Murgas Wines: Bucelas a mexer

Murgas Bucelas

A quinta é antiga, mas o entusiasmo e a renovação da vinha são recentes. João França lidera um projecto integrado que oferece já várias valências e terá ainda mais no futuro, com mais vinha e enoturismo. Texto:João Paulo Martins  Fotos: Murgas Wines João França estava recém-chegado das férias na praia, tranquilo, boas cores, muita energia. […]

A quinta é antiga, mas o entusiasmo e a renovação da vinha são recentes. João França lidera um projecto integrado que oferece já várias valências e terá ainda mais no futuro, com mais vinha e enoturismo.

Texto:João Paulo Martins  Fotos: Murgas Wines

João França estava recém-chegado das férias na praia, tranquilo, boas cores, muita energia. A sua quinta em Bucelas fervilha de vida, humana e animal. Originalmente a propriedade pertenceu ao avô, Sérgio Geraldes Barba que, além desta Quinta das Murgas, tinha mais propriedades na região, como a quinta do Avelar, hoje detida por um tio de João. As referências ao avô foram uma constante ao longo da nossa visita e da nossa conversa. Entrámos numa viatura todo-o-terreno e fomos visitar muitas instalações existentes na zona, quase todas desactivadas. Aqui ficavam os aviários do Freixial, um colosso (para a época era o maior da Península Ibérica) de criação de frangos, ainda activo nos anos 70 e 80 e que chegou a empregar 300 pessoas, com escolas e cantinas. Hoje muitas das casas estão em adiantado estado de degradação, finalizada que foi a “aventura franguística”. Sobrou espaço e João não põe de lado a ideia de alargar a área de vinha, assim o negócio prospere. Sérgio Barba era um empresário multifacetado, ligado também à construção, tendo sido da sua responsabilidade a substituição do hotel Aviz pelo Imaviz e actual hotel Sheraton, em Lisboa. O seu nome ficou igualmente ligado à odisseia (é mesmo assim que se deve chamar…) da introdução da Coca-Cola em Portugal. Depois de décadas de tentativas, a Coca-Cola foi finalmente autorizada no país em Janeiro de 1977, era Mário Soares Primeiro Ministro. Sérgio Barba esteve na criação da empresa Refrige que iniciou a construção de fábrica própria para a Coca-Cola em Palmela. Terminavam assim todas a reticências que remontavam ao tempo de Salazar que, nos anos 40, era feroz opositor da entrada do grupo em Portugal.

As vinhas e as florestas

João conviveu muito com o avô e dele recebeu o gosto pela terra, pelo vinho e pela natureza em geral. Essa ligação foi uma constante até à morte que ocorreu em 2006. Em Bucelas detinha para cima de 1000 hectares de terras e ainda hoje (nomeadamente na Quinta do Avelar) se percebe um micro-cosmos onde a exuberância da vegetação nos faz esquecer que estamos às portas de Lisboa.

Os vinhos de Bucelas estiveram durante décadas confinados a muito poucos produtores. Na altura, além de Geraldes Barba apenas as Caves Velhas tinham um papel de relevo na região. Eram herdeiras de um outro grande empresário mas de época muito anterior, João Camillo Alves que, nos anos 40 e 50 –, era assessorado pelo enólogo Manuel Vieira. Foi preciso esperar pelo início dos anos 90 para conhecermos uma nova era para a região com a constituição da Quinta da Romeira e o plantio de largos hectares de vinha onde a casta Arinto passou a brilhar a solo, então pela mão de Nuno Cancela de Abreu e mais tarde, João Corrêa. Hoje, a Romeira pertence à Sogrape. A tradição regional impunha os vinhos de lote, com a ligação entre a Arinto, a Rabo de Ovelha e a Esgana Cão. Cancela de Abreu começou a contrario a fazer brancos onde apenas entrava a casta Arinto. Ainda hoje a Quinta das Murgas vende parte das uvas à Quinta da Romeira. Esse gosto pelo vinho monovarietal desenvolveu-se e actualmente a maioria dos produtores locais opta pelo uso exclusivo da Arinto.

Bucelas é famosa desde o séc. XIX e a demarcação ocorreu há mais de um século, no conjunto das primeiras demarcações pós-pombalinas, já no final da monarquia. São pergaminhos de que poucas regiões se podem gabar. Era a esta “zona saloia”, onde pontificavam as hortas e pomares, que os lisboetas iam passear aos fins-de-semana. Temas queirosianos por excelência…

Estamos em terras de brancos, os únicos que têm direito à DOC Bucelas e, embora aqui se produzam também tintos, a verdade é que toda a fama recai na casta Arinto, responsável pelo carácter muito próprio dos brancos locais. Como sabemos pelas informações dos cientistas da vinha que estudam ADN e genética quantitativa das castas, a Arinto nasceu mesmo em Bucelas e foi daqui que, aos poucos, se foi espalhando por todo o país. Ganhou fama e é hoje, reconhecidamente, uma das mais, se não mesmo a mais importante casta branca que temos no país, na conjugação de qualidade, adaptabilidade e dispersão geográfica. A principal característica que todos lhe reconhecem é o seu carácter ácido que se conserva mesmo em climas mais quentes. A Arinto ganhou assim muito espaço nomeadamente no sul de Portugal, onde passou a ser parte integrante do lote mais característico do Alentejo.

Murgas BucelasA nova vida das Murgas

O dia estava soalheiro e por ali andavam alguns cavalos, dos muitos que aqui estão em permanência, actividade que está a cargo do irmão de João. O que se sente na quinta é uma grande presença de animais, alguns exóticos ou pouco conhecidos, espécies anãs, por exemplo, mas também galinhas, lamas, gamos, borregos e um leitão que circula livremente e até nos veio visitar na sala de provas.

Recuperado o casario mas ainda sem adega – os vinhos são feitos em espaço alugado na Quinta da Murta – a vinha estende-se por 12 ha, dos quais 2 de casta tinta que o avô plantou (Touriga Franca, agora rebaptizada de Touriga Francesa) e de gostava particularmente, um hectare de Esgana Cão e o restante de Arinto. Há intenção de plantar mais 4 ha mas a produção para já é suficiente e ainda se vendem uvas para terceiros. O objectivo de João França e do enólogo Bernardo Cabral, passa por conseguir uma produtividade de 15 toneladas por hectare sem prejuízo da qualidade. Estamos em solos argilo-calcários, com muita pedra e muita disponibilidade de água no solo, sendo possível jogar com várias exposições da vinha, o que é uma vantagem. João França já adquiriu algumas parcelas contíguas que também pertenciam à família e por isso há espaço para crescer, jogando com vinhas em encosta de considerável inclinação. Além do branco e do tinto irão fazer este ano um rosé; a produção em 2021 repartiu-se por 7000 garrafas de tinto e outras tantas de branco. Neste momento já se faz alguma exportação para os EUA e Brasil e são, no mercado interno, distribuídos pela Wine Concept.

O mosto da uva branca fermenta (20%) em barrica usada e o mosto das tintas em inox, indo depois para barricas usadas. Após a recuperação da vinha de Touriga Francesa, fez-se o primeiro branco em 2017 e o primeiro tinto em 2019. O branco 2018 estagiou 9 meses sobre borras finas, com bâtonnage nos primeiros dois meses. Cerca de 70% do tinto descansou barricas. Quando da nossa visita, provámos também os brancos de 2017 e 2019. Ficamos em grande expectativa em relação à edição de 19 que, tal como o 17, se apresenta muito citrino e vibrante (17,5). Os tintos são, por ora, feitos em Alenquer na adega da empresa Félix Rocha.

Quando neste mês de Setembro arrancar o projecto de enoturismo será possível organizar passeios pela quinta, a cavalo, em viatura todo o terreno ou a pé, provas de vinho a meio do percurso, convívio com toda a fauna local, percursos pessoais em que se entrega um mapa, uma cesta com a merenda e, a pedido, uma bicicleta, para fazer o circuito. Não faltarão motivos, não já para ir “ver as hortas” queirosianas, mas para usufruir de um ambiente rural sofisticado bem perto de Lisboa.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)

Vinhos & Sabores 2022 – As fotos e os vídeos do evento

vinhos e sabores

“Vinhos & Sabores 2022” – Veja todos os vídeos e fotos da maior feira do sector em Portugal.  AQUI Obrigado a todos os produtores, visitantes e staff que fizeram com que o evento deste ano fosse Incrível! Até para o ano…  

“Vinhos & Sabores 2022” – Veja todos os vídeos e fotos da maior feira do sector em Portugal.  AQUI

Obrigado a todos os produtores, visitantes e staff que fizeram com que o evento deste ano fosse Incrível! Até para o ano…

 

Editorial: Alentejo, origens e estilos

Editorial

Os vinhos do Alentejo são definidos por um vasto conjunto de factores, desde logo, a sua origem ou, mais correctamente, origens. Mas também pelo seu estilo, ou perfil particular. Num e noutro caso, em maior ou menor grau, a intervenção humana tem papel primordial. Editorial da edição nº 66 (Outubro 2022) Os vinhos do Alentejo, […]

Os vinhos do Alentejo são definidos por um vasto conjunto de factores, desde logo, a sua origem ou, mais correctamente, origens. Mas também pelo seu estilo, ou perfil particular. Num e noutro caso, em maior ou menor grau, a intervenção humana tem papel primordial.

Editorial da edição nº 66 (Outubro 2022)

Os vinhos do Alentejo, cujos tintos são tema de capa desta edição, constituem, muito provavelmente, o conjunto DOC (Denominação de Origem Controlada) mais diverso que existe em Portugal. Uma boa parte dessa diversidade tem a ver com a origem (origem, sim, terroir é algo muito mais raro e geograficamente preciso). Numa região enorme, que vai da costa atlântica ao interior fronteiriço e que pelo meio abarca colinas, planícies e serras, com vinhas plantadas numa vasta tipologia de solos, das areias aos granitos, do xisto aos mármores, das argilas aos calcários, tem, necessariamente, de existir um pouco de tudo. No que à origem respeita, o papel do produtor é naturalmente mais restrito. Mais ainda que não possa mudar o clima, pode intervir, de diversas formas, nas qualidades do solo, através de movimentação de terras, mobilização, arrelvamentos, adubação, entre muitas outras práticas. Ao nível da viticultura, o produtor intervém de forma ainda mais decisiva, desde o modelo adoptado (convencional, produção integrada, orgânico, etc.) – e aqui é justo referir o avanço que o Alentejo leva, face as outras regiões nacionais, em termos de práticas sustentáveis certificadas na vinha e na adega – até à cultura da videira propriamente dita, da poda à condução da planta, da dotação de água até à escolha dos porta-enxertos e castas.

No Alentejo, as castas selecionadas pelo produtor determinam boa parte da forma como ele e os seus vinhos se definem. Em regiões clássicas, como Douro, Dão ou Verdes, a categoria IG/Regional (Duriense, Terras do Dão, Minho) tem muito pouca expressão e é até sujeita a alguma desvalorização no mercado, o que “obriga” (e bem!) os produtores a focarem-se em meia dúzia de variedades “tradicionais”. Já no Alentejo, DOC Alentejo e Regional Alentejano equivalem-se em notoriedade e preço junto do apreciador. Sem esse constrangimento, o leque de castas legalmente colocado à disposição do produtor é imenso, entre variedades mais antigas ou mais recentes na região. O que, se de algum modo promove a diversidade e até, em certa medida, a qualidade (em teoria, pelo menos, uma casta “de fora” só se justifica se trouxer valor acrescentado…) de algum modo há que reconhecer que não favorece uma identidade regional mais assertiva.

A casta, a meu ver, é o elemento de transição entre a origem (que controlamos menos) e o estilo ou perfil do vinho (onde controlamos quase tudo). É aqui, com base nas decisões que toma na vinha e na adega, que o produtor determina como se vê e como quer que o vejam a si e aos seus vinhos. Na prova de mais de 50 tintos alentejanos que Valéria Zeferino fez para esta edição da revista, a autora identifica quatro grandes estilos, ou perfis: dois “clássicos” (um que alia concentração e elegância, outro focado na concentração e potência) e dois “modernos” (um centrado na intensidade de fruta, estrutura e suavidade, outro que acaba por ser quase neoclássico, recuperando práticas e conceitos de outrora para fazer vinhos mais “light” e diferentes). Acredito que o puzzle Vinho do Alentejo é bem mais complexo, mas tendo a concordar com a Valéria na visão geral. Importante é que cada produtor saiba definir muito bem que caminho (ou caminhos) quer seguir e que o assuma na sua identidade vínica; e que cada apreciador saiba navegar no mar imenso de marcas e perfis de vinho alentejano para que, quando compra uma garrafa, acerte no estilo (ou estilos) que, realmente, o satisfazem. A Grandes Escolhas estará sempre presente para dar uma ajuda.

 

Família Amorim: Novas de Dão e Douro

amorim dão douro

A sempre impactante Taboadella, no coração do Dão, foi o palco para a apresentação das novas colheitas do portefólio vínico da família Amorim, oriundas quer da propriedade anfitriã quer da duriense Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo. Entre os vários vinhos lançados, houve espaço para uma estreia, um branco de uvas tintas. E revelou-se a […]

A sempre impactante Taboadella, no coração do Dão, foi o palco para a apresentação das novas colheitas do portefólio vínico da família Amorim, oriundas quer da propriedade anfitriã quer da duriense Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo. Entre os vários vinhos lançados, houve espaço para uma estreia, um branco de uvas tintas. E revelou-se a consolidação de dois projectos com muito ainda para crescer e encantar.

Texto: Luis Lopes     Fotos: Amorim

O investimento vitivinícola da família Amorim assenta em duas propriedades emblemáticas. A Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo foi adquirida em 1999, integrada na compra da Burmester. A empresa de Porto foi depois vendida à Sogevinus, mas a propriedade ficou na família, desenvolveu-se muitíssimo e é hoje uma referência na região, em termos de vinhos e de enoturismo. A Taboadella é um projecto bem mais recente. Comprada em 2018, a reabilitação vitivinícola ali realizada e a construção de uma adega (desenhada por Carlos Castanheira) absolutamente inovadora do ponto de vista arquitetónico e funcional, tornou muito rapidamente esta propriedade numa das estrelas que mais brilha no Dão. Brilho que vai certamente aumentar com a recente recuperação da casa da quinta, agora baptizada Casa Villae 1255, uma habitação senhorial de 8 quartos disponível para aluguer em regime de exclusividade. Luisa Amorim, CEO do negócio vitivinícola da Amorim, foi a anfitriã na apresentação das novas colheitas, ladeada por Ana Mota, directora de produção e Jorge Alves, responsável de enologia. Os vinhos, esses, não podiam ser mais distintos entre si, traduzindo as naturais diferenças nas suas origens, Quinta Nova e Taboadella.

QUINTA NOVA

 A Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo é uma imponente propriedade situada na margem direita do Douro, entre a Régua e o Pinhão, referenciada desde a primeira demarcação pombalina, em 1756. Com uma frente de rio de 1,5 km, a quinta tem cerca de 120 hectares, dos quais 85 plantados com vinha. Esta espalha-se por encostas íngremes desde a cota de 80 metros até cerca de 300 metros, com vários modelos de plantação: terraços, patamares e vinha ao alto. Os terraços albergam duas parcelas de vinha centenária, uma de 2,5 hectares e outra com 4,5 hectares, ambas localizadas a 150 m de altitude com uma exposição solar a sul-poente, preservadas em muros de xisto. Ali se conservam cerca de 80 castas tintas e brancas que entram nos lotes dos vinhos mais ambiciosos da Quinta. A produção é, naturalmente, muito baixa, e as parcelas são cuidadas de forma tradicional, o solo mobilizado com charrua e cavalo e adubação natural com recurso à descava. Ana Mota tem procurado manter e replicar o valioso património genético deste tesouro vitícola. Assim, através de selecção massal da vinha centenária, foram nascendo novas estacas e novos talhões de vinha perfazendo actualmente 41 parcelas distintas, cada qual com o seu microterroir.

As uvas brancas da vinha velha entram no lote do Mirabilis, o branco de topo da casa, onde se juntam às castas Viosinho e Gouveio. Lançado pela primeira vez na vindima de 2011, o Mirabilis tem vindo a assumir-se, pela qualidade e pelo preço, como um dos mais reputados brancos durienses. Agora, é a colheita de 2020 que chega ao mercado, mantendo o elevado padrão da marca. O rosé Quinta Nova também já se tornou um “clássico”, criado na vindima de 2015. Chegou a haver duas referências, um “normal” e um “reserva”, mas a partir da vindima de 2019 prevaleceu o primeiro, incorporando embora a fermentação em barrica do segundo. É o caso do agora apresentado 2021, feito de Tinta Roriz (50%), Tinta Francisca e Touriga Franca. Tinta Roriz foi também a casta escolhida por Jorge Alves para a estreia absoluta do Quinta Nova Blanc de Noir Reserva. Da vindima de 2021, é um branco de uvas tintas que estagiou em barricas de carvalho francês. Por fim, o Porto Vintage 2020. Oriundo das vinhas centenárias da Quinta Nova, promete, com alguns anos de garrafa, vir a ser coisa muito séria.

amorim dão douro
A Adega Taboadella foi completamente inovadora no Dão.

TABOADELLA

A Taboadella constituiu o início das aventuras vínicas da família Amorim fora do Douro. Situada em Silvã de Cima, entre Penalva do Castelo e Sátão, é uma propriedade planáltica, que se desenvolve entre as cotas de 530 a 400 metros. Os 42 hectares de vinha (29 de castas tintas e 13 de brancas) estão protegidos pelos maciços montanhosos que atenuam os ventos frescos de oeste e os ventos agrestes de leste, resultando num clima entre o atlântico e o continental. A vinha está dividida em 26 parcelas diferenciadas. As vinhas mais antigas centram-se nas variedades tradicionais do Dão: Jaen, Touriga Nacional, Alfrocheiro e Tinta Pinheira. Nos anos 80, a vinha da Taboadella foi parcialmente replantada, introduzindo-se novas castas como a Tinta Roriz e as brancas Encruzado, Cerceal-Branco e Bical. Hoje, a idade média das videiras é de 30 anos, mas algumas já atingiram um século. A vinha da Taboadella não é regada e está em processo de transição para produção em modo biológico.

As novidades da casa agora apresentadas assentam em quatro varietais, um branco, três tintos. Primeiro, o Encruzado Reserva branco 2021. Tal como os restantes, apareceu logo na primeira vindima da Taboadella, 2018. Para Jorge Alves, acostumado à realidade duriense, o encontro com a Encruzado no Dão foi uma agradável surpresa. “Hoje”, confessa, “é a casta branca portuguesa de que mais gosto, sem reduções ou oxidações na adega, originando vinhos com muita frescura e longevidade.” O Taboadella Encruzado 2021 fermentou e estagiou em diversos tipos de vasilhas (barricas, cimento e inox) e faz justiça às palavras do enólogo.

Os varietais tintos que agora chegam ao mercado são todos de 2020. O Jaen vem das zonas mais altas da quinta, para aproveitar ao máximo a frescura desta casta precoce e mostra grande potencial. O Touriga Nacional é um belo exemplar da variedade, com tudo o que é preciso: flores, fruto, elegância. E o Alfrocheiro vai deixar muito boa gente a pensar porque é que, no Dão, só se fala na Touriga…

Quinta Nova e Taboadella são duas propriedades bem distintas mas focadas no mesmo modelo de negócio, qualidade e valorização. A primeiro faz 650 mil garrafas/ano enquanto a segunda fica pelas 170 mil, mas com a particularidade de 110 mil serem de “Reservas”, ou seja, de preço médio elevado.

Para Luisa Amorim, estes vinhos “espelham a filosofia da Quinta Nova e da Taboadella, o

desejo de ir sempre mais além.” A verdade, é que a grande mentora destes projectos está longe de estar satisfeita: “queremos brancos, rosés e tintos, ainda mais frescos, mais elegantes, sempre preservando a essência do lugar onde nascem.” Ora ainda bem. É a insatisfação que nos leva mais longe.

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

 

Van Zellers & Co: Família feita de vinho

Van zellers vinho

Após alguns anos passados a redesenhar a empresa, a Van Zellers & Co ressurge com uma nova identidade de marca e objectivos bem traçados. Hoje, o conceito e os vinhos apresentados ao mercado confirmam o que esta família sabe fazer melhor: reinventar-se, com classe.  Texto: Mariana Lopes    Notas de Prova: Mariana Lopes e Luís […]

Após alguns anos passados a redesenhar a empresa, a Van Zellers & Co ressurge com uma nova identidade de marca e objectivos bem traçados. Hoje, o conceito e os vinhos apresentados ao mercado confirmam o que esta família sabe fazer melhor: reinventar-se, com classe.

 Texto: Mariana Lopes    Notas de Prova: Mariana Lopes e Luís Lopes   Fotos: Van Zellers & Co

Cristiano, Joana, Francisca, pais e filha. Os van Zellers que hoje detêm a empresa com o nome da família, com um legado de séculos a correr no sangue. Reinventada, a Van Zellers & Co traz-nos vinhos que já conhecemos — como os CV ou os VZ — e outros que são novidade, todos com nova imagem: elegante, a ligar a classe do passado ao minimalismo do presente.

Há 400 anos que a família van Zeller está ligada ao Douro e ao vinho do Porto, tendo chegado a Portugal em 1620, vinda da Holanda, e fixando-se no Porto como comerciante de vinho. Fundando (oficialmente) a empresa Van Zellers & Co em 1780, esta família já era, em 1811, uma das mais importantes exportadoras de vinho do Porto, exportando, nesta altura, mais de mil pipas por ano. Em meados do século XIX, a Van Zellers & Co foi vendida, e os van Zellers continuaram o negócio através de outras duas empresas, a Quinta de Roriz e Quinta do Noval, tendo feito, sobretudo nesta última, um trabalho preponderante ao nível da vinha e dos vinhos, fundamental para o reconhecimento que esta marca hoje tem. Luiz Vasconcelos Porto, bisavô de Cristiano van Zeller, foi a figura principal desta revolução do Noval, e foi ele quem, no início da década de 30, comprou “de volta” a Van Zeller’s & Co. Aqui deu-se um período de fusão entre as duas empresas e marcas, mas, por volta de 1988, Cristiano (14ª geração da família neste negócio) resolveu, juntamente com outros familiares, tornar a Van Zeller’s & Co independente do resto. Mais tarde, depois da venda da Quinta do Noval à Axa Millésimes, João van Zeller, primo de Cristiano, recupera a Van Zellers & Co e esta “adormece” durante uns anos, enquanto Cristiano van Zeller se dedica a outras importantes marcas do Douro (como Quinta do Crasto e Vallado) e cria outra, hoje uma das mais emblemáticas da região, em 1996: Quinta Vale D. Maria, após a compra desta à família da sua mulher Joana. O que é certo é que, em 2007, João van Zeller decide oferecer as marcas VZ e Van Zellers ao primo Cristiano como presente de Natal. E é aqui que, na verdade, começa a primeira fase de reconstrução de uma marca e empresa. Cristiano acrescenta o vinho CV Curriculum Vitae (que produzia desde 2003 sob a chancela Vale D. Maria) ao portefólio da Van Zellers & Co e inicia, a partir desse ano a aquisição de Porto a granel, baseando-se no profundo conhecimento que tem do Douro e dos produtores tradicionais que, geração após geração, fazem o chamado “vinho fino” para vender às casas exportadoras de Gaia.

Em 2013, a sua filha mais velha, Francisca van Zeller, integra o Marketing e as vendas da Van Zeller’s & Co, começa a ganhar “mundo” e, em simultâneo, tira o curso de Enologia e Viticultura.

A partir de 2017, já depois de ceder a participação da Quinta Vale D. Maria à Aveleda e de ter deixado de trabalhar com esta, Cristiano reforçou grandemente as compras de vinho do Porto, no sentido de acumular um stock apreciável de Porto velho de alta qualidade. E, juntamente com Joana e Francisca, passa ter tempo para se dedicar de alma e coração à sua querida empresa familiar, que re-apresenta ao mercado em 2020. O resultado está aqui, nos Douro e Porto Tawny provados, mas também numa impressionante colecção de Porto Colheita de 1976 a 1934. São vinhos que quase igualam a personalidade de Cristiano van Zeller: têm uma leveza e, ao mesmo tempo, uma complexidade únicas. Tivemos acesso a eles… mas não queremos contar já.

Van Zellers, hoje

As vinhos da Van Zeller’s & Co estão agora “arrumados” de uma forma mais intuitiva e original: “Crafted by Hand” (criados pelo Homem), são os blends de vários locais/vinhas/castas, onde se inserem os Tawny 10, 20, 30 e 40 Anos, e os VZ branco e tinto; “Crafted by Nature” (pela Natureza), aqueles em que uma vinha e o seu terroir são os únicos “autores” do vinho, como acontece no CV branco e tinto, e nos Van Zellers & Co LBV e Vintage; e “Crafted by Time”, criados pelo Tempo, onde é este que define o perfil, como os Porto Colheita antigos e o tinto Van Zellers & Co 15 Gerações. Francisca Van Zeller, contou-nos como surgiu todo o conceito. “Durante o desenvolvimento da marca, que foi feito em conjunto com Matilde Barroso, amiga e especialista em branding, ficou claro que o que queremos é oferecer vinhos que criam experiências memoráveis, quase como se fosse uma viagem. Isto é feito, primeiro, pela qualidade dos vinhos e, em seguida, pelas histórias e experiências que criamos à volta deles”. Entre parcerias com marcas fortes e premium, como Boutique dos Relógios Plus, uma comunicação mais familiar e diferenciada nas redes sociais, Francisca quer criar uma orla “fresca, jovem e desempoeirada”, à volta do core da Van Zeller’s & Co, que são vinhos de qualidade superior, “com engarrafamentos muito limitados”.

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

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Descoberta: O Dão de João Cabral de Almeida

joão cabral almeida

Apesar de ser, sobretudo, conhecido pelas suas marcas da região dos Vinhos Verdes, o enólogo e produtor João Cabral de Almeida faz igualmente vinho na região do Dão, onde tem raízes familiares. Os seus Musgo e Líquen acabam por constituir uma muito agradável surpresa. Texto: Luis Lopes Fotos: Luis Lopes e DR O Dão chegou […]

Apesar de ser, sobretudo, conhecido pelas suas marcas da região dos Vinhos Verdes, o enólogo e produtor João Cabral de Almeida faz igualmente vinho na região do Dão, onde tem raízes familiares. Os seus Musgo e Líquen acabam por constituir uma muito agradável surpresa.

Texto: Luis Lopes

Fotos: Luis Lopes e DR

O Dão chegou relativamente tarde na carreira profissional de João Cabral de Almeida. O Vinho Verde foi a aposta primeira e mais forte, seguida pelo Douro, e apenas em 2018 conseguiu o primeiro espaço de vinificação no Dão. Mas esta foi uma evolução natural, ou não tivessem seus avós maternos e paternos sido produtores nestas três regiões. A ligação de João à vitivinicultura também era quase inevitável: dos outros sete irmãos, quatro estão profissionalmente ligados ao vinho.

Foi assim, “empurrado” pela vocação familiar, e sobretudo pelo irmão mais velho, Luis Cabral de Almeida, que se formou em agronomia no ISA, fez vindimas no Esporão, Taylors, Sogrape, Symington, viajou até à Argentina para experimentar as uvas e vinhos do hemisfério sul, e voltou para trabalhar com enólogos que assume como mentores no seu início profissional, João Brito e Cunha e Anselmo Mendes. Depois, lançou-se a solo enquanto enólogo consultor e criou a empresa João Cabral de Almeida, através da qual produz Vinhos Verdes, Douro e Dão, baseando-se na selecção de vinhas e aquisição de uvas em locais que considera especiais. Nasceram assim as marcas Camaleão (Verdes), Omnia (Douro) e, mais recentemente, Musgo e Líquen, no Dão. No total, a empresa já enche 180 mil garrafas, com os Vinhos Verdes a representarem 80% do volume de negócio, mas João tem grandes esperanças de que as mais valias geradas pelos brancos e tintos do Douro e do Dão venham, a breve prazo, equilibrar esta balança.

Para João Cabral de Almeida, o Dão acaba, por ser um regresso às origens. Na casa familiar, em Viseu, viveu até aos 17 anos. De volta ao “ninho”, é naquela cidade que hoje dá aulas de viticultura na Escola Superior Agrária, e é ali que, com sua mulher, também enóloga, Beatriz Cabral de Almeida, criam os quatro filhos do casal.

A abordagem de João ao mundo do vinho é, ao mesmo tempo, simples e complexa. “Como enólogo”, diz, “procuro entender os diferentes locais e colaboro na estratégia a seguir para atingir os objetivos traçados em equipa. Como produtor, tenho a ambição de traduzir o local de origem num vinho de perfil fresco e elegante, com carácter e sentido de lugar.” A região do Dão acaba por oferecer-lhe as condições ideais para cumprir o seu desígnio.

“Acredito que esta é umas das regiões de Portugal com mais apetência para fazer os vinhos que procuro”, refere João Cabral de Almeida, para quem os brancos de Borgonha e os tintos de Saint-Émilion (Bordéus), constituem referências. A adega, pequena, mas com tudo o que é essencial, fica em Silgueiros, mais concretamente em Oliveira de Barreiros, e João trabalha com diversas parcelas de vinha situadas em diferentes sub-regiões do Dão: Silgueiros, Terras de Azurara, Alva, Serra da Estrela e Besteiros. Estas parcelas pertencem a lavradores com quem estabelece uma parceria próxima, e que procura acompanhar durante todo o ano. A idade das vinhas varia bastante, mas a maioria terá entre 25 e 40 anos. Trabalha igualmente duas parcelas mais antigas: uma com cerca de 60 anos em que faz a vindima de branco primeiro e posteriormente a de tinto; e outra com mais de 90 anos em que as uvas são todas vindimadas ao mesmo tempo.

Na sua abordagem de adega, João privilegia barricas usadas, de diferentes origens, tanoarias e volumes, sempre com o propósito de que os vinhos não evidenciem a madeira nos seus aromas e sabores. Os Dão Musgo e Líquen variam entre vinhos de lote, sempre de field blend, e varietais, estes últimos focados nas castas identitárias da região, Encruzado, Alfrocheiro e Touriga Nacional.

Para o enólogo, a principal dificuldade está em encontrar e trabalhar “a vinha certa”. “Estamos o ano inteiro focados em criar as melhores uvas; depois, na adega, procuramos intervir o mínimo para que a natureza se consiga exprimir ao máximo”, remata.

No total, o projecto Dão de João Cabral de Almeida vale cerca de 25.000 garrafas. Mas espera crescer, acompanhando o crescimento da própria região. “Acredito que com os novos produtores de quinta que têm surgido, a região poderá viver uma revolução; e nós esperamos contribuir para o merecido ressurgimento do Dão”, refere. Afinal, como diz, em que outro lugar se pode encontrar “tamanha conjugação de frescura, elegância e subtileza”?

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

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Grande Prova: O fresco perfume do Verde Loureiro

prova loureiro

É certamente uma das mais originais e frescas variedades de uva que temos em Portugal. Na região dos Vinhos Verdes, de onde é oriunda, apresenta-se em diferentes perfis. Encontramos o lado mais “tradicional”, com algum gás carbónico, acidez elevada e leve doçura frutada; e a vertente mais ambiciosa, com vinhos secos, austeros, minerais e longevos. […]

É certamente uma das mais originais e frescas variedades de uva que temos em Portugal. Na região dos Vinhos Verdes, de onde é oriunda, apresenta-se em diferentes perfis. Encontramos o lado mais “tradicional”, com algum gás carbónico, acidez elevada e leve doçura frutada; e a vertente mais ambiciosa, com vinhos secos, austeros, minerais e longevos. Certo é que o Verde Loureiro não passa indiferente e após 36 vinhos provados fica-nos a certeza de que o nível qualitativo nunca foi tão elevado.

Texto: Nuno de Oliveira Garcia

Fotos: Ricardo Palma Veiga

Na região dos Vinhos Verdes temos três castas brancas que reinam em termos de notoriedade: Alvarinho, Loureiro e Avesso. Implementadas em todas as sub-regiões, poucas dúvidas existem que, salvo uma ou outra excepção, cada uma destas variedades tem um terroir de eleição, associado a um rio nortenho. A “casa” do Alvarinho é o vale do Minho (em especial na sub-região de Monção-Melgaço), o Loureiro assume-se no vale do Lima e o Avesso prefere o vale do Douro.

Sucede, que as três variedades não se encontram no mesmo patamar de conhecimento enológico e de reconhecimento do mercado. Se o Alvarinho é já um sucesso com algumas décadas e marcas de grande notoriedade, e o Avesso uma redescoberta relativamente recente, pode-se dizer que o Loureiro está numa fase intermédia. Trata-se de uma etapa em que, mesmo com várias marcas disponíveis, e apesar de um público fiel que aprecia a sua frescura e exuberância, há ainda muito a fazer, mas, simultaneamente, já existem no mercado vários vinhos excelentes, como se verificou na presente prova. Em abono da verdade, depois do Alvarinho, o Loureiro é, certamente, a casta branca de Vinho Verde mais conceituada junto dos consumidores, sendo que, em alguns casos, o preço dos vinhos supera os €10€ ou €15, algo também perceptível neste painel de prova. É certo que a maioria dos Loureiros provados se cinge ao intervalo entre os €4,50 e os €7, mas mesmo essa circunstância tem de ser contextualizada; com efeito, não só a cada ano que passa surgem vinhos mais valorizados como, rigorosamente, o referido patamar de preço está bem acima da média dos demais Vinhos Verdes.

Apesar de a fama da casta vir de longe, é inquestionável o contributo que algumas marcas fomentaram ao Loureiro, sendo disso bom exemplo, no final do século XX, os vinhos da Casa dos Cunhas, Paço d’Anha, Solar das Bouças, Casa de Sezim, Casa da Senra ou Quinta do Convento da Franqueira. Com efeito, e apesar de há 30 ou 40 anos não ser comum a casta aparecer totalmente sozinha, todos os referidos vinhos tinham Loureiro como base. Mais recentemente, esse contributo foi aumentado com vinhos, desta feita, 100% Loureiro, da marca Muros Antigos (Anselmo Mendes) e das várias declinações da casta produzidas pela Quinta do Ameal (hoje, parte do grupo Esporão), porventura a propriedade mais intrinsecamente ligada à casta no imaginário do consumidor. Exemplos recentes de projectos que têm levado longe o Loureiro são, entre outros, os vinhos de Márcio Lopes, de João Cabral de Almeida, de Vasco Croft e, ainda, os novos vinhos dos produtores Aveleda e Soalheiro, todos provados neste trabalho.

Conforme referido acima, a casta está muito associada ao Vale do rio Lima, e também ao Cávado, mas tivemos em prova vinhos das demais sub-regiões. É certo que vários dos vinhos mais pontuados provieram do eixo Ponte de Lima – Viana do Castelo, mas provámos óptimos exemplares de outras sub-regiões como no já mencionado vale do Cávado. Até em Monção e Melgaço se começa a apostar no Loureiro para emparelhar com Alvarinho. Efectivamente, as melhores prestações do Loureiro face à uva Trajadura (outra uva da região, por regra com mais álcool e de menor acidez), tem feito com que aquela esteja a substituir esta na hora de contribuir com frescura e acidez a um típico lote baseado em Alvarinho. Percebe-se esta tendência, na medida em que a acidez do Loureiro acaba por equilibrar um perfil mais guloso e cheio do Alvarinho.

Com efeito, o equilíbrio ácido do Loureiro é muito valorizado pelos enólogos que o descrevem como puro e vibrante, a meio caminho entre a acidez por vezes “dura” do Avesso e a acidez quase doce de alguns Alvarinhos.

DIFERENTES ESTILOS E PERFIS

Falando de terroirs, há quem sustente que a casta funciona particularmente bem em solos franco-argilosos (até com um pouco de xisto), mas o consenso sobre a textura dos solos não é total, antes dependendo a qualidade, como quase sempre sucede, de outros factores como a respectiva porosidade e matéria orgânica. Casta de maturação precoce, que prefere solos profundos e de média fertilidade, ganha percepção de mineralidade em solos de base granítica com altitude acima dos 150 metros e com porosidade, com os melhores vinhos a não ultrapassarem 12,5% de álcool. Com cacho comprido e apertado, ou seja, com pouco arejamento, certo é a sua preferência por anos pouco chuvosos por altura da vindima (por isso as colheitas de 2005, 2009 e 2015 deram alguns dos melhores Loureiros), ainda que aprecie a brisa atlântica e as noites mais frescas de verão. No copo, começa por apresentar uma tonalidade citrina pálida, mas, com o passar dos anos ganha rapidamente mais cor em garrafa, ainda que menos intensa do que o Alvarinho. Com diferentes clones disponíveis, é possível um produtor escolher entre perfis aromáticos mais terpénicos e florais (a lembrar, por vezes, algum Moscatel) ou um carácter mais austero e até salino. O mesmo sucede com a produtividade (tipicamente alta) da casta, com os melhores vinhos a resultarem de produções até às 6,5 toneladas/hectare, mas existindo resultados bem positivos próximo das 10 toneladas. A sua presença no encepamento da região dos Vinhos Verdes é dominante: segundo as informações estatísticas disponibilizadas no site oficial da região, ocupa quase 4200 hectares, contra 2300 de Alvarinho (embora esta esteja a crescer mais rapidamente) e outro tanto de Arinto.

A prova que fizemos de 36 marcas, oriundas de toda a região, permitiu-nos encontrar vinhos com diferentes interpretações da casta. Um desses modelos é a utilização do Loureiro para fazer vinhos que se inserem no imaginário do Vinho Verde que se quer beber no ano a seguir à colheita, geralmente acompanhando peixe grelhado ou marisco. Exuberantes na vertente aromática, com gás carbónico, e acidez elevada compensada com alguma doçura frutada, a casta entrega bons exemplares vínicos neste registo. Aqui, agrada-nos o álcool de baixo teor, os preços muito cordatos, apesar de, genericamente, os vinhos serem lançados no mercado precocemente, uma vez que beneficiariam muito com mais alguns meses em garrafa. Nas antípodas, encontramos a tradução da casta assente em fermentação e/ou estágio em barrica, e sem qualquer gás. Por vezes com mais de um ano em estágio de garrafa, são vinhos que revelam ambição. Na sua grande maioria, a barrica aporta um ambiente mais barroco e generoso, com a casta a manter a sua presença, privilegiando uma harmonia entre as notas varietais e utilização da madeira. São vinhos perfeitos para assados, de peixe ou carne, e podem ser bebidos no verão, mas também em meia-estação. Por fim, tivemos vinhos que, sem utilização de barrica, se mantiveram no perfil da região, mas procurando modernizá-lo. Aproveitando o carácter único e muito original da casta (é uma uva que “viaja” pouco a nível nacional ou internacional), são vinhos que expressam a região com muita identidade, vinhos austeros e com notas vegetais deliciosas, vinhos que crescem claramente com alguns anos em garrafa. Descartando-se da exuberância aromática excessiva, do gás carbónico desarranjado e da afinidade entre acidez elevada e doçura frutada, essa terceira vertente mostrou alguns dos melhores vinhos em prova. O certo é que, em todas estas variações, encontrámos denominadores comuns, alguns dos quais já identificados neste texto: originalidade, acidez vibrante, álcool, preços ajustados à qualidade e ambição e, não menos importante, nos melhores exemplares, grande potencial de longevidade. Belíssimas razões para o consumidor eleger os Verdes Loureiro como um dos seus parceiros. À mesa, e não só.

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

 

Editorial: Água

Editorial

Adaptar a produção industrial e a utilização individual à crescente escassez de água é uma necessidade premente, mas que a maior parte do mundo ainda não reconhece como tal. Enquanto país do sul europeu, Portugal será sempre dos mais afectados em cenários de seca como o que agora atravessamos. A indústria (e o consumidor) estão […]

Adaptar a produção industrial e a utilização individual à crescente escassez de água é uma necessidade premente, mas que a maior parte do mundo ainda não reconhece como tal. Enquanto país do sul europeu, Portugal será sempre dos mais afectados em cenários de seca como o que agora atravessamos. A indústria (e o consumidor) estão obrigados a agir. E o sector do vinho não é excepção.

Editorial da edição nº 65 (Setembro 2022)

De tempos a tempos, a seca e as suas consequências entram-nos pela sala dentro, nas imagens televisivas, nas páginas dos jornais. Este ano, mais do que nunca. No entanto, a esmagadora maioria dos portugueses olha para a seca como algo conjuntural, passageiro, não equacionando sequer o cenário de abrir a torneira e, durante dias (meses?), não sair água. Mas essa é uma possibilidade que pode não estar tão longe assim e que áreas do mundo dito “desenvolvido”, como a California, já experimentam. A este respeito, recomendo a leitura da novela “Seca”, de Jarrod e Neal Shusterman, uma ficção assustadora e perigosamente plausível.

Segundo a União Europeia, atravessamos um período de seca como não há memória e que, à data em que escrevo (finais de agosto), não tem fim à vista. Entretanto, arrancaram as vindimas em diversas regiões de Portugal. Em traços gerais, a coisa não está brilhante. Bagos pequenos, mirrados pela falta de água, maturações muito heterogéneas, devido ao “adormecimento” da videira pelo calor e stress hídrico, pH desequilibrado, acidez em baixa. Vinhas regadas e vinhas de sequeiro foram igualmente afectadas, variando o grau do impacto em função da localização, orientação solar, tipologia de solos, opções vitícolas. E se nada pode substituir (na vinha, na uva, no copo) a água que a Natureza entrega sob a forma de chuva, a verdade é que, a nível global, a indústria do vinho está absolutamente dependente da rega. A grande dúvida é se, num futuro próximo, vamos continuar a ter água para regar.

Porém, vejo ainda um número demasiado curto de produtores nacionais seriamente preocupados com isto. Talvez devido, precisamente, à sua dimensão, os maiores parecem estar bem mais despertos para o problema e, sobretudo, mais disponíveis para agir na busca e aplicação de soluções. Confesso que me custa muito ver, por exemplo, pequenos produtores, claramente comprometidos com o ambiente a outros níveis, de mangueiras abertas na adega como se a água fosse um recurso inesgotável. E convictos de que práticas como optimização científica da rega ou reutilização de água na adega, não são para si. Um pouco naquela de que “como produzo pouco vinho, gasto pouca água”. Só que isso não funciona assim. É o mesmo que dizer que uma casa com duas pessoas faz menos lixo do que uma com oito e que, portanto, pode fazer lixo à vontade. Na verdade, a questão não está no volume total de água gasto pelo produtor; está no que gasta por cada litro de vinho produzido.

Os cálculos relativos à pegada de água na produção de vinho estão, naturalmente, condicionados à enorme diversidade existente no sector. Ainda assim, estima-se que, a nível mundial e em média, são necessários 870 litros de água para produzir um litro de vinho (ver water footprint network). Muito menos, ainda assim, que o café (1056 l/l), sumo de maçã (1140 l/l), leite (1020 l/l), pão de trigo (1608 l/kg), arroz (2497 l/l), manteiga (5550 l/kg), carne de vaca (15500 l/kg) ou chocolate (17000 l/kg). Mas bem mais do que a cerveja (298 l/l)…

Sabe-se que, através processos de optimização na vinha e adega, é perfeitamente possível reduzir a pegada de água vitivinícola para um terço da actual. Só que é obrigatório que os produtores interiorizem essa necessidade e resolvam agir. A água é um bem limitado, e vai sê-lo cada vez mais no futuro. Utilizá-lo com a máxima eficácia, racionalidade e parcimónia na produção de vinho é um imperativo. Certamente mais impactante, em termos de cuidado ambiental e sustentabilidade, do que fazer uma vinha biológica.

Esta obrigação aplica-se a quem faz vinho mas também, é claro, a quem o bebe. Os produtores que façam a sua parte. Nós, consumidores, tratemos de ir fechando as torneiras.