no caso das adegas cooperativas estamos em crer que o desejo dos sócios de terem um vinho de sobremesa, não para imitar nem substituir o vinho do Porto, mas que pudesse ser a expressão das virtudes da região, levou à proliferação deste tipo de vinho um pouco por todo o país, incluindo Tejo e Algarve, onde os licorosos chegaram a ter alguma projecção.
Enquanto consumidores que somos, não devemos perder de vista o que, de original, se vai fazendo aqui e ali. Nota final: estes, como outros vinhos do mesmo tipo, devem ser consumidos frescos. E se tem a sua garrafa há muito tempo em casa (há que a conservar ao alto), não hesite em decantar primeiro porque pode ter criado depósito no fundo da garrafa. Boas provas!
(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)
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Ravasqueira
- 2017 -
Cartuxa
- 2013 -
CTX Superior
- 2014 -
Vidigueira
Fortificado/ Licoroso - 2017 -
Adega de Borba Premium
Fortificado/ Licoroso - -
Vinha d’Ervideira
Fortificado/ Licoroso - 2015 -
Alorna
Fortificado/ Licoroso - -
Quinta de S. Francisco
Fortificado/ Licoroso - -
Mouchão Sobremesa Tonel Aged
Fortificado/ Licoroso - 2015 -
Marquês de Marialva Singular
Fortificado/ Licoroso - 2011 -
Cabriz Ímpar
Fortificado/ Licoroso - -
Quinta das Bágeiras
Fortificado/ Licoroso - 2004
Costa Boal Family Estates: Família com nome de casta

A história da Costa Boal mostra como uma abordagem clássica aos vinhos e à vinha, herdada por gerações anteriores, pode ser combinada com a modernização do negócio e das técnicas, para produzir vinhos de qualidade excepcional. António Boal iniciou a actividade vitivinícola no Douro, no planalto de Alijó, onde a sua família já trabalhava vinhas […]
A história da Costa Boal mostra como uma abordagem clássica aos vinhos e à vinha, herdada por gerações anteriores, pode ser combinada com a modernização do negócio e das técnicas, para produzir vinhos de qualidade excepcional.
António Boal iniciou a actividade vitivinícola no Douro, no planalto de Alijó, onde a sua família já trabalhava vinhas para empresas exportadoras desde 1857. No entanto, foi na cidade de Mirandela, na região de Trás-os-Montes, onde cresceu e constituiu família, que decidiu comprar um terreno em 2011, que incluía uma vinha bastante antiga. Boal tinha a intenção de replantar a vinha, mas foi aconselhado por um amigo a experimentar as uvas da vinha velha em barricas novas, o que levou, para sua surpresa, à produção do seu primeiro vinho, lançado em 2013, o Flor do Tua Grande Reserva 2011. Nascia assim um (novo) projecto familiar com DNA verdadeiramente transmontano, Costa Boal Family Estates, que, desde então, tem surpreendido pela qualidade crescente dos seus vinhos — hoje com assinatura enológica de Paulo Nunes — num portfólio variado em perfis, regiões e castas.
Entretanto, com a aquisição de mais vinhas, a Costa Boal produziu, em 2014, um Porto Vintage e o primeiro Palácio dos Távoras, marca para os vinhos D.O.C. Trás-os-Montes, a par de Flor do Tua e Quinta dos Távoras. Nesta região, o produtor tem 14 hectares de vinha com 67 anos, e um hectare de vinha centenária, em Sendim, mesmo junto à fronteira com Espanha. O enólogo consultor Paulo Nunes, actualmente um dos mais expressivos da cena vínica nacional, confessa que foram as vinhas velhas da Costa Boal que o convenceram a aceitar o convite para liderar a equipa de enologia residente. A adega, por sua vez, é mesmo na zona urbana de Mirandela, uma unidade descomplicada e pragmática que serve perfeitamente o seu propósito: fazer vinho de qualidade.
Já no Douro, a Costa Boal detém cerca de 40 hectares, entre Alijó, Murça e Vila Nova de Foz Côa. É também em Alijó, a 400m de altitude, que se encontra a adega antiga da família, com mais de 150 anos de idade, um edifício muito bonito erguido em lâminas de xisto. Esta adega mantém os tradicionais lagares de granito, nos quais ainda se faz pisa a pé das uvas com destino aos melhores vinhos da casa, e “esconde” vinhos do Porto antiquíssimos, relíquias mantidas pela família em nobre descanso.
O significado da Família
Basta passar algumas horas com António Boal para perceber que a família é o pilar mais fundamental da sua empresa. A proximidade, o comprometimento e o forte sentido de propósito da Costa Boal são valores nutridos num núcleo familiar onde se insere António, a companheira Raquel e a filha Carolina, ambas envolvidas no projecto, acompanhados pelos três cães Serra da Estrela, Flor, Tua e Côa.
Carolina Boal, apenas com 17 anos, já integra um curso de enologia e viticultura e não se vê a fazer outra coisa. A energia que emana, e a obstinação e disciplina que mostra, asseguram que será o futuro da Costa Boal. Desde muito pequena que afirma querer ser produtora de vinho. Quando tinha 5 anos, já era difícil tirá-la de uma vinha recém-plantada, e por isso essa parcela de Baga recebeu o nome de Parcela CB, as suas iniciais. O pai, claramente orgulhoso, olha para Carolina como se esta fosse todo o seu mundo, e é esta dinâmica que dá ao projecto uma identidade muito própria e o alicerça.
António Boal tem 43 anos. Nasceu em 1979, em Cabeda, Alijó, numa rua que hoje se chama Rua Bernardino Boal, membro da sua família e um dos fundadores da Casa do Douro. Esteve sempre ligado ao vinho e à terra, por influência do pai, e começou a sua formação na Escola Agrícola do Rodo, no Peso da Régua, antes de ingressar em Engenharia Alimentar, em Mirandela. Acabou por se apaixonar por (e em) Mirandela, onde se casou, e por isso resolveu comprar ali um terreno com vinha em 2011, ano de fundação do projecto Costa Boal Family Estates. “O meu pai dizia-me muitas vezes que, para mandar, é preciso saber fazer, e hoje dou-lhe toda a razão”, confessa. “Graças a ele sei fazer tudo na vinha, menos uma tarefa, que é enxertar”. António Boal criou os vinhos Costa Boal Homenagem em honra do pai. Recentemente, ganhou um novo hobby, que o faz feliz: andar de bicicleta pelos montes.
A expansão
A mais recente novidade da empresa, a nível de negócio, foi a expansão para uma região totalmente diferente da de origem: em 2021, a Costa Boal deu um pulo para Estremoz, no coração do Alentejo vitivinícola, como parte da sua estratégia de crescimento. Em Estremoz — a sub-região que não o é, infelizmente e incompreensivelmente — a empresa encontrou uma propriedade ideal para fazer vinhos de qualidade superior e com carácter, desafio em relação ao qual Paulo Nunes esteve à altura, como seria de esperar. A Herdade dos Cardeais agrega 10 hectares de vinha com 25 anos a uma adega, e já deu origem às marcas Monte dos Cardeais e Quinta dos Cardeais, que vieram ampliar o segmento premium do portefólio da Costa Boal.

Rendido às três regiões, António Boal criou, com Paulo Nunes, o tinto 3 Flores, que junta Alicante Bouschet de Trás-os-Montes, Tinto Cão do Douro e Cabernet Sauvignon do Alentejo. Poderíamos pensar que é mistura a mais — um pouco como aqueles restaurantes que oferecem, por exemplo, cozinha indiana e pizzas, ou sushi e pratos mexicanos, mas aqui o resultado foi um vinho ambicioso e complexo, muito interessante. Igualmente surpreendente é o Costa Boal Douro Moscatel Galego Branco que, na colheita de 2022, mostra um lado mais premium da casta, com imensa elegância e precisão, mantendo o perfil aromático característico.
Da mesma região, os Costa Boal Homenagem, branco e tinto, destacam-se pela estrutura e complexidade, e sobretudo pela capacidade de guarda e evolução positiva em garrafa. Já os Quinta dos Cardeais Grande Reserva branco e tinto mostram um lado fresco e envolvente de Estremoz, ambos com muita elegância e carácter. Uma prova vertical de Palácio dos Távoras Gold Edition tinto mostrou, à mesa, que Trás-os-Montes é uma região a pedir para ser explorada e valorizada: o 2015, já com 8 anos, apresenta charuto, musgo, caruma, muita especiaria, incenso exótico e resina de pinheiro. Elegantíssimo, mas cheio de vida, tem corpo suave mas pleno de carácter. Os taninos são sedosos e fruta de luxo, a acabar em especiaria longa e mentolados subtis (19 pontos). O 2016 sugere muita folha de tabaco, fruta negra, pimenta branca, agulha de pinheiro, balsâmicos e levíssimo toque de Earl Grey. Tem muito sabor e excelente prolongamento, textura e presença (18,5). Por último, o 2017 revela fruta intensa, a conferir imensa energia aromática, vegetal bem presente, especiarias vivas, todo ele expressivo e a pedir para ser guardado (18).
(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)
Grande Prova: O expoente do Alvarinho

Alvarinho é uma variedade ibérica. 70% das plantações mundiais da casta encontram-se em Espanha, predominantemente na Galiza, onde responde pelo nome Albariño, e mais de 20% ficam em Portugal. Tem alguma presença nos Estados Unidos (California, Oregon e Washington), Uruguai, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Desde 2019 é uma das variedades autorizadas na […]
Alvarinho é uma variedade ibérica. 70% das plantações mundiais da casta encontram-se em Espanha, predominantemente na Galiza, onde responde pelo nome Albariño, e mais de 20% ficam em Portugal. Tem alguma presença nos Estados Unidos (California, Oregon e Washington), Uruguai, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Desde 2019 é uma das variedades autorizadas na região de Bordeaux graças à sua capacidade de adaptação às diferentes condições climáticas, boa capacidade de retenção de acidez e perfil aromático de qualidade.
Em Portugal, é a 5ª casta branca mais plantada, correspondendo a 2% da área de vinha nacional (IVV). Embora comece a ganhar popularidade noutras regiões, desde o Douro ao Algarve, a sua maior expressão continua a ser na região do Minho, onde é a 3ª casta branca, representando mais de 15% da área plantada da região, a esmagadora maioria em Monção e Melgaço. O fim do uso exclusivo do Alvarinho no rótulo pela sub-região de Monção e Melgaço levou à criação de um selo próprio de certificação dentro da denominação de origem Vinho Verde. É caso único em Portugal.
Casta e região
As primeiras referências de Alvarinho relacionadas com a zona de Monção e Melgaço surgem em 1790, mas até à fama de hoje ainda havia muito caminho a percorrer. A investigação do engenheiro agrónomo Amândio Galhano nos anos 40 do século XX foi o primeiro passo à descoberta das qualidades da casta.
O primeiro rótulo de vinho Alvarinho foi da Casa de Rodas nos anos 20 do século passado. Esta propriedade histórica no concelho de Monção foi recentemente adquirida pela Symington Family Estates com o intuito de produzir vinhos da quinta.
Nos anos 40, já com expressão comercial, surgiu a marca Cepa Velha e no final dos anos 50 a marca Deu-la-Deu. Em 1976 chegou uma especialidade ao mercado – Alvarinho do Palácio da Brejoeira, também em Monção. Em 1982 Luís Cerdeira inicia a sua actividade em Melgaço com a marca Soalheiro e Anselmo Mendes em 1997, hoje duas referências incontornáveis na sub-região.
A sub-região de Monção e Melgaço representa um vale rodeado por montanhas, quer do lado de Espanha pela serra da Galiza, quer de Portugal pela serra de Gerês e Cabreira. Estas barreiras montanhosas oferecem a protecção dos ventos atlânticos e do Norte. É precisamente o que o Alvarinho gosta – estar perto do mar, mas não demasiado exposto. A amplitude térmica existente durante a maturação, caracterizada por dias quentes e noites frias contribui para a melhor síntese dos aromas e retenção da frescura.
Os solos são maioritariamente de origem granítica, mas variam ao longo do vale desde os solos de aluvião, mais profundos e mais pesados em Monção até os mais arenosos na encosta, havendo também zonas de calhau rolado, zonas com mais argila e uma faixa de xisto entre Monção e Melgaço. Anselmo Mendes considera a diversidade de solos um dos factores mais importantes no carácter do vinho.
Com cachos e bagos pequenos e uma película espessa, o Alvarinho produz pouco, na ordem dos 65 hl/ha. Muita película e pouca polpa resultam em rendimento mais baixo na prensagem em comparação com outras castas. Isto reflecte na regulamentação própria para o Alvarinho: de 100 kg de uvas só pode ser obtido 65 litros de mosto. Isto é menos 10 litros do que para outras castas na região pelo mesmo peso de uvas, o que encarece a produção. Já 1 kg de uva de Alvarinho também é mais caro, a oscilar à volta de 1 euro por quilo (sem contar com Colares e as ilhas, é a uva mais cara do país), enquanto as outras castas brancas regionais custam cerca de 35-45 cêntimos por quilo.
A película grossa do Alvarinho contém muitos precursores aromáticos e polifenóis (o índice de polifenóis totais é mais alto do que em muitas castas tintas), daí a estrutura e algum final amargo no vinho. “É por isto que a casta é boa para curtimenta e ganha mais cor com o estágio” – explica Anselmo Mendes.
Os aromas do Alvarinho podem variar desde marmelo e pêssego, notas de fruta citrina doce, fruta tropical (maracujá e por vezes, líchia). Notas florais de laranjeira e violeta e de frutos secos (avelã, noz) também são comuns, podendo desenvolver nuances de mel com evolução. Mas o seu perfil e composição aromática variam muito em função da zona de plantação e da abordagem enológica.
É comum associar a casta aos aromas tropicais, mas isto tem mais a ver com a tecnologia de produção. “O ADN da casta não é este”, – defende Anselmo Mendes que praticamente “respira Alvarinho” desde 1987, quando começou a trabalhar a casta em casa dos seus pais.
É preciso perceber de onde vêm os aromas. Se fermentar em inox a temperaturas muito baixas, o vinho é mais propenso a ganhar a tal tropicalidade exuberante. Se fermentar com temperaturas mais altas, revelam-se mais os aromas varietais e citrinos e o estágio em madeira confere outra dimensão e complexidade.
Uva multifacetada
Nem todas as castas conseguem brilhar no palco sozinhas. Os vinhos monovarietais por vezes são limitativos, mas claramente, não é o caso do Alvarinho. É como um actor com grande capacidade de representação, capaz de interpretar papeis mais diversos e corresponder a abordagens enológicas por vezes contraditórias.
Alvarinho e barrica é uma parceria relativamente recente. Anselmo Mendes começou a fazer ensaios de fermentação em madeira com as uvas da família nos finais do século passado. O primeiro Alvarinho “comercial” em barrica nasceu na Provam, sob marca Vinhas Antigas de 1995.
Márcio Lopes, que em 2010 começou o seu projecto Pequenos Rebentos, prefere barricas usadas de 225 e 500 litros, com mais de 8 anos e também usa balseiros de castanho porque “tiram o que está a mais, o carácter mais directo da casta”. E experimenta abordagens, como a curtimenta e estágio com flor. Luís Seabra no seu projecto Granito Cru prefere madeiras de maior capacidade, usa toneis de 3.000, 2.000 e 1.000 litros.
Entretanto, o estágio em barricas novas não parece que seja uma boa solução para o Alvarinho. “Uma casta de perfil aromático intenso com madeira nova fica desorganizada” – resume Miguel Queimado, enólogo e produtor da Vale dos Ares. Relativamente à fermentação também há abordagens diferentes, mas normalmente para obter vinhos mais complexos e sérios, a temperatura de fermentação anda pelos 20˚C.
Anselmo Mendes e Márcio Lopes fazem bâtonnage com borras totais, obtendo assim mais complexidade e estrutura a longo prazo. No início o vinho até pode parecer mais reduzido e vegetal, mas passado um ano em barrica, ganha complexidade, fica limpo e fino de aromas.
Luís Seabra fermenta com leveduras indígenas, mas sem bâtonnage. Acha que os seus vinhos já têm muito volume. Depois da fermentação não adiciona sulfuroso propositadamente para permitir a fermentação maloláctica (é assim que se fazia Alvarinhos na Galiza antigamente). Não se preocupa com eventual descida de acidez, em contrapartida o vinho fica mais estável e, se vindimar na altura certa, tem acidez suficiente, diz. Engarrafa sempre passado dois Invernos para estabilizar naturalmente. Desta forma “o vinho nasce já mais velho, mas isto também o protege futuramente”. Miguel Queimado também engarrafa com um ano em barrica e mais dois em garrafa.
É pena que a pressão comercial force alguns produtores, por vezes conta vontade, a lançarem Alvarinho ambiciosos na Primavera seguinte à vindima. Os vinhos chegam ao mercado ainda com algum sulfuroso sensível, a cobrir a expressão de fruta e levam mais alguns meses até equilibrar tudo. Porque numa coisa produtores e consumidores estão de acordo: é com o tempo em garrafa que o Alvarinho de Monção e Melgaço melhor se diferencia da “concorrência” e mostra tudo o que vale.
(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)
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Quinta do Regueiro Primitivo
- 2021 -
Howard’s Folly
- 2019 -
Deu-la-Deu “Histórico”
- 2017 -
Vale dos Ares Vinha da Coutada
- 2020 -
Reguengo de Melgaço
Branco - 2021 -
Quinta do Mascanho
Branco - 2022 -
Encosta da Capela
Branco - 2022 -
Casa do Capitão-Mor
Branco - 2020 -
Valados de Melgaço
Branco - 2019 -
Maria Bonita Nostalgia
Branco - 2022 -
João Portugal Ramos
Branco - 2022 -
Cortinha Velha
Branco - 2021 -
Terrunho D’Alma
Branco - 2019 -
Poema
Branco - 2019 -
Muros de Melgaço
Branco - 2021 -
Granito Cru
Branco - 2021 -
Barão do Hospital
Branco - 2021 -
Pequenos Rebentos O Caminho
Branco - 2021