As novas histórias de Leonel Pereira

O chef do restaurante São Gabriel chamou os jornalistas a Vale do Lobo, no Algarve, para lhes mostrar o que tem andado a preparar. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga e Vasco Célio-Stills As apresentações de novos pratos à imprensa têm um problema e uma virtude. O problema: a experiência que os jornalistas […]

O chef do restaurante São Gabriel chamou os jornalistas a Vale do Lobo, no Algarve, para lhes mostrar o que tem andado a preparar.

TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTOS Ricardo Palma Veiga e Vasco Célio-Stills

As apresentações de novos pratos à imprensa têm um problema e uma virtude.
O problema: a experiência que os jornalistas têm não é a mesma da dos clientes, porque feita em ambiente controlado.
A virtude: o mesmo.
Se não, vejamos. À chegada ao São Gabriel, Leonel Pereira leva o grupo de repórteres à cozinha, encaminhando-os depois por umas escadas em caracol, até à cave. É lá que fica aquilo a que chamou Creative Cooking Garage. O sítio é apertado mas cabem lá electrodomésticos, facas e uma máquina especial: a destiladora Rotaval. “Custou-nos 7.800 euros. Na marca, disseram-me que esta era a terceira que tinha seguido para Portugal.” A outra seria a de Alexandre Silva, do Loco, sendo que ela existe também num bar, o Red Frog, em Lisboa.
Em cima da mesa, o chef vai explicando o funcionamento da destiladora celebrizada pelos irmãos Roca. Há 13 anos, no restaurante de Girona El Celler de Can Roca, eles conseguiram extrair sabor da terra, integrando-o num prato com ostra.
No São Gabriel, procuram-se outros sabores. Leonel distribui pequenas colheres de café e dá a provar os últimos destilados em copinhos de shot. “Este é um gin de esteva, o que vos parece?”[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” equal_height=”yes” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom” shape_type=””][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]As criações ainda estão só em fase de teste, mas em breve algumas delas deverão saltar para a carta. Para já, Leonel Pereira junta clássicos com inovações, combinação apreciada pelos senhores do Guia Michelin, que mantiveram a estrela no livrinho vermelho de 2017/2018.
Subamos à sala do restaurante. A refeição começa com couvert à base de pó extraído de plancton. O produto é uma imagem de marca de Leonel Pereira, que começou a trabalhá-lo quando ainda estava no Panorama, o restaurante do Sheraton de Lisboa. A inspiração vem do chef que mais vezes cita, Ángel Léon, vizinho do restaurante Aponiente, em El Puerto de Santa Maria.
Como Ángel, Leonel também aposta no mar. De mais de uma dezena de momentos, só três não são de peixe e marisco. Na cabeça, fica uma barriga de atum rabilho cozinhada a 48º com tomate e um caldo de cebola perfumado de hortelã da ribeira; um pesto de coentros com carabineiro assado; ou o Bulhão Pato com ostra.
As três excepções carnívoras são o lombo de porco bísaro maturado; um pombo royal cozinhado a baixa temperatura; e lombardo recheado de rabo de boi e língua de vaca.
A terminar, uma sobremesa que é uma história, por sinal deliciosa.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”27868″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row]A batonnage de vinho Pedro Ximénez, com trufa e gelado de ananás fermentado, resulta de uma visita às caves Ximénez-Spínola. Leonel ficou interessado em usar as borras que resultam da fermentação da uva e dias depois tinha um carregamento delas à porta.
Neste caso, os jornalistas não têm privilégio. A sobremesa está na carta do São Gabriel para todos, num menu degustação de nove pratos (120€).

Edição Nº14, Junho 2018

Vincent Farges e o seu spa gastronómico no Chiado

O chef francês abriu um restaurante de nível Michelin, mas só quer fazer as pessoas felizes. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga Mal entramos no Epur damos com o chef na zona de preparação de frios. A cozinha está separada por um vidro e conseguimos ver toda a acção. Pelas 11h30 já toda […]

O chef francês abriu um restaurante de nível Michelin, mas só quer fazer as pessoas felizes.

TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Mal entramos no Epur damos com o chef na zona de preparação de frios. A cozinha está separada por um vidro e conseguimos ver toda a acção. Pelas 11h30 já toda a gente se encontra a postos e no ar sente-se o aroma do civet, um caldo de ervas e aves que há-de ligar os legumes do prato de salmonete.
O que se vê, aqui, é magnífico. Sobre a bancada, talos de aipo e uns alhos novos raros, viçosos, acabados de chegar, via correio, de um produtor do Douro — “Vamos confitá-los e marcá-los na grelha para servir com o cordeiro”, explica Vincent Farges, o francês que se deu a conhecer na Fortaleza do Guincho e que acaba de inaugurar o Epur, no Chiado.
Mas é do outro lado do restaurante, na sala, que está aquilo a que o chef chama “spa gastronómico”. “Entramos aqui e deixamos de ouvir as ambulâncias do INEM, os tuk tuk. Aqui temos paz”, diz, referindo-se à ala nascente, onde os clientes se sentam e de onde têm uma vista livre sobre o Tejo, a Baixa e o castelo de São Jorge. O espaço é sóbrio mas com atenção ao detalhe. As mesas de carvalho vieram da Dinamarca e não têm atoalhados; as facas são Lagiole; os guardanapos, entregues em mão, são de algodão do Egipto da marca Abyss & Habideco.
“A ideia inicial não era ter uma coisa tão elevada”, diz Vincent. “Mas deixámo-nos atrair pela beleza do local.”[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”27863″ alignment=”center” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row]Com seis pessoas na sala, recepcionista, mais seis cozinheiros e o próprio Vincent, o Epur está preparado para servir 24 lugares (ou 32, caso se abra a sala com a mesa de oito lugares) com qualidade Michelin. A estrela pode chegar depressa, mas Vincent desvia a conversa. As estrelas que lhe interessam, por enquanto, são as que surgem ali, “à noite, sobre o rio, muito bonitas”. O chef está convencido de que pode ter o restaurante cheio, mesmo sem entrar no guia francês.
O restaurante trabalha apenas com quatro menus, sendo que um deles — o mais curto — só está disponível ao almoço (entrada ou sobremesa, prato, chá ou café, 45€). Há depois degustações de quatro (90€) a oito momentos (160€), sendo que os pratos não são fixos, variando em função do produto e da inspiração. O que se sabe é que Vincent aposta tudo no produto, na depuração e, claro, nos molhos, não fosse a sua formação clássica francesa.
E agora a resposta à pergunta: de onde vem o nome do restaurante? Se arriscou dizer que é inspirado numa empresa municipal, enganou-se. Epur vem da célebre frase de Galileu Galilei — “Eppur si muove” — que significa “e, no entanto, ela move-se”.[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” bg_color=”#eaeaea” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom” shape_type=””][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”15″][vc_column_text]

EPUR

LARGO DA ACADEMIA NACIONAL
DAS BELAS ARTES, 14, LISBOA
Tel: 213460519

Edição Nº14, Junho 2018

Os bons ventos do Soão

A nova taberna asiática de Lisboa, do SeaMe Group, tem feito furor desde que abriu em Lisboa, há pouco mais de um mês. A Grandes Escolhas foi saber porquê e descobriu 10 razões para se pôr na fila de espera. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma VeigaO mesmo se poderá dizer da famosa sopa […]

A nova taberna asiática de Lisboa, do SeaMe Group, tem feito furor desde que abriu em Lisboa, há pouco mais de um mês. A Grandes Escolhas foi saber porquê e descobriu 10 razões para se pôr na fila de espera.

TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTOS Ricardo Palma VeigaO mesmo se poderá dizer da famosa sopa tom yum (9,5€), sobretudo na versão com camarões. O caldo da tom yum é feita à base de leite de coco e ervas cítricas e frescas, como a folha de lima kaffir e a erva-príncipe, usando também malagueta tailandesa. As versões ocidentais aldrabam muitas vezes a receita, mas aqui não se poupa nalguns ingredientes clássicos menos consensuais, como o molho de peixe. Ainda bem.Não há invenções no sector tailandês e o mesmo parece acontecer no balcão de sushi. A cozinha japonesa servida é tradicional, não tivesse o sushiman feito a escola do restaurante Aya, com o mestre Takashi Yoshitake. Luís Cardoso, que também passou pelo Assuka e pelo Cosy, em Braga, é o chef principal do Soão mas dedica-se em especial ao sushi. O prato de sashimi no moriawase (24,50€), que nos deu a provar, com uma variedade de peixes do dia, demonstrou uma técnica de corte rigorosa, composição clássica e matéria-prima fresca e nobre, do robalo ao pregado, da lula ao atum. Mas se vai à procura de o-toro, a parte mais gorda da barriga de atum, não terá sorte porque o chef só trabalha com chu-toro, uma zona gualmente gorda mas não tão gorda, que Luís Cardoso prefere precisamente por essa razão.[vc_custom_heading text=”6. Um balcão que é um showcooking” font_container=”tag:h3|text_align:left|color:%23606060″][vc_column_text]Há modas boas e o regresso dos balcões é uma delas. O balcão deste Soão, todo feito em madeira, senta 14 pessoas, que podem assistir em tempo real a vários showcookings ao mesmo tempo. Numa ponta está a banca de peixe fresco de onde sai a matéria-prima para o sushi, sashimi, niguiris (21€), gunkans (18€), etc — na ponta oposta estão dispostos vários produtos frescos — da carne wagyu a espargos — para serem grelhados na robata, com carvão de casca de coco.[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” equal_height=”yes” bg_color=”#e2e2e2″ scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom” shape_type=””][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”7. Uma cave que é um mistério
” font_container=”tag:h3|text_align:left|color:%23606060″][vc_column_text]Se a sala do piso térreo é boa para almoços luminosos (tem o balcão e mais 16 lugares sentados), a cave é mais indicada para jantares com amigos. No piso -1 a ideia foi recriar o ambiente decadente das salas de ópio. O espaço, trabalhado todo artesanalmente em madeira, está dividido por quatro salas privadas, cada uma com um nome diferente consoante o cenário. A preferida da clientela — e a nossa — é a primeira, com uma janela privada para a cozinha. Todas elas estão destinadas a grupos até seis pessoas (mas quatro amigos já fazem a festa), mas pode-se ligar duas delas para jantares com um grupo de 12 pessoas.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”27836″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” equal_height=”yes” bg_color=”#f4f4f4″ scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom” shape_type=””][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”27837″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”8. Uísque indiano, rum tailandês, licor japonês…” font_container=”tag:h3|text_align:left|color:%23606060″][vc_column_text]É também da cave que nascem os cocktails de Vasco Martins, o bartender do restaurante. Na base estão quase sempre produtos asiáticos, sejam o “surpreendente” uísque indiano Amrut, que entra no não menos surpreendente cocktail Saigão (13,50€), seja o mais consensual Osakini, com choya, um licor de ameixa japonês, e champanhe francês Laurent Perrier Brut (9,50€).[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”27840″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” equal_height=”yes” bg_color=”#e2e2e2″ scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom” shape_type=””][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”9. Lista de chá com assinatura” font_container=”tag:h3|text_align:left|color:%23606060″][vc_column_text]Mas numa taberna asiática não podia faltar chá. A questão é: pode o chá acompanhar uma refeição, do princípio ao fim? Pode, pois. Sobretudo se houver um expert na matéria a dizer com o que é que vai bem. Foi isso, precisamente, que fez Sebastian Filgueiras, da Companhia Portugueza do Chá. Saiba por exemplo que o sencha (4,50€) vai bem com sushi, mas se quiser acompanhar os caris já é melhor ir para um blend de chá verde com gengibre e erva-príncipe (4,50€).[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][image_with_animation image_url=”27842″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][image_with_animation image_url=”27839″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” bg_color=”#f4f4f4″ scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom” shape_type=””][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”10. Tanta coisa para descobrir” font_container=”tag:h3|text_align:left|color:%23606060″][vc_column_text]A carta deste Soão (na verdade, são várias) é extensa e pode não ser fácil orientar-se, sobretudo se estiver com pressa. Mas se não estiver com pressa (que é como deve lá ir) vale a pena lê-la de uma ponta à outra, porque ela é também um pequeno manual de cozinha asiática e está cheia de raridades, como os pairings de uísque com chá. É fazer check no que já experimentou. E voltar. [vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_gallery type=”image_grid” images=”27843,27844,27845″ layout=”3″ gallery_style=”1″ load_in_animation=”none”][/vc_column][/vc_row]

Edição Nº14, Junho 2018

Figo Lampo

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga É o fruto mais vezes citado no Antigo Testamento e isso diz do seu valor. Sem espanto, terá sido precisamente no Médio Oriente que primeiro floresceu, espalhando-se rapidamente por todo o Mediterrâneo. No nosso Algarve tornou-se, com a amêndoa, o mais importante produto de sequeiro. A sua […]

TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTO Ricardo Palma Veiga

É o fruto mais vezes citado no Antigo Testamento e isso diz do seu valor. Sem espanto, terá sido precisamente no Médio Oriente que primeiro floresceu, espalhando-se rapidamente por todo o Mediterrâneo.
No nosso Algarve tornou-se, com a amêndoa, o mais importante produto de sequeiro. A sua cultura chegou a estar tão difundida na região que se comia em substituição do pão ou com ele, logo ao acordar.
Ainda hoje há figueiral extensivo sobretudo no Sul, em Torres Novas e no Douro, mantendo-se algumas práticas ancestrais. Entre elas está a caprificação, uma estranha técnica que consiste na indução de picadas de um insecto, destinada ao amadurecimento do fruto — como bem explica Maria Manuel Valagão, no seu magnífico livro “Algarve Mediterrânico: Tradição, Produtos e Cozinhas”.
A técnica de secagem artesanal, ao sol, vai sendo contudo cada vez mais rara, mas fique sabendo que, feita correctamente, os figos são passados por água com sal e azeite, secos ao sol, acalcados e encestados com folhas de funcho e de aroeira, conhecida no Algarve por daro. Se for ao mercado de Olhão ao sábado de manhã, poderá comprar várias espécies e ver vários estilos de secagem, incluindo os torrados, normalmente mais pequenos.
A produção de figos para o mercado da fruta fresca tem duas épocas distintas de produção. Uma em Maio/Junho e Julho, que é a época dos figos lampos, e outra em Agosto/Setembro (até às primeiras chuvas), que é a época dos figos vindimos.
Coma-os frescos por inteiro, com a casca bem lavada, ou secos, infiltrados com nozes ou amêndoas, ou chocolate. Nunca, por Deus, os estrague com presunto manhoso.Edição Nº14, Junho 2018

É tudo ao molho

As mesas comunitárias estão na moda. Poupam espaço, são bonitas e promovem novas amizades. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga Sempre houve mesas corridas, sobretudo nas tascas mais apertadas. Mas em certos restaurantes, até há uns anos, a proximidade excessiva entre clientes era vista como uma coisa promíscua e desconfortável. Quando a pizaria […]

As mesas comunitárias estão na moda. Poupam espaço, são bonitas e promovem novas amizades.

TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Sempre houve mesas corridas, sobretudo nas tascas mais apertadas. Mas em certos restaurantes, até há uns anos, a proximidade excessiva entre clientes era vista como uma coisa promíscua e desconfortável. Quando a pizaria Casanova abriu em Lisboa, já lá vão 17 anos, usando este formato, os que protestavam quando eram sentados ao lado de desconhecidos eram tantos quantos os que acabavam a refeição em alegre cavaqueira com o vizinho. Hoje, já ninguém estranha e abrem cada vez mais restaurantes com mesas comunitárias, onde se fazem amigos e se debate a comida. Escolhemos dois no Porto e três em Lisboa onde é tudo ao molho e fé no cozinheiro.Fica mesmo em cima dos Clérigos e lembra uma cozinha campestre. Por todo o lado há parafernália de cozinha, livros e flores, e a mesa comunitária, com 16 lugares, está mesmo sobre a porta, apanhando muita luz. A comida é essencialmente saudável e bonita, com uma secção de saladas e tostas criativas, da de frango assado e espargos à de abacate e camarão, passando pela de bochecha de porco.
Rua Campo dos Mártires da Pátria, 103, Baixa, Porto
Ter-Sáb., 223 234 735Os proprietários são designers alemães com mundo e isso reflecte-se não apenas no espaço, de linhas limpas, com peças de arte expostas, até à carta, onde há influências asiáticas, europeias e do Médio Oriente. Não perca o funcho assado com tangerina, toranja e pêra em picles, tudo condimentado com a especiaria sumac; ou a sopa de noodles asiática com tofu fumado. Para quem ficar com fome, é pedir um reforço do pão da padaria Garfa. A mesa acomoda uma vintena de pessoas.
Rua do Almada, 501, Trindade, Porto
Jantares Ter-Sáb., 222 033 084O primeiro chef a inaugurar este restaurante mínimo (20 metros quadrados), no Príncipe Real, foi André Lança Cordeiro. O aplauso foi geral, mas cerca de quatro meses depois mudou o timoneiro. Para o seu lugar saltou Manuel Lino, que desde Março serve cozinha elegante com toque de chef para uma mesa de dez pessoas e outra de seis, no exterior. O restaurante passou a fazer almoços e à noite está organizado por turnos, o primeiro às 20h, o segundo às 22h.
Rua O Século, 204, Lisboa
Ter-Sáb., 925 675 990]É uma das poucas tascas boas que restam na Mouraria, a chegar ao Martim Moniz. Na parede ainda lá está a fotografia do fundador, mas se olhar bem vai perceber que o negócio se mantém na família. Em ambiente barulhento e alegre, misto de turistas e clientes do bairro, come-se um grande piano com arroz de feijão, mas tudo o resto que vem da grelha é bem feito, dos chocos ao bacalhau assado, passando pelo coelho grelhado. As mesas são quase todas corridas.
Beco dos Surradores 5, Mouraria, Lisboa
Seg-Sáb., 218 869 641É um dos restaurantes do momento em Lisboa e tem uma magnífica mesa comunitária para 20 pessoas, para além de muitas outras de dimensões ajustáveis. Esta fica ao fundo do restaurante, junto da garrafeira, com uma boa posição em relação à cozinha aberta onde António Galapito inventa pratos saborosos com produtos portugueses sazonais, quase sempre biológicos, como o berbigão com espinafres e manteiga. Pode reservar a mesa só para um grupo grande de amigos ou partilhá-la com estranhos.
Travessa das Pedras Negras, 2, Sé, Lisboa
Almoços e jantares Ter-Sáb., Almoço Dom., 210 534 649

Edição Nº13, Maio 2018

A cantina luminosa de Avillez

A cidade de Lisboa está quase a ganhar uma praça nova. O Campo das Cebolas foi requalificado e o chef português mais consagrado pôs lá uma lança. Bem-vindos à Cantina Zé Avillez. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Cortesia José Avillez Já não há dedos das mãos para contar os restaurantes com a assinatura de José […]

A cidade de Lisboa está quase a ganhar uma praça nova. O Campo das Cebolas foi requalificado e o chef português mais consagrado pôs lá uma lança. Bem-vindos à Cantina Zé Avillez.

TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTOS Cortesia José Avillez

Já não há dedos das mãos para contar os restaurantes com a assinatura de José Avillez. O mais recente fica no renovado Campo das Cebolas e é uma boa opção numa zona povoada de fraudes turísticas.
A ideia é servir “cozinha familiar e simples, num ambiente muito informal”, segundo a comunicação do restaurante. Numa visita recente, a clientela oscilava entre turistas informados disponíveis para um almoço primaveril por 25 euros e executivos e governantes dos ministérios vizinhos do Terreiro do Paço, mesmo ali ao lado. Ou seja, informal sim, mas não se via ninguém de meia e chinelo.
Até porque, lá dentro, estamos de facto em espaço sem atoalhados (recorre-se ao individual de papel), mas temos design, como acontece sempre nos restaurantes do grupo, pelo atelier Anahoryalmeida, de Ana Anahory e Felipa Almeida. O ambiente é luminoso, com grandes janelões, e pesca elementos populares, como o azulejo, e outros popular-chique, como a louça de Bordallo Pinheiro. Cá fora há uma esplanada em zona pedonal, também ela recente.Mas vamos para a mesa. A carta é uma mistura de pratos tradicionais e outros usando produtos portugueses, mas importando aromas e técnicas de fora. Uma refeição pode começar com uns pastéis de bacalhau clássicos, com uma mostarda clássica; passar para um tataki de carapau picante com pera abacate (o peixe cru cortado em cubos), seguir por uns ovos verdes de influência asiática, passar pelo escabeche de pato com batata palha e acabar um tradicional bitoque ou numas iscas.
Para sobremesa, Avillez foi buscar uma das suas criações doces mais conhecidas, a avelã ao cubo, originária do Cantinho do Avillez, um copo com várias texturas, com uma mousse fofa e leve e pedrinhas de flor de sal à superfície.
Uma das grandes apostas acontece, contudo, só ao fim-de-semana. O cozido à portuguesa tem um preço de 25 euros e inclui um festim carnívoro, tratado com delicadeza. Inclui carnes fumadas (barriga de porco, pernil, orelha e faceira) e carnes salgadas com 24 ou 48 horas de antecedência (aba de novilha, entrecosto e mãozinhas de vitela).
Nos enchidos, há farinheira de Mação, morcela de sangue, morcela de porco preto e chouriço. Tudo devidamente cortado com os típicos legumes (couve-lombarda, couve-penca, nabo, cenoura, batata), feijão branco e arroz, num caldo perfumado de hortelã.
O cozido custa 25 euros e só é servido de Outubro a Maio, antes de o calor começar a apertar. Despache-se.

Cantina Zé Avillez
R. Arameiros 15 (Campo das Cebolas), Lisboa
215 807 625
Seg-Dom. 12h00-00h00

Edição Nº13, Maio 2018

Volta à Ásia no Martim Moniz: quando um bao deixou de ser mau

A pressão imobiliária na praça mais asiática de Portugal ainda não conseguiu expulsar as comunidades de indianos, chineses e bengalis que ali se estabeleceram há muito. Graças a Deus, a Alá e aos homens. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga Durante muito tempo, os chefs mantiveram o segredo. O Martim Moniz era um […]

A pressão imobiliária na praça mais asiática de Portugal ainda não conseguiu expulsar as comunidades de indianos, chineses e bengalis que ali se estabeleceram há muito. Graças a Deus, a Alá e aos homens.

TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Durante muito tempo, os chefs mantiveram o segredo. O Martim Moniz era um oásis de produtos de loja gourmet vendidos a preços de mercearia. No supermercado chinês Hua Ta Li, num domingo de manhã, podíamo-nos cruzar com duas ou três celebridades da alta-cozinha, de Henrique Sá Pessoa a André Magalhães. Na altura, há mais de dez anos, os chefs eram dos únicos ocidentais que se misturavam com chineses em volta da vitrina de cabeças de pato assado ou de bao de porco doce. Mas as coisas mudaram.
Hoje em dia, os bao – pãezinhos de trigo e fermento em pó, muito brancos e leves, recheados com carne ou legumes, num molho agridoce – são uma das comidas da moda. Só em Lisboa há uma vintena de restaurantes trendy a servi-los, quase sempre em versões sofisticadas e de fusão. Quando as pessoas trincam a massa fofa, sentadas numa mesa cosmopolita do Chiado, julgam que aquele pão foi feito no momento, ali, mas o mais certo é que tenha vindo da arca dos congelados de um supermercado chinês do Martim Moniz — e só o recheio seja de produção própria.O mesmo acontece com muitos outros produtos. Há dias, num desses restaurantes asiáticos geridos por pessoas criadas nas Avenidas Novas, aconselharam-me para sobremesa uns mochi. Os mochis são uns bolinhos do tamanho de bolas de ping-pong, com uma capa de massa de farinha de arroz e diversos recheios doces: pasta de amendoim, chá verde, feijão azuki. Perguntei se eram feitos ali e garantiram que sim. Sucede que não: os mochi, embora muito bons, eram iguais aos que se compram em caixas no Martim Moniz (e até vinham com o papelinho na base com que são embalados). Dois custaram 4€, preço suficiente para uma dúzia deles no Hua Ta Li.
Nada disto já escandaliza. O fantasma da comida chinesa parece ter-se dissipado, depois da célebre operação da ASAE, em 2006, que levou ao encerramento de 14 restaurantes e lojas. Tanto assim que a comida chinesa voltou a ser cool e, de então para cá, nasceram muitos outros supermercados no Martim Moniz.Um deles foi o Chen, porventura o maior em área. Podemos encontrar lá desde chás matcha até várias marcas de molho picante tipo sriracha, passando por garrafas de litro e meio de soja Kikkoman, até ceboleto aos molhos fresquíssimo, feijão edamame ou a lindíssima curgete roxa.
É aqui que se abastecem muitos dos restaurantes chineses da zona, comprando todos os dias produtos frescos. A beringela roxa, por exemplo, está sempre na ementa de um dos mais extraordinários restaurantes chineses de Lisboa. A primeira vez que lá comi, fui guiado pelo chef André Magalhães, que apelidava o sítio de “cantina chinesa”. Apesar de ficar num rés-do-chão, com porta para a rua, o restaurante não tem um nome oficial, nem os donos falam português suficiente para nos elucidar. Anos depois, quando escrevi sobre o sítio para a revista “Time Out”, recorri a um papel afixado na parede, onde se fazia referência a um proprietário chamado Mi Dai (Calçada da Mouraria, 7). O nome acabou por ficar assim instituído em referências na Internet, mas não há certezas de que seja correcto.
O que é certo é que se come muito bem lá. Actualmente, já lhe dão uma carta em português, mas a forma mais interessante de escolher é abeirar-se da vitrina onde estão expostos produtos frescos, em cru, e apontar para uma travessa. Essa travessa segue directamente para o wok e cinco minutos depois está a comer da melhor comida da região costeira entre Xangai e Cantão. Um banquete, aqui, pode incluir as lulas com pickles de couve, entrecosto frito com alho, barriga de porco cozinhada em soja, edamame e as obrigatórias beringelas roxas cozinhadas com carne picada, feijão, alho e gengibre — tudo regado a cerveja Tsingtsao (também há Super Bock, mas enfim). Para os mais afoitos, também se arranjam coisas exóticas, como medusa e cartilagens de vaca.Caso vá sozinho, o ideal pode ser optar por uma sopa de noodles com vaca e couve pak shoi, que é, por si, uma refeição. A massa, não sendo fresca, é firme e elástica e o caldo é uma explosão aromática, com notas fortes a estrela de anis.
Não estamos, contudo, a falar do típico “clandestino” da área. Aqui os produtos são acima da média e os preços reflectem isso. Não se come por menos de 10€, a não ser que opte pela sopa de noodles (6€).
Pelo mesmo preço, a 50 metros dali tem uma versão diferente destas sopas, uma espécie de ramen japonesa mais rude. Na rua Fernandes da Fonseca, 12, subindo ao primeiro andar vai encontrar do lado direito um cabeleireiro cheio de jovens chineses com capilagem multicolor e do lado esquerdo uma porta aberta. Entre e vá até ao fim, onde verá um balcão de snack bar e uma sala cheia de chineses, com a cabeça enfiada numa tigela, sorvendo coisas. O Pangzi Mianguan faz a massa dos noodles na hora, mas o caldo é um líquido translúcido e saboroso feito da cozedura demorada de ossos. Se só puder escolher uma sopa, vá pela de entrecosto.Mas nem só de comida chinesa se faz a praça. As outras comunidades muito presentes na zona são a hindu (da Índia) e a muçulmana, sobretudo paquistanesa e bengali, do Bangladesh. No Centro da Comercial da Mouraria há três lojas cheias de especiarias, frutas, molhos, farinhas, produtos vindos desta região. Mal descemos as escadas para o piso -1 entramos noutro mundo, com aromas de fábrica de Guangdong misturados com um bazar de Nova Deli.
Do lado sul, num beco curto está o Nita Cash and Carry. Conheci-o há dez anos, quando ali andei às compras com Jesus Lee, o chef do restaurante Jesus é Goês. Era lá que ele se abastecia e percebe-se porquê. Há todo o tipo de especiarias, algumas difíceis de encontrar, como a noz-moscada preta. De resto, só de lentilhas tem uma meia dúzia de variedades, mais malaguetas indianas, farinhas e óleos de todo o tipo, tudo num espaço mínimo com preços condizentes.
Para frescos, todavia, não há como contornar o Popat Store. Há sempre novidades importadas da Índia. Há umas semanas tinham chegado umas favinhas micro, óptimas. E quem quiser fazer achar de manga tem aqui a fruta indicada, também ela micro, como micro são as bananas e as beringelas.Mais uma vez, estes fornecedores não servem apenas as residências periclitantes das comunidades indiana, bengali e paquistanesa espalhadas no eixo Intendente-Mouraria. Há também restaurantes onde os locais comem e que se abastecem aqui. A maioria está espalhada pela Rua do Benformoso, uma via comprida e movimentada, paralela à Rua da Palma, cheia de lojas, que parte do Martim Moniz. Iniciando a rota aqui, seguindo para Norte, até ao Intendente, havemos de encontrar do lado direito o Pho-pu, um dos primeiros restaurantes de Lisboa a servir a célebre sopa phô vietnamita.
Pouco depois, do lado oposto, está o Bangla, o mais procurado restaurante bengali da zona. Aqui, como em todos os restaurantes do Benformoso, come-se com as mãos e a ajuda de pão indiano, uns crepes feitos no momento, excelentes para empurrar os caris da casa. Entre os meus preferidos está o caril de cabrito, mas as alternativas são muitas, com birianis, tikkas e outros clássicos indianos.
O Bangla tem também uma das ofertas mais diversificadas de doces indianos artesanais, também conhecidos por Barfi. São normalmente doces feitos com uma base de leite em pó e farinhas de trigo ou amêndoa ou até de pistáchio. Há outros cafés mais à frente onde poderá comprá-los.
Alguns destes lugares do Martim Moniz mudam de nome como o Ronaldo muda de carro. Mas importa olhar para as vitrinas de comida, seguir os aromas da Ásia no centro de Lisboa. Lembrar que os bao vêm dali.
Ide lá. Já. Mais tarde pode ser tarde.

 

Edição Nº13, Maio 2018

Nêspera

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga A grande virtude da nêspera é ser ruim. Devemos gostar da nêspera como gostamos daquele amigo caprichoso e mal-encarado. Para começar, é um fruto fugaz. Quando damos conta, já foi. Depende do clima e sabemos que o clima está a mudar, mas em Portugal aparecem normalmente só […]

TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTO Ricardo Palma Veiga

A grande virtude da nêspera é ser ruim. Devemos gostar da nêspera como gostamos daquele amigo caprichoso e mal-encarado.
Para começar, é um fruto fugaz. Quando damos conta, já foi. Depende do clima e sabemos que o clima está a mudar, mas em Portugal aparecem normalmente só entre Abril e Maio. Depois, acabou. Até para o ano. Bye, bye. Não comeste, tivesses comido.
Ora, devia haver uma comoção geral quando acaba a época, mas tristemente não é assim. A nêspera entra e sai das lojas e dos mercados sem que se oiça um lamento. Isto tem a ver com o facto de as pessoas comerem a nêspera ainda verde. As pessoas só gostam de coisas viçosas e brilhantes e uniformes, sejam humanos, sejam frutas.
Com a nêspera não é diferente. Mas devia.
A nêspera quer-se madura, já aquele maduro amachucado, vivido, eventualmente bicado de pássaros que sabem o que é bom, que sabem que por trás de uma ruga pode estar uma polpa doce, complexa, que sabe domar a acidez.
Nada se compara a essa experiência na boca e saiba que isso se reflecte no corpo. A nêspera está cheia de vitamina A, betacarotenos e outras coisas que ajudam a baixar o colesterol, a tensão arterial e a prevenir certos tipos de cancro.
Acresce que as nêsperas não são apetecíveis para cultivo intensivo. Lá está, são danadas: de apanhar, de conservar, de vender. Nem as pragas as querem. O que faz com que seja raro apanhar frutos com pesticidas ou inchados de fertilizantes e outros artifícios usados pela indústria, normalmente com prejuízo do sabor.
Ora, isto é impagável e por isso esteja atento. Procure nêsperas feias. Vai ser feliz.

PS: Se está a ler este texto no Norte de Portugal, sobretudo no Minho, é possível que conheça a nêspera por “magnório”. A designação muda também nos Açores, onde há quem lhes chame “mónica”. Mas atenção: existe um outro fruto, parecido, chamado magnório, que é de outra planta — conhecida como nespereira japonesa
Edição Nº13, Maio 2018

Café Garrett, em pleno Rossio

A bem dizer já lá estive várias vezes, umas como cliente e outras em apresentações de vinhos. E sempre gostei. TEXTO João Paulo Martins FOTO Ricardo Palma Veiga Não é preciso ser muito velho para recordar o dia em que o teatro D. Maria II ardeu. O edifício, que preenche um dos lados do quadrado […]

A bem dizer já lá estive várias vezes, umas como cliente e outras em apresentações de vinhos. E sempre gostei.

TEXTO João Paulo Martins
FOTO Ricardo Palma Veiga

Não é preciso ser muito velho para recordar o dia em que o teatro D. Maria II ardeu. O edifício, que preenche um dos lados do quadrado do Rossio, pura e simplesmente desfez-se e apenas ficaram as paredes exteriores. Corria o ano de 1964 e os lisboetas passaram a olhar para aquele edifício desolador com um misto de pena e de apreensão quanto ao futuro. Quanto tempo duraria a reconstrução? Iria haver dinheiro para isso? A nova casa ficaria semelhante à anterior? Pois foram precisos 14 anos para que o teatro abrisse de novo as portas, voltasse a ser casa de artistas e tudo isto com o 25 de Abril pelo meio, o que não terá facilitado a aceleração das obras. Não recordo o antigo “miolo” da casa, mas pelo que vi depois tudo ficou com bom gosto, respeitando o espírito arquitectónico neoclássico.
No lado do teatro que dá para a estação do Rossio nasceu há pouco tempo o Café Garrett, um restaurante que passa despercebido aos passantes. Tão despercebido que na última vez que lá estive estraram duas turistas a perguntar onde faziam o check-in, pensando que aquilo era um hotel. Apesar de não se dar por ele (não há cartazes cá fora e apenas o nome na porta o identifica), o Café Garrett começa a dar nas vistas. O chefe Leopoldo Calhau desenvolve ali um conceito muito interessante, com uma gastronomia leve, saborosa, fiel a produtos e receitas e com alguns momentos de grande originalidade como o pudim de noz da Joana, algo de chorar por mais e cuja receita o chefe não quis partilhar. Bem chorámos, mas nada.[/vc_column_text][vc_gallery type=”flickity_style” images=”27132,27130,27131″ flickity_controls=”pagination” flickity_desktop_columns=”1″ flickity_small_desktop_columns=”1″ flickity_tablet_columns=”1″ flickity_box_shadow=”none” onclick=”link_no”][vc_column_text]Apesar de se estar a ver a confusão de tróleis e turistas cá fora, o espaço restaurativo é bem tranquilo e permite o desfrute dos caldos, dos pratos de bacalhau ou carne e dos petiscos que são sugeridos como entrada e que podem até servir de refeição. Estamos ali no coração da Baixa lisboeta, o passeio higiénico a seguir ao almoço ou jantar tem imensas orientações possíveis, da Ginginha até à Manteigaria Silva, do Coliseu à Igreja de S. Domingos. É só escolher. A culinária do Chefe Leopoldo é suficientemente ligeira para que dali ninguém saia pesado. Nem a conta é de molde a amedrontar alguém.
Não sabemos bem se o Almeida Garrett gostava de línguas de bacalhau ou cabidela de galo. Mas, se não gostava, azar dele, que por aqui são petiscos que têm que se lhe diga.[/vc_column_text][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”accent-color”][vc_column_text css=”.vc_custom_1542971906668{background-position: center !important;background-repeat: no-repeat !important;background-size: contain !important;}”]

CAFÉ GARRETT
Praça Dom Pedro IV, 1249-970 Lisboa
(Tel: 211 933 532)

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Edição nº12, Abril 2018

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Aveiro, doze horas a comer entre a ria e o mar

Aveiro não é só ovos moles. Passámos um dia a comer entre a beira-mar e a Costa Nova e acabámos de barriga cheia. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Palma Veiga Mercado da Costa Nova É um dos mercados de peixe mais vibrantes e bonitos do país. Aos fins-de-semana, há caravanas de carros vindas de […]

Aveiro não é só ovos moles. Passámos um dia a comer entre a beira-mar e a Costa Nova e acabámos de barriga cheia.

TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Mercado da Costa Nova

É um dos mercados de peixe mais vibrantes e bonitos do país. Aos fins-de-semana, há caravanas de carros vindas de Aveiro para ir ali comprar bivalves e peixes frescos pescados no mar, mesmo ali ao lado. O movimento dura o dia todo, que o mercado aos sábados e domingos abre às 8h e fecha só às 18h. Um espectáculo obrigatório é ver as peixeiras a amanhar enguias vivas, com uma técnica única e letal. Compre umas quantas e faça a famosa caldeirada de enguias à pescador, seguindo a receita da peixeira residente Ana Catarina, há dez anos no ofício. Se lhe der fome, vá ao talho mesmo ao lado e compre uns rissóis do torresmo, fritos na casa. Quem não caça com peixe, caça com carne.

Caldeirada de enguias à pescador:
“Numa panela junta-se sal de unto (banha com sal marinho), cebola, alho, salsa e bastante azeite. Coloca-se o louro, água, as batatas e pimenta branca. No final juntam-se as enguias e deixam-se cozinhar.”

Restaurante Dóri

Mesmo junto ao mercado está um dos melhores restaurantes de peixe da nossa costa. O Dóri é uma instituição da Costa Nova, mas, ao contrário de outras instituições, não se deixou adormecer pelo sucesso. Nuno Tavares, na sala, e Vera Fonseca, na cozinha, há 12 anos que zelam para que toda a gente dali saia feliz. O peixe é todo de mar, comprado na lota no dia anterior e tratado muito bem, seja na grelha, no tacho ou na fritadeira. Um almoço de sonho pode começar com o fresquíssimo paté de sapateira caseiro, continuar com uma salada de polvo, umas amêijoas à Bulhão Pato (bem gordas), lingueirão na chapa com alho e coentros, choco frito, petingas fritas e depois um peixe de mar grelhado, uma caldeirada de enguias ou a feijoada de sames. Imperdíveis, nas sobremesas, o pudim do Abade de Priscos e a clássica nata do céu.

Ovos moles da Maria da Apresentação

Depois de dar um passeio ao longo da ria, no centro da cidade, está na hora de pensar nos outros. Ir a Aveiro e não trazer ovos moles é uma afronta. A oferta é muita e de qualidade, mas a oficina da Maria da Apresentação, uma casa criada em 1882, é uma experiência à parte. Os ovos ainda são moldados à mão e fazem uso de ovos frescos de qualidade, um dos segredos do sucesso. Se quiser participar na confecção, há workshops regularmente, com a duração de meia hora. Reserve com pelo menos cinco dias de antecedência para reservas@m1882.com.

Feitoria do Cacao

Fora do centro da cidade, fica esta oficina de chocolate, um pequeno templo do cacau, já com quatro prémios internacionais e dois nacionais. À entrada, há sacos de serapilheira de cacau da Tanzânia num desarrumo pensado e o aroma é extraordinário. Susana Tavares, metade da empresa (a outra metade é a japonesa Tomoko Suga), está quase sempre a atender e explica-lhe tudo sobre o processo de transformação, do fruto à tablete. A aposta da marca é no contacto com pequenos produtores, estejam eles na Tanzânia, nos confins da Nicarágua ou em Vila do Conde. Uma das suas últimas criações foi precisamente um chocolate feito com o chá matcha Camélia, produzido em Vila do Conde por Dirk Niepoort e Nina Gruntkowski. Alerta: depois de provar os chocolates da Feitoria do Cacao vai ser difícil voltar aos outros.

Flor de Aveiro

Na porta ao lado da Feitoria está a Flor de Aveiro, uma das pastelarias mais reputadas da cidade. Grande parte da fama tem a ver com um único bolo, o morgado do Buçaco. Segundo o dono, o pasteleiro Pedro Ferrão, este morgado era um dos bolos que se ofereciam aos hóspedes no Bussaco Palace Hotel, em tempos. Ferrão recuperou a receita, passada pela doceira da terra Teresa Faria, e acrescentou-lhe os ovos moles de Aveiro, que entremeiam várias camadas de panquecas de noz. Saiba que também o bolo-rei e o bolo-rainha são premiados e que os ovos moles valem por si.

Ostraveiro

Está na hora de voltar à ria. Mesmo junto ao Museu da Troncalhada fica a produção de bivalves de Sandro Sousa. Na Ostraveiro, para além de poder fazer uma visita guiada às piscinas onde as ostras (e não só) são produzidas, pode depois comê-las no local, no cenário magnífico da ria, iluminada pelo pôr-do-sol. As ostras podem ser comidas ao natural ou gratinadas, mas o prato bandeira é o berbigão no pão. As visitas guiadas custam 7€, com degustação fica em 25€. Reserve para o número 966 979 123.

Salpoente

Situado num antigo armazém de sal, fica um dos restaurantes mais afamados pela forma como trata o bacalhau. À frente da cozinha está Duarte Eira, que se especializou na confecção do fiel amigo, com formação em Portugal e na Noruega, mas num registo de chef, com composições elegantes e a introdução de elementos gourmet. A não perder, o lombo de bacalhau assado com estufadinho de sames e chouriço de Barrancos. Do lado dos vinhos, conte com uma garrafeira bem fornecida e serviço competente. Os preços rondam os 35 euros por pessoa, à carta, mas pense positivo: despede-se em grande da cidade.

Edição nº12, Abril 2018