O Tannat do Gradil

E assim, para celebração de um quarto de século de gestão de Luís Vieira, bem como do seu interesse em castas diferentes, exóticas, pouco trabalhadas e exploradas, aliado ao seu compromisso com a qualidade e a diferenciação, nos reunimos no passado no fantástico Restaurante Federico, no Palácio Ludovice Wine Experience Hotel, para uma degustação das […]
E assim, para celebração de um quarto de século de gestão de Luís Vieira, bem como do seu interesse em castas diferentes, exóticas, pouco trabalhadas e exploradas, aliado ao seu compromisso com a qualidade e a diferenciação, nos reunimos no passado no fantástico Restaurante Federico, no Palácio Ludovice Wine Experience Hotel, para uma degustação das melhores Colheitas de Tannat, incluindo a inicial, de 2009, até uma amostra da próxima colheita a sair para o mercado, do ano 2022.
As mais antigas referências à Quinta do Gradil remontam ao Século XV, mais precisamente a 14 de fevereiro de 1492. Mais de cinco anos antes de Vasco da Gama partir para a Índia (!), um Documento Régio de D. João II registava a doação da jurisdição e rendas do Concelho do Cadaval e da Quinta do Gradil a D. Martinho de Noronha. A propriedade esteve depois nas mãos da Casa de Bragança, sendo um importante couto de caça da realeza, nunca tendo, no entanto, aquelas terras deixado de produzir uva e vinho.
O Século XIX seria marcado por D. Maria do Carmo Romeiro da Fonseca, que herdou a Quinta da Gradil de seu pai, construiu o imponente palácio amarelo e transformou a propriedade numa exploração agrícola, onde o vinho teria o papel principal. Curiosamente, a sua filha acabaria por casar com o futuro Marquês de Pombal, descendente do mesmo Sebastião José de Carvalho e Melo que, um século antes, tinha tentado arrancar as vinhas do Gradil para favorecer a cultura de cereais e, por outro lado, interesses próprios no Douro, ligando assim a propriedade aos Marqueses de Pombal, a quem pertenceu durante uma parte do Século XX, até ser vendida, em 1963, a uma sociedade liderada por Isidoro Maria d’Oliveira, lavrador, homem de cultura e poeta. O vinho continuou a ocupar o papel principal na produção e a abastecer o crescente mercado de Lisboa.
O Século XXI é o Século de Luís Vieira, que adquiriu a Quinta em 1999. Com uma herança familiar ligada ao comércio de vinho desde 1945, Luís Vieira aprendeu com o avô, António Gomes Vieira, todos os segredos do negócio. Foi através dele que herdou a paixão pelo vinho que ainda o move até aos dias de hoje. Líder da Parras Wines, um dos maiores Grupos do Sector do Vinho de Portugal, Luís Vieira comprou a Quinta do Gradil com um objetivo claro: torná-la no porta-estandarte do Grupo na região de Lisboa. Para tal, apostou na total reabilitação da vinha com castas nacionais e internacionais, e na produção de vinhos de qualidade e diferenciadores.
Uma referência na casa
O primeiro exemplar de Tannat remonta à vindima de 2009, com lançamento em 2013 e, desde então, tem-se afirmado como um marco na história dos vinhos da Quinta do Gradil. Na primeira colheita (2009) e na seguinte (2014), a casta Tannat surgia em blend com 15% de Touriga Nacional. Desde 2015, este vinho assume-se como monovarietal e um claro espelho do perfil da casta e do carácter atlântico do terroir onde nasce. A variedade Tannat é proveniente de França, mais precisamente de uma região localizada próxima aos Pirenéus, chamada Madiran.
Porém, foi no Uruguai que a variedade ganhou notoriedade, tendo sido introduzida no país por volta de 1870, por um basco pioneiro produtor de uvas chamado Pascual Harriague (nome pela qual a Tannat também passou a ser conhecida naquela origem!). Repousando no Oceano Atlântico entre os Paralelos 30º e 35º, o Uruguai compartilha a mesma latitude com as principais regiões vinícolas do hemisfério sul.
A Tannat foi a casta tinta que melhor se adaptou às condições de solo e clima do Uruguai. É, como já referimos, uma variedade de origem francesa, que acabou por ganhar muita expressão no Uruguai. Esta tipologia de uva dá origem a vinhos taninosos, com carácter, bastante corpo e estrutura, grande intensidade de cor, aromas a frutas escuras, especiarias e chocolate, com óptima concentração. É uma casta exigente em termos de solos e clima, mas que, no terroir da Quinta do Gradil, tem apresentado uma consistência qualitativa e um equilíbrio surpreendentes, como pudemos verificar durante esta prova.
A Quinta do Gradil está situada no concelho do Cadaval, ocupando uma área de 200 hectares, dos quais 120 plantados com vinha. A sua localização privilegiada, entre a serra de Montejunto e o mar, permite tirar partido da influência atlântica, determinante para o equilíbrio ácido e frescura dos vinhos, mas, ao mesmo tempo, usufruir de um bom número de horas de sol, importante para a conveniente maturação das uvas. A argila e o calcário formam a matriz principal dos solos da propriedade, onde encontramos plantadas uma grande diversidade de castas, brancas e tintas. Umas são naturais da região ou estão ali aclimatadas desde há séculos, dando origem a vinhos de vincado carácter regional: é o caso das emblemáticas uvas brancas Arinto e Fernão Pires. Outras, são de presença mais recente no local, mas acabaram por se revelar surpresas muito positivas, pela forma extraordinária como se adaptaram a este terroir. Aconteceu com as castas brancas Viosinho, Alvarinho e Sauvignon Blanc e a tinta Tannat. Por seu lado, as variedades Chardonnay, Syrah, Alicante Bouschet ou Touriga Nacional, por exemplo, são castas que, na Quinta do Gradil, mostram sempre grande consistência qualitativa.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)
Caves São João: Serena é a mudança

A inovação e criatividade sempre foram uma forma de estar das Caves São João. As influências do melhor que se fazia lá fora eram trazidas pelos seus fundadores, homens viajados e cosmopolitas. Na segunda metade do século XX, todo o país conhecia e reconhecia as referências “Frei João” e “Porta dos Cavaleiros”, rótulos que encimavam […]
A inovação e criatividade sempre foram uma forma de estar das Caves São João. As influências do melhor que se fazia lá fora eram trazidas pelos seus fundadores, homens viajados e cosmopolitas. Na segunda metade do século XX, todo o país conhecia e reconhecia as referências “Frei João” e “Porta dos Cavaleiros”, rótulos que encimavam todas as mesas da restauração portuguesa. Em 1971, antevendo as mudanças do paradigma de consumo de vinhos e espumantes e o surgimento de consumidores que procuravam maior identidade nos vinhos, é adquirida a Quinta do Poço do Lobo, no concelho de Cantanhede e, a partir dali, nasce a marca homónima, passando as caves a possuir vinhos de Quinta.
Como empresa familiar, a Sociedade dos Irmãos Unidos, designação social da mesma, sofreu os reveses das querelas internas. No final da segunda década deste século entrou num período mais conturbado, acabando, por vicissitudes várias, a ser alienada a quase totalidade do capital social a um conjunto de investidores em 2022. A partir daí, aguardavam-se as mudanças que os novos sócios, da área imobiliária e financeira, iriam imprimir à empresa centenária e que é a mais antiga em atividade na Bairrada. Fernando Sapinho, Enrique Castiblanques, Mário Vigário, Nuno Ramos, Paulo Morgado e Mário Mateus, são empresários em diversos ramos de atividade. O vinho surge-lhes como uma paixão racional de quem olha para as Caves São João como um diamante a lapidar.
No centro destas mudanças, ficou Célia Alves, ela que em tempo de marés violentas e tormentas várias, não largou o leme de uma marca secular e histórica, não permitindo que, em momento algum, ficasse à deriva.
Serenamente, os últimos anos foram de restruturação, dando uma nova luz à empresa que, com os seus fundadores, esteve no passado ligada à criação da região demarcada da Bairrada e à Confraria dos Enófilos da Bairrada, que, curiosamente, teve na sua liderança nos últimos anos Célia Alves, que mantém a gerência das Caves conjuntamente com os ativos sócios Fernando Sapinho e Enrique Castiblanques
No passado dia 24 de Junho, Dia de São João, as Caves São João destaparam o véu da revolução tranquila que têm operado, celebrando o seu 104º aniversário com várias novidades. A maior, e porque o palco escolhido para os festejos foi a Quinta do Poço do Lobo, revelou-se na expansão que aquela propriedade teve com esta nova estrutura societária. Ao longo dos últimos dois anos, entre reconversão de área de floresta em vinha e aquisição de parcelas contíguas, houve um aumento da área de vinha em 10 hectares, que se somam aos 30 já existentes. Com o aumento da produção de espumante no horizonte, nascem ali novas plantações das castas brancas Bical, Arinto e Maria Gomes (Fernão Pires).
Do Poço do Lobo ao Porta dos Cavaleiros
A casa, que mantém o classicismo que sempre a caracterizou, não descura o arrojo e ousadia e, na apresentação dos novos vinhos, mostrou que segue de perto as tendências e, para isso, não deixou de surpreender. O Baga Novo Natcool, um tinto da colheita de 2022, mostra toda a irreverência da casta, num vinho disruptivo mas totalmente assertivo. Nascido de uma parceria com a Niepoort, empresa familiar que possui relações comerciais com a empresa bairradina que remontam a meados do século XX, rompe com estigmas e mostra o quanto a Baga em jovem é capaz de criar vinhos absolutamente emocionantes. Nos espumantes, deu-se a conhecer a nova edição do Quinta do Poço do Lobo, na sua versão rosé, da colheita de 2021 e já com mais de 24 meses de estágio. Aqui reinam, num blend que casa com sucesso, a Baga e o Pinot Noir.
Os Porta dos Cavaleiros, marca criada nos anos 60 do século passado, consagrando a investida da empresa bairradina na região do Dão, surgem agora totalmente renovados, impondo, na rotulagem, um maior sentido histórico e arquitetónico, onde o monumento representativo – Porta dos Cavaleiros, como uma das medievais portas da cidade de Viseu – ganha um maior rigor e sentido iconográfico. Nos vinhos, a tradição mantém-se. As Caves adquirem os melhores lotes de tintos e brancos produzidos no Dão e, à maneira antiga, procedem à sua “afinação”, lançando-os no mercado. As duas propostas apresentadas foram o Porta dos Cavaleiros tinto 2022, e o Porta dos Cavaleiros Reserva Especial branco, este uma categoria rara no Dão, apenas ao alcance dos vinhos que se destacam em enorme qualidade na câmara de provadores.
Crescer, solidificar mercados, impor-se como marca de prestígio, aumentar área de vinha e ser um verdadeiro referencial da Bairrada do futuro. Este é o caminho que as Caves São João tão bem está a trilhar para este segundo século de vida que se segue.
Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)
Vale da Mata: O vinho da minha terra

Começo pelo óbvio. Eu sou das Cortes. Nasci ali há 56 anos e dali saí com 17 para estudar em Lisboa, onde passei a viver. A casa dos meus pais era em frente à Adega Cooperativa, onde na minha meninice passava horas a ver os tractores com atrelados carregados de uvas à espera de vez […]
Começo pelo óbvio. Eu sou das Cortes. Nasci ali há 56 anos e dali saí com 17 para estudar em Lisboa, onde passei a viver. A casa dos meus pais era em frente à Adega Cooperativa, onde na minha meninice passava horas a ver os tractores com atrelados carregados de uvas à espera de vez para as entregar. A fila ocupava a rua toda, e o processo prolongava-se noite adentro. Já maiorzito, tinha autorização para ir lá ver o que acontecia. Tudo muito industrial, um guindaste que pegava nas tinas de ferro e as despejava para um tegão onde um sem-fim as transportava para um buraco obscuro. Dali se fazia um vinho tinto que chegou a ter algum destaque, principalmente quando a colheita de 1980 conquistou um prémio nacional. Ainda tive a sorte de provar essa colheita, que era realmente bem boa.
As Cortes é uma aldeia (antes freguesia) pequena perto de Leiria. Demasiado perto talvez, uns 5km subindo o rio Lis, ficando assim entre Leiria e Fátima. A proximidade de certa forma impediu a aldeia de crescer, porque os filhos e netos dos habitantes facilmente saíam para Leiria ou outras cidades, mantendo a população estável, mas reduzida. Há alguma pequena indústria, alguma agricultura, muito baseada na fertilidade da várzea do Lis. Hortas e pomares, principalmente. As vinhas, de subsistência, ficavam situadas nas encostas, e originavam tradicionalmente vinhos pouco interessantes, acídulos e ligeiros. Mesmo assim, entre as freguesias locais, os vinhos tinham alguma fama, e não raras vezes no estrangeiro, falando com algum conterrâneo, logo me perguntavam se não tinha “vinho das Cortes.” Não, não tinha. Com terrenos férteis, castas predominantes Tinta Roriz, Baga e Castelão, e uma bem disseminada ignorância sobre enologia, o resultado era fraquito. Apesar disso, foram-se instalando empresas de vinhos ali perto, sendo a mais famosa as Caves Vidigal, que tem vinhos de várias origens, mas suponho que poucas uvas serão locais. Muito perto também fica a Quinta da Serradinha, pioneira de vinhos biológicos e agora estrela cintilante no universo alternativo dos vinhos alternativos. Um dia ainda tentarei escrever essa outra história.
A Adega Cooperativa reclamou várias vidas nos seus processos de elaboração de vinhos, com inúmeros acidentes fatais que muito incomodam a memória de uma aldeia pequena. Foi fazendo o seu negócio de vinho engarrafado em garrafa e muito em garrafão “palhinhas”, até que um dia tomou a decisão de fechar, e parece-me que não se perdeu muito. As instalações, muito centrais na aldeia, ao pé da famosa nora que é o seu ex-libris, foram até demolidas.
Uma nova vida
Este era o panorama do vinho das Cortes. Era, porque um dia chegou a Catarina Vieira com o seu pai, o saudoso Eng. José Ribeiro Vieira, e tudo mudou. As Cortes passaram a ter um novo vinho, chamado Vale da Mata. Foi lançada em 2010 a primeira colheita, de 2007. Podem imaginar a minha surpresa. O Eng. Vieira era um homem especial, um cidadão extremamente influente nas Cortes. Lembro-me dele desde a minha infância. Homem com uma presença incrível, irradiava segurança e humanidade. Empreendedor, criou negócios em vários sectores, incluindo o cultural, com uma livraria muito activa em eventos, e um jornal diário, o Jornal de Leiria. Para o mundo dos vinhos, interessa a compra da Herdade do Rocim, em 2000, 100ha na Vidigueira, desenhada para ser gerida pela filha, a enóloga Catarina Vieira.
Para a nossa história de hoje, temos de voltar atrás, e procurar os caminhos dos afectos. Catarina desde muito tenra idade passava muitos dias com os avós. O seu avô, Manuel Alves Vieira, levava as netas a passear nos campos, e explicava que das suas vinhas do Vale da Mata vinha o melhor vinho que fazia. Catarina teve aí o primeiro contacto com o que haveria de ser a sua vocação.
Estudou enologia no ISA, onde foi aluna de Amândio Cruz, mais tarde, desde 2003, consultor nos seus projectos de viticultura. Estagiou ainda em Itália, o que foi importante para estimular a sua veia experimentadora e de descoberta.
A sensibilidade e humanidade do pai Eng. Vieira levou-o a comprar para Manuel uma série de pequenos talhões de onde vem hoje o vinho Vale da Mata. Não é exactamente o talhão original. Quando neste princípio do Verão aceitei o convite para visitar os 4 hectares de vinhas nas encostas do Lis entre as Fontes e o Pé da Serra, a minha mãe ficou a espreitar da janela, nos Lourais, tentando sem sucesso mostrar aos meus filhos onde eu estava. A minha mãe, portanto, lembra-se do Vale da Mata original, mais chegado à Senhora do Monte, ao Pé da Serra. Hoje a vinha está mais abaixo, foi plantada em 2006 e o avô Manuel ainda se pôde orgulhar muito dos seus frutos, até ao seu falecimento em 2014. O avô Manuel é que deu nome ao vinho, em memória das suas velhas vinhas ali perto.
O vinho das Cortes, portanto, ressuscitou, e esta influência espalhou-se pelo resto da aldeia. Catarina conta que as pessoas das Cortes lhe telefonam, pedem conselhos e ajuda, vão plantando vinhas e elas vêem-se ali em volta, bonitas e bem cuidadas. As Cortes são conhecidas na região por serem um bom destino gastronómico, com vários restaurantes e tasquinhas tradicionais. O Vale da Mata começou a espalhar-se também por esta via, tornando-se o vinho local que se ligava à cultura gastronómica local. Um prazer sempre, encontrar vinhos do sítio onde se está, uma coisa rara poucas vezes apreciada em Portugal, onde apesar de tudo é frequente. Nas Cortes não é, e os locais orgulham-se hoje de terem o seu vinho, e os visitantes valorizam esse prazer.
Vinho e arte
Como cortesense, logo me enchi de orgulho do Vale da Mata, e passei a consumi-lo com regularidade. Acompanhei o seu progresso, e foi todo impante que visitei a vinha com Catarina Vieira e Pedro Ribeiro, o casal de enólogos do Rocim, e Amândio Cruz, consultor do projecto. Explicaram-nos as circunstâncias da vinha e seu terroir, e como lidar com as suas especificidades. Virada a Sul, protegida por serras e bem drenada para evitar excesso de humidade, está plantada com 3ha de Aragonez e Touriga Nacional e 1ha de Arinto, Vital e Viosinho. Decorre neste momento uma experiência de poda radical no princípio do Verão, deitando tudo abaixo incluindo cachos. Chama-se “crop-forcing”. Na Vidigueira são 1,5ha, aqui apenas uma linha com cerca de 100 cepas. Esta poda mega-precoce faz com que a vinha faça um “reset”, recomeçando tardiamente o ciclo e fazendo amadurecer as uvas nos meses onde o maior calor já passou. A expectativa é obter vinhos menos alcóolicos e com maior acidez natural, fintando assim os efeitos do aquecimento global. Vamos esperar para ver!
Entretanto, visitámos o Espaço Serra, mais uma criação de mecenato cultural do Eng. Vieira. Uma casa que ganhou o seu nome, onde são recebidos artistas de várias artes para em comum e com liberdade explorarem os seus vários misteres e mistérios. Para se ver a dimensão ambiciosa do projecto, bastaria dizer que os Silence4 começaram aqui os seus ensaios, há cerca de 30 anos. A casa e espaços circundantes ficam no lugar de Reixida (os cortesenses pronunciam “Arraxida”), onde era antes uma muito poluente fábrica de curtumes. Melhor assim, que foi numa curva do Lis que aprendi a nadar. Sabe-se lá o que aqueles químicos me fizeram… Hoje há espaço para residências artísticas, ateliers, estúdios, pequenos stands de valências diversas, como artes plásticas, cerâmica (cf. Cartolina Limão), construção de guitarras (fascinante trabalho do luthier Miguel Bernardo, um poeta das madeiras), música. Dão apoio a novas bandas, escolas, etc. Há ainda parcerias com outras entidades, como a Casota Collective, presidida por Miguel Ferrás, e ligada à música, por exemplo o festival Nascentes, nas Fontes (lugar onde nasce o Lis). Interessados, basta procurar o site na internet e enviar candidatura.
Já vai longo este desabafo, vão-me perdoar. O almoço servido por Alexandre Silva mostrou mais uma vez a sua sensibilidade para uma cozinha elegante e rigorosa, e a ligação com os vinhos estava perfeita. Provámos colheitas antigas e recentes, mostrando que o vinho suporta bem a prova do tempo. É coisa rara provar vinho das Cortes, e eu não tinha a noção do bem que estes vinhos se mostram passados 15 ou mais anos. Para mim, sempre vinho das Cortes, e não o Regional Lisboa que ostenta no rótulo e sempre me causou estranheza, sendo eu das Cortes, tão longe de Lisboa, e vivendo em Lisboa há quase 40 anos. Até porque a região tem a sua Denominação de Origem, Encostas de Aire. Lisboa para mim é outro sítio, as Cortes é a minha terra.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)
Van Zellers & Co: Os velhos Porto de Cristiano

Uma apresentação feita por Cristiano tem sempre um carácter especial. É que o apresentador – que parece ter nascido com a qualidade rara de saber prender a atenção da plateia – pertence àquele grupo de pessoas que tem a árvore genealógica da família na cabeça e debita nomes de primos que casaram com trisavós e […]
Uma apresentação feita por Cristiano tem sempre um carácter especial. É que o apresentador – que parece ter nascido com a qualidade rara de saber prender a atenção da plateia – pertence àquele grupo de pessoas que tem a árvore genealógica da família na cabeça e debita nomes de primos que casaram com trisavós e tetravós que já eram Cristianos e que deram origem a Guedes, a Roquettes e várias outras famílias que ainda hoje identificamos como estando associadas ao vinho e, em especial, ao vinho do Porto. É difícil seguir o raciocínio, mas a coisa resulta curiosa, desde que não se acredite que, não fora os van Zeller, e o vinho do Porto não existiria!!!
Especiais e raras
O motivo da apresentação prendeu-se com colocação no mercado de vinhos do Porto muito velhos. Esta é uma tendência que vem ocorrendo no sector de desde há mais de uma década: valorizar os vinhos muito velhos, vendê-los caros como merecem e, no caso das edições realmente especiais e raras, criar uma embalagem que dignifique o produto. Foi tudo isso que a família van Zeller fez e, no caso dos três vinhos do Porto do século XIX, com o apoio dos artesãos que tão bem trabalham a prata, como a Leitão & Irmão, cuja oficina e trabalho extraordinário tivemos a rara felicidade de poder conhecer in loco. Ali ficámos a conhecer maquinaria que deve ter muitas décadas e que continua em uso, e artesãos que precisam de 10 anos de trabalho para ascenderem à categoria de Mestre. Uma trabalheira! Foi ali que foram feitas as gargantilhas das garrafas.
Por sua vez, estas foram feitas à mão, um trabalho já raro dos vidreiros da Atlantis. O resultado são embalagens magníficas que enobrecem os vinhos que contêm, melhorados pelo trabalho de design criado por Rita Rivotti. Provámos todos e, claro, não há escala para os classificar porque a escala que usamos na Grandes Escolhas termina em 20. Mas se terminasse em 100 ou 200, a dificuldade era a mesma. Os três vinhos são vendidos em conjunto, numa caixa extremamente cuidada e são disponibilizados pelo valor de €22000. Para já são 75 conjuntos, sendo que uma já foi leiloada no ano passado, em Londres, e o valor foi destinado para a fundação Gerard Basset. São vinhos difíceis de datar por não haver registos, ainda que se pense que correspondem a Porto de 1860, 1870 e 1888. Aqui começaram as dúvidas da família: o que é que lhes vamos chamar, como é que os vamos vender, o que se pode fazer para reforçar a qualidade e fama dos portos velhos?
Para encontrar um momento comemorativo, Cristiano e Francisca procuraram, quer na história de Portugal quer na mundial, factos que pudessem ser associados àquelas datas. Chegaram assim a três momentos que identificam os vinhos: 1860 – Crafted by Liberty – ano da eleição de Abraham Lincoln; 1870 – Crafted by Family – ano do casamento dos trisavós de Cristiano e 1888 – Crafted by Poetry – ano do nascimento de Fernando Pessoa. Os outros vinhos – Colheitas em branco e tinto – vêm todos com a indicação Crafted by Time. Quando são lançados Vintages e LBV (que já estão no mercado e foram objecto de anterior apresentação) trazem a indicação Crafted by Nature.
Stock mínimo
A Van Zeller & Co. é, agora, depois da reorganização de 2017, um negociante, com stock mínimo. No caso dos vinhos do Porto antigos, cujas notas de prova apresentamos de seguida, a empresa dispõe de um stock de 35000 litros, adquiridos quer à Casa do Douro, onde continua a existir um enorme stock de vinhos, quer a lavradores, sobretudo do Baixo Corgo, a sub-região onde continua a ser possível encontrar vinhos velhos. Estes vinhos estão conservados em inox, recipiente óptimo para estes néctares antigos, porque não há evaporação e os vinhos não perdem álcool.
Em termos de modelo de negócio, os vinhos DOC Douro representam metade da facturação da empresa. Como nos disse Cristiano, “o vinho do Porto ganha protagonismo com os vinhos velhos.
Numa época de diminuição de consumo, o sector tem de apontar para as gamas altas e não apenas para os vinhos de entrada.” A empresa vai lançar agora os Reservas – White, Ruby e Tawny e um Crusted – um Porto que resulta de um lote de vários anos de Vintage, por norma dois ou três. Cristiano afirma que o sector apenas produz 4000 caixas de 12 garrafas deste tipo de Porto. A apresentação decorreu nas instalações dos Joalheiros em Lisboa, no Chiado. Local mais do que apropriado.
(Artigo publicado na edição de Setembro 2024)
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Van Zellers & Co
Fortificado/ Licoroso - 1934 -
Van Zellers & Co
Fortificado/ Licoroso - 1935 -
Van Zellers & Co
Fortificado/ Licoroso - 1940 -
Van Zellers & Co
Fortificado/ Licoroso - 1950 -
Van Zellers & Co
Fortificado/ Licoroso - 1968 -
Van Zellers & Co
Fortificado/ Licoroso - 1976 -
Van Zellers & Co
Fortificado/ Licoroso - 1989
A Sucessão de António Saramago

A vida de António Saramago, enquanto enólogo, – as regiões por onde passou, as experiências que adquiriu, as técnicas que desenvolveu – dava para escrever um livro. Mas não teve tempo para isto, pois estava sempre ocupado a produzir vinho, com grande entrega e paixão. Começou a trabalhar em 1962, quando foi admitido na José […]
A vida de António Saramago, enquanto enólogo, – as regiões por onde passou, as experiências que adquiriu, as técnicas que desenvolveu – dava para escrever um livro. Mas não teve tempo para isto, pois estava sempre ocupado a produzir vinho, com grande entrega e paixão.
Começou a trabalhar em 1962, quando foi admitido na José Maria da Fonseca. Na altura tinha apenas 14 anos. Mais tarde estudou enologia em Bordéus e é num dos enólogos mais antigos de Portugal. A partir dos anos 80 fazia consultadoria enológica em várias regiões do nosso país e foi responsável por alguns dos vinhos bem aclamados, como o Terras do Suão ou Tapada de Coelheiros, já sem falar no seu trabalho diário integrado na equipa de enologia de José Maria da Fonseca.
“Há um vinho que todos bem conhecem, mas o meu nome não está lá. Estava sempre escondido” – explica António Saramago. Sempre discreto, procurando rigor no seu trabalho, nunca perseguiu a fama. “A visibilidade, para mim, existe quando as pessoas provam os meus vinhos e dizem que são bons”, diz o enólogo com um ar calmo, mas convicto.
Outra convicção profissional consiste na dedicação. Estar presente, para António Saramago, é imprescindível, mesmo que isso implique viagens e deslocações. “Não faço vinhos por telefone. E, na vindima, estou sempre na adega, sejam sábados, domingos ou feriados.”
A discrição na postura não impediu que a ambição, vinda da alma, levasse à criação do seu próprio projecto. Com 40 anos de experiência, fundou, em 2002, a empresa familiar, com a sua esposa e filhos, a António Saramago Vinhos. “Queria fazer vinhos que tivessem o meu cunho e o meu nome no rótulo.” E sempre se manteve fiel ao seu estilo, assente na concentração, estrutura, estágios prolongados e uso de boas barricas.
Reconhece que os tempos podem mudar, mas nunca deixou que modas e tendências lhe desvirtuassem o caminho. “As regiões não podem ser estanques, nem os produtores, mas têm de ter uma identidade. Eu sou conhecido pelo quê?”, pergunta, deixando uma pausa no ar porque a resposta é óbvia, o estilo e o carácter dos vinhos de António Saramago são evidentes.
Por muitos vinhos que tenha feito em Portugal e no sul de Brasil, onde também tem trabalhado desde há 14 anos, o seu nome estará sempre ligado à casta Castelão. E nesta prova tivemos o privilégio de reviver alguns dos seus vinhos emblemáticos.
O enólogo, fundou, em 2002, já com 40 anos de experiência, a empresa familiar com a sua esposa e filhos, a António Saramago Vinhos.
Castelão e não só
O António Saramago Superior 2016 é proveniente de uma vinha muito antiga, não regada. Cada cepa traz dois a três cachos muito concentrados. Passou 18 meses em barrica nova e dois anos em garrafa. Hoje em dia é raro um produtor esperar pelo vinho. Tem fruta macerada e ervas aromáticas esmagadas, especiaria abundante, leve farmácia e notas balsâmicas e compotadas, para além de vegetal seco. Boca compacta, tanino apertado e bem presente, projectando, no palato, pó de mostarda, pimenta preta, louro, café e notas de soja.
A seguir foi o 2013, em magnum, da mesma vinha, mas de um ano mais quente. Ambiente de fruta escura, muito concentração no nariz, vegetal quase a lembrar pimenta verde. Bonito nesta sua austeridade, com muito estilo e carácter a revelar cerejas, amoras, mentolado e balsâmico, sous bois e musgo. Envolvente, logo no início agarra bem com tanino. Certa rusticidade não escondida dá-lhe carácter.
O AS 2015 é a segunda edição (depois do 2009). Provém de uma vinha jovem com muita potência. Lote com Touriga Nacional, Alicante Bouschet e um pouco de Cabernet Sauvignon. Muita especiaria no nariz, chocolate negro, balsâmico, eucalipto e alfarroba. Mastigável, tanino potente e muito aveludado na textura. Boca ampla, menos rugoso do que os Castelão puros. Final especiado e longo.
Estes vinhos já foram provados pela Grandes Escolhas em alturas diferentes e as respectivas notas de prova podem ser consultadas no site ou na aplicação. O momento alto da prova foi claramente o Sucessão Reserva Especial 2014.
“Tenho 76 anos. Não me considero velho, mas quando caminhamos para uma certa idade, pensamos noutras coisas da vida. A minha mãe morreu sem conhecer os netos. Eu tenho a felicidade de ter quatro: António, Maria, Filipe e Guilherme”, disse com ternura na voz.
É aos netos que quer dedicar o seu tempo a partir de agora e a eles dedicou o seu grande vinho, que foi pensado já há muito tempo e lançado só agora. “Para mim este é um dos melhores vinhos que bebi na minha vida” – resume sem falsas modéstias.
Feito de Castelão e Alicante Bouschet dos solos arenosos da Península de Setúbal, teve estágio prolongado, de 72 meses, em barricas de carvalho francês e mais 24 meses em garrafa. Foram produzidas apenas 900 unidades.
A seguir foi também apresentado o Moscatel Roxo de Setúbal 10 Anos que estagiou em barricas recuperadas do vinho tinto. Foi tudo raspado, mas não queimado para não conferir tosta ao vinho. Foram produzidas apenas 1000 garrafas. E, por fim, apetece citar António Saramago a declarar que “vinho é das melhores coisas que a natureza nos deu”. Quem dirá o contrário, depois de uma prova destas?
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)
JUSTINO’S: De olhos no futuro sem esquecer a tradição

Se as (boas) tradições existem para se manter, as experimentações e inovação são formas de dinamizar o presente e projectar o futuro, até porque as condições sócio-económicas estão em constante mudança e é preciso acompanhar e, de certa forma, antecipar estas alterações. Foi o tema de conversa com o Director Geral e enólogo da casa, […]
Se as (boas) tradições existem para se manter, as experimentações e inovação são formas de dinamizar o presente e projectar o futuro, até porque as condições sócio-económicas estão em constante mudança e é preciso acompanhar e, de certa forma, antecipar estas alterações. Foi o tema de conversa com o Director Geral e enólogo da casa, Juan Teixeira e Nuno Duarte, que é responsável pelos seus vinhos tranquilos, Colheitas e Single Cask da Justinos, ao longo de dois dias de visitas à adega e às vinhas e das provas, onde a vertical de Frasqueiras foi absolutamente memorável.
A história da Justino’s começou numa pequena empresa familiar, fundada em 1870. Hoje, juntamente com Henriques & Henriques, integra um dos maiores grupos internacionais de bebidas, La Martiniquaise e, juntas, representam cerca de 60% de volume de produção e vendas dos vinhos da Madeira.
A Justino’s produz 1.400.000 garrafas anualmente, incluindo os vinhos não fortificados com os designativos DO Madeirense e IG Terras Madeirenses, onde também se enquadram os pequenos projectos de edições ultralimitadas, explorando determinadas parcelas e técnicas de vinificação. Neste âmbito, foram apresentados, em estreia absoluta, dois vinhos tranquilos com forte sentido do lugar.
Fanal é uma marca de 1935, cujo nome é inspirado num sítio de grande beleza paisagística – um planalto a mais de 1000 metros de altitude, muitas vezes coberto de nevoeiro, que transforma as figuras das árvores numa floresta encantada. Para a marca Fanal fazem vinhos provenientes das uvas (no caso dos vinhos tranquilos) ou dos cascos (no caso dos fortificados) das proximidades desta zona. Assim, as uvas de Sercial vêm da Fajã do Barro, Porto Moniz, onde a casta é plantada em espaldeira, com viticultura biológica praticada por um casal de viticultores em parceria com a Justino’s. Uma parte do lote estagiou em barrica semi-nova de 700 litros. Deste vinho, intenso e assento na acidez, foram produzidas apenas 1.266 garrafas.
A casta Listrão vem de dois viticultores do Porto Santo. É uma variedade muito cara, dada a quantidade mínima existente e a subida de procura. Na última vindima os preços chegaram a 4,20€/kg, que é praticamente o dobro de outras castas brancas, cujos preços rondam 2,40-2,50 €/kg. As uvas chegam refrigeradas do Porto Santo. Metade vão inteiras para prensa e outra metade faz maceração pelicular de seis horas para extrair algum aroma, pois a casta é bem neutra. Estagia em inox e em carvalho francês usado de 500 l. Resulta num vinho comedido na acidez, com um perfil delicado. Só foram produzidas 1.303 garrafas.
Os projectos mais arrojados vão para além do vinho: nos planos está o lançamento de rum estagiado em cascos de Verdelho e cerveja.
O investimento previsto também visa melhorias na parte de produção da adega e a construção de um novo armazém de barricas. No Funchal, ao pé do teleférico para a freguesia do Monte, será aberto um centro de visitas com uma sala de provas, uma garrafeira, um museu, um centro de formação e alojamento local. Está programado para abrir no final de 2025.
Juan Teixeira, director geral e enólogo da Justino’s, com Nuno Duarte, enólogo responsável pelos Vinhos Tranquilos, Vinhos Madeira Projects e Premium
A realidade insular
A realidade da viticultura na Madeira prende-se com a sua insularidade. Não se pode falar de um ano bom na Madeira… Tem de se especificar o sítio exacto onde foi… O minifúndio (O maior viticultor tem 10 ha, mas, normalmente, a área por viticultor não ultrapassa 0,3 ha) reflecte-se em múltiplas entregas, que chegam a ser duas mil por vindima, que dura da 3ª semana de Agosto à 2ª semana de Outubro. Dos 4 milhões de quilos de uva existente na Madeira, a Justino’s fica com 1,5 milhões.
Mas o número de viticultores está a diminuir a olhos vistos. Ainda em 2000 havia 2400. Agora são cerca de 1100. Os jovens não estão interessados nesta actividade e é extremamente importante fixar os viticultores no campo, para não abandonarem as vinhas.
Por outro lado, a viticultura agora é mais cuidada. Antigamente as empresas escolhiam a uva à porta da adega. Agora acompanham o produtor e escolhem o dia da vindima. A Justino’s trabalha com cerca de 700 viticultores, 50 dos quais acompanha por perto, ajudando a melhorar as suas práticas de viticultura.
Na adega, também antigamente, havia menos cuidados com os mostos porque o vinho, de qualquer forma, ia sofrer uma transformação. Agora procura-se que esteja analiticamente bem no momento de aguardentação. Por exemplo, as prensas pneumáticas vieram substituir as prensas contínuas, permitindo, logo na origem, obter o mosto de melhor qualidade.
Na Justino’s, os Madeira de castas brancas a partir de Colheita estagiam em canteiro sem maceração pelicular. Os vinhos feitos a partir das castas tintas (Tinta Negra e Complexa) podem ser vinificados com ou sem curtimenta, em função de se querer mais estrutura ou menos cor. Fazem estufa mais prolongada (quatro meses contra o mínimo obrigatório de três meses) e temperatura mais baixa (a 40-45˚C, sendo o limite máximo estabelecido de 50˚C), para ter uma evolução mais lenta e mais homogénea. O desafio hoje é conferir mais complexidade aos vinhos da Madeira de 3-5 anos, para os tornar mais apetecíveis para o consumidor, uma vez que, pelo preço, cumprem o papel de iniciação aos vinhos da Madeira. Quanto melhores forem, mais futuros apreciadores podem conquistar.
Para ter mais opções de composição de lotes, a empresa dispõe de 5.500 cascos de variadíssimas proveniências e capacidades. Quanto mais pequeno for, mais rápida é evolução. Por isto, os de
Por muita inovação que se faça, o melhor que a ilha da Madeira é capaz de produzir são os vinhos da Madeira de estágios prolongados. Não existe um apreciador de vinho que possa ficar indiferente perante este fenómeno.650 litros têm o tamanho ideal, explica Juan Teixeira. Neste momento 2,5 milhões de litros de vinho encontram-se em estágio.
Frasqueiras, os guardiões da tradição
Os Frasqueiras representam o expoente máximo da tradição dos Vinhos da Madeira, pela sua capacidade de superar o tempo e evoluir com ele infinitamente. Para um jornalista de vinhos, uma prova vertical de sete Frasqueiras do século passado, um por década, é muito mais do que um trabalho. É um prazer e privilégio. O Frasqueira mais antigo que a Justino’s guarda nas suas instalações é de 1933. A prova começou no 1934 e acabou no 1998, mostrando a interpretação do ano pela casta, lapidada pelo tempo.
Os Frasqueira
Esta categoria do vinho da Madeira é produzida a partir de uma única casta e de uma única colheita em anos excepcionais e envelhecido em cascos em canteiro sem estufagem, beneficiando de amplitudes térmicas criadas naturalmente, por um mínimo de 20 anos.
Embora sejam produzidos no mesmo ano, um Frasqueira é sempre um blend de barricas, porque o vinho evolui de forma diferente em função da dimensão e características do casco e da sua localização.
Os Frasqueira desenvolvem uma complexidade e profundidade únicas, com aromas intensos e sabores ricos. São vinhos à prova do tempo, indestrutíveis.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)
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Justino’s
Fortificado/ Licoroso - 1934 -
Justino’s
Fortificado/ Licoroso - 1940 -
Justino’s
Fortificado/ Licoroso - 1954 -
Justino’s
Fortificado/ Licoroso - 1964 -
Justino’s
Fortificado/ Licoroso - 1978 -
Justino’s
Fortificado/ Licoroso - 1988 -
Justino’s
Fortificado/ Licoroso - 1998 -
Justino’s Fanal
Branco - 2022 -
Justino’s PXO
Branco - 2022
Vinhos & Sabores da Grandes Escolhas de 19 a 21 de Outubro

A maior feira do sector nacional de vinhos vai decorrer entre os próximos dias 19 e 21 de Outubro no Pavilhão 1 da Fil, no Parque das Nações, em Lisboa. Durante o evento, destinado a consumidores e profissionais, os visitantes terão a oportunidade de interagir com os produtores, degustar e comprar vinhos e sabores únicos, […]
A maior feira do sector nacional de vinhos vai decorrer entre os próximos dias 19 e 21 de Outubro no Pavilhão 1 da Fil, no Parque das Nações, em Lisboa.
Durante o evento, destinado a consumidores e profissionais, os visitantes terão a oportunidade de interagir com os produtores, degustar e comprar vinhos e sabores únicos, além de participar em provas comentadas por especialistas, assistir a showcookings e provar as receitas de alguns dos chefs nacionais mais conhecidos. “A feira Grandes Escolhas Vinhos & Sabores é reconhecida como o principal evento do setor vinícola, reunindo produtores de todas as regiões do país, para apresentarem as suas mais recentes colheitas e as grandes novidades do ano”, explica Luís Lopes, director da revista Grandes Escolhas.
Importadores, Enoturismo e venda directa de vinhos
Na edição deste ano estarão também presentes importadores de 14 países, com o apoio do Turismo de Portugal e da ViniPortugal, que irão conhecer, desta forma, melhor os produtores portugueses presentes na feira, os seus projectos de enoturismo e provar os seus vinhos, para poder estabelecer futuras parcerias. Este ano está confirmada a visita de compradores do Brasil, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos da América, Espanha, Estónia, Finlândia, Itália, Lituânia, Noruega, Países Baixos, Reino Unido, Suécia e Suíça. “Nesta edição da feira decidimos apoiar ainda mais o crescimento do sector vinícola português”, realça, a propósito, João Geirinhas, director de negócios da Grandes Escolhas. “Investindo, por um lado, na presença de duas dezenas de compradores internacionais de mercados que procuram conhecer produtores e vinhos distintos para apoiar a exportação, e, no caso do enoturismo, na visita de muitos agentes turísticos empresas DMC (Destination Management Company), que aproveitam a enorme diversidade de expositores para reforçar apostas em programas cada vez mais ambiciosos e sofisticados”, acrescenta. No mesmo sentido, realce para a realização de um Colóquio – Debate sobre o Enoturismo na segunda, 21, o dia exclusivo para profissionais.
A novidade deste ano, para os consumidores, é a possibilidade de poderem adquirir vinhos junto dos produtores. Esta iniciativa é encorajada pela organização, porque permite, aos produtores, alcançar novos consumidores, oferecendo, em simultâneo, aos visitantes, a oportunidade de comprarem vinhos por vezes mais difíceis de encontrar no mercado, sobretudo os de pequenos produtores.
Sessões de cozinha ao vivo
No espaço Vinhos com Gosto, seis conceituados chefs do panorama gastronómico nacional protagonizam sessões de cozinha ao vivo no sábado e domingo. Nestes showcookings, para além de apresentarem algumas das suas criações, experimentam combinações mais ou menos arrojadas com vinhos de diferentes regiões e estilos.
No dia 19, os chefs André Cruz (Feitoria, *Michelin, Lisboa), Ruben Trindade (Casa do Gadanha, Estremoz) e Hélio Loureiro (este último em parceria com a Lactogal), irão preparar alguns pratos para degustação. No domingo será a vez dos chefs João Sá (Sála, *Michelin, Lisboa), Carlos Afonso e Tiago Emanuel Santos (Voraz, Barreiro) mostrarem o processo de confecção de saborosas sugestões, que irão dar a provar aos presentes. Este último tem um restaurante montado na feira, que servirá petiscos distintos e criativos.
Para o público em geral, haverá, como habitualmente, as curtas e dinâmicas sessões do Prove Connosco num pequeno anfiteatro, onde os expositores são convidados a fazer apresentações descontraídas e provas de vinhos em regime de quase sessão contínua. O objectivo é potenciar a comunicação e um diálogo fértil entre produtores e consumidores.
Provas especiais em destaque
As Provas Especiais decorrem nos dias 19 e 20 de Outubro, no espaço FIL Meeting Center, mesmo ao lado do Pavilhão 1. “São momentos únicos, oportunidades exclusivas de provar vinhos muito especiais, apresentados por quem melhor os conhece. São sempre momentos altos do evento.”, afirma Luís Lopes, acrescentando que “o programa deste ano será, talvez, o melhor de sempre”.
Para os maiores entusiastas, as provas comentadas, com duração de uma hora cada, são uma oportunidade única para provar vinhos excepcionais, muitos dos quais são raridades e colheitas históricas que há muito não se encontram à venda. Com capacidade limitada a 50 pessoas por prova, o preço é de 50€ (com 10% de desconto na compra de duas ou mais provas). A participação requer inscrição prévia na AQUI.
Espumantes do Douro e grandes tintos
No sábado, 19 de Outubro, as provas decorrerão nos Auditórios II e III. No Auditório II, às 15h30, começa a prova “Vértice, excelência com bolhas moldadas pelo tempo”, onde Celso Pereira falará sobre a forma como o tempo, neste caso, a passagem de 30 anos, contribuiu para moldar este espumante emblemático. Às 17h30 segue-se a prova “Kompassus, clássicos e modernos”, conduzida pelo produtor, João Póvoa, e pela enóloga, Patrícia Santos, que destacarão a tradição e inovação dos grandes vinhos da Bairrada. Para fechar o dia, às 19h30, Luís Lopes e Valéria Zeferino apresentarão os “Grandes tintos de 2014”, mostrando como a experiência transformou uma vindima difícil em vinhos preciosos e duradouros.
Verdes intensos, vintages icónicos e alentejanos com carácter
No auditório III decorre, também no dia 19, às 15h30, a prova “Vinhos verdes com ambição”, ou seja, intensos, encorpados e com grande longevidade. Será conduzida por Valéria Zeferino. Às 17h30, David Guimaraens, da Fladgate Partnership, irá levar os presentes através de uma jornada por vintages icónicos, intitulada “30 anos de Porto”. A última prova do dia decorre às 19h30 e será conduzida por Julian Reynolds, que apresentará a prova “Reynolds Wine Growers, questão de carácter”, destacando os vinhos longevos e notáveis da família Reynolds, que estão intimamente ligados à história do Alentejo.
Vinhos e perfumes e um toque do Dão
No domingo, dia 20 de Outubro, as provas continuam no auditório II às 15h30, com uma sessão diferente que combina vinhos e perfumes. “Enjoy the moment – onde vinhos e perfumes põem à prova os seus sentidos”, é uma experiência sensorial única, que será apresentada pela sommelier Gabriela Marques e pela perfumista Cláudia Camacho, que incluirá vinhos da Kranemann, Wineconcept, Quinta da Barca e Quinta da Casa Amarela. Inclui a oferta de dois copos Zwiesel the Moment 140-Pinot Noir. Às 17h30, Jorge Alves e Rodrigo Costa apresentarão “Taboadella: grandes vinhos do Dão”, uma viagem por vinhos icónicos que combinam o passado e o futuro da região do Dão.
Três enólogos em destaque
No auditório III, o enólogo Jorge Moreira conduzirá a prova “O mundo de Jorge Moreira”, às 15h30, com uma seleção de brancos e tintos inesquecíveis. Às 17h30, Xito Olazabal irá levar a audiência numa viagem pela diversidade desta emblemática quinta, em “Vale Meão, solos e castas”, com foco nos fatores que determinam a qualidade excepcional dos seus vinhos. Na terceira prova do dia, às 19h30, Rui Reguinga apresentará “Do tributo ao Terrenus”, onde explorará a sua jornada pelos vinhos criados com respeito pelo terroir, desde Almeirim até à serra de São Mamede. A prova incluirá uma selecção de vinhos Tributo (colheitas de 2021, 2017, 2014 e 2005). Terrenus vinhas velhas (colheitas de 2017, 2015, 2012) e Clos dos Muros (2016 e 2021).
Prémios Escolha da Imprensa anunciados sábado
No dia 19 de Outubro, sábado, serão anunciados também os resultados do Concurso “Escolha da Imprensa” de 2024. Na edição deste ano estiveram quase 500 vinhos inscritos, que foram avaliados por um painel de 30 profissionais de diversos meios de comunicação — imprensa escrita, rádio, televisão, plataformas online e redes sociais — que provaram uma selecção representativa do melhor que se produz em vinhos em Portugal. Os resultados também serão publicados no site, na revista Grandes Escolhas e nas redes sociais.
As provas, com lugares limitados, já se encontram à venda na Ticketline, bem como o bilhete diário c/ copo e o passe 2 dias c/copo, que têm o valor de 15€ e 20€, respetivamente. Qualquer ingresso para a feira pode ser adquirido online ou no local.
Informações adicionais
Local: FIL – Parque das Nações | Pavilhão 1
Horário: 19 e 20 de outubro | 15h00 – 21h00.
21 de outubro | 11h00 – 18h00 (profissionais)
https://grandesescolhas.com/vinhosesabores/
Quinta da Torre: Estórias de uma Casa com história

A região do Minho, situada no noroeste de Portugal, é conhecida pela sua rica herança cultural e histórica, que ao longo dos séculos exerceu influência significativa no país, com uma identidade única, desde a sua geografia e clima até às tradições populares, artesanato, gastronomia e vinhos, cultura e desenvolvimento económico e social. A influência cultural […]
A região do Minho, situada no noroeste de Portugal, é conhecida pela sua rica herança cultural e histórica, que ao longo dos séculos exerceu influência significativa no país, com uma identidade única, desde a sua geografia e clima até às tradições populares, artesanato, gastronomia e vinhos, cultura e desenvolvimento económico e social. A influência cultural e histórica do Minho contribuiu decididamente para a formação da identidade de Portugal e consolidou a sua importância contínua no cenário nacional.
A história da região do Minho remonta à época pré-romana, com vestígios de povoados e fortificações que datam da Idade do Ferro. Durante a ocupação romana, a região foi uma importante produtora de vinho e cereais, beneficiando-se da localização estratégica junto ao rio Minho. No período medieval, o Minho foi palco de várias disputas entre cristãos e mouros, culminando na Reconquista. A região foi então dividida em pequenos condados e senhorios feudais, cada um com sua própria identidade cultural e social. Durante os séculos seguintes, o Minho foi marcado por desenvolvimentos agrícolas e comerciais, e pela influência de diferentes reinados e governantes, moldando sua evolução até os dias de hoje.
Este território caracteriza-se também pela extraordinária oferta de “casas solarengas” com origens na Idade Média, quando as famílias nobres começaram a construir casas fortificadas para se protegerem das invasões. Ao longo dos séculos, essas construções evoluíram para os Solares que conhecemos hoje, com influências arquitetónicas góticas, renascentistas e barrocas. A evolução dos solares no (Alto) Minho está intimamente ligada à ascensão e queda das famílias nobres que os habitavam, refletindo as mudanças políticas e sociais que ocorreram na região ao longo dos séculos. Pode-se, ainda, encontrar em perfeito estado de conservação, outras construções características da arquitetura regional tradicional – as casas abastadas de lavradores e casas agrícolas humildes, localizadas nos espaços rurais e nas aldeias que no Minho abundam, constituindo um quadro perfeito de paisagem, usos, costumes e tradições. Muito deste património, para felicidade do mundo do turismo, encontra-se a funcionar para receber hospedes que aí podem pernoitar e provar o que de melhor tem a região para oferecer em cultura, gastronomia e vinhos.
Numa manhã de sol exuberante que me impelia a sair de casa e a viver a vida, decidi viajar até ao paraíso vínico da sub-Região de Monção e Melgaço e aproveitar o que de melhor o território tinha para me proporcionar, para me fazer feliz. Nunca me canso de fazer um périplo por este destino, também de enoturismo, pelas paisagens, pela história, mas sobretudo pelo Vinho, esse néctar que nos transforma, que nos faz pensar, que nos faz rir e chorar, que nos eleva o ser e a alma. Algo “divino” aconteceu.
O Homem sonhou e a obra nasceu…
Imbuído da missão de me proporcionar felicidade, fui visitar a Quinta da Torre, localizada na freguesia de Moreira, concelho de Monção, propriedade de Anselmo Mendes – um dos mais importantes enólogos deste país, conhecido pelo “Senhor Alvarinho” – e de sua mulher, Fernanda Grilo, responsável por grande parte da gestão da empresa.
Na realidade há Homens cuja importância para o sector e para a região onde gravitam, valem mais que as suas próprias obras. No caso de Anselmo Mendes, o cuidado e a sabedoria que deposita em tudo o que faz é tanta, que acaba por criar uma legião de seguidores e admiradores naturais que o seguem por todo lado, faça o que fizer. Apesar de fazer enologia em vários pontos do país e no estrangeiro, é em Monção que ele se “despe” de corpo e alma e se atira a uma casta, Alvarinho, que domina em toda a sua dimensão.
A Quinta da Torre, nome adotado nos dias de hoje, é um sonho concretizado por Anselmo Mendes, remetendo para as suas recordações de infância, quando vindimava esta terra e acreditava que este era o terroir de excelência, sobretudo, para o icónico Alvarinho.
A Casa da Torre, Paço Quinta da Bemposta (pela boa exposição), como se designava no passado, cheia de estórias e de histórias, foi sendo vivenciada por famílias Nobres. Payo Gomes Pereira e Isabel Soares são os primeiros a habitá-la. Após várias sucessões na família, a partir dos séculos XVII e XVIII, a casa intensificou a produção de vinho, cultivo do milho, do linho, tinha dois moinhos que permitiam elaborar azeite, era um “feudo” agrícola de grande importância para a região. No final da primeira década deste século, Anselmo Mendes começa por tratar os 12 ha de vinhas desta quinta ligeiramente abandonada pelos proprietários da altura. Percebe de imediato que estava perante um terroir (ou vários) que iria permitir elaborar vinhos de grande nível. Entretanto, ao longo dos anos, ainda na modalidade de aluguer, vai plantar mais 30 ha de vinha. Vem a adquirir a Quinta da Torre em 2016. Possui, neste momento, 50 ha de vinha numa dimensão total de 62 ha.
Os solos em aluviões proporcionam vinhos mais florais, mais cheios, mais densos. A vinha do rio (uma delas) proporciona vinhos mais aromáticos, talvez por ter mais matéria orgânica. Os vinhos das parcelas da Rainha e do Olival provêm de solos com mais argila e são mais densos, mais estruturados, apesar de estarem no mesmo vale. Nas vinhas das encostas os vinhos são mais frutados e tensos, salienta orgulhosamente. Esta paleta orgânica que a Quinta da Torre possui permite, a Anselmo Mendes, criar vinhos com enorme capacidade de espera, de guarda, alicerçada na casta Alvarinho. O desafio neste estudo permanente é de elaborar vinhos cada vez mais complexos e diferenciados, permitindo estudar melhor cada uma das parcelas e os vinhos que pode proporcionar, isoladas ou em conjunto.
Na sequência deste mosaico de solos, um dos atrativos é o “Centro de Experiências”, onde se pode aprender tudo sobre a vinificação, estágio em inox por vinha, visionar as diferentes texturas de solos e verificar os estágios em garrafas com vinhos das diferentes parcelas.
No espaço da quinta pode encontrar-se, ainda, nos dias de hoje, corvos, perdizes, faisões, cegonhas, javalis e veados. As oliveiras com mais de mil anos, são, de per si, um atrativo.
A Quinta da Torre, criada para originar vinhos de excelência e proporcionar experiências inesquecíveis na área do enoturismo, localiza-se freguesia de Moreira, concelho de Monção. É fácil de chegar: no local deparamo-nos com um enorme e bonito portão à moda antiga, com o muro típico em granito desta região, onde se pode ler Quinta da Torre.
Entrando, deparamos com um acervo de património cultural construído impressionante, que “transpira” história e se impõe pela beleza e imponência. Existem dois espigueiros e uma eira que nos transportam para os usos, costumes e tradições destas terras, onde o trabalho do milho, do linho, era uma constante, e onde se matava o porco e dele se extraía tudo para se fazer os diversos pratos bem típicos de Monção e do Minho.
Olhando para a esquerda, contigua aos espigueiros, encontra-se uma loja de vinhos contemporânea franqueada com uma enorme esplanada para os vários torrões de vinha que a quinta possui. Uma paisagem de cortar a respiração de tão idílica que é, e de beleza natural que possui. A vontade de pegar num copo e provar um excelente Alvarinho à temperatura correta, provocou em mim pensamentos e devaneios incontroláveis para quem adora esta casta como eu. Por debaixo da loja temos uma sala de provas com capacidade para 25 pessoas, onde se fazem as provas livres e programadas.
Na loja encontram-se devidamente e criteriosamente expostos todos os vinhos que Anselmo Mendes que produz na Região dos Vinhos Verdes, sobretudo na sub-Região de Monção e Melgaço e na Sub-Região do Lima. Em conjunto, o enólogo já faz a gestão de 130 ha de vinha, 50 ha em Monção e mais 70 ha no Lima.
As experiências de turismo e vinhos
A conduzir a visita estava a Sandra Além. Responsável pelo Enoturismo da Quinta, nascida a pouco mais de 700 metros, desperta de imediato a atenção pela sua alegria, simplicidade, genuinidade e profissionalismo. Pode haver a sorte de encontrar o enólogo Anselmo Mendes na Quinta, e ele nunca recusa uma explicação suplementar. Eu tive essa sorte. Todas as provas são acompanhadas com produtos gastronómicos locais e regionais. Na esplanada também se fazem provas. É nesse espaço que a visita começa com uma explicação criteriosa da história da casa e as características da Quinta. O storytelling nunca é o mesmo, pois há muito para dar a conhecer, e a espontaneidade da Sandra, com um sotaque delicioso, rapidamente nos embala para um passado glorioso sem perder o norte da visita, provar vinhos e ter uma experiência turística memorável.
Na visita completa, cerca de hora e meia e “mais uns pozinhos”, calcorreamos a quinta com paragem obrigatória nas oliveiras com mais de mil anos, onde orgulhosamente se realça o histórico e a tradição na produção de azeite na Quinta da Torre, conhecida na terra pelo Paço – Quinta da Bemposta. Os exteriores milimetricamente organizados com um gosto requintado, onde tudo está no sítio certo, remetem-nos para o imaginário do passado onde o tempo durava muito, onde a vida calma e mais prazerosa permitia o disfrute de tal espaço romantizado. Respira-se cultura, natureza, paisagem, que faz-nos sentir em casa e desejar ficar para uns dias de deleite.
Em frente às famosas oliveiras localizam-se cinco suites, num corpo contiguo e construído para o efeito de alojamento turístico, devidamente equipadas, de bom gosto decorativo e qualidade irrepreensível. Nota-se que tudo foi pensado para proporcionar momentos especiais.
Em seguida descemos, perante a fachada sul da casa onde se localizam pormenores arquitetónicos de grande valor, que merecem reflexão, para conhecer o exclusivo e único Centro de Experiências da Região, uma adega de onde, no século XVI, saiam vinhos para Inglaterra e Norte da Europa. Anselmo Mendes guarda todos os anos 1000 litros de vinho por cada uma das oito as parcelas, oito solos diferentes no mesmo vale. Este centro está inteligentemente organizado: o chão mostra a rocha mãe da região – o granito, e dos lados a pedra rolada, 8 cubas em inox com vinhos em estágio por parcela, 16 barricas onde estagiam mais alguns vinhos e uma garrafeira com os vinhos em estágio. Este Centro de Experiências permite constituir também uma mostra do que se faz na Adega que a empresa tem em Melgaço.
Na companhia do Anselmo Mendes, esqueça o tempo porque a conversa flui pelos tempos da história, das castas, da terra, dos usos e costumes e sobretudo das tradições.
No andar acima do Centro de Experiências existe uma biblioteca bem apetrechada de aventuras, factos e ciência, com especial atenção para o vinho, e ainda tem uma suite para uso da família. Contudo, no corpo central encontramos a sala vip que permitirá a realização de eventos mais privados, quer para o produtor quer para quem dela necessita para realizar uma ação mais exclusiva. No andar de cima, o corpo central da casa, existe uma sala de jantar para uso comum e uma cozinha que os hospedes podem de igual forma usar.
Na Torre perto das oliveiras existem três suites para alojamento turístico com todo o conforto digno de espaços celestiais que nos remetem para a história de “príncipes e princesas”, bem localizadas, pois podemos admirar o “mar” calmo das vinhas. Na parte de trás da casa, com a fachada virada para as vinhas, temos um pomar para apreciação e “prova” de alguns frutos tirados diretos da árvore.

Na Quinta da Torre, estão plantados 50 ha de Alvarinho. E, numa propriedade vizinha, mais 7 ha de castas tintas (Alvarelhão, Pedral, Verdelho-Feijão). Mas para completar o conhecimento e refletir as viagens que Anselmo faz pelo mundo vínico, a Quinta possui 1 ha vinha, que constitui um raro “Jardim das Castas Brancas”, para proporcionar, de igual forma, mais conhecimento a quem a visita. Das várias existentes destacam-se variedades brancas internacionais como Chardonnay, Sauvignon Blanc, Riesling, Viognier, Gewurztraminer, Pinot Gris, Assyrtiko, Furmint, Godello, Fiano e, entre as castas nacionais, Encruzado, Viosinho, Azal, Arinto, entre outras.
A quinta possui ainda uma coleção de 400 camélias, que são tratadas com o maior cuidado já que a família adora esta espécie. Este é o cenário ideal para desfrutar de uma prova de vinhos ímpar, repleta de identidade e autenticidade e rodeado pelas vinhas que lhes dão origem, num terroir único, perfeito para a casta rainha da região. A experiência turística é inolvidável.
Os desafios enfrentados, como as mudanças climáticas e as tendências de mercado, têm sido oportunidades para inovar e reafirmar a identidade e notoriedade dos vinhos produzidos nesta quinta. Com várias certificações de qualidade ISO22001 e ISO14001, caminham a passos largos para a obtenção do selo da Certificação de Sustentabilidade do Setor Vitivinícola do IVV. Um espaço de Enoturismo a visitar para ser (muito) feliz.
Nota: o autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.
(Artigo publicado na edição de Agosto de 2024)