Quinta do Ataíde: A nova estrela da Vilariça

A Vilariça tem de tudo para nos fazer felizes. Aqui é o vinho, ali o azeite mas também as frutas, os produtos da horta, as amêndoas. Ninguém passa fome e está mesmo autorizado a “embebedar-se” com a paisagem, tranquilizadora e cada vez mais amiga do ambiente, proliferando por aqui as vinhas em modo bio. Para […]
A Vilariça tem de tudo para nos fazer felizes. Aqui é o vinho, ali o azeite mas também as frutas, os produtos da horta, as amêndoas. Ninguém passa fome e está mesmo autorizado a “embebedar-se” com a paisagem, tranquilizadora e cada vez mais amiga do ambiente, proliferando por aqui as vinhas em modo bio.
Para se saber onde fica a Vilariça há várias maneiras. Pode-se, por exemplo, dizer que não é muito longe de Torre de Moncorvo, local mítico de peregrinação gastronómica para os amantes da carne, já que ir à Taberna do Carró é como ir a Fátima: há que ir, dê por onde der! Não come carne? Ali também há bons produtos hortícolas, frutícolas e frutos secos. Ok, então a Vilariça é um vale onde se chega via A4 e IP2, a caminho do Pocinho.
Esta era zona conhecida por ser uma planície em plena zona montanhosa, resultado de uma falha geológica. Tal como acontece com outras zonas muito marcadas por falhas geológicas (como a Alsácia, por exemplo), os solos estão “embrulhados e encavalitados” uns nos outros, originando que, na mesma parcela de vinha, se possam encontrar tipos diferentes e consequente desenvolvimento desigual das cepas, umas a produzir muito bem, ao lado de outras de produção diminuta. Podemos assim falar de micro-terroirs, algo que deixa muitas mentes de winefreaks em estado de excitação máxima.
Negócio a explorar
Nos anos 80 e, sobretudo 90, a Vilariça suscitou muito interesse de vários produtores, que ali reconheceram virtudes para a produção de vinhos Douro. Estávamos na época em que estavam a dar os primeiros passos, o mesmo período que levou várias empresas do vinho do Porto a perceberem que era uma área de negócio por explorar, uma vez que a região do Douro era rica de castas e vinhos que, por falta de benefício (o direito de produzir Porto), tinham um destino incerto. A Vilariça foi também uma das zonas onde a Cockburn’s, que era nos anos 80 um dos gigantes do vinho do Porto, lançou um programa de plantio em larga escala da casta Touriga Nacional. Pode mesmo dizer-se que foi dali que se expandiu, inicialmente para o restante Douro e, depois, para todo o país.
A família Symington adquiriu a Quinta do Ataíde em 2006 e, em 2014, plantou um campo ampelográfico com 53 castas, procurando assim saber o potencial das diferentes variedades face aos novos tempos de alterações climáticas. Aos poucos, algumas das parcelas vizinhas foram sendo adquiridas e incorporadas na Quinta do Ataíde. É também por isso que é difícil a Symington responder à simples pergunta: “quantas quintas têm?” Acontece que no Douro se chama muitas vezes “quinta” a uma parcela, uma vinha, na maior parte das vezes sem casa e/ou adega. Diga-se, como exemplo, que hoje, quando falamos da Quinta do Ataíde, estamos a falar dos 80 ha originais da propriedade, a que depois temos de acrescentar as áreas de vinha das parcelas Assares, Canada, Carrascal e Macieira que perfazem os actuais 112,4 ha de vinha, dos quais 80 em modo biológico. Quanto à pergunta “quantas quintas”, é provável que a resposta ainda se mantenha quando este texto vir a luz do dia, 27, mas onde se contam algumas das parcelas atrás referidas! Quintas de toda a família, algumas da própria empresa e outras que pertencem a membros da família, que entregam as uvas à empresa. Temos vindo a assistir ao crescimento enorme do património da empresa e o consulado de Paul Symington como CEO – entre 2003 e 2018 – foi especialmente prolífico, com a área de vinha a aumentar 482 ha nesse período. Temos, assim, que o “universo” Symington em termos de vinha está como segue: Douro (1,043 ha), Alentejo (41,5 ha), Monção & Melgaço (27,5 ha). A área efectiva de vinha plantada situa-se nos 1,112 hectares.
Uma adega para DOC Douro
Até à construção da adega que iniciou a laboração nesta vindima, a Symington tinha toda a produção dos vinhos DOC Douro na Quinta do Sol. O crescimento da procura dos vinhos Douro obrigou à decisão da construção desta nova adega. Ainda que o Porto continue a ser o responsável pela maior fatia da facturação da empresa, a verdade é que, se em 2009 os vinhos tranquilos apenas representavam 1% da facturação, em 2023 essa percentagem subiu para 14%. E se juntarmos os vinhos Douro com os do Alentejo, o que se verifica é que actualmente se está a produzir 24 vezes mais do que em 2010 e, nos últimos cinco anos, a facturação (Douro e Alentejo) cresceu 50%, situando-se agora nos 13 milhões de euros. No peso global da facturação da Symington, nos anos de declaração clássica de Vintage ou das edições especiais de Porto, podem os valores ter variações significativas, aumentando então o peso do vinho do Porto.
Nesta nova adega são então elaborados os vinhos Quinta do Ataíde e Vinha do Arco (num total de 36.000 garrafas), Quinta do Vesúvio (132.000 garrafas) e Altano Bio. No total falamos de 760.000 garrafas.
No Vesúvio mantêm-se os lagares com pisa a pé para a produção de vinho do Porto. Esses lagares “à antiga”, mandados fazer por Dona Antónia Adelaide Ferreira, são mesmo os únicos que a Symington mantém em funcionamento. E todo o Porto Quinta do Vesúvio é ali feito. Todas as outras quintas que têm vinificação – Cavadinha, Bomfim, Senhora da Ribeira, Malvedos e Quinta do Sol (esta para os Porto “correntes”) usam lagares robóticos. A gama Altano é a que representa maior volume, com 1.754.400 garrafas.
A Touriga Nacional é a rainha da Vilariça, ocupando 38% da área de vinha. Lá longe, em 1995, a Symington teria uns cinco ou seis hectares desta casta. Como nos diz Pedro Correia, enólogo, “eram os tempos em que dominava a Touriga Francesa e a Tinta Barroca nos encepamentos e, mesmo a Alicante Bouschet, que aqui na Vilariça já tem 21 ha, era uma casta que só existia nas vinhas velhas e pouco mais”.
Na visita à adega torna-se óbvio que há uma sensação de orgulho no trabalho feito. Charles Symington, que coordena a equipa de produção, disse, por várias vezes que o que mais lhe agradava era que tudo tinha sido feito “in the house”, como que a dizer “com a prata da casa”.
Ensombrada pela pandemia, com os materiais a falharem, os prazos a estenderem-se e os orçamentos a terem de ser constantemente refeitos, a adega conseguiu estar totalmente operacional para a vindima de 2023, com todas as valências para se poder considerar uma adega modelo pelos princípios da sustentabilidade. Com as placas fotovoltaicas “o edifício produz mais energia do que consome. Só na vindima é que precisamos de comprar”, revela o arquitecto Luis Loureiro, responsável pelo desenho da obra. Também há utilização intensiva da gravidade, sem recurso a bombas e mangueiras; resíduos tratados e águas residuais usadas para rega de jardins; orientação da adega com muitos dos equipamentos de apoio a serem colocados no exterior, junto às paredes viradas a norte; uma rede de fibra de coco onde trepadeiras irão crescer e “tapar” todos os equipamentos; cobertura vegetal da adega e preocupação com todo o arranjo exterior que, “dentro de três anos, mostrará tudo o que tivemos em mente”, como nos confirmou o arquitecto.
A produção em bio é muito exigente em procedimentos dentro da adega porque todo o equipamento tem de ser alocado apenas para os vinhos bio, desde as caixas de transporte das uvas até às cubas. Charles está consciente que a produção em bio exige muito mais intervenção na vinha (com prejuízos em termos de pegada de carbono) e estão a equacionar o uso de drones para a pulverização, algo que é tema ainda em desenvolvimento, mas que poderá ser uma excelente opção de futuro. Uma coisa é certa: “visitámos muitas adegas lá fora e não temos qualquer dúvida em dizer que aqui incorporámos todo o know how e todos os detalhes que fomos recolhendo das experiências nas nossas adegas; temos o que de melhor a ciência e a prática aconselham em termos de equipamento e funcionamento da adega”. O sorriso na cara da Charles diz tudo…
Por aqui vindima-se à mão e à máquina e há duas câmaras frigoríficas para recepção das uvas. “Com as que chegaram no dia anterior podemos começar bem cedo a vinificar, enquanto as uvas que vão chegando vão enchendo a outra câmara, já que só serão processadas no dia seguinte”, lembra Pedro Correia. Todo este trabalho continua a ter um quê de experimental: barricas de tanoarias diferentes para estágio, tostas diversas, madeiras de florestas distintas, uso de cimentos que facilitam a micro-oxigenação.
À volta da adega é um mar de vinhas quase todas pertencentes à família Symington. A quinta produz dois vinhos: Quinta do Ataíde, um tinto que resulta de um blend de castas e o Quinta do Ataíde Vinha do Arco, um varietal de Touriga Nacional. Foram alguns dos tintos da Vinha do Arco de provámos, todos eles ainda em comercialização pela empresa. A produção varia entre 12 e 18 000 garrafas. Os próximos a serem colocados no mercado, em 2025, serão os tintos de 2018 e 19, já com nova imagem. Concluída a vindima de 2024, ficámos a saber que tudo correu sobre rodas. Melhor ainda, que há vinhos muito bons. Como diria o actor: what else?
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)
Sogrape: Quinta de Azevedo, Vinhos assentes na história

Muito provavelmente, a primeira recordação de qualquer português sobre a história do nosso território, anterior à nacionalidade, está ligada à palavra da antiga professora ou professor da escola primária, hoje denominada primeiro ciclo de escolaridade. Atualmente, os manuais digitais e os quadros multimédia substituíram os livros com magras ilustrações e o quadro negro com letras […]
Muito provavelmente, a primeira recordação de qualquer português sobre a história do nosso território, anterior à nacionalidade, está ligada à palavra da antiga professora ou professor da escola primária, hoje denominada primeiro ciclo de escolaridade. Atualmente, os manuais digitais e os quadros multimédia substituíram os livros com magras ilustrações e o quadro negro com letras gordas desenhadas pela letra irrepreensível da professora. Ainda assim, dependendo do maior ou menor virtuosismo profissional e da atenção dos alunos, há algo que não mudou: a boca semiaberta ou os olhos bem despertos pela surpresa e admiração dos discentes quando ouvem falar pela primeira vez dos tempos do Conde D. Henrique, do Condado Portucalense e da sua descendência. Os edifícios deste período histórico nem sempre são de fácil acesso a todos os alunos de Portugal. Mas o Norte do país continua a apresentar inúmeros pontos de referência dos tempos que ficaram perdidos nos interstícios da história de Portugal. Um magnífico exemplo é a Casa-solar dos Azevedo, datada do século XI, localizada na freguesia de Lama, próximo de Barcelos, que foi utilizada pela primeira vez por D. Guido Viegas de Azevedo, rico-homem do tempo do conde D. Henrique.
A Casa-solar dos Azevedo foi, literalmente, o berço ancestral desta família que governou um vasto território que se estendia desde o além Cávado até Braga e Lanhoso. Desta família despontaram cavaleiros que ajudaram a construir e consolidar o reino de Portugal, depois em África e na Índia. Mais tarde, geraram altos embaixadores que firmaram alianças e tratados nas várias cortes europeias. No século XX, o brilho histórico começou a desvanecer-se e, em 1936, o Solar foi vendido em hasta pública.
De ruína, a quinta imponente
Em 1982, a Sogrape adquiriu o Solar, pela mão de Fernando Guedes. Estava praticamente em ruínas, e compreendia a torre do século XI, reedificada no primeiro quartel do século XVI, o corpo residencial do século XVIII, com a varanda colunada sobre o jardim e o edifício do século XIX.
Durante quatro anos, Fernando Guedes e a sua mulher, auxiliados pelo arquiteto Eduardo Rangel, dirigiram as obras de restauro e decoração do solar utilizando mobiliário e peças do século XVII e XVIII. O esforço e o desvelo aplicados na requalificação do imóvel pela família Guedes foram de tal ordem que este rapidamente se transformou, como referiu Fernando da Cunha Guedes, neto de Fernando Guedes e atual líder da Sogrape, “na menina dos olhos do meu avô que manteve e obrigava a manter em perfeito estado de conservação”.
Foi igualmente realizado um estudo profundo sobre a adaptação das castas aos 23 hectares dos terrenos iniciais da propriedade, tendo-se optado por um primeiro encepamento alicerçado nas castas Loureiro e Arinto que, em 2007, contabilizava 11,7 hectares. Atualmente, e depois de várias replantações, a Quinta de Azevedo tem 24 hectares de vinha, de um total de 34, alicerçada em duas castas: Loureiro e Alvarinho. A primeira ocupa a maior área de plantação, 23 hectares, e a segunda apenas 10 hectares. Existe ainda um campo experimental com cerca de um hectare que congrega, nas palavras do enólogo Diogo Sepúlveda, “um lote de seis castas mais aptas a resistir às alterações climáticas: Arinto e Sauvignon Blanc, entre outras”.
Curiosamente, a aquisição da propriedade, em 1982, e posterior requalificação da Quinta do Azevedo marcou o início de uma longa e famosa lista de compras de inúmeros projetos vínicos nacionais e internacionais. Pouco tempo depois, em 1987, a Sogrape adquiriu, num sonante e muito mediatizado negócio, a empresa A. A. Ferreira, marcando a entrada no setor do vinho do Porto e passou a integrar, no seu portefólio os vinhos, já muito reconhecidos e ambicionados pelos consumidores, da simbólica e histórica Casa Ferreirinha. Em 1995, a Sogrape integrou a Forrester, detentora da marca Offley, reforçando a sua presença no setor do Vinho do Porto e guindando-se a uma das maiores empresas exportadoras do setor. Dois anos depois completa a aquisição da Herdade do Peso, no Alentejo e da Finca Flichman, localizada na Argentina, mais propriamente na região de Mendoza. Com este último passo iniciou-se uma estratégia aquisitiva de cariz verdadeiramente internacional. O novo milénio consolidou a presença da empresa no setor do vinho do Porto e a sua estratégia internacional com a aquisição da marca Sandeman, que incluía vinhos do Porto, Jerez e Brandy. Em 2008 adquiriu a Viña Los Boldos, no Chile e, em 2012, estendeu as operações a Espanha com a aquisição das Bodegas LAN que, para além da operação principal, na região de Rioja, se estendeu às Rías Baixas, Rueda e Ribera del Duero.
Diogo Sepúlveda, líder dos departamentos de enologia de Mateus, Vinhos Verdes, Dão e Lisboa da Sogrape
Uma nova imagem e filosofia para os novos vinhos da Quinta de Azevedo
A apresentação dos novos vinhos da Quinta de Azevedo decorreu, como não podia deixar de ser, no piso térreo da torre original do atual solar, onde tínhamos à nossa espera Fernando da Cunha Guedes, diretor executivo da Sogrape. Este apresentou o enólogo Diogo Sepúlveda como alguém que “detém um conhecimento de mais de 15 anos do setor, com percurso profissional que inclui vasta experiência internacional, com projetos desenvolvidos em Portugal e no estrangeiro” e, por isso, assumiu a liderança dos departamentos de enologia de Mateus, Vinhos Verdes, Dão e Lisboa.
Os novos vinhos apresentados representam um reposicionamento para a marca Quinta de Azevedo, dotando-a de maior ambição, e possuem diversas características em comum. Em primeiro lugar, as uvas utilizadas em todas as referências foram produzidas em conformidade com as diretrizes de produção integrada de agricultura sustentável, definidas pela Organização Internacional de Luta Biológica contra Organismos Nocivos. A segunda característica é ostentarem a classificação Regional Minho. “Esta nomenclatura foi muito debatida internamente e acabou por ser a adotada”, referiu Diogo Sepúlveda. Por último, as referências apresentadas revelaram uma nova rotulagem mais cuidada e apelativa para o consumidor.
Começámos a prova pelo Quinta de Azevedo Loureiro Escolha, da colheita de 2022. O enólogo relembrou que “foi um ano com acumulados de precipitação inferiores à média dos últimos três anos e com uma primavera e verão muito quentes”. As uvas foram prensadas suavemente a baixas temperaturas e o vinho estagiou durante seis meses sobre as borras com batonnage frequente. Parte do lote estagiou em barricas usadas de carvalho francês.
Em seguida provou-se o Quinta do Azevedo Escolha Alvarinho, do ano 2023 que, segundo as palavras do enólogo, “foi fruto de um inverno bastante chuvoso, que depois se revelou muito seco, conduzindo a uma vindima muito precoce”. Uma pequena parte do lote estagiou em toneis e barricas usadas de carvalho francês.
Para o final estava reservada a estrela do trio. Trata-se de um vinho de lote composto por 70% de Alvarinho e 30% da casta Loureiro, do ano de 2023. Após a fermentação alcoólica, estagiou durante oito meses em toneis de 1200 litros e barricas de 500 litros de carvalho francês de primeira e segunda utilização. Uma pequena parte do lote estagiou sobre borras em depósito de inox para preservação de toda a frescura. Este verdadeiro topo de gama (€30), até agora inexistente no portefólio Quinta de Azevedo, mostra-se um vinho ainda muito jovem, seco e revela um perfil capaz de compaginar untuosidade e frescura.
Os vinhos agora chegados ao mercado espelham a ambição da Sogrape na região dos Verdes onde, com a marca Gazela, é um “player” de referência nos vinhos de maior volume e pretende claramente sê-lo também nas categorias mais exclusivas. Assim, a vetusta Casa-solar dos Azevedo, agora renovada e vestida de vinhedos, volta a inscrever o seu nome na história, desta vez na narrativa vínica do país e do mundo pela mão da maior empresa nacional do setor.
*Nota: O autor escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)
Caves da Montanha: A arte de bem empreender

As Caves da Montanha são, hoje, o maior produtor da Bairrada e um dos maiores nacionais de espumante, com cerca de 10 milhões de euros de facturação anual. Para Alberto Henriques, o seu proprietário e administrador, só falta agora à sua empresa se tornar numa casa de referência de espumantes na mente dos portugueses. “Seguramente […]
As Caves da Montanha são, hoje, o maior produtor da Bairrada e um dos maiores nacionais de espumante, com cerca de 10 milhões de euros de facturação anual. Para Alberto Henriques, o seu proprietário e administrador, só falta agora à sua empresa se tornar numa casa de referência de espumantes na mente dos portugueses. “Seguramente que só precisamos desse reconhecimento”, afirma, salientando que apenas outra empresa nacional consegue oferecer, ao mercado, uma variedade tão grande de espumantes, com um leque tão abrangente de anos de estágio, algo que levou mais de 20 anos a construir. “E nós fazemos lotes de dezenas de milhar de garrafas com as mesmas características e qualidade, o que é muito mais difícil”, salienta.
É preciso ser bom
As Caves da Montanha foram fundadas em 1943 por Adriano Henriques, empresário de sucesso no sector industrial da cerâmica, que quis ter uma cave de vinho “porque os outros também tinham”, conta Alberto Henriques, 47 anos, proprietário e administrador das Caves da Montanha, sobre o seu bisavô, acrescentando que ele se apercebeu cedo que não era um grande negócio. Revela, também, que quando este faleceu, o seu avô, Adriano Henriques Júnior, era ainda muito novo e “ficou com aquilo que os outros herdeiros não queriam, como parte do capital das Caves da Montanha e uns pinhais para o lado de Lisboa”. Fez a vida e fortuna como investidor no sector imobiliário, mas manteve sempre as Caves da Montanha, à base de suprimentos. Ou seja, todos os anos metia dinheiro na empresa.
Segundo Alberto Henriques, o seu avô dizia, a propósito, que o que era preciso é que o espumante fosse bom e que, se não se vendesse, bebia-se. “Hoje ainda seguimos essa filosofia”, revela, salientando que após o avô ter morrido, em 1993, a sua avó, Teresa Henriques, continuou a injectar dinheiro na empresa todos os anos. No entanto, não deixou de tentar mudar o seu rumo, fosse através da contratação de uma nova equipa de enologia, que passou a ser chefiada por António Selas (que ainda hoje se mantém como consultor) ou mudando os seus administradores.
Pouco após o ano 2000, na altura em que entrou um novo gestor na empresa, Alberto Henriques começou a trabalhar numa consultora norte-americana, após se ter licenciado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa. Mas como sentiu que “não estava a aprender nada”, decidiu começar a trabalhar com o pai na Portax, empresa do sector de componentes de móveis com sede em Oliveira de Frades. “Gostei de trabalhar com ele, porque era fácil e a empresa funcionava bem”, conta, revelando que, a certa altura, começou a trabalhar também nas Caves da Montanha, até que um desentendimento com o gestor da empresa o levou a assumir a sua gestão. Decorria o ano de 2003. “Eu fui criado pela minha avó, e vivia em casa dela, e senti a obrigação de assumir as rédeas das Caves da Montanha”, revela, salientando que foram muitos os problemas que teve de resolver desde o primeiro dia.
“Na primeira semana queriam fechar as caves porque não havia electricidade”, conta como exemplo, referindo também que, “na segunda semana, a responsável da produção foi em peregrinação a Fátima a pé e morreu atropelada” e que parte da equipa da altura “tinha entrado na empresa por cunhas”, ou seja, por diversas influências que não o mérito profissional.
O trabalho de toda a equipa das Caves da Montanha tem sido essencial ao sucesso da empresa
Trabalho em equipa
Entretanto foi contratando uma nova equipa para a gestão do dia a dia da empresa, incluindo o actual director de Enologia e de Qualidade, Bruno Seabra, e João Moreira, o gestor de Operações e de Exportação, entre outros, “equipa que se manteve até aos dias de hoje”. E apesar das vicissitudes iniciais, Alberto Henriques foi recuperando a pouco e pouco a sua empresa, que dois anos depois já estava a dar lucros. Mas salienta que nunca esteve só nesse caminho, porque o apoio da avó Teresa foi essencial nos primeiros anos, e o de toda a equipa, “que abdicou, muitas vezes da sua vida pessoal em prol da empresa”, desde o primeiro dia até hoje. “São pessoas que passam cá ao fim de semana para consertar isto e aquilo, a fazer facturas para as encomendas saírem mais cedo ou remuages”, explica.
Algumas pessoas foram-se reformando, depois de trabalharem na empresa a vida toda, que foi fazendo o seu caminho tentando “vender bons produtos a preços competitivos”, e mantendo um controlo de custos “muito apertado”, que contribuiu para a sua saúde financeira actual. “Nós trabalhamos por paixão, e não por dinheiro”, salienta Alberto Henriques, acrescentando que os acionistas não retiram dividendos da empresa. Pessoalmente, andou, no início do seu caminho nas Caves da Montanha, a vender vinhos nos restaurantes de Faro a Monção e apostou também na distribuição.
Ainda se lembra que telefonou 35 vezes para o comprador do Feira Nova, cadeia do Grupo Jerónimo Martins, na altura, até ele o ter atendido, e que teve de esperar bastante tempo que o responsável da Sonae dessa área descesse do quarto de hotel, antes de uma feira do sector, para lhe vender os primeiros vinhos. Foi preciso muito empenho e perseverança, numa “luta dura” com muitas dificuldades. Mas “hoje as coisas são mais fáceis”, revela Alberto Henriques, explicando que a empresa já é conhecida “e oferece produtos que poucos ou nenhum dos concorrentes tem e as portas abrem-se mais facilmente”.
Hoje, para além das suas, as Caves da Montanha fazem as marcas de espumante do Pingo Doce, Lidl, Sonae, Auchan, E-Leclerc, Makro e Minipreço. Desde o início que começaram a sentir o mercado, as tendências dos consumidores, e adaptar os produtos ao tipo de procura. “Essa foi a nossa estratégia, muito apoiada nos nossos clientes”, revela o gestor.
As Caves da Montanha produzem lotes de dezenas de milhar de garrafas com as mesmas características e qualidade
10 milhões de euros
Hoje as Caves da Montanha facturam mais de 10 milhões de euros. Já passaram mais de 20 anos desde que Alberto Henriques assumiu a sua gestão. Das cerca de 150 mil garrafas de espumantes comercializadas na altura em que chegou, passou para as actuais 2,5 milhões, numa empresa que também vende vinhos tranquilos de várias regiões nacionais, para além de licores e destilados, que comercializa em Portugal e na exportação, para países como o Brasil ou Canadá, Japão ou do norte da Europa.
Mas vender espumantes para os mercados externos não tem sido trabalho fácil, segundo o gestor, “porque não temos preços para combater os espumosos e porque também não existe um nome que distinga os nossos de todos os outros, como acontece com as cavas, os prossecos ou o champanhe”. O gestor defende que o espumante produzido em Portugal, pelo método clássico, ou champanhês, deveria ter um nome que o diferenciasse. “É um país pequeno, com quatro produtores com volume e deveria ter um nome diferente para ajudar a promover as exportações”, explica, contando que já houve tentativas nesse sentido, e que até havia concordância entre as casas maiores, mas “os trâmites burocráticos” dificultaram o processo.
Recentemente, as Caves da Montanha lançaram um espumante para comemorar os 80 anos de uma empresa que é, hoje, gerida pela quarta geração da família Henriques, e um vinho de celebração da filha de Alberto Henriques, ainda bebé. O primeiro “é um vinho que também pretende demonstrar que, na empresa, nós somos uma equipa que está bem, entende-se bem e rema toda para o mesmo lado, uma família”. O segundo “é a celebração da chegada da quinta geração da família ligada às Caves da Montanha, que ajudará à sua ligação com o futuro da empresa” diz ainda Alberto Henriques.
À procura do espumante perfeito
Nas Caves da Montanha tudo nasce nas vinhas. “Para fazer espumante é preciso direcioná-las para a sua produção, que é completamente diferente da de vinhos tranquilos”, explica Bruno Seabra, director de Enologia e Qualidade das Caves da Montanha. Na adega, as uvas têm, assim, de chegar com as características certas para serem prensadas de forma a separar o mosto de lágrima, que se destina às gamas mais altas, do de prensa, que vai para o resto das gamas.
Durante a fermentação, Bruno Seabra gosta de provar de dois em dois dias, para verificar como o processo está a decorrer, “porque só conseguimos fazer grandes vinhos se soubermos actuar nos seus processos chave”. Depois são escolhidas as bases para cada tipo de produto: Montanha Real, Cá da Bairrada, etc., seguindo-se a sua colagem, processo feito com o adjuvante do Instituto Enológico de Champanhe, selecionado após um estudo comparativo realizado pelo enólogo, “pela limpidez que origina e rapidez do processo”.
Conforme as suas características, as bases são depois analisadas e o seu processamento é orientado tendo em conta o tempo de estágio previsto para os espumantes que originam. “A acidez é essencial na sua produção, mas os lotes têm de ter também em conta objectivos como a longevidade, volume e complexidade”, explica Bruno Seabra. Os vinhos com mais fruta e frescura dão melhor resultados para a produção de espumantes mais novos, onde isso é importante. Nestes é preciso que a bolha não rebente tão facilmente, “que não seja agressiva e bruta”. Por isso são espumantes onde o licor de expedição leva menos açúcar, que têm uma bolha mais fina também por causa das fermentações serem mais lentas nas caves, onde decorrem a uma temperatura de 16/17ºC.
Durante o estágio, os espumantes vão sendo provados para se perceber qual aa sua evolução. “Começo a fazer isso a partir dos seis meses, para perceber qual o caminho a traçar e decidir o licor de expedição, que é importantíssimo na finalização do espumante, sobretudo para definir a sua identidade, pois temos várias marcas e uma gama alargada, que têm de ter, cada uma, as suas características”, explica Bruno Seabra. “Não basta pôr vinho base, um pouco de sulfuroso e goma”, salienta, acrescentando que “é necessário criar outro tipo de sensações, que só podem ser acrescentadas através do licor de expedição”. Depois, é preciso algum tempo de estágio em garrafa, essencial para que o efeito do licor de expedição se se sinta no espumante, “que só actua realmente dois a quatro meses depois”. Para os mais evoluídos, “quanto mais tempo melhor”, defende o enólogo, garantindo ainda que “as características da fermentação, do estágio sobre borras e do licor de expedição são beneficiados no estágio após o dégorgement”.
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)
Exportações nacionais de vinho crescem em 2024

As exportações nacionais de vinhos atingiram os 698 milhões de euros em valor desde Janeiro até Setembro de 2024, com os Estados Unidos a consolidarem a sua posição como principal mercado de destino do sector, sobretudo para vinhos certificados com Denominação de Origem (DO/IG). Esta foi uma das informações reveladas durante o Fórum Anual dos […]
As exportações nacionais de vinhos atingiram os 698 milhões de euros em valor desde Janeiro até Setembro de 2024, com os Estados Unidos a consolidarem a sua posição como principal mercado de destino do sector, sobretudo para vinhos certificados com Denominação de Origem (DO/IG). Esta foi uma das informações reveladas durante o Fórum Anual dos Vinhos de Portugal, organizado pela ViniPortugal, que decorreu em Leiria no mês passado.
Para além dos dados mais recentes sobre o mercado nacional e as exportações de vinhos portugueses, foram apresentadas, durante o evento, as principais tendências, os desafios actuais e as estratégias para o futuro. Foi também divulgado o Plano de Marketing e Promoção, para 2025, da ViniPortugal com a marca Wines of Portugal.
A sessão de boas-vindas esteve a cargo do Presidente da ViniPortugal, Frederico Falcão, seguindo-se a apresentação, pelo Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), de dados de mercado referentes aos períodos entre 2016 e 2023 e Janeiro e Setembro de 2024. Os valores revelados mostraram que o mercado nacional de vinhos tranquilos teve um aumento significativo nos últimos anos, com as vendas em volume a crescerem para 280 milhões de litros do ano passado e, em valor, para 1,144 mil milhões. O preço médio por litro de vinho em 2023 foi de 4,08 euros.
Segundo o IVV, baseado nos dados de uma empresa de estudos de mercado, no período de Janeiro a Setembro de 2024 verificou-se em Portugal um aumento de 3,6% no volume total de vendas, impulsionado por um crescimento significativo de 22% na restauração. São números animadores, mas contrariam a percepção da generalidade dos produtores e distribuidores. O mesmo estudo revela que as vendas de vinho em garrafa representaram a maioria do valor total, que correspondeu a um preço médio de 7,34 euros/litro, enquanto outros formatos de preços mais acessíveis, como o bag-in-box, mantiveram uma presença importante no mercado.
No terceiro trimestre de 2024, os vinhos certificados continuaram a dominar o mercado, representando 67% das vendas. Os tintos mantiveram a preferência dos consumidores, representando 55,6% do volume total comercializado, enquanto os brancos aumentaram ligeiramente a sua expressão.
No plano internacional, Portugal reforçou o seu papel como exportador de vinho, com uma quota de 2,6% do mercado global em 2023. As exportações entre Janeiro e Setembro de 2024 atingiram os 698 milhões de euros, um aumento de 2,5% face ao mesmo período do ano anterior. Em volume, foram exportados 260 milhões de litros (+7,8%).
Os Estados Unidos consolidaram-se como maior mercado de destino dos vinhos portugueses, destacando-se pela sua crescente procura de vinhos tranquilos com Denominação de Origem (DO/IG). Este segmento representou 74% do valor total das exportações para o mercado norte-americano nos primeiros nove meses de 2024. Os países terceiros foram o principal destino das exportações nacionais, mas a Europa Comunitária apresentou maior crescimento em volume face ao mesmo período de 2023.
Os dados apresentados durante o Fórum Anual demonstram que o sector vitivinícola português tem conseguido crescer no mercado interno e externo. Frederico Falcão destacou, durante o evento, “a necessidade de reforçar a competitividade e inovação no sector, apostar em marketing digital, consolidar a imagem de qualidade dos vinhos portugueses e focar mais nos mercados estratégicos”, defendendo que “este trabalho será fundamental para continuar a crescer num cenário global altamente competitivo”.
A valorização das certificações e a aposta em segmentos premium, como vinhos DO/IG, foram apontadas como estratégias-chave para alavancar o sector. Para além disso, a sustentabilidade e a adaptação às novas exigências dos consumidores serão temas prioritários para os produtores nacionais.
Quinta d’Amares: Um verde com dez séculos…

Conta a história que as primeiras edificações do lugar de acolhimento e estudos religiosos que abrigaram, durante séculos, os monges beneditinos de Cluny e Cister, surgem em 1090, fundadas pelo nobre Egas Pais de Penagate, um dos mais importantes senhores da época, proprietário de vastas propriedades de Entre Homem e Cávado. Intimamente ligado à reconquista […]
Conta a história que as primeiras edificações do lugar de acolhimento e estudos religiosos que abrigaram, durante séculos, os monges beneditinos de Cluny e Cister, surgem em 1090, fundadas pelo nobre Egas Pais de Penagate, um dos mais importantes senhores da época, proprietário de vastas propriedades de Entre Homem e Cávado.
Intimamente ligado à reconquista cristã, o Mosteiro de Rendufe é uma das principais edificações religiosas do Norte do país, passando por diversas transformações ao longo dos séculos. Até ao século XVI, a pecuária e a agricultura dominavam a paisagem e eram as principais fontes, não apenas da autossustentabilidade dos eclesiásticos, mas, igualmente, um rendimento. De origem francófona, crê-se que ali plantaram extensas manchas de vinha, tornando a propriedade numa das mais vastas e ricas de todo o Norte, alcançando maior dimensão e produtividade que o próprio mosteiro de Tibães.
Após o século XVI, o Mosteiro continua a ser uma das mais relevantes Escolas de Estudos Superiores em Teologia. Contudo, com a introdução do milho na Europa, a cultura da vinha torna-se secundária, diminuindo consideravelmente a sua área, cingindo-se apenas às bordaduras.
Não obstante a construção da nova igreja, dependências conventuais e a Capela do Santíssimo Sacramento, o declínio do Mosteiro começa a ocorrer a partir de 1755. A divisão da imensa propriedade torna-se inevitável num país depauperado após Terramoto de Lisboa e o maremoto que se lhe seguiu, causando a quase total destruição da cidade. O comércio das especiarias já era praticamente inexistente e o ouro que nos chegava do Brasil era escasso. Os grandes comerciantes das cidades do Porto e Lisboa, perante o peso da carga fiscal imposta, radicam-se na Flandres.
Parte do património do mosteiro, seus edifícios e fontanários, são destruídos para aproveitamento da pedra para construção de muros de delimitação e outras edificações. Após a extinção das Ordens Religiosas, em 1834, parte da propriedade e edificações são alienadas a privados. Um grande incêndio acaba por consumir parte do Mosteiro e, hoje, aquilo que nos é dado a conhecer é apenas um vislumbre da sua dimensão original, mantendo, no entanto, a imponência do seu estilo barroco e rococó.
Um negócio de família
Albino Pedrosa, pai do atual proprietário, José Pedrosa, sempre esteve ligado ao negócio dos vinhos. Radicado no Porto, fazia da compra e venda a granel, em larga escala, a sua atividade principal, comercializando vários milhões de litros mensalmente, mantendo a atividade em todas as regiões vitivinícolas do país. Na cidade invicta detinha, igualmente, uma destilaria onde destilava 50 mil litros semanalmente, produto que, nos anos 60 e 70 do século passado, era quase exclusivamente escoado para as colónias africanas com quem mantinha relações comerciais privilegiadas.
À época, o comércio de vinhos da região dos Vinhos Verdes fazia-se quase exclusivamente de tintos. Do mesmo modo, no encepamento da região dominavam as castas tintas, com o Vinhão à cabeça, cabendo às uvas brancas uma presença e comercialização bastante discreta.
Em 1986, prevendo um abrandamento do comércio a granel e cumprindo um desejo de possuir um negócio de vinho da base até ao topo, Albino Pedrosa, já com o seu filho José Pedrosa ao lado, inicia a aquisição da Quinta D`Amares, num processo complexo de negociação, uma vez que a propriedade dentro de muros estava, à data, dividida em oito parcelas, de outros tantos proprietários.
Após a primeira parcela, foram adquirindo as restantes, terminando a operação global já no início deste século. A conversão da propriedade, que nos anos 80 estava destinada essencialmente à pecuária, inicia-se logo a partir de 1986, requerendo uma intervenção total, dado o estado de abandono a que estava votada há muitos anos. A vinha era uma miragem do passado, existindo apenas nas bordaduras, preenchendo a cultura de cereal e floresta a quase totalidade da Quinta. Com toda uma vida dedicada ao grande volume, a família Pedrosa percebeu que os mercados exigiam agora qualidade e identidade. Fazer vinhos de quinta era agora o propósito, associando essa nova vertente à potenciação do património constituído pelo Mosteiro e pelo Aqueduto, este do século XVII, sob a tutela e manutenção da Quinta.
O VITIS foi a alavanca essencial para transformar a paisagem de toda a região dos Vinhos Verdes. Nela estão também os 55 hectares que compreendem a totalidade da propriedade entremuros da Quinta D`Amares. O tempo dos tintos havia chegado a um fim anunciado. As castas brancas impuseram-se e, na propriedade, no processo de restruturação, a Loureiro levou a melhor, ocupando, hoje, cerca de 75% de toda a área de vinha, tornando-a, provavelmente, uma das maiores áreas de vinha contínua da casta, que é rainha nesta sub-região do Cávado. A formação em engenharia química de José Pedrosa foi fundamental para a forma como se olhou para a composição dos solos, relevo, sistema de rega e plantação da vinha em cordão simples.
Abundância de água
Não obstante a sub-região do Cávado beneficiar de níveis pluviométricos muito elevados no Inverno, os verões quentes, cujas temperaturas facilmente atingem os 40 graus em Agosto, exigem que a vinha possua um sistema de rega gota a gota. Afortunadamente, o engenho dos monges beneditinos, desde o século XI, salvaguardou a abundância de água, construindo o Mosteiro de Rendufe numa zona muito rica em recursos hídricos, possuindo a atual propriedade seis minas com nascentes, que providenciam toda a água utilizada nas regas, assim como para todas as operações na adega, desde a refrigeração até às limpezas. Erigido no século XVII, o Aqueduto que desemboca no Mosteiro encontra-se hoje perfeitamente funcional e ativo, recolhendo água numa das minas existentes no seu topo, transportando-a para o interior do Mosteiro e vários reservatórios existentes no interior da Quinta.
Rentabilidade e otimização de processos estiveram na base da decisão de criar um projeto de envergadura. Posicionar as vinhas com diversas orientações, permitindo diferentes estágios de maturação, foi fundamental para organizar uma vindima espaçada no tempo. Nos primeiros anos, durava aproximadamente um mês e era realizada por uma centena de pessoas. Hoje, a escassez de mão de obra é transversal a todo o país agrícola, razão pela qual é inevitável o recurso à vindima mecanizada, sobretudo quando há risco de pluviosidade próxima.
A propriedade, atualmente já se estende fora dos muros, prolongando-se em várias outras parcelas externas. Se o Loureiro predomina, constatou-se que o Alvarinho encontra neste terroir condições de exceção para se exprimir, granjeando virtudes próprias, distintas das que lhe são aportadas em Monção e Melgaço. Aposta mais recente tem sido o Arinto, localizado numa parcela mais alta, fresca e ventosa. A sua espumantização pelo método clássico já não é um mero alargamento do portfólio, tornando-se um caso de sucesso comercial entre e fora de portas. Essa perceção leva já a idealizar-se criar referências mais exigentes e ambiciosas de modo a solidificar a Quinta D`Amares também como produtor de espumantes de qualidade evidente.
Nas parcelas externas aos muros, o Vinhão coexiste com o Espadeiro. A influência do Vinhão, à semelhança do que ocorre em toda a região, é cada vez menor, representando uma ínfima parte da produção. Na vindima de 2024, prevê-se apenas a produção de 5000 litros de Vinhão, num universo de um milhão de litros produzidos. Despertos para esta redução drástica de produção de vinhão, também forçada pela diminuição do seu consumo, a Quinta d`Amares procura novas abordagens à casta, experienciando diferentes formas de vinificação, com menos extração, maior leveza que, de algum modo, lhe retire a componente de rusticidade sem lhe mascarar a autenticidade.

Os vinhos de parcela
A equipa de enologia e viticultura mantém-se desde o primeiro dia, estando a enologia entregue ao enólogo consultor António Sousa, tendo o jovem Diogo Schartt como enólogo residente a acompanhar o dia-a-dia da adega e vinhas. É de um triângulo coeso que resultam todas as ações e estratégias da empresa. José Pedrosa, Diogo Schartt e Tiago Ferreira, o diretor comercial, reúnem-se diariamente nos escritórios, debatendo os novos desafios e tendências, baseados nas experiências e viagens de cada um. O surgimento dos Pét-Nat no portefólio da Quinta D`Amares nasce de uma visita do diretor comercial ao Canadá, onde estes espumantes de “método ancestral” alcançaram um sucesso notável, sobretudo nos wine bars e junto de um público mais jovem.
Regressado, e em troca de ideias com a equipa, não houve dúvidas que aquele era um produto digno de se apostar, desde que se elevassem os patamares de qualidade em relação ao que, à data, existia no mercado. O Quinta D`Amares Pét-Nat é hoje uma realidade e peça importante do portefólio constituído por 12 vinhos, já esgotando com as compras feitas, sobretudo, pelo mercado norte-americano.
O curso do tempo, e a realização de mais de uma vintena de vindimas, trouxe, à equipa, um maior conhecimento das características dos solos e dos vários microclimas existentes nos 55 hectares de vinha. Os solos arenosos e graníticos de várias densidades predominam, ainda que com índices de nutrição diferentes, sendo as cotas mais elevadas e inclinadas mais pobres, por contraponto às parcelas mais nutridas, situadas, sobretudo, ao redor do Mosteiro. Aliás, é na cercania de edificado religioso que se situa a mais incomum parcela da Quinta, bastante mais fresca, sobretudo por se encontrar no interior de um corredor de vento de Norte, daí advindo temperaturas bastante mais amenas que nas restantes parcelas da vinha. É desta parcela sui generis que nasce o Quinta D`Amares Claustrum, vinho monovarietal de Loureiro. Ao invés de se definir um perfil jovem, frutado, fácil e para beber jovem, pretendeu conferir-se maior complexidade ao vinho, tornando-o mais exigente em termos de prova, sem a exuberância aromática usual e com potencial sério de guarda.
Enoturismo como desígnio
José Pedrosa tem a perfeita consciência que todo o património histórico circundado pelas vinhas é um diamante por lapidar, com um potencial enoturístico de monta. Atualmente, parte do Convento, que corresponde aos antigos aposentos dos monges, foi adjudicada a privados pelo Estado, proprietário do imóvel, para criação de unidade hoteleira de luxo, desejando-se que a sua execução se inicie a breve trecho.
A par disso, irá abrir, já em 2025, o Centro de Provas e Espaço de Eventos, atendendo à necessidade que a região possui de espaços que possam acomodar várias centenas de pessoas, num edifício construído de raiz, com dois pisos. Um edifício sustentável que aproveitará os recursos hídricos em abundância na propriedade para refrigeração dos espaços, com reutilização dessa mesma água para a rega.
O constante crescimento das exportações, com novos mercados a despontarem para além dos clássicos, nomeadamente, o forte crescimento na Suécia e Japão, pressupõe que, a breve trecho, tenha que se aumentar o número de litros produzidos e engarrafados com marca própria. Vinificando um milhão de litros anualmente, correspondendo apenas a metade da uva produzida, possuindo, ainda, a adega, capacidade para uma maior vinificação, prevê-se que o volume de venda de uva a granel diminua em prol do aumento da quantidade vinificada. Sem passivos e com ativos vultuosos, a Quinta D`Amares não se atemoriza com os ventos de uma crise anunciada e olha para o futuro com um sorriso confiante.
Nota: o autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)
Lua Cheia: Bronze que vale ouro

Fomos encontrar o centro de vinificação da Lua Cheia-Saven, em Alijó, em plena azáfama de vindimas. Esta, que é uma das duas adegas da empresa (a outra situa-se em Monção, na região dos Vinhos Verdes), está capacitada para vinificar mais de 2,5 milhões de litros. A sua localização é das mais privilegiadas para obter os […]
Fomos encontrar o centro de vinificação da Lua Cheia-Saven, em Alijó, em plena azáfama de vindimas. Esta, que é uma das duas adegas da empresa (a outra situa-se em Monção, na região dos Vinhos Verdes), está capacitada para vinificar mais de 2,5 milhões de litros. A sua localização é das mais privilegiadas para obter os resultados desejados atualmente, a frescura e a marca da região duriense. No topo do Planalto de Alijó, situando-se próxima dos 800 metros de altitude e beneficiando de noites muito frias e dias de brisas constantes, alcançam-se vinificações mais lentas, aportando aos vinhos maior personalidade e uma mais fidedigna interpretação do Vale Mendiz, ali próximo.
É nestas cotas mais altas do Douro que nascem, além dos mais exclusivos Quinta do Bronze, os Andreza das gamas “Altitude”, vinhos de expressão mais fresca, elaborados com uvas próprias e provenientes de viticultores que trabalham com a Lua Cheia há vários anos, garantindo, à empresa, a qualidade da matéria-prima para criar os vinhos que espelham o caráter do Planalto.
Com uma história cuja origem remonta a 1823, a propriedade foi adquirida em 2012 ao dono de uma farmácia de Favaios.
Nos altos de Vale Mendiz
Podíamos começar pelo início da Sociedade Abastecedora de Navios Aveirense (Saven) e de como o dinamismo do seu fundador, o já desaparecido Manuel Dias, criou um império de distribuição de bens alimentares e vinhos, hoje liderado por sua filha Lara Dias, onde se enquadra a Lua Cheia-Saven, nascida de um desafio ao enólogo bairradino Francisco Baptista em 2009. Porém, importa-nos traçar desta feita o retrato da Quinta do Bronze, a propriedade com 14 hectares e vista sobranceira para o mágico Vale Mendiz, com uma vizinhança ilustre nas cercanias.
Com uma história cuja origem remonta a 1823, a propriedade foi adquirida em 2012 ao dono de uma farmácia de Favaios. Durante várias gerações, a Quinta estave quase inteiramente dedicada à produção de uva para vinho do Porto, caracterizando-se pela heterogeneidade de altitudes, exposição e composição de solos. A dimensão inicial era menor, tendo sido adquiridas diversas parcelas contíguas até atingir a dimensão atual. Do fundo da estrada que vai de Alijó ao Pinhão, até ao topo das íngremes vinhas, sobe-se dos 200 até uma cota de 550 metros de altitude. Com forma de um semicírculo, os vinhedos beneficiam de diversas exposições (a Norte, Poente e Sul) que, por sua vez, trazem diversos estados de maturação, permitindo trabalhar as uvas de distintas formas na sua vinificação. Os solos encontram-se numa zona de transição dos xistos para os granitos. Solos muito pobres, que estimulam a capacidade de resiliência das videiras a produções rigorosas.
Os primeiros anos após a aquisição foram de estudo de cada uma das diferentes parcelas da vinha. A pretensão era criar foco no vinho de mesa, identificando as uvas com maior potencial e apetência para tal, reservando a parte sobrante para vinho do Porto. O encepamento ali existente, e as plantações de novas parcelas que foram sendo adquiridas, entretanto, pouco foi alterado. Era o tradicional para elaboração de vinhos do Porto: Touriga Nacional, Touriga Francesa, Sousão e Tinta Roriz. O Tinto Cão surge mais tardiamente, numa perspetiva de dispor de castas mais frescas, entre outras plantadas, sobretudo as mais resistentes à baixa pluviosidade e mudanças climatéricas. Atualmente, é a base consensual para a elaboração do Andreza Altitude Rosé, exclusivamente com esta casta, para marcar o modo como são feitos bons rosados durienses. É um vinho que tem conquistado a preferência dos consumidores,
A Vinha do Plagão
A maior curiosidade desta Quinta é uma parcela de um hectare de vinha com quase 50 anos – a Vinha do Plagão – onde se encontra o Tourigão, ou Tourigo, nome que, durante séculos, os agricultores do Dão davam à Touriga Nacional. É nesta vinha, cuja interpretação e conhecimento têm tomado mais tempo ao responsável de enologia, Francisco Baptista, que nasce o vinho de parcela Quinta do Bronze Vinha do Plagão 2016. As imensas incertezas sobre aquele clone antigo da, hoje, conhecida e reconhecida, Touriga Nacional, tornaram a obtenção de um vinho que cumprisse os parâmetros de qualidade exigidos tarefa mais complexa, pois as características naturais do próprio Tourigo, e a sua raridade no encepamento duriense, não facilitaram em nada a tarefa.
Desde a aquisição da propriedade em 2012, apenas em 2016 se conseguiu alcançar a desejada excelência. Francisco Baptista reconhece-lhe a irregularidade, não se conseguindo ali obter colheitas de qualidade a toda a prova ano após ano. Em 2017, não foi possível engarrafar a colheita e, se o estágio evoluir favoravelmente, o próximo lançamento será da vindima de 2018.
Relevante para os objetivos da empresa é, no que toca àquela parcela em particular, respeitar as suas características e identidade, com a perfeita consciência de que só nos anos excecionais dali serão engarrafados os Vinha do Plagão. Manuel Dias, cedo reconheceu a singularidade daquela vinha, dando carta branca ao enólogo para dali fazer os futuros vinhos ícone da Lua Cheia, demorasse o tempo que demorasse. A experienciação teve de nascer de vinificações separadas, de modo a perceber as características diferenciadoras do clone presente nestas vinhas.
A maior curiosidade desta Quinta é uma parcela de 1 hectare de vinha com quase 50 anos – a Vinha do Plagão – onde se encontra o Tourigão, ou Tourigo
O Tourigo antigo
O Tourigo aparece profusamente referido por António Augusto de Aguiar em 1867, identificando-o e relevando-lhe a presença massiva no encepamento da região do Dão. Daí os beirões reivindicarem para si o berço da, hoje, renomada Touriga Nacional. As suas virtudes enológicas eram já valorizadas no período pré-filoxérico, designadamente a cor profunda dos seus vinhos e o aroma singular que assumia. Contra si tinha a muito pouca produtividade e tendência ao desavinho. Cardoso Vilhena, no Centro de Estudos do Dão, em Nelas, decifrou-lhe algumas fragilidades, explorando as suas potencialidades, ganhando a casta novo fôlego. Certo é que, nas vinhas da Quinta do Bronze, o Tourigo surge ainda numa versão primordial, de cacho de bago pequeno e com uma produtividade que não ultrapassa os 2500 quilos por hectare. Razão para ter sido, pouco a pouco, abandonada pelos agricultores durienses.
Ignorando a parte da rentabilidade, Francisco Baptista, preferiu olhar para esta parcela de um modo diferenciado, procurando sobretudo a mais legítima expressão do território e das características tão especiais daquela casta, que entra em larga maioria no Vinha do Plagão, surgindo também o Sousão em proporções residuais, numa perspetiva de conferir maior firmeza e tensão ao vinho. Certo é que o resultado é uma absoluta surpresa, pelo modo como evoluiu oito anos após a colheita e pelo potencial de longevidade que mostra, antevendo-lhe o enólogo décadas de resistência sem perda de vigor e frescura. Haja essa coragem de resistir à tentação de os colocar nas prateleiras antes do seu tempo ideal.
Do mesmo modo, procura, nas restantes parcelas daqueles 14 hectares, sublimar a altitude, buscando menor concentração, menor teor alcoólico, acidez mais veemente e uma complexidade que diferencie os vinhos da Quinta do Bronze, tornando-os a joia da coroa de todo o universo Saven.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)
Quanta Terra: 25 anos festejados em grande

Sem terra e sem uma adega convencional, Quanta Terra é uma parceria em busca do seu vinho perfeito e uma marca que provoca a emoção no consumidor. O projecto começou em 1999, fruto da cumplicidade profissional de Celso Pereira e Jorge Alves, que se conheceram nas Caves Transmontanas no início dos anos 1990. Conhecendo o […]
Sem terra e sem uma adega convencional, Quanta Terra é uma parceria em busca do seu vinho perfeito e uma marca que provoca a emoção no consumidor. O projecto começou em 1999, fruto da cumplicidade profissional de Celso Pereira e Jorge Alves, que se conheceram nas Caves Transmontanas no início dos anos 1990. Conhecendo o Douro como a palma das suas mãos, definiram desde logo as zonas da proveniência das uvas para garantir a qualidade dos vinhos: para os tintos, vale do Tua, e para brancos e rosés as terras de altitude 600-700 metros com solos de transição para o granito, no planalto de Alijó, onde mesmo em anos quentes conseguem maturações equilibradas e uvas com frescura natural. As ligações duradoras com os viticultores que lhes fornecem as uvas, desde o início do projecto, asseguram a matéria prima de qualidade sem ter necessidade de adquirir as vinhas. O importante é acompanhá-los e pagar bem as uvas.
A “adega” da Quanta Terra, inserida numa antiga destilaria da Casa do Douro, recuperada em colaboração com o arquitecto Carlos Santelmo é algo único. De layout pouco habitual, o espaço, para além de acomodar uma cave de barricas, está transformado num ambiente museológico dedicado à história do Douro e serve de palco a exposições artísticas temporárias. A vinificação propriamente dita é feita nas adegas dos seus parceiros de outros projectos vitivinícolas.
Olhando para o seu percurso de 25 anos na Quanta Terra, os enólogos consideram que o importante foi saber “evoluir improvisando”. “Criámos perfis de vinhos e validámos com as vendas no mercado”, permanecendo numa dinâmica criativa.
Mas parece que os dois também gostam de provocar o mercado de vez em quando. No mundo, onde os restaurantes nem aceitam um vinho branco de há dois anos, onde o consumidor procura vinhos fáceis e frutados, lançar um branco com estágio de vários anos em barrica é de loucos. Mas quem conhece Jorge Alves e Celso Pereira, sabe que isto faz parte do ADN do projecto. O estágio prolongado exige paciência, implica o investimento em barricas e o empate do capital, e ainda obriga a lidar com a volatilidade das tendências do mercado. O factor incerteza também tem a ver com o próprio vinho, pois durante um estágio de muitos anos nunca se sabe ao certo que perfil o tempo vai esculpir no final. Ao provar o Gold Edition 2017 com quase sete anos em barrica e o Family Edition 2007 com 14, percebe-se porque às vezes vale a pena ir até ao limite.
O primeiro Gold Edition foi da colheita 2011, da qual houve duas barricas que ficaram para trás, não propositadamente. O resultado motivou a repetição da experiência em anos bons, em que a qualidade esperada justifique um estágio prolongado. “Sentimos que o mercado pode ter apetência para estes vinhos diferenciados”.
O Family Edition foi ainda mais longe. Começou em 2007 como uma base de espumante que, por decisão interna, ia ficando em barricas novas de 225 litros. Passados 14 anos e ao contrário do que se pode pensar, não está marcado pela barrica, pois o vinho ia concentrando e a barrica ia envelhecendo com o vinho e acabou por integrar completamente. O resultado, com mais de 8 g/l de acidez e um pH baixíssimo, oferece, ao mesmo tempo, o sabor e a textura para envolver a estrutura acídica e trazer à prova um vinho cheio de vida e personalidade. Decidiram lançá-lo no aniversário dos 25 anos. É uma edição única, com apenas 670 garrafas.
Outra novidade é o espumante Quanta Terra Éclat feito de Pinot Noir proveniente da zona de Lamego. Quase que apetece dizer: “até que enfim!”. Sendo Celso Pereira o reconhecido Senhor das Bolhas, espanta-me como é que aguentaram 25 anos sem se meter na produção de espumantes. Mas aqui vai!
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)
Henri Giraud Ay + Pinot + barrica = grande Champagne

Robert Parker classificou, um dia, os vinhos da casa Henri Giraud como “o maior Champagne de que nunca ouviu falar”. O elogio vale o que vale, mas a verdade é que os Champagnes desta empresa familiar merecem (e muito) ser falados e, sobretudo, apreciados. Algo agora mais fácil de conseguir neste cantinho ocidental da Europa, […]
Robert Parker classificou, um dia, os vinhos da casa Henri Giraud como “o maior Champagne de que nunca ouviu falar”. O elogio vale o que vale, mas a verdade é que os Champagnes desta empresa familiar merecem (e muito) ser falados e, sobretudo, apreciados. Algo agora mais fácil de conseguir neste cantinho ocidental da Europa, uma vez que são importados e distribuídos em Portugal pela Disalto.
A casa Henri Giraud é relativamente recente, pois foi registada enquanto “Negociant-Manipulant” apenas em 1975, o que significa que cria as suas próprias uvas e compra uvas a terceiros. As suas raízes, porém, remontam 1625, quando François Hémart e sua família se instalaram em Ay, onde o Champagne nasceu no século XVIII e uma das 17 Grand Cru entre as 323 “villages” que compõem a região. A família Hémart produziu uvas e vinhos ao longo de muitas gerações, até que a filoxera, primeiro, e a Primeira Guerra Mundial, depois, arruinaram o seu principal sustento.
No princípio do século XX, Léon Giraud casou com Madeleine Hémart e dedicou-se a reconstruir todo o património vitivinícola familiar, que viria a ser desenvolvido e ampliado pelos seus descendentes, o filho Henri Giraud e o neto Claude Giraud, membro da 12ª geração.

Reputação e estilo
Foi Claude que desenvolveu a reputação e o estilo Henri Giraud, assentando-o em três pilares: vinhos Grand Cru Ay; uvas Pinot Noir; e barricas de carvalho de Argonne. Este último é hoje absolutamente definidor do estilo da casa. Claude reintroduziu progressivamente a fermentação em barrica a partir de 1993, algo que, com poucas excepções (Krug, Bollinger…) foi abandonado pelas casas de Champagne desde os anos 50. Mas, para Claude, não bastava fermentar todos os seus vinhos em barrica, objectivo atingido em 2016. Era fundamental fazê-lo em barricas construídas a partir de carvalhos da histórica floresta de Argonne, plantada no século XIV a 60 km de Reims, onde tiveram origem as clássicas barricas de Champagne. Convencido de que “não existem grandes vinhos que não estejam associados a uma grande floresta”, Claude levou mais de duas décadas estudando e selecionando carvalhos muito antigos (de grão super fino e alta densidade), encarregando-se de tostar directamente as madeiras, depois levadas à Tonnelerie de Champagne para o fabrico das barricas cuja certificação oficial Argonne alcançou. Ao mesmo tempo, lançou-se na recuperação da floresta de Argonne, abandonada a partir dos anos 60 do século XX, assumindo, perante a organização florestal do estado francês, a sua gestão. Como resultado, a casa Henri Giraud patrocinou a replantação em Argonne de 50.000 árvores nos últimos 10 anos.
A empresa orgulha-se de ser a única casa de Champagne a utilizar exclusivamente barricas da floresta de Argonne. E não são poucas. Na cave alinham-se cerca de 2000 barricas, usadas durante apenas 8 a 10 anos, para fermentar e estagiar os vinhos base que irão ser espumantizados, contribuindo decisivamente para a cremosidade, complexidade e carácter “boisé” dos champanhes Henri Giraud. Para algumas cuvées mais singulares, a empresa usa igualmente pequenas ânforas de grés (arenito com terracota e caulino), no sentido de potenciar a micro-oxigenação e interacção do vinho base com as borras finas. Outro factor distintivo é a baixa pressão dos seus Champagnes, a rondar os 3,6 bar (o mínimo legal é 3,5 bar e a média em Champagne anda pelos 5,5 bar), o que acentua a voluptuosidade e sensação de volume dos vinhos.
Expulso da fermentação, na Henri Giraud o inox mantém, no entanto, uma função: conservar intocada aquela que é um dos grandes ex libris da casa, a chamada “reserva perpétua”, constituída a partir de 1990 e considerada como um “segredo de família”. Consiste em 28 tanques quadrangulares, de 10 mil litros cada um, enterrados no solo, contendo vinhos velhos sem sulfuroso e com dezenas de anos de idade. A uma temperatura constante de 10,5ºC, estes vinhos não “mexem”, envelhecendo com enorme lentidão. Em cada ano, 20% do vinho velho é retirado para o blend, sendo atestado com vinho novo.
No entanto, o carácter dos champanhes Henri Giraud não começa na cave, mas sim na vinha e, em particular, no terroir de Ay. A quase totalidade é Pinot Noir de encosta (nada de Pinot Meunier) com uma pequena quantidade de Chardonnay de zonas mais baixas do vale do Marne. Toda a uva utilizada tem origem no Grand Cru, com uma camada superficial (por vezes 20 centímetros) de terra arável sobre a rocha de giz, profundamente calcária. Cerca de 10 hectares pertencem à empresa, trabalhando 30 hectares de outros proprietários, mas com o seu próprio pessoal.
Cuidado com o detalhe
Este cuidado com o detalhe associado a uma identidade muito própria é algo que tem sido possível manter graças à pequena dimensão (entre 300 e 350 mil garrafas/ano) e ao carácter intrinsecamente familiar: para além de Claude Giraud, os outros pilares da empresa são sua filha Emmanuele Giraud, na gestão, e o seu genro Sébastien Le Golvet, enólogo principal.
“Ne s’interdire à rien, ne s’obliger à rien, faire du bom vin naturellement” (não se proibir de nada, não se obrigar a nada, fazer o bom vinho naturalmente) era o lema de Henri Giraud, que os seus descendentes têm procurado seguir. A tradição e a inovação coexistem bem neste conceito, como o demonstram os vinhos que Stephane Barlerin, director comercial da casa, nos apresentou recentemente e onde se incluem, para além de champanhes de primeiríssima linha, uma Ratafia Champenoise, ou seja, uma irreverente e imprevista…jeropiga, criada por Claude para acompanhar o seu charuto. “Fazemos vinhos complexos, mas não complicados”, diz Stephane. Para Portugal estão alocadas 3000 garrafas de Champagne Henri Giraud. É aproveitar.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)